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LEFEBVRE. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora, 2011.
CAP
O fenômeno urbano manifesta hoje sua enormidade, desconcertante para a reflexão teórica,
para a ação prática e mesmo para a imaginação. P. 7 cinema
A filosofia reencontra o médium (meio e mediação) de seus primórdios – a Cidade – numa
escala colossal e completamente isolada da natureza; p. 7 cidade enquanto locus de
produção de conhecimento.
[...] o urbanismo torna-se ideologia e prática. P. 10
Problemática urbana: fruto de industrialização. Característica inerente à sociedade moderna.
Aproximação entre cidade e capitalismo: a partir do subproduto crescente da agricultura,
em detrimento dos feudos, as Cidades começam a acumular riquezas: objetos, tesouros,
capitais virtuais. Já existe nesses centros urbanos uma grande riqueza monetária, obtida
pela usura do comércio. P. 12
Em suma, são centros de vida social e política onde se acumulam não apenas as riquezas
como também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte, monumentos). P. 12
O que se levanta sobre essa base [da rede de cidades] é o Estado, o poder centralizado.
Causa e efeito dessa centralização particular, a centralização do poder, uma cidade
predomina sobre as outras: a capital. P. 13
Temos à nossa frente um duplo processo ou, preferencialmente, um processo com dois
aspectos: industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção
econômica e vida social. [...] Quanto à complexidade do processo, ela se revela cada vez
mais difícil de ser apreendida, tanto mais que a industrialização não produz apenas
empresas (operários e chefes de empresas), mas sim estabelecimentos diversos, centros
bancários e financeiros, técnicos e políticos. P. 17
[...] muitos núcleos urbanos antigos se deterioram ou explodem. As pessoas se deslocam
para periferias distantes, residenciais ou produtivas. Escritórios substituem os apartamentos
nos centros urbanos. Às vezes (nos Estados Unidos) esses centros são abandonados para os
‘pobres’ e tornam-se guetos para os desfavorecidos. P. 18
[...] o interesse do ‘tecido urbano’ não se limita à sua morfologia. Ele é o suporte de um
‘modo de viver’ mais ou menos intenso ou degradado: a sociedade urbana. Na base
econômica do ‘tecido urbano’ aparecem fenômenos de uma outra ordem, num outro nível, o
da vida social e ‘cultural’. Trazidas pelo tecido urbano, a sociedade e a vida urbana
penetram nos campos. Semelhantes modos de viver comporta sistemas de objetos e
sistemas de valores. [...] Entre os elementos do sistema de valores, indicamos os lazeres ao
modo urbano (danças, canções), os costumes, a rápida adoção das modas que vêm da
cidade. E também as preocupações com a segurança, as exigências de uma previsão
referente ao futuro, em suma, uma racionalidade divulgada pela cidade. [...] A relação
urbanidade-ruralidade’, portanto, não desaparece; pelo contrário, intensifica-se, e isto
mesmo nos países mais industrializados. P. 19
[...] estamos frente a vários termos (três, pelo menos) de relações complexas... ruralidade e
urbanidade, tecido urbano (que ‘porta’ essa urbanidade’, centralidade.
Mostramos até agora o assalto da cidade pela industrialização e pintamos um quadro
dramático desse processo, considerado globalmente. P. 21
[...] intervêm, ativamente, voluntariamente, classes ou frações de classes dirigentes, que
possuem o capital (os meios de produção) e que geram não apenas o emprego econômico
do capital e os investimentos produtivos, como também a sociedade inteira, com o emprego
de uma parte das riquezas produzidas na ‘cultura’, na arte, no conhecimento, na ideologia.
P. 21
[...] a obra depende mais do valor de uso do que de valor de troca. P. 22
As cidades adquirem uma racionalidade econômica.
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Anteriormente foi demonstrado como uma estratégia de classe orientou a análise e a
decupagem da realidade urbana, sua destruição e sua restituição, projeções sobre o terreno
da sociedade onde tais decisões estratégicas foram tomadas. Entretanto, do ponto de vista
do racionalismo tecnicista, o resultado imediato dos processos examinados representa
apenas um caos. P. 30
3 tendências em pensamento urbano: a) os urbanismos dos homens de boa vontade –
preocupação estética acima do valor de uso; b) urbanismo dos administradores ligados ao
Estado – fazer “científico” (qual ciência?), tecnicista, orientado a um ethos produtivista que
não se importaria em destruir o que resta de uma Cidade para dar lugar aos carrões; e c)
urbanismo dos promotores de vendas – com ou sem ideologia, o urbanismo torna-se valor
de troca. A cotidianidade parece um conto de fadas. As imagens realizadas da alegria de
viver. A sociedade de consumo traduz-se em ordens: ordem de seus elementos no terreno,
ordem de ser feliz. Eis o contexto, o palco, o dispositivo de sua felicidade. [...] Todas as
condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita, para uma exploração
apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, como consumidores de produtos,
como consumidores de espaço. P. 31 – 33.
As ciências parcelares e a realidade urbana
Discute-se um conhecimento universal sobre as cidades e as práticas urbanas e uma
perspectiva interdisciplinar de aplicação de conhecimentos de distintos campos do saber.
Há ideologia sobretudo na busca pelo universal. “A interrogação sobre o uso e os usuários
passa ao mesmo tempo para o primeiro plano”. P. 45
Especificidade da cidade - a cidade e a obra
Urbanismo como técnica e como ideologia responde às crises colocadas pelo capitalismo.
[A crise] obriga a reconsiderar não apenas a história da cidade e dos conhecimentos sobre a
cidade como também a história da filosofia e da arte.
Apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade da cidade [...]. As
transformações da cidade não são resultados passivos da globalidade social, de suas
modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de
imediatice, das relações diretas entre as pessoas e grupos que compõem a sociedade
(famílias, corpos organizados, profissões e corporações etc.). [...]. Ela se situa num meio
termo, a meio caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima [relações] e ordem
distante [instituições].
A ordem distante se projeta na/sobre a ordem próxima. Entretanto, a ordem próxima não
reflete a ordem distante na transparência. Esta segunda ordem subordina a si o imediato
através das mediações; ela não se entrega. É assim que age. Sem que se tenha o direito de
falar de uma transcendência da Ordem, do Global ou do Total. P. 54
Há portanto uma ocasião em uma razão para se distinguir a morfologia material da
morfologia social. Talvez devêssemos introduzir aqui uma distinção entre a cidade,
realidade presente, imediata, dado prático-sensível, arquitetônico – e por outro lado o
‘urbano’, realidade social composta de relações a serem concebidas, construídas ou
reconstruídas oelo pensamento. P. 54
A análise espectral
Na racionalidade/ no intelecto analítico ‘desaparecem as mediações entre o conjunto
ideológico tido por racional (técnica ou economicamente) e as medidas detalhadas, objetos
de tática e de previsão. P. 97
Numa sociedade onde os intermediários (comerciantes, financistas, publicitários etc.) detêm
imenso privilégios, este pôr entre parênteses das mediações teóricas e práticas, sociais e
mentais não deixa de ter um certo humor negro. Um cobre o outro! Assim se cava um
abismo entre o global (que paira acima do vazio) e o parcial, manipulado, reprimido, sobre
o qual as instituições pesam. P. 97
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Não se pode afirmar que a segregação dos grupos, das etnias, dos estratos e classes sociais
provém de uma estratégia dos poderes constante e uniforme, nem que se deve ver nela a
projeção eficaz das instituições, a vontade dos dirigentes. P. 97-98 Foucault? - Guetos
A cidade não é apenas uma linguagem, mas uma prática. P. 101
Cultura e consumo: lugares de análise da prática social no urbano.
Ao mesmo tempo, esta sociedade pratica a segregação. A mesma racionalidade que
pretende ser global (organizadora, planificadora, unitária e unificante) se concretiza ao
nível analítico. Ela projeta a separação para a prática. Tende (como nos Estados Unidos) a
se compor de guetos ou parkings, como o dos operários, o dos intelectuais, o dos estudantes
(o campus), ou o dos estrangeiros, e assim por diante, sem esquecer o gueto dos lazeres ou
da ‘criatividade’, reduzido à miniaturização e aos trabalhos manuais. P. 103
O mito da obsessão pela integração e pela participação.
[...] o sentido político da segregação como estratégia de classe é bem claro. P. 104
O direito à Cidade
[O ser humano] tem necessidade de ver, de ouvir, de tocar, de degustar, e a necessidade de
reunir essas percepções num ‘mundo’. P. 105
Trata-se da necessidade de uma atividade criadora, de obra (e não apenas de produtos e de
bens materiais consumíveis), necessidades e informação, de simbolismo, de imaginário, de
atividades lúdicas. P. 105
Como texto social, esta cidade histórica não tem mais nada de uma sequência coerente de
prescrições, de um emprego do tempo ligado a símbolos, a um estilo. Esse texto se afasta.
Assume ares de um documento, de uma exposição, de um museu. A cidade historicamente
formada não vive mais, não é mais apreendida praticamente. Não é mais do que um objeto
de consumo cultural para os turistas e para o estetismo, ávidos de espetáculos e do
pitoresco. P. 106
Mesmo para aqueles que procuram compreendê-la calorosamente, a cidade está morta. No
entanto, ‘o urbano’ persiste, no estado de atualidade dispersa e alienada, de embrião, de
virtualidade. P 106
Nem retorno (para a cidade tradicional), nem fuga para a frente, para a aglomeração
colossal e informe – esta é a prescrição. P. 106
O velho humanismo clássico acabou sua carreira há muito tempo, e acabou mal. Está
morto. Seu cadáver mumificado, embalsamado, pesa bastante e não cheira bem. P 107
Lefebvre está em luto
Portanto, é na direção de um novo humanismo que devemos tender e pelo qual devemos
nos esforçar, isto n direção de uma nova práxis e de um outro homem, o homem da
sociedade urbana. P. 108
Brasília e Paris do ano 2000 utopia experimental. P. 110
Três conceitos teóricos fundamentais: estrutura, função, forma.
O sistema de significações do habitante diz das suas passividades e das suas atividades; é
recebido, porém modificado pela prática. É percebido. P. 111
É necessário: um programa político de reforma urbana; projetos urbanísticos. P. 114.
As instâncias do possível só podem ser realizadas no decorrer de uma metamorfose radical.
P. 115.
A ‘natureza’, ou aquilo que é tido como tal, aquilo que dela sobrevive, torna-se o gueto dos
lazeres, o lugar separado do gozo, a aposentadoria da ‘criatividade’. Os urbanos
transportam o urbano consigo, ainda que não carreguem a urbanidade! Por eles colonizado,
o campo perde as qualidades, propriedades e encantos da vida camponesa. O urbano assola
o campo; este campo urbanizado se opõe a uma ruralidade sem posses, caso extremo da
grande miséria do habitante, do habitat, do habitar. P. 117
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O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno
às cidades tradicionais formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada. P.
117-118.
Só a classe operária pode se tornar o agente, o portador ou o suporte social dessa realização.
P. 118
Basta abrir os olhos para compreender a vida cotidiana daquele que corre de sua moradia
para a estação próxima ou distante, para o metrô superlotado, para o escritório ou para a
fábrica, para retomar à tarde o mesmo caminho e voltar para casa a fim de recuperar as
forças para recomeçar tudo no dia seguinte. P. 118