Relatório - A9-0388/2023Relatório
A9-0388/2023

RELATÓRIO sobre a diversidade cultural e a situação dos autores no mercado europeu de difusão de música em contínuo

4.12.2023 - (2023/2054(INI))

Comissão da Cultura e da Educação
Relator: Ibán García Del Blanco

Processo : 2023/2054(INI)
Ciclo de vida em sessão
Ciclo relativo ao documento :  
A9-0388/2023
Textos apresentados :
A9-0388/2023
Debates :
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PR_INI

ÍNDICE

Página

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

ANEXO: ENTIDADES OU PESSOAS DE QUEM O RELATOR RECEBEU CONTRIBUTOS

INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

VOTAÇÃO NOMINAL FINAL NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

 



 

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre a diversidade cultural e a situação dos autores no mercado europeu de difusão de música em contínuo

(2023/2054(INI))

O Parlamento Europeu,

 Tendo em conta o artigo 167.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

 Tendo em conta a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais,

 Tendo em conta a Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE[1],

 Tendo em conta o Regulamento (UE) 2021/818 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2021, que cria o Programa Europa Criativa (2021‑2027) e revoga o Regulamento (UE) n.º 1295/2013[2],

 Tendo em conta o Regulamento (UE) 2022/1925 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de setembro de 2022, relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital e que altera as Diretivas (UE) 2019/1937 e (UE) 2020/1828 (Regulamento dos Mercados Digitais)[3],

 Tendo em conta o Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais)[4],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 14 de dezembro de 2022, sobre a execução da Nova Agenda Europeia para a Cultura e da Estratégia da UE para as Relações Culturais Internacionais[5],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 20 de outubro de 2021, sobre os meios de comunicação social da Europa na Década Digital: plano de ação para apoiar a recuperação e a transformação[6],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 20 de outubro de 2021, sobre a situação dos artistas e a recuperação cultural na UE[7],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 19 de maio de 2021, sobre a inteligência artificial na educação, na cultura e no setor audiovisual[8],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 20 de outubro de 2020, que contém recomendações à Comissão sobre o regime relativo aos aspetos éticos da inteligência artificial, da robótica e das tecnologias conexas[9],

 Tendo em conta a sua resolução, de 20 de outubro de 2020, sobre os direitos de propriedade intelectual para o desenvolvimento de tecnologias ligadas à inteligência artificial[10],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 17 de setembro de 2020, sobre a recuperação cultural da Europa[11],

 Tendo em conta o artigo 54.º do seu Regimento,

 Tendo em conta o relatório da Comissão da Cultura e da Educação (A9‑0388/2023),

A. Considerando que o setor da música é um pilar importante da cultura por ser um componente vital da diversidade cultural e linguística na União e chegar a um público mais vasto do que qualquer outro setor cultural e criativo (SCC);

B. Considerando que o setor da música constitui uma parte importante do SCC e é reconhecido como um dos 14 principais ecossistemas para a construção da economia europeia, uma vez que proporciona crescimento e criação de empregos, nomeadamente para os jovens;

C. Considerando que os compositores, os letristas e os intérpretes estão na base da cadeia de valor do setor musical e são as principais forças motrizes criativas de toda a música distribuída nas plataformas de difusão em fluxo contínuo;

D. Considerando que as rápidas inovações nas tecnologias digitais ao longo das duas últimas décadas transformaram profundamente o setor da música, em particular a forma como a música é criada, produzida e distribuída, e a forma como ela é disponibilizada às pessoas para consumo;

E. Considerando que o setor da música está constante e rapidamente a adaptar‑se, com novos modelos empresariais, novas formas de interação com o público e a utilização de plataformas complementares, como as plataformas de redes sociais ou as aplicações de vídeo em formato curto que criam novas oportunidades e desafios; que, neste contexto, é necessário dar resposta a desafios significativos, notadamente a promoção da diversidade cultural e a justa remuneração dos autores;

F. Considerando que a principal forma de as pessoas desfrutarem de música é através de serviços de difusão de música em fluxo contínuo, utilizando plataformas de música digital ou plataformas em que os utilizadores em linha adicionam conteúdos, incluindo as plataformas de redes sociais, aplicações de transmissão de espetáculos em direto ou de vídeos de curta duração, que permitem aceder a até 100 milhões de faixas disponíveis em qualquer lugar, a qualquer momento e em todos os tipos de aparelhos, a título gratuito ou mediante uma assinatura mensal com um custo comparativamente baixo;

G. Considerando que a difusão em fluxo contínuo representa 67 % das receitas mundiais do setor da música[12]; que o setor da música a nível mundial regista um crescimento sustentado, culminando em 2022 com o oitavo ano consecutivo de crescimento e receitas anuais de 22,6 mil milhões de USD; que o número crescente de investidores no setor da música revela o seu enorme valor económico geral;

H. Considerando que, frequentemente, os autores e intérpretes não são reconhecidos ou remunerados de uma forma que reflita a verdadeira dimensão do seu contributo, uma vez que a maioria dos autores recebe uma remuneração muito baixa do mercado da difusão de música em fluxo contínuo, fazendo com que muitas vezes sejam incapazes de manter as suas carreiras profissionais, o que cria um desequilíbrio significativo ao longo do tempo que tem de ser abordado[13]; que é necessário explorar modelos mais justos de atribuição das receitas da difusão em fluxo contínuo para autores e intérpretes, analisando os diferentes mecanismos existentes, tais como modelos proporcionais e centrados no utilizador, ou outros totalmente novos; que os critérios utilizados pelas plataformas para contabilizar os fluxos também podem ter impacto nas práticas de manipulação da difusão em fluxo contínuo;

I. Considerando que os estudos indicam que a situação atual se caracteriza por novos desafios, bem como por vários problemas sistémicos de longa data que o setor da música continua a enfrentar, em particular um declínio do valor global dos produtos, uma concentração das receitas nas principais editoras discográficas e nos artistas mais populares, a falta de dados de qualidade para identificar corretamente os autores, intérpretes ou outros titulares de direitos, a manipulação da difusão em fluxo contínuo, assim como a utilização ilegal de conteúdos musicais por prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e por plataformas e lojas de aplicações em linha dominantes; recorda que todos estes fatores afetam a equidade e a sustentabilidade das receitas geradas pelo mercado da difusão de música em fluxo contínuo;

J. Considerando que o preço médio de uma subscrição mensal de um serviço de difusão de música em fluxo contínuo não aumentou ao longo dos anos, desde o lançamento de tais serviços, especialmente tendo em conta a inflação e o amplo aumento em termos de conteúdo disponível;

K. Considerando que os direitos dos autores não devem ser considerados um bem gratuito para servir as estratégias comerciais e promocionais dos serviços de música;

L. Considerando que as plataformas de difusão de música em fluxo contínuo, através da utilização de algoritmos e de sistemas de recomendação, desempenham um papel essencial na visibilidade do conteúdo e, por conseguinte, têm um impacto significativo na diversidade cultural; que também podem influenciar, selecionar ou inflacionar a visibilidade de determinadas faixas e, por conseguinte, as receitas dos autores e compositores, bem como de outros intervenientes do SCC europeu;

M. Considerando que as plataformas de difusão de música em fluxo contínuo devem prosseguir os seus esforços com vista a aumentar, de um modo geral, a transparência e a rastreabilidade em muitos aspetos operacionais de grande relevância para os autores, intérpretes e outros titulares de direitos; que as plataformas de difusão de música em contínuo não são obrigadas a assegurar a transparência dos seus algoritmos e das suas ferramentas de recomendação, nem a garantir a promoção de obras musicais europeias;

N. Considerando que a promoção da diversidade cultural no mercado europeu da difusão de música em fluxo contínuo, incluindo a promoção de artistas europeus em todo o mundo, deve ser objeto de uma análise mais aprofundada, a fim de libertar todo o potencial do SCC europeu, que não pode depender apenas das decisões comerciais dos operadores privados dominantes a nível mundial;

O. Considerando que o setor da música é cada vez mais confrontado com o aumento dos conteúdos gerados pela IA e que, todos os dias, um número crescente de faixas de música inunda as plataformas de difusão em fluxo contínuo, o que pode agravar os desequilíbrios existentes no que diz respeito à visibilidade e à remuneração dos autores; que o desenvolvimento de tecnologias de IA deve, ao invés, servir e melhorar a criatividade humana e que a sua utilização deve ser transparente;

P. Considerando que vários estudos identificaram casos de fraude e manipulação na difusão de música em fluxo contínuo, uma vez que alguns intervenientes atuam no sentido de manipular o sistema para reduzir as receitas que deveriam ser canalizadas para os autores e intérpretes, por exemplo, recorrendo a bots para inflacionar artificialmente o número de ouvintes de algumas faixas adicionadas[14]; que os sistemas de deteção e os mecanismos de identificação para atenuar este comportamento fraudulento nas plataformas de difusão de música em fluxo contínuo são, até à data, limitados;

Q. Considerando que é importante assegurar o bom funcionamento do mercado único para a distribuição de música em linha; que, por conseguinte, devem ser envidados mais esforços específicos para abordar e eliminar estas discrepâncias e desequilíbrios, tendo em conta o seu impacto no mercado, nomeadamente no que diz respeito à partilha de receitas provenientes das plataformas de difusão em fluxo contínuo; que, para o efeito, devem ser realizados mais estudos e análises para recolher dados e identificar fatores que possam criar obstáculos à circulação de conteúdos musicais em toda a Europa;

R. Considerando que a identificação adequada dos autores é crucial não só para o seu reconhecimento e melhor remuneração, mas também para garantir a diversidade e a transparência nas plataformas;

1. Salienta a necessidade de apoiar e criar regras que assegurem um ecossistema justo e sustentável para a difusão de música em fluxo contínuo na União, que promova a diversidade cultural e aborde os desequilíbrios que prejudicam o setor, em especial os autores e intérpretes, e que podem impossibilitar o seu desenvolvimento;

2. Realça que todos os intervenientes na cadeia de valor da difusão de música em fluxo contínuo devem encetar um diálogo eficaz, que inclua os autores e os intérpretes, e realizar as mudanças necessárias de modo a assegurar um ecossistema justo, inclusivo e sustentável no setor, que lhe permita contribuir para a diversidade cultural, ao proporcionar oportunidades para descobrir artistas, bem como ao promover repertórios locais;

3. Observa com preocupação que o atual desequilíbrio na afetação de receitas no mercado da difusão de música em fluxo contínuo prejudica tanto os autores como os intérpretes e põe em risco a sustentabilidade das suas carreiras profissionais no mercado digital; congratula‑se com todos os esforços no sentido de alcançar uma remuneração mais justa dos autores e intérpretes, em reconhecimento da importância do seu papel no setor musical europeu;

4. Insta a Comissão a avaliar o impacto das práticas contratuais existentes no mercado europeu da difusão de música em fluxo contínuo, bem como do atual modelo de distribuição de receitas para os serviços de difusão de música em fluxo contínuo, na diversidade cultural e no princípio da remuneração adequada e proporcionada dos autores e intérpretes, e exorta‑a a explorar, em cooperação com as partes interessadas pertinentes, medidas adequadas, incluindo modelos alternativos e mais justos de reafetação das receitas da difusão em fluxo contínuo; apela à Comissão para que analise se existe um alto nível de concentração na indústria musical e avalie o seu impacto na diversidade cultural, na remuneração dos autores e na concorrência;

5. Solicita às partes interessadas que tomem todas as medidas necessárias para superar os atuais desequilíbrios e insta a Comissão a acompanhar e incentivar os progressos neste domínio, assim como a ponderar propostas políticas adequadas, no caso de as iniciativas voluntárias das partes interessadas não produzirem soluções concretas;

Rumo a um ecossistema sustentável para os autores

6. Ressalta que o papel fundamental dos autores deve refletir‑se numa maior visibilidade nos serviços de difusão de música em fluxo contínuo e numa distribuição mais equilibrada das receitas desta difusão; insta a indústria a explorar novos modelos de afetação de receitas da difusão em fluxo em contínuo, a fim de assegurar uma distribuição tão equitativa e justa quanto possível para os autores e intérpretes;

7. Incentiva a Comissão a avaliar se a utilização de novas tecnologias, como a cadeia de blocos e os códigos de identificação internacional dos titulares de direitos, obras musicais e gravações de som, tem potencial para melhorar a transparência e a eficiência em termos de custos no mercado da difusão de música em fluxo contínuo, em particular no que toca à exatidão dos metadados e à remuneração, especialmente para os autores e intérpretes; lamenta que, de um modo geral, os serviços de difusão de música em fluxo contínuo não estejam sujeitos a requisitos de transparência e identificação suficientes;

8. Sublinha a importância de os autores se tornarem membros de organizações de gestão coletiva para garantir o direito a convenções coletivas e à representação coletiva; frisa que as negociações coletivas através das sociedades de autores visam assegurar um valor adequado para a utilização das obras dos autores no mercado da difusão de música em fluxo contínuo, bem como facilitar um acesso mais equitativo aos mercados e à diversidade cultural na União; recorda a importância da Diretiva 2014/26/UE[15], que proporciona o quadro para a concessão de licenças multiterritoriais em linha dos direitos de autor para serviços de difusão de música em fluxo contínuo, assegura a liberdade de escolha dos autores na seleção da forma mais eficiente de gerir os seus direitos de remuneração e estabelece um elevado nível de transparência e regras de boa governação para as organizações de gestão coletiva, que são cruciais para a gestão eficaz dos repertórios presentes nas plataformas de difusão de música em fluxo contínuo;

9. Ressalta que é essencial melhorar a identificação de qualquer pessoa envolvida no processo de criação, em particular de autores e intérpretes, nos serviços de difusão de música em fluxo contínuo, assegurando a atribuição completa e precisa de metadados, desde o momento da criação, para qualquer faixa adicionada a um serviço de difusão de música em fluxo contínuo; incentiva, neste contexto, a utilização de todos os códigos de identificação internacionais (IPI[16], ISWC[17], ISRC[18], IPN[19] e ISNI[20]); destaca que a identificação adequada dos criadores é fundamental para a pesquisa de obras e respetiva visibilidade, assim como permite que os criadores sejam devidamente remunerados aquando da distribuição das receitas.

10. Insta todos os intervenientes do setor da música a intensificarem os esforços no sentido de assegurar a atribuição de metadados completos e corretos às canções, identificando e indicando com exatidão os dados dos autores nas suas obras musicais em serviços de difusão em fluxo contínuo, inclusivamente quando os conteúdos adicionados são criados por autores totalmente independentes;

11. Realça a necessidade de sensibilizar as partes interessadas, em particular os jovens autores, para a importância de serem devidamente reconhecidos e remunerados pela sua música no mercado da difusão em fluxo contínuo; acolhe com agrado os programas e iniciativas de investigação pertinentes, nomeadamente a nível internacional, e insta a Comissão a explorar formas de apoiar essas iniciativas;

12. Recorda a necessidade de garantir o valor dos direitos dos autores independentemente do que oferecem os serviços de difusão de música em fluxo contínuo; observa que vários estudos recentes[21],[22] indicam que a maioria dos autores e intérpretes não recebe rendimentos suficientes da difusão de música em fluxo contínuo; defende a revisão das taxas de royalties anteriores à era digital, com vista a dispor de taxas justas e modernas; condena a existência de quaisquer esquemas, como os chamados esquemas «payola», que obrigam os autores a aceitar uma remuneração mais baixa, ou nenhuma remuneração, em troca de uma maior visibilidade, diminuindo assim ainda mais as já baixas receitas dos autores provenientes da difusão de música em fluxo contínuo, especialmente tendo a conta que a promessa de maior visibilidade continua por cumprir na maioria dos casos;

13. Observa que a concorrência entre os fornecedores de música em fluxo contínuo no mercado europeu é dominada por alguns intervenientes a nível mundial; relembra a necessidade de uma rápida aplicação do Regulamento dos Mercados Digitais e do Regulamento dos Serviços Digitais, a fim de assegurar um ecossistema justo ao pôr termo às práticas de concorrência desleal por parte das plataformas de partilha de conteúdos e dos fornecedores de serviços de difusão de música em fluxo contínuo neste mercado, como aqueles que permitem aos utilizadores reproduzir ou descarregar conteúdos protegidos; frisa a necessidade de transparência e de um controlo eficaz a este respeito; salienta a necessidade de eliminar essas infrações cometidas nas plataformas ou pelas plataformas, bem como nas lojas de aplicações;

14. Sublinha a importância de assegurar o investimento em novos talentos e música europeus, inclusivamente artistas locais, de nicho e artistas de comunidades vulneráveis, através de instrumentos de financiamento adequados, incluindo o Programa Europa Criativa, para impulsionar o investimento em formas mais diversificadas de repertório em termos linguísticos ou de género, assim como na disponibilização de competências digitais e na transformação digital dos modelos empresariais, e salienta a necessidade de sensibilizar os autores para os seus direitos;

15. Apoia a promoção da partilha de informações nas plataformas sobre a organização de espetáculos ao vivo dos artistas, especialmente no que diz respeito aos artistas locais, de forma a facilitar novas descobertas e uma maior visibilidade;

16. Solicita a todas as partes interessadas no setor da difusão de música em fluxo contínuo que trabalhem em conjunto para avaliar e reduzir a pegada de carbono da música digital;

Proeminência e visibilidade das obras musicais europeias

17. Apela a que sejam tomadas medidas a nível da União para garantir a visibilidade e a acessibilidade das obras musicais europeias, tendo em conta a profusa quantidade de conteúdos, em constante crescimento, disponível nas plataformas de difusão de música em fluxo contínuo e a falta de regras da União para as regular de uma forma harmonizada;

18. Congratula‑se com o estudo lançado pela Comissão que visa avaliar a visibilidade de obras musicais europeias no ecossistema musical, nomeadamente através de serviços de difusão de música em fluxo contínuo; solicita à Comissão que, com base nestes resultados, proponha medidas adequadas, incluindo um quadro jurídico para assegurar a visibilidade, a acessibilidade e a proeminência das obras musicais europeias nas plataformas de difusão de música em fluxo contínuo;

19. Exorta a Comissão, neste contexto, a assegurar que este quadro jurídico incluirá indicadores de diversidade específicos que permitam realizar uma avaliação independente da utilização e da visibilidade das obras musicais europeias e da sua diversidade em termos de géneros, línguas e autores independentes;

20. Realça, além disso, que um tal quadro jurídico exigirá que a Comissão identifique as melhores práticas para testar conteúdos diversificados promovidos em interfaces de plataformas e que acompanhe e apresente relatórios sobre esta matéria com base numa metodologia clara para compreender e avaliar a visibilidade das obras musicais europeias, designadamente em listas reprodução previamente organizadas, interfaces de utilizador, opções algorítmicas e sistemas de recomendação, a fim de garantir proeminência e visibilidade;

21. Insta a Comissão a recolher dados e a realizar uma análise exaustiva destinada a assegurar a visibilidade das obras musicais europeias em serviços de difusão de música em fluxo contínuo, bem como a criar um diálogo estruturado entre todas as partes envolvidas; solicita à Comissão, com base nas conclusões, que pondere a possibilidade de impor medidas concretas, tais como quotas relativas às obras musicais europeias, em plataformas de difusão de música em fluxo contínuo;

22. Insta a Comissão e os Estados‑Membros a avaliarem formas adequadas de preservar o património musical europeu digital, reduzindo simultaneamente a dependência de facto das plataformas comerciais de difusão de música em fluxo contínuo, de forma a garantir a disponibilidade e a acessibilidade das obras musicais europeias a longo prazo;

Rumo a uma utilização ética da IA

23. Apela à utilização ética da IA no SCC, incluindo na música, e salienta que a IA pode ser um instrumento para os artistas explorarem, inovarem e melhorarem as suas próprias criações; salienta a necessidade de assegurar o cumprimento de todos os requisitos legais da União em matéria de desenvolvimento, produção e entrega de obras musicais através de tecnologias de IA, solicitando a máxima transparência; frisa que é necessário abordar as implicações específicas das utilizações da IA no SCC;

24. Insta a Comissão a propor disposições jurídicas específicas para garantir a transparência dos algoritmos e dos sistemas de recomendação de conteúdos em todas as plataformas pertinentes de difusão de música em fluxo contínuo, com vista a prevenir práticas desleais e a fraude na difusão em fluxo contínuo, que são utilizadas com o objetivo de diminuir os custos e reduzir ainda mais as receitas dos autores profissionais; solicita aos serviços de música que continuem a investir em instrumentos adequados para identificar essas atividades;

25. Salienta que o aumento dos conteúdos gerados pela IA conduziu a um número crescente de faixas adicionadas às plataformas de difusão em fluxo contínuo, pelo que é ainda mais importante assegurar a proeminência e a visibilidade das obras musicais europeias; realça que o público deve saber se está a ouvir obras musicais, canções ou artistas em plataformas de difusão de música em fluxo contínuo que foram gerados sobretudo por IA e/ou sem o contributo substancial de autores humanos; destaca, a este respeito, que é necessário trabalhar no sentido de garantir que os consumidores estão bem informados e frisa a necessidade de criar atempadamente um rótulo claro e visível para informar o público sobre obras exclusivamente geradas pela IA que não envolvam a expressão da personalidade ou da criatividade do autor;

26. Saúda o diálogo entre as partes interessadas para combater a propagação de falsificações profundas (deepfakes) nas plataformas de difusão de música em fluxo contínuo e apela a que os interesses dos autores e dos intérpretes sejam tidos em conta; recorda que as falsificações profundas são produtos produzidos por modelos e aplicações de IA que podem utilizar as identidades, as vozes e a aparência dos autores e artistas sem o seu consentimento; preconiza uma maior utilização de instrumentos de identificação para detetar falsificações profundas e conteúdos manipulados e solicita a criação de mecanismos de denúncia facilmente acessíveis para os autores, intérpretes e outros titulares de direitos;

27. Sublinha que os autores, intérpretes e outros titulares de direitos devem poder reservar os direitos ou conceder a licença destes para a utilização do seu trabalho no âmbito de atividades de treino, desenvolvimento ou conceção no domínio da IA para além da investigação científica; destaca, a este respeito, a necessidade de transparência a nível dos conteúdos de treino protegidos ao abrigo da legislação em matéria de direitos de autor para efeitos de sistemas de IA generativos, a fim de assegurar que estão em conformidade com a legislação da União ou nacional aplicável em matéria de direitos de autor, e salienta que, por conseguinte, os fornecedores desses sistemas generativos de IA devem documentar e disponibilizar ao público um resumo suficientemente pormenorizado da utilização desses dados de treino, independentemente do local onde esse treino tenha tido lugar, de modo a permitir a correta aplicação da exceção de prospeção de textos e dados prevista no direito da União em matéria de direitos de autor;

Perspetivas

28. Insta a Comissão a criar um observatório europeu da música com o intuito de fornecer informações sobre os mercados da música na União, através da recolha e análise de dados nos Estados‑Membros, bem como de analisar e apresentar relatórios sobre questões jurídicas que afetem o setor da música, em particular o mercado da difusão de música em fluxo contínuo, com vista a desenvolver o setor;

29. Insta a Comissão a melhorar ainda mais o Programa Europa Criativa, em especial através de medidas abrangentes em matéria de música;

30. Salienta que a música tem um grande potencial para promover ainda mais a cultura, a história, o património, os valores e a diversidade europeus; considera que a música também pode contribuir para o poder de influência da União; destaca que a União deve focar‑se especialmente na promoção dos artistas europeus em países terceiros; exorta a Comissão, a este respeito, a elaborar uma estratégia europeia global de exportação para as obras musicais europeias;

31. Convida a Comissão a estabelecer um diálogo estruturado entre todas as partes interessadas, a fim de debater os desafios atuais que afetam o mercado da difusão de música em fluxo contínuo e a trabalhar em conjunto para encontrar soluções comuns rumo a uma distribuição mais justa das receitas provenientes das plataformas de difusão de música em fluxo contínuo, em particular para autores, intérpretes e pequenos ou microprodutores independentes, paralelamente às suas propostas legislativas previstas em matéria de transparência dos algoritmos e de proeminência das obras musicais europeias;

32. Convida a Comissão a ponderar introduzir uma estratégia industrial europeia para a música, de forma a que a União participe na promoção da diversidade dos seus artistas e obras musicais, centrando‑se na força e na variedade do setor musical europeu, impulsionando intervenientes de mais pequena dimensão, obtendo mais investimento, oferecendo maior visibilidade aos artistas e quantificando os resultados;

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33. Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.



EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A aceleração da transformação digital que as nossas sociedades atravessam atualmente está a causar desajustamentos nas interligações sociais tradicionais, cuja correção ou transformação é dificultada pela própria velocidade da mudança. Todos os mercados sofreram desequilíbrios, uns mais pronunciados do que outros, dependendo dos casos. Estas mudanças também não pouparam o setor cultural. O fenómeno do consumo em linha (com o consequente flagelo da pirataria digital), o aumento exponencial das criações disponibilizadas a nível mundial e o consequente aumento do consumo e da concorrência, a utilização de novas ferramentas no processo de criação, a explosão da inteligência artificial e a chegada recente dos «mundos virtuais», ou metaversos, conduziram a um reequilíbrio dos participantes na cadeia de valor, fazendo até surgir novas figuras enquanto outras praticamente desapareceram. Duas características bem conhecidas do ecossistema cultural são a sua fragilidade e precariedade. Dada a rapidez com que ocorreram as mudanças e a reação insuficiente e tardia em termos legislativos, é fácil perceber a razão pela qual este setor teve e tem mais dificuldade do que os outros em se adaptar a uma nova realidade, principalmente no que diz respeito às condições dos artistas e criadores, mas também em toda a cadeia de valor.

Podemos afirmar que, de todos os subsetores da cultura, a música é um dos que foram mais gravemente afetados pela mudança. Em poucos anos, passámos do disco de vinil ou dos CD ao consumo generalizado em linha. Atualmente, o público consome música em fluxo contínuo (streaming) através de plataformas em linha que operam a nível mundial e disponibilizam milhões de obras musicais (até 300 milhões), estando o próprio modelo de rádio musical em declínio. Nunca foi consumida tanta música no mundo nem se teve tanto acesso a uma variedade infinita de artistas, estilos e formas como hoje. O «bolo» económico da música nunca foi tão grande como é agora. Porém, esta realidade é paradoxal: a situação dos criadores e intérpretes nunca foi tão precária como é hoje, exceto para um pequeno número de artistas de grande sucesso, e a variedade de estilos de maior consumo nunca foi tão reduzida.

Assistimos, com efeito, a uma mercantilização extrema da experiência musical, em que as variedades estilísticas minoritárias e as línguas menos faladas têm cada vez menos expressão e visibilidade, mesmo nos seus países de origem. A criação de um grande mercado mundial de música em linha conduziu a uma oferta cada vez mais uniforme, modelada por listas de recomendações e algoritmos que delimitam cada vez mais os gostos do público.

É difícil para os autores ou intérpretes de estilos minoritários ou experimentais terem visibilidade no meio da grande oferta das plataformas. O facto de um artista não constar das listas das principais recomendações ou do ecrã inicial destas plataformas é uma condenação à irrelevância. Hoje em dia, nem sequer as rádios têm poder suficiente para colocar novos nomes no mercado. As únicas alternativas são outras redes sociais, que empobrecem ainda mais a experiência artística.

A necessidade de aumentar a presença nos motores de recomendação conduziu a práticas como os esquemas «payola», através dos quais os autores aceitam pagamentos inferiores em troca de uma maior visibilidade. Trata‑se de uma prática com um impacto dramático, sobretudo considerando que as receitas auferidas pelos criadores e intérpretes através dos direitos devidos pelo consumo das suas obras em fluxo contínuo são deveras irrisórias. Artistas com centenas de milhares de reproduções anuais das suas obras não conseguem ser financeiramente independentes através deste meio, refugiando‑se nos concertos em direto, no ensino ou noutras atividades alternativas. Esta situação é simplesmente insustentável.

É imperativo realizar uma análise exaustiva da cadeia de valor do setor da música, a fim de identificar onde se encontram os seus desequilíbrios e introduzir medidas corretivas através de instrumentos jurídicos e/ou de códigos de conduta. Esta análise não deve ser orientada por preconceitos, mitos ou pela demonização de alguns intervenientes do mercado da música. Todos os intervenientes desempenham um papel útil e, em todo o caso, todos precisam de uma ação equilibradora que garanta a sustentabilidade e a emergência de novos artistas e propostas musicais.

«Unida na diversidade», reza o lema da União Europeia. Esta frase, enunciada no preâmbulo do nosso tratado fundador, comporta dois sentidos essenciais, um como constatação e outro como mandato:

 É através da cultura que construímos o nosso projeto de civilização. A União Europeia, sem a cultura que todas as comunidades humanas que a integram trazem consigo, é uma mera concha vazia sem alma.

 A UE tem a obrigação de assegurar essa diversidade, sem a qual o projeto perde o sentido. Esta diversidade não se resume ao domínio linguístico ou etnográfico, englobando também a proteção da riquíssima fonte criativa das nossas sociedades.

Com base nesta dupla interpretação do nosso mote, a União Europeia legiferou em várias ocasiões para proteger expressões culturais e os direitos dos artistas e criadores, tanto em formato físico como digital. Hoje, é necessário tomar medidas que garantam a sustentabilidade do setor criativo musical e permitam criar riqueza, não só espiritual, mas também económica. O presente relatório é uma recomendação desenvolvida pela Comissão da Cultura e da Educação do Parlamento Europeu para cumprir a nossa responsabilidade neste âmbito. O texto, debatido em cooperação estreita com o setor, visa identificar os problemas deste mercado e propor soluções para os mesmos.

«A vida sem música seria simplesmente um erro, uma tarefa árdua, um exílio», dizia Nietzsche; a música é provavelmente a experiência artística mais metafísica, inexplicável e inapreensível de que os seres humanos podem desfrutar, esse «encantamento» de que também falava Nietzsche. Está nas nossas mãos fazer todos os possíveis para que a nossa Europa não perca a magia.


 

 

 

 

 

 

ANEXO: ENTIDADES OU PESSOAS DE QUEM O RELATOR RECEBEU CONTRIBUTOS

Em conformidade com o artigo 8.º do anexo I do Regimento, o relator declara ter recebido contributos das seguintes entidades ou pessoas singulares aquando da preparação do relatório, até à sua aprovação em comissão:

Entidade e/ou pessoa singular

AEPO‑ARTIS

GESAC, European Grouping of Societies of Authors and Composers

ECSA, European Composer & Songwriter Alliance

IFPI, International Federation of the Phonographic Industry

IMPALA, Independent Music Companies Association (IMPALA)

ICMP, International Confederation of Music Publishers (ICMP)

IMPF, Independent Music Publishers International Forum

EMMA, European Music Managers Alliance

CreativityWorks!

CISAC

MIDEM+, Marché International du Disque et de l'Edition Musicale

Fair MusE consortium

PEARLE

SGAE, Sociedad General de Autores y Editores de España

Warner Music Station Madrid

Promusicae, Productores de Música en Espana

AIE, Asociación de Artistas Intérpretes o Ejecutantes de España

PRSforMusic: Mechanical‑Copyright Protection Society & Performing Right Society.

Digital Music Europe

Spotify

Apple Music

Amazon

Google. Youtube

Sony Music Entertainement

Universal Music Group

European Coalitions for Cultural Diversity

Métamusique

Music Rights Awareness Foundation

Salt

Pivotaleconomics.com

 

 

A lista acima é elaborada sob a responsabilidade exclusiva do relator.

INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

Data de aprovação

28.11.2023

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

23

3

1

Deputados presentes no momento da votação final

Asim Ademov, Andrea Bocskor, Ilana Cicurel, Laurence Farreng, Tomasz Frankowski, Chiara Gemma, Catherine Griset, Sylvie Guillaume, Hannes Heide, Irena Joveva, Petra Kammerevert, Niyazi Kizilyürek, Niklas Nienaß, Marcos Ros Sempere, Monica Semedo, Andrey Slabakov, Michaela Šojdrová, Sabine Verheyen, Theodoros Zagorakis, Milan Zver

Suplentes presentes no momento da votação final

João Albuquerque, Ibán García Del Blanco, Łukasz Kohut, Marcel Kolaja, Emmanuel Maurel, Wolfram Pirchner, Rob Rooken

 


 

VOTAÇÃO NOMINAL FINAL NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

23

+

ID

Catherine Griset

NI

Andrea Bocskor

PPE

Asim Ademov, Tomasz Frankowski, Wolfram Pirchner, Michaela Šojdrová, Sabine Verheyen, Theodoros Zagorakis, Milan Zver

Renew

Ilana Cicurel, Laurence Farreng, Irena Joveva, Monica Semedo

S&D

João Albuquerque, Ibán García Del Blanco, Sylvie Guillaume, Hannes Heide, Petra Kammerevert, Łukasz Kohut, Marcos Ros Sempere

The Left

Niyazi Kizilyürek, Emmanuel Maurel

Verts/ALE

Niklas Nienaß

 

3

ECR

Rob Rooken, Andrey Slabakov

Verts/ALE

Marcel Kolaja

 

1

0

ECR

Chiara Gemma

 

Legenda dos símbolos utilizados:

+ : votos a favor

 : votos contra

0 : abstenções

 

 

Última actualização: 8 de Dezembro de 2023
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