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O RG A N I Z A D O R ES :

Luciana Silva Rodrigues


Alexandra Monteiro
Mario Fritsch Toros Neves

Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

Reitor Diretor
Ricardo Lodi Ribeiro Mario Fritsch Toros Neves
Vice-diretora
Vice-reitor Alexandra Monteiro
Mario Sergio Alves Carneiro Coordenador de Graduação
Ricardo Bedirian
Pró-reitor de Saúde Coordenadora de Extensão
Denizar Vianna de Araújo Monica de Cássia Firmida
Coordenadora de Pós-graduação
Diretor do Centro Biomédico Maud Parise
Jorge José de Carvalho Coordenadora de Pesquisa
Luciana Silva Rodrigues
Coordenadora do Internato
Julia Kleve Berg
Coordenadora de Residência Médica
Claudia Regina Machado

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CB-A

E96 Experiências e impacto da pandemia pela Covid-19 no complexo de Saúde UERJ / organizado por
Luciana Silva Rodrigues, Alexandra Monteiro, Mario Fritsch Toros Neves. – Rio de Janeiro : EdFCM
UERJ, 2021.

1 recurso online (656p.) : il. (algumas color.) ; arquivo em pdf.

Livro digital em formato PDF.

ISBN 978-65-996880-0-3

1. COVID-19 - epidemiologia. 2. Infecções por Coronavírus. 3. Educação Médica. 4. Hospitais


Universitários. 5. Docentes de Medicina. 6. Medicina – Estudo e ensino. I. Rodrigues, Luciana Silva
(Org.). II. Monteiro, Alexandra (Org.). III. Neves, Mario Fritsch Toros (Org.). IV. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Faculdade de Ciências Médicas.

CDD 616.2

CDU 638.252

Bibliotecária: Ana Rachel Fonseca de Oliveira CRB7/6382

Faculdade de Ciências Médicas


Av Professor Manuel de Abreu, 444 / 2º andar - Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20551-030
Telefone: + 55 21 2334-2097
http://www.fcm.uerj.br/
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

DECLARAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

Todos os autores declaram que leram e aprovaram o manuscrito enviado. Os autores se responsabilizam
integralmente pela autoria do conteúdo e pelas autorizações de uso de depoimentos identificados ou
anonimizados. Assim, os autores confirmam a veracidade dos relatos apresentados.

Os autores se responsabilizam pelos direitos autorais de imagens, fotos e dados incluídos no trabalho
submetido. A autorização para uso de imagens e fotos de terceiros deve ser assinada pelo detentor dos
direitos autorais das mesmas. É responsabilidade do autor verificar a legalidade dos documentos de
permissão de uso de imagens e fotos e manter os originais destes para apresentar caso seja solicitado.

Caso o manuscrito envolva pesquisa com seres humanos, os autores dispõem das devidas aprovações
dentro dos padrões éticos da pesquisa em seres humanos, conforme resolução nº 466/2012 do Conselho
Nacional de Saúde. Da mesma forma, caso o texto apresente etapas de pesquisa em animais, os autores
dispõem das devidas aprovações do Comitê de Ética em Pesquisa em Animais da instituição.
Sumário
EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS . . . . . . . . . . . . . . 29

A experiência do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do Hospital

Universitário Pedro Ernesto durante os 18 meses em que o mundo parou. . . . . . . . . . . 30

Assistência transfusional em tempo de pandemia de Covid-19 no Hospital Universitário

Pedro Ernesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Atuação do Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI) em meio à pandemia pela Covid-19. . 48

Avaliando o impacto das sequelas da Covid-19 no sistema respiratório . . . . . . . . . . . . . 58

Contribuição da Unidade Docente Assistencial de Anestesiologia no enfrentamento

da pandemia SARS-CoV-2 nas dependências do HUPE-UERJ e o desafio ao ensino

enfrentado pela Disciplina de Anestesiologia da FCM-UERJ no biênio 2020-2021. . . 70

Desafios e aprendizados da pandemia: a transformação de enfermaria em Unidade de

Terapia Intensiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

Estratégias e táticas usadas no Internato em Medicina Integral frente à interrupção das

atividades presenciais devido à pandemia por Covid-19: um relato de experiência . . . . 85

Experiência do Núcleo Perinatal do Hospital Universitário Pedro Ernesto na Assistência a

Gestantes e Puérperas com Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95


Impacto da pandemia de Covid-19 no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário

Pedro Ernesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

Impacto da pandemia pela Covid-19 no ensino e na assistência plural

da Dermatologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

Mudança de paradigma nos procedimentos de hemodinâmica na síndrome coronariana

crônica durante a pandemia da Covid-19: a experiência do Hospital Universitário Pedro

Ernesto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

O Ambulatório de Medicina Integral como cenário de treinamento de residentes em

Medicina de Família e Comunidade: relato de experiência de professor e médico residente

antes e durante a epidemia da Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

Pandemia Covid-19: impactos no processo ensino-aprendizagem e na assistência à saúde

pelo Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de

Ciências Médicas/Hospital Universitário Pedro Ernesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

Relato de experiência das internações de crianças na Enfermaria de Pediatria durante a

pandemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

Sintomas neurológicos em pacientes ambulatoriais de Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161

Vivência de uma professora da FCM-UERJ na pandemia pelo Coronavírus: ensino,

pesquisa, extensão, literatura e poesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176


IMPACTO NO ENSINO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

A disciplina de Medicina Intensiva durante a pandemia de Covid-19: quem fomos, o que

fizemos, para onde vamos?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

A experiência do ensino de anamnese na edição remota da disciplina de Clínica Médica na

Faculdade de Ciências Médicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

Ações da disciplina integradora Mecanismos de Adoecimento frente à interrupção das

atividades acadêmicas devido a pandemia da Covid-19: um relato de experiência. . . . . 197

Ações da Monitoria da Disciplina de Patologia Geral para o Curso Médico na pandemia 207

Cuidado, trabalho em equipe e desenvolvimento docente: interrelações necessárias para a

adaptação das disciplinas de Medicina Integral ao momento da pandemia da Covid-19 215

Desafios do ensino de Bioética em programas de Pós-graduação Stricto sensu da Faculdade de

Ciências Médicas no contexto da pandemia de Covid-19: relato de experiência . . . . . . 228

Desafios do Programa de Desenvolvimento Docente da Faculdade de Ciências Médicas UERJ

na implementação do Ensino Remoto Emergencial na pandemia de Covid-19: um relato de

experiência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234

Desafios na pandemia e a comissão de acompanhamento das atividades

presenciais práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242


Disciplina de Pediatria em ensino remoto - Pandemia 2020/2021. . . . . . . . . . . . . . . . . . 253

Disciplina integradora Competência Narrativa na Prática Médica. . . . . . . . . . . . . . . . . 259

Ensino híbrido na Faculdade de Ciências Médicas em meio à pandemia de Covid-19 no Brasil:

situação atual, desafios e perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266

Experiência das Disciplinas de Metodologia Científica I e II no ensino remoto . . . . . . 276

Impacto da pandemia do Coronavírus no Internato em Medicina de Família e Comunidade

da Faculdade de Ciências Médicas no período de 2020- 2021: relato de experiência. . . 290

Interiorização do Internato em Medicina, uma iniciativa do Departamento de Medicina

Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas UERJ: relato de

experiência de uma oportunidade de fixação de médicos em cidades do interior do Rio de

Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300

O ensino da graduação durante a pandemia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 310

PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319

“Apesar de você”: sobre como a Covid-19 transformou o cuidado de pessoas que

convivem com fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320

Construindo alternativas de cuidado no caos da pandemia: mindfulness como oferta de

autocuidado e promoção à saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326

Grupo de reflexão online para os estudantes do primeiro ano: acolhimento humanizado

em um período conturbado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334


O projeto PSICOVID no HUPE: experiência da Psiquiatria e da Psicologia em parceria 342

TELEPAPE - Pediatria: aproximação e contato em tempos de isolamento social. . . . . 350

PROTAGONISMO DISCENTE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 358

A pandemia sob o olhar discente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359

Estrutura e principais ações do voluntariado do Internato do curso de Medicina da

Faculdade de Ciências Médicas durante o período inicial da pandemia de Covid-19. . 366

A experiência do voluntariado e da pesquisa na formação acadêmica: protagonismo

discente na campanha de imunização e na pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378

A luta pelo Sistema Único de Saúde e pela democracia em meio à pandemia de Covid-19 384

O papel do Centro Acadêmico na pandemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394

Os alunos da Faculdade de Ciências Médicas no complexo Policlínica Piquet Carneiro UERJ

como linha de frente da Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404

A Policlínica Piquet Carneiro e o enfrentamento da Covid-19 em meio à urgência sanitária –

relato de caso por uma unidade secundária de saúde. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 414

Pré-vestibular social do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming: construindo educação,

promovendo saúde e abrindo portas à distância. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431

PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441

Aplicação trimodal do ensino, pesquisa e extensão da Liga Acadêmica de Neurologia da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19. . . . . . . . . 442


Impacto da pandemia por Covid-19 na Liga de Trauma e Emergência da Faculdade de

Ciências Médicas: propostas para ensino, pesquisa e extensão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449

Liga de Educação em Saúde e mídias sociais como ferramentas para promoção da saúde na

pandemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459

Relato de experiência da Liga Acadêmica de Inovação e Telemedicina da Faculdade de

Ciências Médicas na pandemia da Covid-19 no período de 2020 a 2021. . . . . . . . . . . . 468

Relato de experiência da Liga de Oncologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na

pandemia da Covid-19: perspectivas e aprendizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473

PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . 480

A Pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas UERJ na pandemia de Covid-19.481

Acompanhamento dos casos notificados de Covid-19 pelo Hospital Universitário Pedro

Ernesto, de março de 2020 a setembro de 2021 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 487

Análise comparativa da evolução hospitalar das intervenções coronarianas percutâneas na

Síndrome Coronariana Aguda em pacientes com e sem Covid-19: A experiência do setor de

Hemodinâmica do Hospital Universitário Pedro Ernesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 497

Análise da mortalidade cardiovascular hospitalar no Estado do Rio de Janeiro pré e per-

pandemia por SARS-CoV-2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 508

Avaliação do uso de um aplicativo móvel para prevenção e controle de sobrepeso e obesidade

em adultos durante a pandemia da Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 521


Covid-19: subnotificação e políticas públicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 527

Desafios no desenvolvimento de um novo projeto de pesquisa durante a pandemia da

Covid-19: relato de uma experiência multidisciplinar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 540

Endometriose e dor pélvica: interferência da pandemia da Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . 551

Experiência com o telemonitoramento de pacientes com Diabetes durante o

distanciamento social de 2020: aprendizado para o futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 558

A experiência da Disciplina de Emergências Médicas durante a pandemia da Covid-19: o

modelo de telessimulação e ensino à distância para o treinamento de habilidades. . . . . 567

Fatores de risco associados à mortalidade em pacientes hospitalizados por Covid-19 no Rio

de Janeiro, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 573

Grupos remotos para autogerenciamento da dor crônica na pandemia de Covid-19: a

experiência do Centro Multidisciplinar de Dor da UERJ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 584

Machine Learning para triagem diagnóstica de pacientes com suspeita de Covid-19

utilizando clínicos de pacientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 592

O caso da Telessaúde para a Saúde do Trabalhador como enfrentamento da pandemia pela

Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 603

O caso de uso da Teleinterconsulta médica no cuidado de crianças com suspeita de doenças

raras durante a pandemia da Covid-19. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 611


O caso de uso da Telessaúde pelo Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário

Pedro Ernesto tempos de pandemia causada pela Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 617

O caso de uso do Telemonitoramento Síncrono em um serviço de hemodiálise domiciliar

como apoio ao enfrentamento à pandemia pela Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 626

Os efeitos da Fisioterapia por telemonitoramento em pacientes pós-Covid-19. . . . . . . 638

Relato de experiência da Coordenação de Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da

UERJ no biênio 2020-2021: ações e lições aprendidas com a pandemia da Covid-19. . 647
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—DIREÇÃO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

APRESENTAÇÃO
Estamos há quase dois anos do início da pandemia pela Covid-19 e, ao olhar para trás, vemos uma longa
história de superação individual e coletiva. Todos tivemos perdas, alguns mais, outros menos, algumas graves
e dolorosas. Nunca houve tanta discussão e valorização da saúde física e da saúde mental. De alguma forma,
saímos de março de 2020 e chegamos em dezembro de 2021. Não podemos considerar que esse foi apenas
um período de fatalidade e que precisamos nos acostumar. Sabemos que a pandemia não acabou e ainda
viveremos momentos de incertezas. Por outro lado, não poderíamos deixar de documentar uma parte das ações
e experiências vividas por nossos alunos, professores, médicos e demais profissionais de saúde.
Essa foi a ideia principal deste livro, deixar um registro histórico deste momento na nossa instituição.
Devido à sobrecarga de trabalho nestes últimos meses, alguns colaboradores não conseguiram tempo para
enviar suas experiências, o que não os torna menos importantes. Em compensação, muitos autores enviaram
seus textos, tabelas e figuras, demonstrando um intenso engajamento e dedicação às medidas de enfrentamento
à pandemia em diversos pontos de vista. De fato, o número de manuscritos recebidos superou as expectativas
e ultrapassou o dobro do esperado. Por isso, foi necessário um esforço imenso para acelerar a fase de produção
para não atrasar a entrega no prazo previsto e com a preocupação de manter a qualidade que essa obra exige.
Nos prefácios, recebemos mensagens dos nossos principais gestores, da Reitoria aos Diretores das nossas
Unidades de Saúde que tiveram reconhecimento nacional como referências de atuação dos seus profissionais
de saúde. A seguir, procuramos agrupar as colaborações enviadas em seções, o que não foi uma tarefa fácil, pois
havia muita interposição dos conteúdos apresentados. Acreditamos que dessa forma, podemos dar destaque
às experiências vividas pelas unidades docente-assistenciais, ao impacto mais direto sobre o ensino e às ações
relacionadas à promoção da saúde mental. A proatividade e o protagonismo dos alunos de forma direta, através do
Centro Acadêmico e pelas Ligas Acadêmicas da FCM também foram bem documentados em seções distintas.
Por fim, a última seção reúne projetos na área de pós-graduação, pesquisa, tecnologia e inovação que conseguiram
superar as adversidades e demonstrar resiliência, perseverança e a grande força da nossa comunidade acadêmica.
Nossos alunos e professores vêm envidando esforços conjuntos para avaliar as alternativas que têm se apresentado
com essas experiências relatadas neste livro. Todos já perceberam que novas formas de ensino, de práticas assistenciais e
administrativas surgiram e muitas delas não são mais consideradas transitórias. Pelo contrário, muitas iniciativas inovadoras
ficarão como legado deste período adverso.E dessa forma,acreditamos que o objetivo deste livro foi alcançado,confirmando,
mais uma vez, a capacidade da área de Saúde da UERJ em enfrentar crises, sejam locais, regionais ou mundiais, realizando
adaptações necessárias e, assim, comprovando a grandeza e a qualidade de uma das melhores instituições do país.
Precisamos viver o presente, valorizando o passado, pensando o futuro. Assim, com a expectativa de tempos
melhores, esperamos que este livro contribua com o registro e valorização do nosso passado recente. Parabéns
ao Complexo de Saúde UERJ!

Prof. Mario Fritsch


Diretor da FCM-UERJ
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—SECRETÁRIO ESTADUAL DE SAÚDE DO RJ

PREFÁCIO
Era janeiro de 2020, quando as primeiras informações sobre a pandemia do vírus SARS-CoV-2 chegaram
à Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Desde então, não há um único dia em que técnicos da
Vigilância em Saúde deixem de analisar números, taxas e gráficos. A palavra que melhor define os últimos
dois anos é desafio. Ela aparece em vários sentidos e inúmeras situações que enfrentamos desde que o primeiro
caso de Covid-19 foi confirmado no estado do Rio de Janeiro, no dia 5 de março de 2020.
Três dias antes de a Organização Mundial da Saúde declarar Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional em função da disseminação do novo coronavírus, a Subsecretaria de Vigilância em Saúde da
SES publicou a primeira Nota Técnica sobre o assunto. Era uma segunda-feira, 27 de janeiro, e nossa batalha
estava apenas começando. A explosão de casos da doença que aconteceu a cada onda de Covid-19 que o estado
enfrentou jogou no sistema de saúde um volume de pacientes com alto grau de complexidade nunca antes
visto. O desafio era montar, em um curtíssimo período, estruturas de atendimento adequadas. Triplicamos o
número de leitos de suporte a pacientes graves, lutando contra o tempo e cumprindo as normas legais da
administração pública. O compromisso que assumimos de não fecharmos nenhum leito de UTI que foi aberto
na rede estadual nos últimos meses ainda salvará muitas vidas nos anos que virão.
A ampliação na capacidade do Laboratório Central Noel Nutels (LACEN-RJ) na realização de exames de
RT-PCR será outro grande legado. No início da pandemia, eram 1.500 exames realizados semanalmente. Hoje,
são 7 mil, quase cinco vezes mais. Um ganho sem precedentes para a vigilância e para a saúde pública num
estado que sofre recorrentemente com epidemias de arboviroses.
O surgimento das diferentes variantes do SARS-CoV-2 nos levou ainda a investir em outra frente: a
vigilância genômica. O estado do Rio de Janeiro implantou um dos maiores programas do país nessa área.
Com o financiamento da Faperj, a SES montou uma parceria com o Laboratório Nacional de Computação
Científica (LNCC), o Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, o Laboratório Central Noel Nutels e a
Fiocruz, que já permitiu a análise de 6.388 amostras desde o início deste ano. Esse programa nos auxilia na
identificação das modificações sofridas pelo vírus e foi fundamental para termos velocidade de reação a partir
do momento em que a variante Delta foi identificada no estado.
A ciência sempre foi fundamental para o planejamento de políticas sanitárias, mas a união de esforços
também se mostrou outro grande trunfo. A implantação da regulação unificada de leitos para pacientes
com Covid-19 em todo o estado tornou mais igualitário o acesso do cidadão fluminense ao tratamento,
independentemente do município de residência. Um pilar do SUS sendo posto em prática, passando por cima
da política.
Nesses quase 24 meses, os obstáculos são vencidos dia a dia. Troca-se o pneu furado com o carro em
movimento. Em alta velocidade. Foi assim que desenvolvemos melhores ferramentas digitais para controle de
contratos, serviços, regulação de leitos, compras de medicamentos, licitações e dados epidemiológicos. Unindo
equipes técnicas multidisciplinares, criamos e colocamos no ar, em poucos dias, painéis e BIs para gestão e
também para dar transparência dos dados à população. A boa informação também sempre foi uma importante
arma contra a pandemia.
Vivemos dias de guerra, com vitórias e, infelizmente, derrotas. As mais de 69 mil vidas perdidas em nosso estado trazem
profundo pesar. Todos perdemos familiares, amigos, colegas de trabalho. Mas se puder destacar um dia de glória, este seria
uma segunda-feira ensolarada, 18 de janeiro de 2021, quando o primeiro lote de vacinas desembarcou no estado. Começava
outro desafio: distribuir para os 92 municípios imunobiológicos com diferentes temperaturas de conservação, no menor
espaço de tempo. Lançamos mão de uma operação envolvendo helicópteros. Mais uma vez, a união de forças fez a diferença.
A logística montada pela Secretaria de Saúde, que entregava as doses em até sete horas para todo o estado, se tornou um
modelo para o país e inspirou outros estados.
A velocidade que imprimimos na distribuição das vacinas permitiu o avanço da campanha de vacinação. E nos possibilitou
retomar cirurgias eletivas, reverter leitos de UTI clínicos, remarcar exames preventivos, abrir estádios de futebol, voltar ao
escritório e às salas de aula, liberar a máscara em ambientes abertos. E abraçar quem a gente sentiu tanta saudade nesses
quase dois anos. Não acabou. Sabemos que novos desafios... e dias melhores... virão.

Alexandre Chieppe
Secretário de Estado de Saúde Rio de Janeiro
Egresso Faculdade de Ciências Médicas UERJ Turma 1997
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—REITORIA DA UERJ

PREFÁCIO
Os primeiros casos de um surto de pneumonia, de causa desconhecida, ocorreram em Wuhan na China,
em dezembro de 2019. Em janeiro de 2020, pesquisadores chineses identificaram um novo coronavírus
(SARS-CoV-2) como agente etiológico de uma síndrome respiratória aguda grave, denominada Covid-19.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um cenário com mais de 110 mil
casos distribuídos em 114 países, decretou a pandemia.
Os fatos acima descrevem o início da maior crise da saúde pública global nos últimos 100 anos. Os
sistemas de saúde entraram em colapso, mesmo em países de alta renda. No Brasil, as consequências da
pandemia não se limitaram à tragédia das perdas humanas. A desigualdade social, característica cruel da nossa
sociedade, intensificou-se na pandemia. Diante deste cenário, tornou-se condição sine qua non o acolhimento
dos estratos sociais mais vulneráveis da população, por parte das instituições públicas e suas lideranças.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) cumpriu sua missão institucional de acolher a
sua comunidade e prestar assistência à população do Estado do Rio de Janeiro. A atuação das unidades
do Complexo de Saúde da UERJ e o comprometimento dos profissionais de saúde da UERJ fizeram a
diferença. O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) foi referência no atendimento de pacientes de
alta complexidade no Estado do RJ. O HUPE também criou a Unidade Pós-Covid-19 para tratamento das
sequelas pós-alta hospitalar. A Policlínica Piquet Carneiro (PPC) foi uma liderança nacional para testagem e
detecção do SARS-CoV-2.
A Administração Central da UERJ priorizou seus recursos e esforços para dar suporte ao Complexo de
Saúde, no enfrentamento dos desafios da pandemia. Além disso, a Reitoria da UERJ identificou a necessidade
de criar uma Pró-reitoria dedicada à área de saúde. Dentro do rito democrático, encaminhou a proposta nas
instâncias consultivas e deliberativas da Universidade e aprovou a criação da Pró-reitoria de Saúde (PR5).
A pandemia deixou alguns legados, tais como o avanço da ciência, a solidariedade entre as pessoas e o
papel do Sistema Único de Saúde (SUS) como relevante política pública de inclusão social do país. A UERJ
saiu maior desta crise e mostrou que sua atuação extensionista muda a vida das pessoas. Parabéns, UERJ!

Prof. Ricardo Lodi


Reitor da UERJ
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—VICE-REITORIA DA UERJ

PREFÁCIO
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde recebeu um alerta de vários casos de
pneumonia na cidade de Wuhan, na República Popular da China. A partir daí, foi descoberto um novo tipo de
coronavírus, intitulado de SARS-CoV-2, que causou a perda de milhões de vidas humanas em todo o mundo.
No Brasil, o primeiro caso de Covid-19 foi identificado no final de fevereiro de 2020. O alastramento da
pandemia ensejou a adoção de medidas de enfrentamento, por instâncias dos Governos Federal, Estadual e
Municipal.
Desde então, o país vem enfrentando uma crise sanitária sem precedentes em sua história recente,
ultrapassando o patamar de seiscentas mil vítimas fatais de Covid-19. Como um agravante, para além do
panorama global devastador da pandemia, o Brasil precisou lidar também com os efeitos do negacionismo
científico promovido por alguns setores de governo. Tais figuras promoveram, de forma irresponsável, o
relaxamento das medidas de proteção contra a disseminação do novo coronavírus ou mesmo a sua substituição
por tratamentos sem eficácia comprovada.
Diante do contexto pandêmico, a UERJ suspendeu suas atividades presenciais em meados de março de
2020. Teve início, então, a luta heroica contra a Covid-19 travada pelos membros da comunidade uerjiana.
As contribuições para os esforços ocorreram em vários níveis, envolvendo discentes, funcionários técnico-
administrativos e docentes, pelos mais de cinquenta mil componentes da universidade. Expertises de diferentes
áreas da UERJ foram reunidas, com o objetivo de ajudar a sociedade a combater esse flagelo, que tanto dano
trouxe à nação brasileira.
Dentre os vários atores, podemos citar ações no âmbito do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE),
que, demostrando uma enorme competência e capacidade de mobilização, converteu quase todos os seus
leitos para atendimento à Covid-19. A Policlínica Piquet Carneiro (PPC) se transformou em um importante
centro de testagem de pacientes. Tivemos também a criação de um sistema de vacinação gigantesco, que
envolveu a Faculdade de Enfermagem e a o setor enfermagem do HUPE e da Policlínica Piquet Carneiro.
Não poderíamos deixar de citar o envolvimento de voluntários, e de unidades da área de tecnologia em um
momento de grande falta de insumos para o atendimento de pacientes que ocorria no mundo inteiro. O
Instituto de Química produziu insumos e abasteceu as nossas unidades de saúde. O Instituto Politécnico
do Rio de Janeiro, em Friburgo (IPRJ), a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) e a Faculdade de
Tecnologia em Resende (FAT) colaboraram com a produção de equipamentos de proteção individual.
Cabe lembrar também das instâncias da Administração Central, como a Diretoria de Administração
Financeira (DAF), a Prefeitura dos Campi, a Superintendência de Gestão de Pessoas (SGP) e todos os demais
que não interromperam o trabalho presencial, para garantir o funcionamento da nossa universidade.
É uma luta histórica. Tenho certeza de que a leitura desta grande obra ajudará os leitores a compreenderem
a extensão dos esforços engendrados pela comunidade da UERJ, que muito nos orgulha.
Prof. Mario Sergio Alves Carneiro
Vice-reitor da UERJ
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—PRÓ-REITORIA DE SAÚDE DA UERJ

PREFÁCIO
Há anos os virologistas previam a chegada de um vírus multirresistente capaz de provocar pandemia de
repercussões planetárias. Os mais céticos não acreditavam nesta previsão, pois achavam que os mecanismos
de vigilância sanitária e robustez dos sistemas de saúde dos países de renda média e alta atuariam diante da
ameaça.
A pandemia pelo SARS-CoV-2 demonstrou que os virologistas estavam certos. Em 2020, todos os
continentes foram tomados por uma Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de alta infectividade e
letalidade em determinados grupos de risco.
Apesar de tudo, alguns legados ficaram da pandemia. Um exemplo deste legado foi a atuação das unidades
docentes assistenciais do Complexo de Saúde da UERJ e a performance dos profissionais de saúde da UERJ.
O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) transformou-se em referência no atendimento de alta
complexidade no Estado do Rio de Janeiro e, de maneira pioneira e visionária, criou a Unidade Pós-Covid-19
para tratamento das sequelas. A Policlínica Piquet Carneiro (PPC) atuou como unidade de testagem e
detecção do SARS-CoV-2, com volume de pacientes atendidos expressivo, posicionando-se como uma das
unidades com maior volume no SUS.
A Administração Central da UERJ, na pessoa do Magnífico Reitor Ricardo Lodi, identificou a necessidade
de criar uma Pró-reitoria dedicada à integração das ações e demandas da área de saúde da UERJ e compartilhou
este desejo com a comunidade da UERJ, criando a Pró-reitoria de Saúde (PR5). O Governo do Estado do
Rio de Janeiro reconheceu a importância do Complexo de Saúde da UERJ e delegou a implementação das
políticas públicas à UERJ.
Este novo papel da UERJ de “agência” de políticas públicas do Estado do Rio de Janeiro traz desafios, mas
também oportunidades para nossa comunidade, que já demonstrou sua capacidade de resiliência e entrega de
resultados para a sociedade.
Parabéns, Complexo de Saúde da UERJ!

Prof. Denizar Vianna


Pró-reitor de Saúde (PR5)
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—DIREÇÃO DO CENTRO BIOMÉDICO

PREFÁCIO
Foi com grande entusiasmo e, ao mesmo tempo, apreensão que recebi o importante pedido de escrever,
em poucas palavras, um prefácio para esta significativa obra intitulada “Experiências e impactos da pandemia
pela Covid-19 no Complexo de Saúde da UERJ”. Sobretudo por entender que, por maior que seja o esforço
empreendido, jamais conseguiria narrar, em sua completitude e em tão poucas palavras, todo o somatório de
emoções experimentadas, esforços oferecidos e experiências adquiridas pelas maravilhosas e destemidas equipes
multiprofissionais do Complexo de Saúde da UERJ, que se podem depreender das leituras do que está aqui
descrito. Mesmo considerando e reconhecendo o exímio, exemplar e inesgotável esforço destes profissionais,
jamais conseguiria fazer justiça, ao relato feito nesta obra, desta impagável e inenarrável demonstração do
espirito humanitário, compaixão e compreensão do compromisso com a recuperação da saúde e manutenção
de vidas humanas neste dramático cenário de saúde pública. Situação jamais experimentada por tantas
gerações nos últimos pouco mais de cem anos. Os profissionais foram incansáveis, mesmo que para isso fosse
necessário colocar em risco, muitas vezes, a própria saúde e de seus queridos familiares, também privados
de seus convívios. Nunca será demais renovar o profundo sentimento de gratidão e admiração que devemos
manifestar a estes profissionais. E somente isto já plenamente recomenda a leitura desta obra. Mas certamente
este livro muito mais tem a oferecer para o ensino e aprimoramento do conhecimento médico e demais
especialidades da saúde pública.
Observa-se que houve um esforço conjunto, onde a reitoria da Universidade envidou, desde a primeira
hora, vigorosos esforços para disponibilizar recursos humanos, materiais e financeiros para dar suporte a esta
mobilização universitária no combate à Covid-19. Deve ser digno de nota também os esforços empreendidos
pela comunidade científica e tecnológica da UERJ e suas Diretorias, que, neste esforço coletivo, muito
contribuíram para que as equipes do HUPE, PPC e demais Unidades do Complexo de Saúde prestassem este
ainda incompletamente mensurado esforço histórico no combate à pandemia.
Com a certeza de que esta obra que ora apresentamos não se limitará a esta edição pela grandiosidade
das atividades desenvolvidas, outras se somarão, inclusive para exposição dos cuidados pós Covid em pleno
desenvolvimento e resultados de pesquisas. E, por último, cumpre-se registrar mais esta destacável contribuição
da Universidade Pública gratuita, de excelência e socialmente referenciada como a UERJ, no enfrentamento
dos desafios com os quais se deparam a humanidade não só na Saúde Pública como também na Educação,
Cultura e Desenvolvimento Científico e Tecnológico, contribuindo para o aprimoramento humano em geral
e a democracia.
E dessa maneira mais uma vez a UERJ, neste contexto, deixa a sua contribuição exemplar para as atuais e
futuras gerações de estudantes.
Convido a todos, então, para a leitura desta histórica obra.

Prof. Jorge José de Carvalho


Diretor do Centro Biomédico
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—DIREÇÃO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO

PREFÁCIO
Sentimento duplo me invade com esse convite para prefaciar este livro que narra um pouco da Pandemia
causada pela COVID-19, no âmbito do HUPE, PPC e FCM.
Se por um lado sinto-me honrado com o convite, por outro lado, repassam fatos em minha memória e ler
os relatos descritos é comovente.
Foi tudo muito difícil, desconhecido, não sabíamos como enfrentar esse inimigo invisível.
Ambulâncias chegando, pacientes gravíssimos, óbitos diariamente, pânico pelos corredores, tensão 24h,
perplexidade, tudo acontecendo simultaneamente no mundo.
Perguntas que não tinham respostas, devo ir para casa depois de um dia exaustivo em uma das enfermarias
COVID? Posso contaminar membros da minha família?
Só foi possível o enfrentamento graças à união e comprometimento de todos os setores do hospital.
Nosso hospital recebeu cerca de 2 mil pacientes nesse período, que foram internados nos 200 leitos
disponíveis para combate à pandemia.
Inauguramos a enfermaria Pós-COVID para acelerar o tratamento dos pacientes que se tornaram COVID
negativos e não tinham condições clínicas de receberem alta. Também inovamos na criação do ambulatório
Pós-COVID, permitindo a recuperação de sequelas dos pacientes que ficaram internados.
A PPC testou mais de 50 mil e no CAMPUS UERJ foram vacinados mais de 70 mil.
Foi e continua sendo um trabalho gigantesco que nos deixa orgulhosos e que estão relatados neste livro,
testemunhos inspiradores que também ficaram registrados na série de TV “Por um suspiro”.
Não tem como esquecer.
Posso afirmar, com toda segurança, o que aqui aconteceu mudou, definitivamente, nossas vidas. Mudou
positivamente o exercício de cuidar dos pacientes e está tudo muito bem documentado nas páginas seguintes.
Em nome da Administração do Hospital Universitário Pedro Ernesto, agradecemos a todos o apoio que
recebemos da Administração Central e das unidades acadêmicas da UERJ, assim como da sociedade civil que
colaboraram de alguma forma para esse enfrentamento.
Agradeço o convite para prefaciar esse livro que considero um registro histórico, relatado por aqueles que
vivenciaram o dia a dia dessa pandemia e que contribuirá para reflexões e aprendizado dos alunos da nossa
instituição e o aprimoramento dos trabalhadores da saúde do nosso HUPE.
Os que se foram jamais serão esquecidos, especialmente nossos companheiros de trabalho.

Prof. Ronaldo Damião


Diretor do HUPE
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—DIREÇÃO DA POLICLÍNICA PIQUET CARNEIRO

PREFÁCIO
Início de 2020 e começo de gestão de um novo ciclo de atividades na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), com a posse de reitor, diretores de unidades acadêmicas, novos coordenadores e chefias. A
alegria de possibilidade de mudanças impulsionadas pela escolha de lideranças trazia um ânimo diferente, diria
até que muitas vezes ingênuo, porém necessária para a celebração de um novo recomeço. Mas o ano de 2020
não tinha se iniciado em janeiro, ele começou um pouco antes, em novembro de 2019, em Wuhan, na China,
com notícias de uma doença infecciosa e grave. Assistíamos aos jornais, mas não tínhamos muita convicção de
que uma doença do outro lado do mundo pudesse se disseminar de forma dramática e ser a pausa de sonhos.
Em fevereiro de 2020, tivemos a certeza da ameaça à vida, com imagens transmitidas e narrativas de enorme
emoção dos falecimentos oriundos da Itália, Espanha e França. Nós acompanhávamos o caminho do vírus,
da gravidade da infecção, dos enterros impessoais e aprendíamos palavras novas como lockdown e faceshield.
Tivemos a certeza de que somos todos conectados no planeta Terra, pois o vírus não se expressou em línguas
quase impossíveis de aprender ou precisou de passaportes para migrar de regiões ou países. Neste contexto
avassalador de medo e de poucos recursos financeiros disponíveis no Brasil e, particularmente, no Estado do
Rio de Janeiro, que sentia o rigor de restrições provenientes do inacreditável regime de recuperação fiscal
imposto e pactuado para sairmos da nossa última crise, as unidades de saúde da UERJ, junto com a reitoria,
começaram a se reunir com o intuito de oferecer o que fosse possível para ajudar as pessoas. Gabinetes de
crises foram formados, mapeamento de potencialidades e integração das unidades, preparação de ambientes e
treinamento dos profissionais de saúde para que pudéssemos resistir e oferecer amparo acadêmico e assistencial
de elevada qualidade à nossa população. Este livro traz a narrativa contextualizada em seis seções que abrangem:
Experiências Docente-Assistenciais; Impacto no Ensino; Promoção da Saúde Mental; Protagonismo Discente;
Papel das Ligas Acadêmicas; Pós-graduação, Pesquisa e Inovação. Todos os capítulos trazem um precioso
relato do esforço da UERJ em promover com determinação e atitudes vanguardistas à assistência, pesquisa,
ensino e extensão. É a história contada da pandemia do Coronavírus pelos docentes, técnicos administrativos
e discentes. É também uma apresentação para sociedade da qualidade do investimento em uma universidade
pública, gratuita, inclusiva e referenciada socialmente. A Direção da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ
demonstra, com esta iniciativa, um pioneirismo peculiar à nossa instituição. Este livro é uma referência para
todos que desejam compreender o que foi a Pandemia pelo vírus SARS-Cov-2 no Brasil.

Rogério Rufino
Professor Titular de Pneumologia e Tisiologia da FCM/UERJ
Diretor da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

A COVID-19 E O SISTEMA DE
SAÚDE BRASILEIRO
Mario Roberto Dal Poz1; Dércio Santiago da Silva Junior2

¹ Médico; Mestre em Medicina Social; Doutor em Saúde Pública; Professor Titular, Instituto de Medicina Social, Universidade

do Estado do Rio de Janeiro; Editor Emérito, Human Resources for Health; Cientista do Estado; FAPERJ; Bolsista

PROCIÊNCIA/UERJ. ² Engenheiro; Mestre em Administração; Doutor em Saúde Coletiva; Professor Associado no

Departamento de Engenharia Industrial, Faculdade de Engenharia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Descritores em português: sistema de saúde, Covid-19, crise sanitária, política de saúde

Descritores em inglês: health system, Covid-19, health crisis, health policy

Introdução

A Covid-19 destacou as vulnerabilidades do sistema de saúde brasileiro. Tanto o Sistema Único de


Saúde – SUS, quanto os serviços e as redes privadas de atendimento médico-hospitalar – incluindo os planos
de saúde, entraram em colapso, enfrentando um quadro desconhecido, que demandava um enorme volume
de atendimento. Durante a pandemia ficou evidente a dificuldade de coordenação entre os diversos atores
envolvidos no processo. Entes públicos e privados, bem como as diversas esferas de governo, tomaram iniciativas
isoladas e desencontradas, dificultando ações de contenção epidemiológica, de prevenção, de atendimento
primário, o acesso da população aos serviços de saúde de média e alta complexidade etc.
Também ganharam visibilidade, para além do tsunami de demanda a ser atendido, os problemas de
distribuição geográfica dos profissionais de saúde e o desequilíbrio nas quantidades relativas das diversas
profissões. E dentro das diversas profissões, as diversas especialidades também se evidenciaram desequilibradas.
Reiterando, é claro que seria esperado uma rápida e grande demanda por profissionais de saúde em cuidados
intensivos – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas etc. O que não era esperado ou não deveria ser, é a ausência
de resposta articulada em todos os níveis e setores. O aumento rápido da demanda expôs a falta de equilíbrio
existente entre as diversas áreas e especialidades das diferentes profissões da área da saúde.
Além disso, a pandemia descortinou deficiências em áreas que eram percebidas historicamente como as
bases do SUS e da saúde pública brasileira, como a vigilância epidemiológica e a rede de unidades de saúde
familiar e de agentes de saúde comunitários.
Pode-se alegar que estes problemas decorrem do atual estado de polarização política que atravessa o
Brasil, contexto este que reflete muito dos acontecimentos mundiais que vêm mostrando a dicotomia de alto
contraste que se estabelece na sociedade. Mas esse contexto só tornou mais grave os problemas e ressaltou
a ausência de proposições técnicas e consensos para eventualmente agir, do mesmo modo que na economia.
Esta situação não melhorou nem parece ter perspectiva de melhora a curto prazo, seja devido à falta de
liderança técnico-política e de coordenação no plano federal, que levou a respostas desconexas à pandemia,
seja em função da crise financeira e de gestão do sistema de saúde, exacerbados pela pandemia, por causa
da aparente pandemia de falta de ética no uso dos recursos públicos, ou porque o sistema tem problemas
profundos de planejamento e preparação para crises. Esses fatores representam desafios significativos para
o futuro do Sistema Único de Saúde, num contexto que apresenta já sinais de agravamento de doenças não
transmissíveis e de outros problemas de saúde na população, como reduções substanciais na cobertura vacinal
e de outras provisões básicas de saúde.
Historiando a crise, a pandemia de Covid-19 chega oficialmente ao Brasil em fevereiro-março de 2020,
com representantes dos governos federal, estadual e municipal dando declarações e tomando iniciativas
desencontradas. Preocupados com os custos políticos de suas escolhas e sem capacidade, por desconhecimento
do tamanho que o problema atingiria, os atores envolvidos tentam decisões que possam ser justificadas no
futuro. Equilibrar justificativas e custos, sejam custos de desembolso como perdas de geração de riqueza
econômica, foi um desafio para os políticos. Neste momento muitas declarações e ações aconteceram mais
com a preocupação de demarcar território político do que com o escopo de estruturar uma solução técnica.
Alguns políticos abraçaram discursos negacionistas, outros discursos exageradamente paternalistas sem
aparente preocupação com as fontes de manutenção dos apoios que estavam sendo propostos.
O Governo Federal e o Ministério da Saúde foram muito questionados quanto à qualidade e transparência
dos dados que disponibilizavam, o que levou a um consórcio de veículos de imprensa estabelecer uma parceria
para coletar nas secretarias de Saúde, e divulgar em conjunto, números sobre casos e óbitos, em razão das
limitações e restrições impostas pelo governo federal.1
Programas de testagem foram anunciados, mas nunca executados, incluindo milhares de testes sendo
perdidos sem que uma política de testagem sistemática da população fosse levada a cabo.2 E, mesmo em
2021 esse processo continuou, com o Ministério da Saúde estocando milhões de kits para detecção do novo
coronavírus em almoxarifado com prazos de vencimento curtos sem nenhum plano objetivo para sua utilização.3
As ações de comunicação, fundamental nas estratégias de saúde pública para informar a população,
especialmente sobre os possíveis mecanismos de contaminação ou prevenção, foram tímidas ou ausentes.
Mesmo nas poucas campanhas feitas por órgãos governamentais, especialmente em relação à vacina,
ocorreram erros até grosseiros. 4 Especificamente no caso da vacinação, a ação do consórcio de veículos de
imprensa tem sido muito importante, na difusão de informações e incentivo à vacinação, quando o governo
federal questionava a necessidade e mesmo a conveniência de adotar campanhas maciças de vacinação.4,5,6
À crise sanitária, se somou uma crise ética, onde se avolumaram as notícias de desvios ou mau uso de recursos
públicos em todos os níveis.
O desenvolvimento e aquisição de vacinas também se tornou um cabo de guerra político, com o governo
federal e o governo de São Paulo no centro da disputa. Apesar de apoiar o desenvolvimento e a produção da
vacina pela FIOCRUZ (em convênio com a britânica AstraZeneca /Oxford), o governo federal agiu de modo
atabalhoado e contraditório em relação a outros produtores, como a vacina americana (Pfizer), boicotando o
desenvolvimento da vacina do Instituto BUTANTÃ (em convênio com a chinesa CORONAVAC), organismo
do estado de São Paulo.
A crise de ética, potencializada pelas rivalidades políticas, derruba governadores, prefeitos e secretários de
saúde e culminará com a abertura, em abril de 2021, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado
Federal para investigar os “supostos equívocos e omissões do governo federal nos protocolos sanitários de sua
responsabilidade”.1

Estado do Rio de Janeiro

No estado do Rio de Janeiro, o combate à pandemia teve um início até promissor nos meses de março
a maio de 2020 inclusive com o estabelecimento de comitê científico de assessoramento e monitoramento.1
Hospitais de campanha começaram a ser montados e equipados, ainda que fosse difícil apontar de onde viriam
os profissionais para torná-los operacionais ou os critérios para sua localização ou dimensionamento. Como
sempre, os planos pareceram obter visibilidade política, com planejamento frágil e, aparentemente, sem que
houvesse preocupação com a efetividade no resultado das ações propostas.
Destaque importante foi a conversão de alguns hospitais públicos, como o Hospital Universitário
Pedro Ernesto, e municipais, como o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla em verdadeiros super CTIs para
atendimento aos casos graves de Covid-19.
No entanto, os problemas decorrentes dos conflitos políticos e corrupção levaram ao impedimento do
governador e a várias trocas dos gestores estaduais, associado ao negacionismo das autoridades políticas e
sanitárias da capital e à ausência de cooperação entre todos os atores, trazendo crise e caos para a organização
dos serviços de saúde no estado.
O número de casos quadruplicou na primeira quinzena do mês de abril de 2020. A tendência de crescimento
da doença trouxe um alerta para o número de casos entre os profissionais de saúde. Estima-se que no Brasil
ocorreram cerca de 40% de afastamento dos profissionais de saúde devido à Covid-19 e a outras doenças. Em
dado momento, no estado do Rio de Janeiro mais de mil profissionais de saúde estavam afastados das suas
atividades laborais, seja por diagnóstico positivo para Covid-19, sintomas sugestivos da doença ou por fazerem
parte do grupo de risco.6
Nesse contexto, os surtos nosocomiais provavelmente atuaram como amplificadores importantes dos
surtos locais. A limitação de insumos, como Equipamentos de Proteção Individual (EPI), exaustivas jornadas
de trabalho, a necessidade de ações de educação permanente e treinamento de novas habilidades, entre outros
aspectos sugerem que houve um “círculo vicioso” de desafios que precisam ser analisados com cautela. Só
tardiamente foram aplicadas práticas de proteção e fortalecimento dos profissionais de saúde, ausentes ações
de planejamento a curto e médio prazo, essenciais para prevenir o agravamento da crise diante da escassez da
força de trabalho em saúde.
Até onde se conhece, foram ignoradas múltiplas sugestões de ação de política pública para que a Secretaria
Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) e as secretarias municipais de saúde (SMS) implementassem
normas técnicas de proteção e cuidado com os profissionais da saúde considerando prioritariamente medidas
para reduzir as infecções que vinham ocorrendo pelo exercício das atividades dos profissionais de saúde e
prevenir um “círculo vicioso” de desafios aos gestores e aos serviços de saúde. O material técnico produzido
pelo Gabinete Ampliado de Crise do Governo do Estado do Rio de Janeiro, especialmente seu Núcleo de
Informação e Pesquisa1 para apoio ao enfrentamento da Covid-19 foi publicado quando a crise que levou
à exoneração do secretário estadual de saúde já estava instalada2. O objetivo dos relatórios era apresentar
e analisar os dados públicos da pandemia Covid-19 para o Brasil, estado do Rio de Janeiro e municípios,
fazendo projeções e análises de cenários futuros, além de abordar aspectos relacionados à força de trabalho em
saúde, mobilidade urbana e o funcionamento dos setores econômicos essenciais.3

Considerações finais

Ao final de 2021 a situação parece melhorar. Pressionado por muitos e diferentes grupos, o governo
federal, através do Ministério da Saúde, assumiu a aquisição e distribuição das vacinas de diversos fabricantes.
Mesmo mantendo um discurso de resistência a ações não farmacológicas, defesa de tratamentos ineficazes
e com o explícito posicionamento de algumas autoridades contra a vacina, o governo federal comprou e
distribuiu milhões de doses de imunizantes e a média diária de mortes que já esteve acima de 1.000 caiu para
médias nacionais abaixo de 300 no início de novembro de 2021.
Contudo, como foi dito, os problemas evidenciados pela Covid-19 não se limitaram a problemas
conjunturais. É importante registrar que parte importante dos problemas de acesso da população aos serviços
de saúde se deve à falta de preparação estrutural do sistema de saúde brasileiro. Planejamento, organização e
coordenação parecem ter sido negligenciados por longo tempo. Financiamento e políticas de saúde oscilam
ao sabor dos ventos político-eleitorais. Note-se que registrar os problemas estruturais do sistema não tira o
mérito do que foi feito nem o valor da demonstração de resiliência de um Sistema Único de Saúde que, apesar
de tudo, foi capaz de conter a escalada dos números a valores assustadoramente impensáveis.

Bibliografia

1. Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19 Jornalistas de
G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL vão coletar nas secretarias de Saúde, e divulgar em conjunto,
números sobre mortes e contaminados, em razão das limitações impostas pelo Ministério da Saúde. Por
G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL. Disponível em: Disponível em: Disponível em: https://
g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/veiculos-de-comunicacao-formam-parceria-para-dar-
transparencia-a-dados-de-Covid-19.ghtml. Publicado em 08/06/2020
2. Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do novo coronavírus comprados pelo Ministério da
Saúde perde a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021. Mateus Vargas, Estadão Conteúdo.
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3. Ministério da Saúde admite perder e incinerar milhões de testes PCR. SAÚDE – Jornal do Comercio.
Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/politica/2021/05/792554-ministerio-
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4. Campanha de vacinação viraliza por uso incorreto da máscara. Propaganda do Governo do Estado
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5. 5. Consórcio de veículos de imprensa lança campanha sobre a importância da vacinação. Redação.
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29/01/2021
6. Consórcio de veículos de imprensa lança 3ª fase da campanha da vacina contra a Covid-19. Folha de
São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/04/consorcio-de-
veiculos-de-imprensa-lanca-3a-fase-da-campanha-da-vacina-contra-a-Covid-19.shtml?origin=folha .
Publicada em 18/04/2021
7. Consórcio de veículos de imprensa lança 4ª fase da campanha da vacina contra a Covid-19. Folha de
São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/09/consorcio-de-
veiculos-de-imprensa-lanca-4a-fase-da-campanha-da-vacina-contra-a-Covid-19.shtml?origin=folha.
Publicada em 11/09/2021
8. Castro, Augusto. CPI da Covid-19 é criada pelo Senado. Agência Senado. Brasília. Publicada em
13/04/2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/04/13/senado-cria-
cpi-da-Covid-19.
9. Criado para apoiar as decisões relacionadas ao enfrentamento da crise vivenciada pela pandemia causada
pelo novo Coronavírus, o núcleo é composto por pesquisadores e professores de diferentes instituições e
busca contribuir com a produção de evidências para a tomada de decisão. (Decreto nº 47.020 de 03 de
abril de 2020)
10.RJ tem mais de mil profissionais da Saúde afastados por sintomas da Covid-19 ou por serem do grupo de
risco, dizem secretarias. Rio de Janeiro. G1 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/
noticia/2020/04/07/prefeitura-diz-que-testes-de-Covid-19em-25-funcionarios-do-hospital-ronaldo-
gazolla-deram-negativo.ghtml. Publicado em 07/04/2020.
11.RIO DE JANEIRO, Decreto nº 47.020, de 3 de abril de 2020. Estabelece a criação do gabinete
ampliado de crise para assessoramento, ao enfrentamento das novas etapas da pandemia pelo coronavirus
(COVID-19). DOERJ, ano XLVI – n. 062-A, 3 de abril de 2020
12.Campos, Cristina. Governador do Rio exonera secretário de Saúde. Agência Brasil. Brasília, Publicado
em 17/05/2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-05/governador-
do-rio-exonera-secretario-de-saude
13.Gabinete ampliado de crise governo do estado do rio de janeiro publica notas técnicas com dados públicos
para o enfrentamento da Covid-19. Material analisa os dados da pandemia Covid-19. Disponível em:
https://coronavirus.saude.rj.gov.br/noticias_prof_saude/gabinete-ampliado-de-crise-governo-do-
estado-do-rio-de-janeiro-publica-notas-tecnicas-com-dados-publicos-para-o-enfrentamento-da-
Covid-19 material-analisa-os-dados-da-pandemia-Covid-19/
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

—TELESSAÚDE UERJ

TELESSAÚDE UERJ E A
PANDEMIA
No final de janeiro de 2020, nossa equipe Telessaúde UERJ fechou o plano de ação para o ano vigente a
partir do planejamento estratégico bianual. Metas, atividades e cronograma foram estabelecidos para serem
iniciados a partir do recesso do Carnaval. Veio a Pandemia da Covid-19 pelo novo coronavírus e, assim,
inúmeras novas demandas surgiram, sobretudo, pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), pela
Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES RJ), pelo Serviço de Fisioterapia do HUPE e Policlínica
Piquet Carneiro (PPC), pela Faculdade de Enfermagem e pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
No HUPE, a primeira demanda emergencial foi para a comunicação remota irrestrita com a comunidade
externa, advinda de duas Unidades Docente-Assistenciais (UDAs). Precisávamos de muitas salas virtuais
simultâneas, com autoadministração pelos usuários e com a possibilidade de gravação das teleconsultas, das
teleinterconsultas, das teleconsultorias e das sessões clínicas. Uma taxa de uso de infraestrutura bem acima da
disponível àquela época. Para esse fim, iniciamos articulações externas e conseguimos o apoio e a gratuidade
de cem licenças de salas virtuais simultâneas da Cisco Webex Meetings que permitiram atender a demanda
emergencial para a comunicação interna e externa e com a possibilidade do registro em nuvem. O treinamento
e o suporte foram realizados pela equipe Telessaúde UERJ. Essa gratuidade foi encerrada em agosto de 2020
e substituída pela solução Microsoft Teams, ofertado pelo DESIT HUPE. O treinamento do corpo docente da
FCM foi realizado pelo Programa de Desenvolvimento Docente, com o apoio do Telessaúde UERJ, e junto
com a Coordenação de Graduação, sendo compartilhado rapidamente para o corpo discente. Nesse sentido,
registramos aqui o nosso agradecimento à equipe da Cisco do Brasil e ao Prof. Orlando Saboya, diretor do
DESIT, que ampliou essa oferta para Faculdade de Ciências Médicas (FCM-UERJ) para o uso de longo
prazo.
Na produção de conteúdos instrucionais específicos para o manejo e orientação de procedimentos para
equipes de saúde, por solicitação da SES RJ, a equipe do Telessaúde UERJ gravou, editou e disponibilizou
vídeos, cursos e infográficos sobre o tema, tendo como conteudistas médicos do HUPE e FCM, enfermeiros
do HUPE e PPC, fisioterapeutas do HUPE e PPC e nutricionistas da SES e do Instituto de Nutrição
UERJ. Esse acervo permanece com livre acesso na plataforma do Telessaúde UERJ tendo no período de abril
de 2020 até novembro de 2021 obtido 66.862 acessos. No nosso canal no YouTube, os materiais ‘Posição
Prona l Orientações Básicas’ e Cuidados pós morte do paciente Covid 19’ obtiveram, respectivamente, 21.837
e 2.763.948 de visualizações. Nossos agradecimentos a todos os profissionais conteudistas pela confiança
no cuidado na produção destes conteúdos em parceria. Além disso, diversos conteúdos informativos para a
população foram produzidos e estão disponíveis nas redes sociais Instagram, Facebook, Linkedin e Twitter.
Para a pesquisa e pós-graduação, pelo Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde UERJ, foi
promovido um ciclo de webinários que incluíram temas desde o histórico de pandemias, passando pela
pesquisa, até a mudança dos cenários de prática previsíveis para o pós-pandemia. Essa ação contou com conteudistas da
FCM, da Faculdade de Enfermagem, da Faculdade de Odontologia, da Faculdade de Administração Financeira e com
convidados externos como a Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro que abordaram temas como os “Aspectos biojurídicos
da Lei 13.979 para enfrentamento da emergência de saúde pública do Covid-19”’ e a “A Lei de Telemedicina”, que autorizou
pela primeira vez no Brasil a consulta remota entre o médico e o paciente. Todos esses materiais estão disponíveis para livre
acesso na playlist do Mestrado no canal do YouTube Telessaúde UERJ.
Por fim, neste período tivemos o desafio de apoiar a implementação do ensino remoto emergencial consolidando o
ambiente virtual de aprendizagem da FCM UERJ, implementado em 2019, através da criação de diferentes ambientes
virtuais para a organização das disciplinas da graduação e da pós-graduação, além de programas complementares como
o PDD FCM. Saímos de 40.407 acessos em março de 2019 para 1.755.654 acessos, por 1427 usuários cadastrados até
novembro de 2021, que utilizam 196 ambientes virtuais de disciplinas e/ou cursos.
Das lições aprendidas ficam a resiliência, a perseverança e a união de conhecimentos e pessoas em prol do enfrentamento
da pandemia; das perspectivas à visão de futuro para a consolidação da Telemedicina, da Telessaúde e do uso das tecnologias
em saúde. Da experiência, meu agradecimento pessoal e institucional a todos os colaboradores e colaboradoras conteudistas
e, sobretudo, à equipe Telessaúde UERJ pelo compromisso assumido e pelas atividades executadas.

Profa. Alexandra Monteiro


Coordenadora do Telessaúde UERJ
Vice-diretora FCM UERJ
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Experiências
Docente-Assistenciais
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A experiência do Serviço de Doenças Infecciosas


e Parasitárias (DIP) do Hospital Universitário Pedro
Ernesto durante os 18 meses em que o mundo parou

Anna Caryna Cabral1; Márcio Neves Bóia2; Rodrigo Guimarães Cunha3; Larissa Vieira Tavares dos Reis4; Amanda

Cruz5; Gustavo Adolfo Brasileiro Passos5; Viviani Siqueira Gonçalves6

Médica Infectologista, Professora Adjunta da DIP, Chefe da UDA de DIP e das Unidades Covid-19 do HUPE/UERJ; 2Médico
1

Infectologista, Professor Titular da Disciplina de DIP do HUPE/UERJ; 3Médico Infectologista e Rotina das Unidades Covid-19

do HUPE/UERJ; 4Médica Pneumologista e Rotina das Unidades Covid-19 do HUPE/UERJ; 5Residente Médico(a) do Serviço

de DIP do HUPE/UERJ; 6Coordenadora da Equipe de Enfermagem da Semi-Intensiva Covid 6 do HUPE/UERJ

Descritores em português: Covid-19; Coronavírus; Pandemia; Gestantes.

Descritores em inglês: Covid-19; Coronavirus; Pandemic; Pregnant women.

Introdução

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos
de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. Tratava-se do surgimento de uma nova
cepa de coronavírus que não havia sido identificada ainda em humanos. Nesse momento criou-se um falso
dilema que ameaçou dividir a população, de um lado os que acreditavam na expansão da doença para outros
países e continentes e no outro os incrédulos que utilizavam convicções políticas, religiosas e ideológicas em
um mundo de faz de conta guiado por mitos e guias religiosos. 1,2
O primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil foi confirmado no dia 26 de fevereiro. O paciente era
um homem que viajou para a Itália e se recuperava de uma síndrome gripal. 1,3
Daí se inicia a maior pandemia do século que duraria meses e não só acarretaria centenas de milhares de
óbitos como transformaria a rotina de milhões de brasileiros, entrando inclusive para a história do Brasil e do
mundo. As perguntas não paravam de surgir: O que é essa doença? Por que tem tantos óbitos? Quando vai
acabar? Qual a medicação que tenho que tomar? Vai precisar de vacina? Perguntas essas que nós profissionais de
saúde dividimos por longo tempo com toda população. As respostas foram surgindo durante o enfrentamento
da doença, com nossos erros e nossos acertos, com nossa coragem, ética e envolvimento na vida de pessoas
desconhecidas por nós... A Covid-19 começava também na nossa história pessoal.
O desdobramento para o enfrentamento do novo coronavírus no Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE) não foi diferente, com apenas dez leitos de Unidade Terapia Intensiva (UTI), conseguiu em pouco
tempo montar aproximadamente cerca de 102 leitos de enfermaria e 89 leitos de CTI.
O serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) ficou à frente da primeira enfermaria de Covid-19
montada nas dependências do Serviço de Ortopedia denominada internamente ORTOPCOVID. Outras
especialidades clínicas e cirúrgicas também assumiram as coordenações de várias outras unidades à medida

30
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

que o coronavírus se expandia na população do Rio de Janeiro.


A disciplina de DIP capacitou graduandos, internos e residentes de várias especialidades não só para o
manejo dessa doença, como para sua própria proteção ao dominarem de maneira precisa os Equipamentos de
Proteção Individual (EPI). Esses profissionais foram multiplicadores do conhecimento ao longo do tempo, só
não sabíamos que ao longo da pandemia fariam parte da equipe.
A difícil busca por profissionais capacitados foi um momento de grande apreensão pois precisávamos
iniciar de imediato as atividades nas enfermarias recém montadas. Os graduandos treinados por nós (ex-
alunos da Faculdade de Ciências Médicas e atuais graduados em medicina), foram incorporados tão logo
recebiam a inscrição no Conselho Regional de Medicina e deram uma contribuição magnífica na estruturação
das Unidades Covid-19, pois possuíam sólida formação médica, eram solidários, já estavam familiarizados
com a doença e conheciam bem as estruturas do HUPE. Deixamos aqui registrado o nosso reconhecimento
a esses jovens profissionais médicos que tanto contribuíram nesse momento dramático da pandemia, e que
foram fundamentais em manter a nossa letalidade abaixo da média nacional.
Eu, Anna Caryna Cabral, sou médica infectologista e professora adjunta da disciplina de DIP, durante a
pandemia já estava na chefia da Unidade Docente Assistencial (UDA) da DIP e assumi ao longo do tempo duas
unidades intensivas e três enfermarias destinadas à internação de pacientes infectados com SARS-Cov-2.
“O meu lado infectologista sempre se pronunciou em diversas epidemias e pandemias, não seria diferente
agora. Ser infectologista e não fazer parte desse momento histórico e desesperador do nosso país seria
lamentável e não faria sentido na minha cabeça.” (Profª. Caryna Cabral).

Relatos

As interações não medicamentosas da pandemia


O aprendizado diário foi importante entre toda a equipe que direta ou indiretamente estava engajada no
processo de enfrentamento da Covid-19. Não era só o conhecimento médico que estava sendo necessário,
mas a capacidade de aprender com o sofrimento do próximo que tanto precisava de ajuda naqueles momentos
dramáticos.
O contato não era só com o paciente, mas com sua família (que não podia ter acesso aos pacientes
internados devido às restrições impostas pela Saúde Pública) e com os demais profissionais envolvidos em
todos os níveis hierárquicos.
Vimos pacientes aterrorizados com a doença e com medo do futuro, cada óbito no leito ao lado era visto
como uma ameaça iminente, as evoluções eram rápidas e por vezes inesperadas. Era também nossa função
tentar diminuir a ansiedade e a tensão que uma internação em um local destinado à Covid-19 representava.
“Me pediu para que eu segurasse a sua mão na hora do procedimento, e eu segurei até a sedação fazer efeito e ela
dormir. Quando acordou mandou me chamar e agradeceu” (Enf. Viviani)
“Lembro da internação de uma senhora de 105 anos na enfermaria da OrtopCovid. Ela chegou por volta de
uma da manhã em uma máscara de alto fluxo. Uma senhora bem magra e pequena. Apesar da idade, não havia
comorbidades relatadas, quando eu fui conversar com ela vi que estava completamente desorientada. Infelizmente,

31
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

junto com a equipe de enfermagem, tivemos que contê-la no leito pois a todo momento ela tentava se levantar e agredir
alguém da equipe, estava confusa em um ambiente que para ela era totalmente hostil. Mas a evolução clínica dela foi
boa, não precisou ser entubada, só em cateter nasal e foi de alta para casa.” (Dr. Gustavo Passos).
“Uma paciente de 18 anos com nefrite lúpica internou com Covid-19 em nossa enfermaria, ela era uma menina
magrinha, que não deveria passar dos 45 kg, tinha uma face de dor e sofrimento. Ela falava o tempo todo que queria
a mãe, as suas lágrimas lavavam sua face e isso cortava o meu coração, pois por mais amor e carinho que a equipe
pudesse proporcionar, nunca seria como o amor da mãe. Aquela situação me fez ter um déjà vu, lembrei dos dias que
passei internada, na minha infância, por distúrbio hidroeletrolítico e nesse momento tive que segurar o meu choro.
Quando estava saindo do hospital, me deparei com uma mulher chorando. Olhei fixamente na face dela, tinha traços
semelhantes aos da paciente que havia chegado na enfermaria, era a sua mãe. Os dias se passaram e a menina que não
queria conversar com ninguém foi aos poucos se tornando uma paciente mais simpática, apesar de conversar com poucas
pessoas da equipe. O fim do seu isolamento chegou e ela foi de alta. Três dias depois de receber alta, ela foi reinternada
no plantão geral com emergência hipertensiva. Havia feito uma hemorragia subaracnóidea, pois não estava fazendo
o tratamento medicamentoso em sua casa. Quando fiquei sabendo de sua nova internação ela já a tinha sido operada
pela neurocirurgia. No pós-operatório, ela foi para o CTI, mas infelizmente seis dias depois evolui para o óbito” (Drª.
Amanda Cruz)
O contato com os familiares era diário por telefone, por se tratar de uma doença contagiosa as visitas não
eram permitidas. Sempre no mesmo horário ficavam esperando notícias sobre o estado clínico do seu familiar
internado. Confesso que as notícias inúmeras vezes foram ruins, mas também fomos responsáveis por acalmar
corações devastados.
“Logo no início das internações liguei para o filho de uma paciente que estava gravíssima em ventilação mecânica,
o seu filho queria que eu falasse que ele a amava. A paciente estava sedada e curarizada, não tinha como ela responder,
apesar de acreditar que ela me ouviu. Após nova ligação dele me cobrando uma resposta eu optei por dizer que ela teria
respondido que nunca deixaria de amá-lo. Ele chorou e me agradeceu muito. Não sei se fiz bem, não sei se eu faria
novamente, mas acredito ter confortado um pouco o seu coração e diminuído a sua dor” (Profª Caryna Cabral).
Às vezes, temos coisas para falar para quem amamos e não falamos por achar que teremos oportunidade
depois, quem sabe consegui que o filho não levasse com ele por toda vida alguma culpa. Não aprendemos nos
livros e nas Universidades esse tipo de coisa, só o tempo nos ensina.
Os dias foram se passando e histórias como essas se fizeram mais presentes em nossos dias. Como a do
paciente que pediu para fazer uma chamada de vídeo com a família, do telefone de um plantonista da equipe
antes de ir para ventilação mecânica pois estava sentindo que iria morrer. E de fato morreu... horas depois.
“Ele parecia saber que não teria mais tempo e que precisava se despedir” (Prof. Márcio Bóia).
Lembramos também da paciente com poucas semanas de gestação que faleceu no setor, fui dar a notícia
aos familiares e não lembro de ter visto alguma dor maior do que a daquela mãe que perdera a filha e a neta,
que apesar das poucas semanas na barriga da mãe já tinha nome, sobrenome, apelido, quarto rosa, brinquedos,
roupinhas, sapatos, expectativas e muito amor de todos eles.
“O momento de felicidade que toda gestação traz foi impedida por essa doença, lembro de chegar em casa e abraçar
minha filha e acho que todos da equipe também fizeram” (Profª Caryna Cabral).
“Não tem como não falar de uma gestante de 30 anos com 16 semanas que internou muito grave, em 24 horas foi

32
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

para ventilação mecânica, teve inúmeras intercorrências, difícil manuseio até por conta da gestação, e agora está em
casa feliz com seu filho. Nem todas as gestantes tiveram um final feliz” (Drª Larissa Vieira).
Acompanhamos familiares de vários colegas e amigos da área de saúde e para alguns acabamos sendo
portadores de notícias ruins, cada perda é também uma perda para cada um de nós, fica na nossa lembrança.
O fechamento de alguns hospitais de campanha que atendiam Covid-19 aumentou e muito nossos
atendimentos, pois o Hospital Universitário Pedro Ernesto era um dos hospitais de referência, assim mais uma
vez lotávamos os setores com pacientes gravíssimos que chegavam em ambulâncias durante toda a madrugada.
O incêndio do Hospital de Bonsucesso em outubro foi uma tragédia para toda a população carioca, foi
triste ver o que o fogo tirou dela, cedemos leitos do hospital não só para Covid-19, mas para outras doenças,
por momentos nos colocamos no lugar daquela unidade e sentimos por igual a perda que aqueles colegas de
profissão sentiam.
“Acredito que todos os profissionais da área que trabalham em um hospital se uniram a dor que estavam sentindo
vendo sua “casa” incendiada” (Profª Caryna Cabral).
Presenciamos pacientes chegarem estáveis, conversando e evoluindo rápido para ventilação mecânica e
óbito. Vimos medicações que tínhamos esperanças de serem a cura, virarem água com açúcar na nossa frente.
Recém-nascidos ficarem órfãos, mães saírem sem seus filhos e filhos saírem sem seus pais. Por vezes ficávamos
felizes salvando uma vida e por outras sentíamos impotentes no meio do caos instalado. Consolamos famílias
desesperadas e fomos inúmeras vezes consolados por elas. Sabemos que ficaremos na lembrança dessas pessoas
na qual na vida fizemos parte, mesmo que tenha sido por um curto período.
“Por vezes o sentimento de impotência nos invadia, mas por sorte não era em toda a equipe, então cada um se fazia
presente para o outro” (Dr. Gustavo Passos).
“A Covid-19 trouxe para nós histórias bonitas e tristes, tivemos pacientes com grave evolução clínica e que agora
estão em reabilitação em casa mandando foto para a gente. Um paciente em questão tocou muito meu coração pois ficou
dias em ventilação mecânica com Covid-19 grave e me pediu um guaraná assim que saiu da traqueostomia. Ele sabia
que eu não negaria (Risos)” (Drª Larissa Vieira).
“Lembro de um paciente que ficou muito grave no CTI em ventilação mecânica e alguns dias depois sua esposa
gestante internou também com Covid-19. Ela não ficou tão grave como ele, mas estava no final da gestação e o bebê
nasceu com a gente. Ele conheceu o filho no momento que saía do hospital. Ele não esperava ver a esposa com o filho no
colo, foi emocionante para todos nós” (Dr. Rodrigo Cunha).
Vivenciamos as internações aumentando e diminuindo, vimos o Natal chegando e o Ano Novo começando,
tivemos esperança de estar acabando, mas logo depois mais casos foram aparecendo agora assintomáticos,
pacientes que internavam com outras doenças não infecciosas ou para realização de exames, e se descobriam
com Covid-19.

Quando viramos uma Série de TV


Nós profissionais de saúde fomos vistos por tempos como seres vinculados a muito dinheiro e pouco
sentimento. Mas esse perfil não é o da maioria dos profissionais, esse sim, é perfil das empresas e grupos que
comercializam a saúde e lucram com as doenças. Não só na medicina como em todas as carreiras existentes,

33
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

esse perfil não tem relação com profissão, mas com caráter e valores de berço. Essa pandemia mostrou que
por sorte são a minoria, pois muitos se uniram, mesmo com um salário não digno, para fazer a diferença nessa
guerra instalada no mundo inteiro.
Gravamos por mais de um mês, diariamente com uma equipe de filmagem todo o nosso trabalho
dentro e fora da área de internação para Covid-19. Por vezes era fascinante e recompensador por outros era
inconveniente e cansativo.
Enfim, a filmagem da série com 06 episódios foi finalizada e atualmente divulgada pela Globo Play com
o nome de “Por um respiro”.
Nunca os infectologistas foram tão ouvidos e aplaudidos em um mundo em que a Malária é a doença
infecciosa que mais mata, em um país que a Tuberculose ganhou força total com o advento da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida e no Rio de Janeiro onde a Dengue se tornou uma endemia no cotidiano.
Bom saber que não ficaremos esquecidos nas lembranças dos nossos netos e bisnetos em um futuro
distante. Tivemos inúmeras indisposições com pessoas que nunca imaginaríamos ter, muitas máscaras foram
ao chão e rompemos laços (muitos por nós vistos como eternos). Foi um período muito duro e difícil que
exigia tomadas de decisões rápidas frente a situações dramáticas. A não tomada de decisão em um momento
de risco é imperdoável. Mas foi recompensador os laços de amizade e os amores verdadeiros que tivemos e
que ficarão após a pandemia.

Dados epidemiológicos
Nesses 18 meses de pandemia o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) internou mais de 3000
pacientes com Covid-19, grande parte com comorbidades como diabetes, neoplasias, cardiopatias e as de
maior prevalência as pneumopatias (Doenças pulmonares obstrutivas crônicas na maioria dos casos).
Abaixo iremos apresentar alguns dados levantados.

População geral:
Ocorreu no período 3004 internações sendo 1112 em Unidades de Terapia Intensiva. Foram 1609
internações masculinas com 436 (27,1%) óbitos e 1395 internações femininas com 340 (24,4%) óbitos.
Em relação a cor 1248 (41,5%) internações foram da raça parda, 975 (32,4%) de brancos e 324 (10,8%)
de negros.
Mas apesar da grande virulência do vírus Sars-Cov-2, o Hospital Universitário Pedro Ernesto conseguiu
devolver com vida mais de 2000 pacientes para as suas famílias.

Gestantes
Durante a pandemia de Covid-19 o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) tornou-se um centro
de referência no Estado do Rio de Janeiro, por isso recebemos os mais variados tipos de pacientes com suspeita
de infecção por SARS-Cov-2. Dentre esses pacientes as gestantes são um grupo que merece um importante
destaque.
As internações das gestantes se intensificaram no final do ano de 2020 e início de 2021. Algumas dessas

34
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

internações evoluíram de maneira desfavorável tanto para a mãe como para o feto ou recém-nascido. Tivemos
inclusive uma cesariana de urgência dentro do CTI 2 em uma paciente que acabara de ser transferida para o
hospital na tentativa desesperada de salvar o bebê.
Em um total de 40 gestantes infectadas por SARS-Cov-2, a maior prevalência 16 (40%) casos foi na faixa
etária de 31 a 40 anos com 2 óbitos (12%) e na faixa etária de 18 a 30 anos ocorreram 21 casos com 6 óbitos
(28%).
Ocorreram 04 óbitos fetais, sendo dois em mulheres com idade gestacional de 22 semanas e 17 crianças
que sobreviveram independentemente da mortalidade materna.

Considerações Finais

O fim está próximo?


Essa é a pergunta que não para de ser feita entre a população e entre nós mesmos. Estamos nos deparando
atualmente com outra pandemia, só que agora silenciosa, daqueles pacientes que após a infecção evoluíram
com sinais e sintomas que muitas das vezes os impedem de retornar para o seu cotidiano, a chamada síndrome
pós-Covid-19.
Pacientes esses que sobreviveram à Covid-19 e agora estão vivenciando sequelas diversas. Alguns não
conseguem dirigir e andar de bicicleta com os filhos, por conta das dores lancinantes e fraquezas musculares
importantes nos membros inferiores, outros pacientes têm dificuldade para voltar a vida cotidiana da faculdade
ou do trabalho, pois o raciocínio e a memória ficaram afetados. Pacientes que antes corriam e se exercitavam
agora estão limitados por conta de dificuldades respiratórias. Sem falar na depressão, insônia e ansiedade que
acabam evoluindo não só por terem tido Covid-19, mas por estarem ainda com clínica e sem previsão certa
de melhora.
A imunização começa a ser levada mais a sério e com isso conseguimos enxergar o final do caminho por
mais longe que possamos estar. Essa pandemia trouxe mudanças que devem ser pensadas e discutidas para o
nosso dia a dia, na era chamada pós-Covid-19, como o uso de máscaras e a maior preocupação com a higiene
ambiental e pessoal.
Esperamos que os ensinamentos dessa pandemia fiquem na história do Brasil e do Mundo assim como
já estão na nossa.

“Se das coisas inóspitas pudermos tirar algum proveito, que as epidemias nos façam mais solidários, mais
humanos e mais humildes”
Márcio Neves Bóia
Prof. Titular da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias/HUPE/UERJ.
Toda nossa admiração e respeito pelos ensinamentos nesses 18 meses de pandemia.

Esse trabalho só foi possível graças ao apoio, determinação, profissionalismo e liderança dos diretores do Hospital
Universitário Pedro Ernesto/UERJ, professor Ronaldo Damião e professor José Luiz Bandeira e da Faculdade de
Ciências Médicas, professor Mario Fritsch Toros Neves que diante do caos instalado além de organizarem rapidamente

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

uma competente equipe, também proporcionaram infraestrutura e subsídios para o enfrentamento dessa pandemia.

Bibliografia

1. Associação Médica Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia


e Tisiologia. Diretrizes Covid-19. [homepage na internet]. Ano:2020/21. https://amb.org.br/diretrizes-
amb-covid-19/
2. Centers for Disease Control and Prevention. Coronavirus Disease 2019. [homepage na internet]. Acesso
em 26/09/2021. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/index.html.
3. Biblioteca Virtual em Saúde. Ministério da Saúde. Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na Atenção
Especializada. (2019- nCoV). [homepage na internet]. Ano: 2020. https://amb.org.br/diretrizes-amb-
covid-19/
4. Ministério da Saúde. E-book Projeto Reab Pós-Covid-19. [homepage na internet]. Atualização
14/07/2021. https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/e-book-
projeto-reab-pos-covid-19/view.

36
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Assistência transfusional em tempo de pandemia de


Covid-19 no Hospital Universitário Pedro Ernesto

Flavia Miranda Gomes de Constantino Bandeira1; Jennifer Ribeiro da Cunha2; Kallic Borba Fonseca3;

Paula de Campos Calassara4; Matheus Costa da Hora4; Gabriel Rodrigues Bittencourt4;

Adriel Dias Marinho da Silva4; Luiza Silveira dos Santos4

1
Docente da disciplina de Hematologia e Hemoterapia da FCM/UERJ; 2Médica da Hemoterapia HUPE/UERJ
3
Médico da Hemoterapia HUPE/UERJ; 4Aluno(a) de graduação FCM/UERJ

Descritores em português: Medicina transfusional; Pandemia Covid-19; Doador de sangue; Captação de doador de sangue.

Descritores em inglês: Transfusion medicine; Covid-19 pandemic; Blood donor; Blood donor recruitment.

Introdução

Este relato é parte da experiência vivida pela equipe do Serviço de Hemoterapia do Hospital Universitário
Pedro Ernesto (HUPE) e pela disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), durante o início da pandemia de Covid-19.
Em dezembro de 2019, as notícias que vinham de uma localidade chamada Wuhan, na China, mostravam
ao mundo que um vírus “novo” estava causando uma série de mortes e inspirava cuidados1. No Brasil, chegavam
notícias em tempo real, mas havia uma vaga esperança de não sermos atingidos, desse lado de cá do planeta.
Porém em fevereiro de 2020, o Brasil registrava o primeiro caso de infecção pelo Sars-Cov-2 2; sim o vírus
agora já com nome e sobrenome, era de fato uma ameaça letal, de uma “epidemia” chamada Covid-19.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS), caracterizava a Covid-19 como
“pandemia” 1. Desta feita, todos os envolvidos com a assistência e docência na Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) e no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) buscavam meios para manter as atividades
institucionais e seus compromissos com a docência e assistência. O objetivo deste relato é mostrar como foi o
período inicial de pandemia Covid-19 no Serviço de Hemoterapia do HUPE.

Relato
O início da pandemia Covid-19 no Serviço de Hemoterapia do HUPE
O Banco de Sangue Herbert de Souza, é parte da Hemorrede do Estado do Rio de Janeiro, que é
coordenada pelo Hemorio 3. É considerado um núcleo de hemoterapia uma vez que desenvolve todo o ciclo
do sangue, desde a captação de doadores, passando pela coleta, produção e expedição de hemocomponentes
para os receptores do HUPE.
No início de fevereiro de 2020, parecendo a Covid-19 ainda distante do Brasil, o serviço de hemoterapia
do HUPE estava se preparando para garantir o estoque de hemocomponentes para o período carnavalesco

37
(Figuras 1 e 2).
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 1: Campanha pré-carnaval e pré-pandemia Covid-19, em fevereiro de 2020. Serviço de Hemoterapia do HUPE.

Todas as fotos publicadas neste trabalho foram autorizadas.

Figura 2: Campanha pré-carnaval e pré pandemia Covid-19, em fevereiro de 2020, no Serviço de Hemoterapia do

HUPE, alertando sobre a importância da doação de sangue antes do Carnaval.

Foliões e admiradores do samba e carnaval carioca lembravam ao povo de Vila Isabel sobre a importância
de doarem sangue antes da folia de Momo. No dia 02/03/2020, a agência transfusional do serviço de
Hemoterapia do HUPE, que funcionou por décadas num pequeno espaço no quinto andar do hospital
(Figura 3), estava de mudança para um espaço novo, localizado no 6o andar do HUPE, planejado e reformado
de acordo com as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (Figuras 4-6).

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 3: Antiga agência transfusional localizada no 5o andar do HUPE, até fevereiro de 2020.

Figura 4: Novo laboratório de imunohematologia da agência transfusional localizado no 6o andar do HUPE, em

02/03/2020.

Figura 5: Sala de convivência de alunos e staff na agência transfusional localizada no 6o andar do HUPE, em

02/03/2020.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 6: Capela de fluxo laminar para preparo de hemocomponentes na agência transfusional do HUPE, localizada no

6o andar.

Em 11 de março de 2020, após a Covid-19 ter sido declarada pandemia pela OMS, houve necessidade
de adaptação de todo o serviço de Hemoterapia para que a assistência transfusional no HUPE fosse mantida
sem interrupção, nem queda na qualidade. Os protocolos adotados pelo hospital recomendavam afastamento
de suas atividades, para as pessoas consideradas de risco para a Covid-19; além disso pessoas do staff da
Hemoterapia foram adoecendo ou apresentavam quadro clínico suspeito de contaminação pelo Sars-Cov-2,
o que foi por muito tempo um desafio a mais para a manutenção do serviço. As Figuras 7-11, mostram o
preparo da equipe da Hemoterapia em diversos momentos, para que as boas práticas fossem mantidas, agora
com muito mais atenção garantindo a segurança do doador, do receptor e de toda a equipe.

Figura 7: Treinamento da equipe de flebotomistas para enfrentamento da pandemia Covid-19, no Serviço de

Hemoterapia do HUPE. Março de 2020. Observa-se que o uso obrigatório de máscaras ainda não havia sido

implementado.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 8: Equipe de técnicos da agência transfusional HUPE, seguindo os protocolos de biossegurança em tempos de

pandemia Covid-19. Março de 2020.

Figura 9: Flebotomistas do serviço de Hemoterapia do HUPE, aguardando doadores. Abril, 2020.

Figura 10: Fracionamento de hemocomponentes no HUPE, seguindo o protocolo de biossegurança. Abril, 2020.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 11: Profissionais de apoio garantindo a higiene e sanitização da agência transfusional do HUPE.

Novos protocolos de segurança para doador e receptor


Diante deste cenário, era importante garantir a segurança do doador e fazer com que pudessem sentir-
se seguros para comparecer ao banco de sangue. Paralelamente a isso, a direção do HUPE, suspendeu
procedimentos cirúrgicos eletivos, mas manteve os atendimentos de urgência cirúrgica e clínica. Pessoas graves
com Covid-19, internadas nos centros de tratamento intensivo, necessitaram de transfusão, substituindo a
demanda de transfusões eletivas que ocorriam até então. Nesta ocasião, ainda não era conhecido o perfil
transfusional destes pacientes, tão pouco se falava do que posteriormente denominou-se “síndrome anêmica”
da Covid-19 4. As unidades de maior demanda transfusional durante a pandemia, foram a cirurgia cardíaca,
as unidades fechadas para Covid-19 e a Hematologia. As primeiras duas semanas após a declaração do estado
de pandemia somado ao impedimento da circulação de pessoas na cidade do Rio de Janeiro, houve queda no
número de doações de sangue, motivo de grande preocupação para a hemoterapia do HUPE, mas também
de diversos hemocentros no país e no mundo. Preocupados com esta situação, houve plena divulgação dos
processos de medidas sanitárias adotadas para garantia da segurança do doador no banco de sangue do hospital
(Figura 12-14) e com isto, houve recuperação na oferta de hemocomponentes, conforme foi demonstrado em
artigo publicado por Bandeira e colaboradores 5.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 12: Folder de esclarecimento ao doador sobre medidas sanitárias adotadas pela Hemoterapia do HUPE.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 13: Álcool em gel como brinde aos doadores de sangue.

Figura 14: Dispensador de álcool em gel, doado pela Provita para o Banco de Sangue Herbert de Souza, HUPE.

Diversas campanhas foram realizadas, com apoio da Diretoria de Comunicação Social (COMUNS) da
UERJ e da Coordenadoria de Comunicação Social, Eventos e Humanização do HUPE (COMHUPE), que
foram cruciais para a manutenção do estoque de sangue no HUPE (Figuras 15 e 16).

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 15: Material para sensibilização de doadores de sangue, elaborado pela COMUNS UERJ. Março 2020.

Figura 16: Entrevista concedida ao Jornal da Band, convocando doadores de sangue para o banco de sangue do HUPE.

Matéria viabilizada pela COMHUPE.

Projetos de Iniciação Científica e de Extensão


A pandemia Covid-19, trouxe dificuldades, mas também oportunidades para o serviço de Hemoterapia
do HUPE e muito desafio para a disciplina de Hematologia e Hemoterapia. O trabalho docente ficou
remoto, mas muita vida estava em jogo e mais que isso, muita vontade de aprender com estes desafios. Os
alunos estavam ávidos por vivenciar de alguma maneira esta situação, que certamente fará parte da memória
institucional e de cada um dos envolvidos. Professores e alunos passaram a ter aulas on-line; alunos fizeram
mutirão, sob supervisão, para triagem de pessoas com suspeita de Covid-19 e alguns tiveram a chance de

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

participar de projetos de iniciação científica, sendo alguns deles, vinculados à Hemoterapia. Destacamos os
projetos “Uso de plasma convalescente submetido à inativação de patógenos para o tratamento de pacientes
com Covid-19 grave” e “Demanda transfusional e evolução clínica em receptores de hemocomponentes, com
Covid-19: experiência de quatro núcleos de hemoterapia do estado do Rio de Janeiro”, ambos aprovados pelo
CEP HUPE sob o CAAE 30487220.8.2003.5259 e 31421620.7.1001.5259, respectivamente. Resultados
destes estudos foram apresentados na Jornada Acadêmica da FCM em 2020 e aprovados recentemente para
apresentação no Congresso de Hematologia e Hemoterapia 2021, o HemoPlay 2021, que ainda acontece
de forma remota. A Hemoterapia do HUPE inseriu ações educativas sobre transfusão e doação de sangue,
através de um projeto de extensão aprovado na UERJ, chamado “Educação permanente para uma transfusão
segura – aprendendo a cuidar melhor do doador ao receptor”, no qual diversos setores e disciplinas da FCM
estão associados, tais como Faculdade de Enfermagem, o Telessaúde UERJ, a Disciplina de Hematologia e
Hemoterapia, o Núcleo de Segurança do Paciente do HUPE, entre outros. Não era esperado que esta pandemia
fosse tão extensa na duração e tão impactante em sua gravidade clínica e social. A descoberta das vacinas num
período curto e a sua aplicação em massa, vem reduzindo nitidamente os efeitos da pandemia, o que ressalta
a relevância da ciência e a importância da inserção de corpo docente, discente e técnicos administrativos na
estrutura do complexo de saúde da UERJ com ênfase nas atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Considerações Finais

No momento da preparação deste relato, quase 50% da população brasileira está completamente imunizada
contra a Covid-19 6. Em 06 de outubro de 2021 a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro publicou
o mapa de risco de Covid-19 do estado do Rio de Janeiro, mostrando que apenas as regiões Norte e Nordeste
do estado apresentam risco moderado e as demais risco baixo 7. O HUPE retomou as cirurgias eletivas em
julho de 2021, o hospital está funcionando em “plenos pulmões”. Os alunos voltaram a circular nos corredores
do HUPE e já com olhos brilhantes, frequentam as aulas práticas presenciais. Os médicos residentes olham
para trás com lembranças de tempos difíceis, mas que como toda boa história, deixou muito aprendizado. A
Hemoterapia segue com protocolos de segurança cada vez mais restritos, enfrentando novos desafios, mas
com a certeza de que a consolidação e disseminação do conhecimento e aprendizado, só acontecem com a
união de forças, dedicação e muita coragem.

Agradecimentos
Ao staff da Hemoterapia, sem os quais nada disso teria sido possível. As pessoas são o maior bem de
qualquer organização.

Bibliografia

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from: https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/2020-DON229 [Accessed 16

46
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

outubro 2021].
2. Agência Brasil - Brasília, A.G.E.N.C.I.A.B.R.A.S.I.L. Primeiro caso de Covid-19 no Brasil completa
um ano. [Online]. Available from: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-02/primeiro-
caso-de-Covid-19-no-brasil-completa-um-ano [Accessed 16 outubro 2021].
3. Instituto estadual de hematologia, H.E.M.O.R.I.O. HEMORIO. [Online]. Available from: http://
www.hemorio.rj.gov.br/ [Accessed 16 October 2021].
4. Chong C, Zhou W, Fan W, Ning X, Yang S. Association of anemia and Covid-19 in hospitalized
patients. Future virology. [Online] 2021;16(7): Available from: https://www.futuremedicine.com/doi/
full/10.2217/fvl-2021-0044 [Accessed 16 October 2021].
5. Bandeira, F.M.G.C, Cunha, J.R, Baião, S.V, Costa, C.M, Oliveira, R.M.R , Fonseca, K.B , Eleuterio,
T.A. Impacto da pandemia Covid-19 na dinâmica do núcleo de hemoterapia de um hospital
universitário. Saúde Coletiva. 2020;10(54): 2707–2718.
6. Mathieu, E., Ritchie, H., Ortiz-Ospina, E. et al. A global database of Covid-19 vaccinations. Nat Hum
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7. Governo do estado do Rio de Janeiro, S.E.S.R.J. Mapa de Risco de Covid-19 do estado do Rio de
Janeiro. [Online]. Available from: https://www.saude.rj.gov.br/noticias/2021/10/mapa-de-risco-Covid-
19-pela-primeira-vez-desde-o-inicio-do-ano-nenhum-municipio-apresenta-alto-risco [Accessed 16
outubro 2021].

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Atuação do Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI) em


meio à pandemia pela Covid-19

Luciana Branco da Motta¹; Ana Cristina Canedo²; Elaine Hollanda Costa Lima³; Flávia Gomes Lopes4;, Ivone

Renor da Silva Conceição5; Liv Katyuska de Carvalho Sampaio de Souza6; Lívia Bittencourt Ramos7; Renata de

Oliveira Fidelis Cavalcante8; Tania de Oliveira9; Ana Paula Petrungaro Novello3

¹ Médica geriatra e coordenadora do NAI/HUPE/UERJ; ² Médica geriatra e coordenadora do Programa de Residência Médica

em Geriatria do NAI/HUPE/UERJ; ³ Fisioterapeuta e preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde

do Idoso do NAI/HUPE/UERJ; 4 Médica geriatra e preceptora do Programa de Residência Médica em Geriatria do NAI/

HUPE/UERJ/; 5 Enfermeira e preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso do NAI/HUPE/

UERJ; 6 Nutricionista e preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso do NAI/HUPE/UERJ; 7

Fonoaudióloga e preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso do NAI/HUPE/UERJ; 8 Psicóloga

e preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso do NAI/HUPE/UERJ; 9 Assistente Social e

preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso do NAI/HUPE/UERJ

Descritores em português: Saúde do idoso; idoso; Covid-19; SARS-CoV-2; pandemia por Covid-19; teletrabalho; trabalho

remoto; trabalho à distância; consulta remota; distanciamento social; equipe interdisciplinar em saúde; equipe multiprofissional.

Descritores em inglês: Health of elderly; elderly; Covid-19; SARS-CoV-2; pandemics; teleworking; remote consultation; physical

distancing; patient care team.

Introdução

O Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI) é um serviço ambulatorial especializado voltado ao atendimento


à saúde de idosos com maior risco à perda de autonomia e independência. Trata-se de unidade assistencial
responsável pelo desenvolvimento do Programa de Residência Médica em Geriatria e do Programa
de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso, abrangendo este último cinco áreas profissionais:
enfermagem, fisioterapia, nutrição, psicologia e serviço social. Recebe também residentes do programa de
psicologia clínica totalizando 28 residentes anualmente. Preceptores e residentes atuam em diversos cenários
de atenção ao idoso, tais como ambulatório, enfermaria (inserção na enfermaria de cirurgia vascular do Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE), atenção asilar, domiciliar e de promoção à saúde. A complexa realidade
sanitária instalada pela pandemia de Covid-19 em março de 2020 e ainda hoje vigente requereu a tomada de
medidas urgentes assistenciais, promovendo modificações na gestão do cuidado, da formação profissional e
do funcionamento e organização do próprio serviço. O presente artigo pretende compartilhar a experiência
vivenciada pelo NAI, apresentando as estratégias adotadas para manter o acompanhamento da população
assistida pelo serviço, desenvolver ações protetivas, de prevenção, de vigilância epidemiológica e promoção de
saúde, além de garantir a formação profissional dos residentes.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Métodos

A atenção ambulatorial: o desenvolvimento do monitoramento remoto com idosos


Com aproximadamente 430 usuários idosos em acompanhamento no ambulatório NAI à época da
instauração da pandemia e do consequente estabelecimento de medidas de distanciamento social e restrição
de circulação como mecanismos de prevenção de contágio, o serviço precisou se reconfigurar, de modo célere e
promotor de segurança, para seguir produzindo cuidado em meio a esse contexto crítico, haja vista a população
idosa constituir-se em grupo de maior risco à exposição e adoecimento pela Covid-19. O redesenho do
modelo assistencial emergiu, portanto, como condição necessária e urgente, passando os idosos antes atendidos
presencialmente a ser acompanhados à distância mediante monitoramento por telefone.
A construção dessa nova modelagem propôs inúmeros desafios de natureza diversa. Não se tratava de
mera transposição de modalidades de atendimentos, de uma permuta mecânica destituída de implicações,
diferenciada apenas pelo fato de não se processar fisicamente no espaço da unidade de saúde. Muito ao contrário:
novos processos de trabalho, rotinas, modos de apreensão da realidade de vida e saúde, de construção de
relações e vínculos, habilidades e competências precisariam ser aprendidos, desenvolvidos e instituídos. Afinal,
uma dimensão importante — o lugar de encontro entre os sujeitos, entre o idoso/familiar e o profissional de
saúde, e das mediações tornadas possíveis pelo contato, a troca presencial, o toque, o exame físico do corpo
e a observação da expressão simultânea da fala, do olhar, dos gestos, dos sentimentos que se manifestam,
atravessam o corpo e nele ganham forma, durante a narrativa do idoso sobre si, sua vida, seu adoecimento —
havia entrado em estado de suspensão, sofrido uma espécie de interdição, àquela altura pela pandemia.
Diante desta realidade precisávamos acessar, com rapidez ímpar, todos os contatos telefônicos dos pacientes.
Tarefa feita em mutirão envolvendo todos os profissionais das áreas administrativas e assistenciais, inclusive
residentes dos programas de Residência Multiprofissional e em Geriatria, para resgatar as agendas físicas, com
os respectivos telefones e datas de marcação. Remotamente, nos comunicávamos por nossos telefones pessoais,
especialmente por aplicativo de mensagens e reuniões virtuais, buscando elaborar formas eficientes e eficazes
de contatarmos os pacientes e familiares sobre a suspensão dos atendimentos e reforçarmos a necessidade
de cumprirem as medidas preventivas de contágio ainda incipientes. Nestes contatos percebemos também a
necessidade de saber o estado de saúde deles, sintomas suspeitos, dúvidas quanto a medidas preventivas de
contágio e necessidade de prescrições médicas de medicamentos controlados. Percebemos então que surgia a
necessidade de se estabelecer um fluxo ordenado de informações de mão dupla, definindo o que deveria ser
informado, investigado e respondido e quais profissionais seriam incumbidos de tais atribuições, emergindo
então o imperativo de sistematizar o processo que inicialmente seria somente a “desmarcação de consultas”.
A primeira proposta elaborada formalmente foi redigida como produto de nossas diversas reuniões de
equipe por aplicativo de reuniões virtuais. Sendo demonstradas abaixo as principais diretrizes dos contatos
telefônicos:
Informar aos idosos/ familiares sobre a suspensão das atividades no Campus da UERJ temporariamente,
aguardar reagendamento. 2) Orientar os familiares (e idosos) sobre como proceder se precisar de medicação

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

ou outra orientação de cuidados. 3) Orientar sobre os cuidados de prevenção para a Covid-19 e o que fazer
diante de eventuais sintomas. 4) Manter equipes de medicina e enfermagem em dias e turnos definidos para
alguma orientação presencial (5ª manhã, sala 15 ambulatório HUPE). 5) Manter um smartphone do serviço,
com uma servidora técnica de enfermagem, para receber aos chamados e repassa-los para as equipes conforme
as demandas.
As Equipes de Monitoramento foram divididas em cinco turnos por dia da semana, mantendo na medida
possível os profissionais dos turnos presenciais, sendo um turno com pacientes do grupo “pós-alta” da enfermaria
da Cirurgia vascular (acompanhados pela equipe de Geriatria). Tais equipes eram compostas por residentes de
diversas áreas, profissionais e líderes de equipes além de uma equipe de Coordenadores do Monitoramento.
Todos as conversas/ atendimentos e orientações eram registrados em uma “planilha de dados”, arquivada em
disco virtual (nuvem), pelo serviço Google Drive, acessada e compartilhada entre a equipe.
Havia o atendimento inicial informativo, mas na medida da necessidade e demandas eram redirecionados
para profissionais conforme suas especialidades para orientações, encaminhamentos, prescrições e intervenções
técnicas segundo o nível de complexidade. Este fluxo, sempre que necessário era intermediado pelos líderes
ou coordenadores do monitoramento. Inicialmente as prescrições de medicamentos controlados e orientações
presenciais estritamente necessárias eram entregues mediante agendamento na sala 15 do ambulatório do
HUPE, às 5ª feiras pela manhã por uma equipe composta por uma médica, uma enfermeira e um residente
de medicina, e oscilou entre 2 a 12 pacientes por turno. Após a implementação do Conselho Regional de
Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) da receita, atestados e pedidos de exame digital, houve
redução desta demanda, mas ainda permaneceu o atendimento para aqueles que não acessavam smartphones
e/ou e-mails.
Foram monitorados cerca de 400 pacientes/famílias e realizados mais de mil atendimentos, considerando-
se que cada paciente recebia ligações em intervalos regulares. Pois diante das demandas apresentadas nos
contatos telefônicos observou-se diversas demandas como: sentimentos de solidão, medo, isolamento
social, ansiedade, desconhecimento de medidas preventivas de contágio da Covid-19 por parte dos idosos e
familiares, queixas de sinais e sintomas físicos e psíquicos, demandas de recursos financeiros e diversos tipos
de situações de vulnerabilidade destes pacientes. Diante disso, se impôs a necessidade de contatos telefônicos
com intervalos planejados e sempre que possível agendados para acompanhamento de diversos casos.
Em meados de julho de 2020, com o arrefecimento da primeira onda da Covid-19 em junho, houve
a abertura parcial do Campus UERJ e acesso controlado de pessoas, iniciou-se uma nova distribuição dos
médicos, inicialmente para “tele consultas agendadas”, sendo então possível acessar as dependências do
ambulatório NAI para consultar os prontuários arquivados fisicamente. Sendo inseridos gradativamente
os demais profissionais nas escalas de atendimento. Posteriormente a equipe de monitoramento começou
selecionar pacientes com necessidade de avaliação presencial, capazes de comparecer, pelas condições clinicas
e capacidade de deslocamento segura (não coletiva). Desta forma as agendas de atendimento a partir de
agosto retornaram com atendimentos “presenciais” e “tele consultas” por vídeo, quando possível.
Para os atendimentos presenciais foram tomadas medidas de proteção para os pacientes com uso
obrigatório de máscaras, verificação de temperatura, uso de álcool gel nas mãos, permissão de um acompanhante
e investigação de sintomas. Os profissionais deveriam estar de máscaras, atendendo com consultório aberto

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

a 1,5 metros do paciente, higienizando as mesas dos consultórios com álcool 70% após cada atendimento.
Nos casos em que o paciente ao ser investigado antes de entrar acusasse algum sintoma suspeito prévio, era
atendido em sala fora do ambulatório com o médico com jaleco descartável, luvas, máscara e protetor facial
encaminhando o paciente para uma unidade de atendimento especializados se necessário. Gradativamente os
pacientes foram sentindo-se mais seguros de virem até o ambulatório, especialmente após o inicio do programa
de vacinação. Atualmente noventa por cento dos atendimentos são presenciais, permanecendo poucos em tele
consultas, embora esta modalidade de atendimento ainda seja útil para casos suspeitos de contágio por SARS-
Cov-2 ou dificuldades de acesso por outras causas.

Atenção hospitalar: equipe NAI na linha de frente e na enfermaria de


cirurgia vascular
Imbuídos do espírito coletivo em meio à situação de colapso do sistema hospitalar que se instalava, em 18
de maio de 2020, a equipe médica do NAI, composta por seu staff de geriatras e seus residentes, assumiram
voluntariamente a unidade Covid-19-GINECO, assim denominada por instalar-se no espaço da enfermaria
de Ginecologia naquele momento desativada pela situação de pandemia. Apesar do temor pelo risco da
exposição da equipe, o desejo de contribuição para salvar vidas motivou o grupo a buscar a melhor assistência
possível aos pacientes naquele momento. Foram feitos grupos de estudos para elaboração de protocolos e
atualização científica constante. Trabalhamos em conjunto com uma equipe engajadas de plantonistas de
diversas outras áreas do hospital inclusive áreas cirúrgicas, bem com uma equipe de enfermagem altamente
qualificada que acabara de ser contratada para a construção urgente daquela unidade. Foram dias intensos de
trabalho que se concluíram em 23 de junho de 2020, paralelamente à fase de declínio da primeira onda.
O projeto Atenção ao Idoso hospitalizado foi mantido na enfermaria de cirurgia vascular por parte da
equipe. Estafes e residentes, mesmo durante a pandemia, mantiveram os atendimentos dos idosos frágeis
internados. Todos realizaram, juntamente com a equipe de enfermagem do setor, o treinamento para o uso
dos equipamentos de proteção individual, assegurando, assim, a proteção dos profissionais e pacientes. Com
o intuito de reduzir a circulação de pessoas nesse espaço, algumas equipes passaram a atuar remotamente.
Reuniões familiares, orientações nutricionais, atendimentos da psicologia passaram a ocorrer de forma remota.
Presencialmente foram mantidos os atendimentos da equipe médica, de fisioterapia e do serviço social.
Durante esse período, iniciamos também, o atendimento em equipe multiprofissional remoto, com o objetivo
de monitorar e assegurar o acompanhamento dos idosos mesmo após a alta. Nestes atendimentos foram
realizadas orientações para o curativo, entregue cartilhas de exercícios da fisioterapia e acompanhamento dos
exercícios, atendimentos da psicologia, medicina, nutrição e do serviço social. É importante destacar a atuação
da equipe do serviço social na coordenação destes atendimentos.
Neste período tivemos parte da equipe de fisioterapia deslocada para o atendimento em unidades fechadas
e setores Covid-19, os quais atuaram com bravura e destaque durante quatro meses.

Projeto de Promoção da Saúde durante a pandemia


Na convergência de propósitos das políticas de saúde e de atenção ao idoso, as ações educativas representam

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

a possibilidade de ampliar alguns limites do atendimento individual pelo aprofundamento crítico dos temas
e do diálogo, somado à oportunidade de criação e/ou dinamização de vínculos sociais1. Em atividade há 25
anos o Projeto de Promoção da Saúde (PPS) é um projeto de extensão da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) vinculado à Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI) e ao NAI que tem como
referência conceitual o debate sobre promoção da saúde e envelhecimento ativo, alinhado a uma visão de
educação em saúde na perspectiva da educação popular.
Durante os primeiros meses da pandemia Covid-19, por meio do monitoramento telefônico, emoções
negativas tais como tristeza, desespero, medo, insegurança, ansiedade e solidão foram frequentemente
identificadas como uma demanda importante dos idosos atendidos.
Sabe-se que há relação entre as emoções positivas (EP) e maior capacidade de construção de recursos
cognitivos para enfrentamento de situações adversas2. Portanto, estimular as EP foi uma estratégia de promoção
à saúde no enfrentamento e manejo das emoções negativas que persistiam na situação de isolamento social da
pandemia. Favorecer o alcance de recursos internos de manutenção da saúde mental foi uma meta determinada
pela equipe.
O recurso escolhido foi a Arte, por meio de música e poesia3. Foi desenvolvido um vídeo enfatizando
a naturalidade dos sentimentos vivenciados naquele momento e com conteúdo informativo sobre EP. Junto
ao vídeo introdutório com o título: “Cuidados com a saúde durante o distanciamento físico: estimulando as
emoções positivas” foi enviado um link para acesso a 26 melodias estimuladoras de sentimentos positivos (de
diversas épocas, para atingir tanto os idosos jovens quanto os mais longevos) e outro para acesso a um vídeo
com a poesia “Saber Viver” de Cora Coralina escrita e narrada. Detalhes como cores, tamanho de letra, volume
e repertório tiveram atenção especial. O material foi encaminhado aos idosos e/ou cuidadores telemonitorados
pelo NAI que tinham WhatsApp em junho de 2020. O material foi considerado importante visto as emoções
positivas identificadas através dos feedbacks recebidos como alegria, tranquilidade, saudade e acolhimento.
Após este trabalho os profissionais se desafiaram a dar continuidade a outra ação do PPS: o Grupo
Encontros com a Saúde (GES), grupo de ações educativas em saúde que ocorria semanalmente de forma
presencial com idosos do ambulatório do NAI e da comunidade externa inscritos pela UnATI. Os encontros
passaram a ser quinzenais, de forma virtual via plataforma ZOOM mais a utilização do aplicativo WhatsApp
para informes e divulgação de material teórico. Participaram do grupo 11 idosos, 4 preceptores e 10 residentes
das áreas de saúde, que juntos realizaram ao longo de 2020 doze encontros do GES.
Parte dos objetivos precisou ser modificada conforme as demandas dos participantes iam se revelando.
Dessa maneira, priorizou-se a promoção de um espaço de acolhimento das questões vivenciadas e trazidas
por eles, sem perder de vista a proposta educativa do projeto. Exemplos de algumas temáticas desenvolvidas:
“Autocuidado e solidariedade em tempos de pandemia”, “O idoso no novo normal” e “Retrospectiva
e criatividade”. O GES considerava diversos aspectos que perpassam a saúde de forma ampla, buscando
significados e significâncias aos contextos biopsicossociais dos temas discutidos. Em um cenário sem interações
físicas, as atividades realizadas no PPS propiciaram o exercício da capacidade criativa pelos profissionais para
atender as demandas do grupo. Essas ações contribuíram para formação dos residentes ao comprovar que é
possível construir estratégias de intervenção, que o trabalho profissional não é estático, podendo ser reformulado
em cada contexto. Foram evidenciadas trocas de vivências e conhecimentos tanto para os profissionais como

52
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

para os idosos.
Houve uma superação gradativa para todos os integrantes: à equipe coube a busca de novas metodologias
de trabalho que se adequassem ao ambiente virtual; já aos idosos coube a superação das barreiras do
distanciamento físico, o desafio do uso de novas tecnologias de comunicação e a disposição em discutirem
temas delicados, como medo e depressão.
A representatividade do GES foi comprovada como um diferenciador positivo àqueles idosos em suas
falas, no último encontro: “companheirismo”, “alento”, “acolhimento”, “compartilhamento de afeto”, “segurou
as pontas”, “agradecimento pela existência”, “salvamento de pessoas”, “solicitude”.
O PPS, a fim de atender as necessidades da equipe do NAI/UnATI e idosos, manteve-se ativo durante
o ano de 2020 em plena pandemia por Covid-19. Os objetivos foram alcançados e as expectativas iniciais
superadas por todos os integrantes.

Atenção ao idoso institucionalizado


O Serviço de Geriatria e Gerontologia da UERJ, por meio do NAI, possui um Termo de Cooperação
de ensino, para realização de parte do treinamento do Programa de Residência Médica e Multiprofissional
(Fisioterapia, Nutrição e Psicologia), com o Abrigo Presbiteriano firmado em 2018. Essa Instituição de
Longa permanência para idosos (ILPI) que foi fundada em 1960, no Bairro de Lins de Vasconcelos, abriga
idosas, a partir dos 60 anos, e tem capacidade para até 21 moradoras. Conta com funcionários contratados,
diretores e conselheiros voluntários.
O Abrigo Presbiteriano recebe amparo econômico da Igreja Presbiteriana do Brasil, doações de igrejas de
outras denominações, além de contribuições voluntárias dos associados e mensalidades pagas pelas moradoras
ou seus responsáveis.
Em 13/03/2020, início da pandemia pelo SARSCoV-2 no Brasil, as Equipes Médica e Multiprofissional
do NAI tiveram suas atividades presenciais rotineiras, assim como as visitas dos familiares, interrompidas,
com o objetivo de reduzir o risco de contaminação das idosas. Nesse período iniciaram-se a confecção
do protocolo de segurança, o qual foi encaminhado ao Ministério público, e o treinamento de todos os
funcionários do Abrigo Presbiteriano, coordenado por Célia Pereira Caldas, membro da diretoria desta ILPI e
Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da UERJ-Departamento de Enfermagem de Saúde Pública.
Todavia, manteve-se atendimento remoto e, quando necessário, presencial pela Equipe NAI. Nesse período,
com o objetivo de evitar desfechos desfavoráveis pela solidão, visto as visitas dos familiares também terem
sido canceladas, implementaram-se, pelos conselheiros e funcionários do Abrigo, diversas ações, podendo-se
citar a campanha “Oferta de Amor”, na qual foram solicitados envios de mensagens de carinho ou realizadas
ligações telefônicas para as idosas.
Com a imunização das idosas residentes, das Equipes, tanto local quanto de saúde, o trabalho presencial
foi sendo retomado paulatinamente e de forma cautelosa. Todavia, todo o cuidado para evitar contaminação
foi adotado, como obrigatoriedade da higienização das mãos, do uso de propôs, touca, capote e máscara
descartáveis, durante todo o período de permanência dos profissionais da Equipe na ILPI. Com todas as
medidas adotadas, nenhuma residente do Abrigo Presbiteriano foi contaminada pelo vírus SARS-CoV-2.

53
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A prática da Psicologia no ambulatório NAI durante a pandemia


A equipe de Psicologia integrou o trabalho de monitoramento realizado pelo NAI. Houve uma construção
coletiva da proposta e a Psicologia pôde sublinhar que para além de informações e orientações da equipe
de saúde, houve uma proposta de acolhimento aos pacientes e/ou familiares, neste momento que suscitou
angústia e medo, que propiciou algum efeito terapêutico a partir da fala. Também se buscou identificar quais
os efeitos do distanciamento social, reconhecidamente necessário como medida sanitária, estando atentos às
dificuldades e particularidades deste para cada um.
Alguns pacientes que já estavam sendo acompanhados no ambulatório pelas atuais residentes e
preceptoras foram contactados para manter o vínculo e analisar a possibilidade de início de uma continuidade
do atendimento psicológico, agora de forma online. Os encaminhamentos da equipe e os contatos realizados
via monitoramento nos colocaram também diante da possibilidade de iniciar um acompanhamento remoto
para alguns pacientes que apresentavam demanda específica para atendimento psicológico.
O atendimento online, que já era uma prática de muitos psicólogos antes da pandemia, se colocou como
recurso fundamental para a sustentação do trabalho clínico. Cabe ressaltar que este formato de atendimento é
regulamentado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), mas houve um reconhecimento por parte do Conselho
de que este trabalho se ampliaria e para isso era necessário um cuidado quanto ao sigilo exigido pela nossa prática.
Foi criada a resolução do CFP n. 4, de 26 de março de 2020, que regulamenta os serviços psicológicos prestados por
meios de tecnologia da informação e da comunicação durante o período de pandemia da Covid-19.
Alguns pacientes puderam ser acompanhados desta forma, mas nem todos tinham um recurso tecnológico
e espaço físico que propiciasse privacidade, inviabilizando um trabalho mais específico da Psicologia nestes
casos. Cabe ressaltar que este trabalho é orientado pela psicanálise que apresenta uma aposta de que o paciente
se implique no trabalho e possa subjetivar as questões, elaborando algo de sua própria história4.
A equipe de Psicologia também pode atender os familiares dos pacientes acompanhados no NAI. A
evolução das doenças progressivas deixa os familiares bastante confusos e mobilizados, com sentimento de
impotência. Alguns superprotegem e ficam exaustos, ao mesmo tempo que não abrem espaço para o idoso
usar algum potencial5. Desta forma, muitas vezes há uma sobrecarga que se exacerba com o aumento da
dependência a partir de um agravamento do quadro clínico do idoso.

Grupo de Suporte ao Cuidador


O grupo de suporte ao cuidador foi retomado para encaminhamento de cuidadores e familiares com
sobrecarga física ou mental, com a finalidade de ajudar aqueles em sobrecarga a desenvolver práticas, apropriar-
se de conhecimentos e de estratégias, tendo em vista o cuidado de si e de seu familiar idoso. O grupo propicia
o acolhimento e o compartilhamento das experiências vivenciadas pelos cuidadores, produzindo uma rede de
solidariedade e identificações entre os cuidadores, auxiliando na criação de novas estratégias de cuidado de si e
do familiar e valida estratégias que já são utilizadas. Neste período foi propiciado o acolhimento de processos
de luto que se intensificaram na pandemia com a vivência de muitas perdas. Este trabalho tem se mostrado
de extrema importância e sustentá-lo de forma on-line tem minimizado os efeitos da distância física e criado
laços que diminuem o isolamento social.

54
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A formação profissional na pandemia e a avaliação como recurso de (re)


planejamento
O programa de treinamento integrado do NAI foi planejado para permitir a interação nos diferentes
cenários de prática entre os residentes de medicina e os da residência multiprofissional e o desenvolvimento
de trabalho em equipe colaborativa6. Os residentes atuam nos cenários já supracitados e alguns programas têm
rodízios externos de acordo com a expertise de cada área.
A pandemia trouxe questões acerca de: como garantir o plano pedagógico de cada área de forma
adequada? Como inserir um aluno que está iniciando no programa e começa a residência na pandemia?
Como garantir a segurança dos idosos, alunos e preceptores? Como garantir a complementação dos conteúdos
nos rodízios externos também comprometidos com a pandemia? Desafios que foram sendo discutidos pela
equipe de preceptores e coordenadores dos programas conforme as demandas iam surgindo, uma vez que o
planejamento anual feito não poderia ser mantido.
As atividades assistenciais na enfermaria foram mantidas pela medicina e fisioterapia, sendo uma das
primeiras preocupações a capacitação de todos em relação à segurança no trabalho com a Covid-19 garantindo
treinamento no uso de equipamentos de proteção individual. Optamos por modificar as programações teóricas
específicas para trabalhar com temas relacionados à Covid-19 de forma a instrumentalizar os residentes nos
plantões e triagem no hospital, assim como para sanar dúvidas e orientar os idosos por telefone. No programa
de medicina iniciamos com dois encontros semanais por vídeo. Após três semanas optamos por reintroduzir
temas da geriatria, visto que os R1 haviam tido somente uma pequena exposição a este conteúdo. Essa foi uma
decisão tomada em conjunto com os residentes. Esses encontros permitiram termos tempo para conversar
com todos e ver os problemas que estavam enfrentando, dúvidas, angústias.
Em um segundo momento retornamos à discussão teórica interprofissional. O programa anteriormente
oferecia duas atividades teóricas com frequência semanal cada: (a) o “curso de aperfeiçoamento em saúde do
idoso” para todos os R1 e (b) o “grupo de estudo multiprofissional” que trabalhava questões de gerontologia,
grandes síndromes geriátricas, e demais conteúdos pertinentes às diferentes áreas, numa programação bianual,
para R1 e R2. A programação teórica foi organizada de forma a ser discutida em encontros quinzenais,
síncronos, mas com uma programação híbrida entre as duas atividades multiprofissionais supracitadas.
Inicialmente usando a plataforma Classroom, Google drive e Zoom, sendo posteriormente substituído pela
plataforma TEAMS. Cada área profissional manteve o espaço de grupo de estudo específico de forma semanal
e à distância.
Os programas também precisaram repensar os temas dos trabalhos de conclusão de residência (TCR), pois
vários seriam pesquisas de campo no ambulatório ou enfermaria. Optamos por iniciar um projeto de pesquisa
Covid-19-Idoso no HUPE em que os residentes da geriatria participaram desenvolvendo seus trabalhos.
Outras áreas desenvolveram pesquisas por meio de questionários digitais ou optaram por revisões teóricas.
É uma prática do nosso serviço avaliar anualmente as atividades assistenciais e formativas oferecidas.
Frente ao momento optamos por modificar a metodologia usual. Em junho de 2020 foi proposto um
questionário on-line para os residentes que continha questões sobre os eixos: (1) Impacto na vida pessoal; (2)

55
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Segurança pessoal e coletiva nos cenários de prática; (3) Processo ensino aprendizagem (perdas e ganhos no
período da pandemia); (4) Acesso à tecnologia e seus desafios: dificuldades encontradas nas tarefas síncronas
e assíncronas; (5) auto avaliação.
Os residentes relataram impacto na vida pessoal e insegurança frente ao desconhecido e às mudanças
no programa de treinamento. A dificuldade de acesso aos recursos tecnológicos foi baixa. Para alguns,
principalmente os R2, o volume de atividades propostas foi maior que a capacidade de execução, fato que
reduzia o tempo de dedicação ao TCR e isso aparecia como uma importante preocupação. Na avaliação dos
alunos, as atividades teóricas e práticas foram satisfatórias, sendo importante os feedbacks positivos dos pacientes
em relação ao suporte dado no monitoramento telefônico, apesar da angústia em não conseguir resolver
todos os casos. As dificuldades apontadas se relacionaram à perda de motivação, falta do encontro presencial,
planejamento do tempo, trabalho em equipe como uma experiência nova e feita de forma virtual, estresse
pela nova modalidade de atendimento (virtual), frustração quanto às expectativas do treinamento. Entre as
competências adquiridas foram citadas: socialização de informações, empatia, respeito, ética, responsabilidade,
trabalho em equipe, conhecimento das atribuições de outras áreas profissionais e flexibilidade. A avaliação
norteou algumas modificações no programa de treinamento para o segundo semestre.
Nota-se que o “trabalho em equipe” foi citado no rol de dificuldades, mas também como algo aprendido na
formação. Indubitavelmente os desafios pessoais, profissionais e familiares dentro do contexto vivido levaram
a uma certa fratura no trabalho colaborativo, mas que aos poucos foi sendo reparada, principalmente com o
retorno às atividades presenciais.

Considerações finais
O segmento populacional composto por idosos configurava-se, quando da instalação da pandemia em
março de 2020, como o de maior risco para complicações por Covid-19. Tal realidade, com o avançar da crise
sanitária, se confirmou epidemiologicamente, denotando a maior vulnerabilidade desse grupo populacional.
Neste artigo, apresentamos a experiência exitosa desenvolvida pelo NAI mediante a adoção de medidas
que combinaram a não exposição ao risco de contaminação, a continuidade de acompanhamento à distância,
ações de acolhimento, escuta, orientação e promoção da saúde, evitando, assim, a desassistência e o surgimento
de agravos que concorressem para ampliar a situação de fragilidade dessa população.
A necessidade de enfrentamento desse contexto adverso e crítico promovido pela pandemia gerou
inquietações, instigando a busca de alternativas para produzir cuidado, exigindo criatividade, requerendo
novas habilidades e competências, bem como o uso de velhas e novas tecnologias para promover saúde. Como
a teleconsulta, ferramenta que veio para ficar.
Acreditamos que todos os esforços despendidos pelos profissionais ativos no NAI sem distinção, nos
conferiu o êxito na manutenção de alguma segurança de muitos daqueles idosos. Com a disposição de,
apesar das nossas limitações pessoais e institucionais, oferecer acolhimento e esperança. Nos ressentimos
imensamente daqueles que se foram. Mas cremos que contribuímos para preservar muitas vidas.
Agradecimentos a todos os profissionais preceptores e residentes que juntos conseguiram superar o desafio
de manter as atividades assistenciais e formativas do NAI, bem como aos idosos que com toda resiliência nos

56
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

inspiraram a ser profissionais e pessoas melhores.


Agradecimentos especiais aos geriatras e fisioterapeutas: Ana Cristina Canedo, Ana Paula Petrungaro Novello,
Elaine Hollanda Costa Lima, Flavia Lopes, Marília Senra, Sandra Souza Ehms de Abreu e Vítor Savino Campos. E
aos residentes de geriatria e fisioterapia: Alice Fernandes de Lemos, Catherine Valdez, Chaiene de Andrade de Souza,
Hugo Trindade, Júlia Carneiro, Júlia Ribeiro Lemos, Maria Fernanda Duarte, Renata Brand, Rhana Jacinto da
Cunha e Stephan Roux que atuaram na linha de frente.

Bibliografia

1. Assis M. Promoção da saúde e envelhecimento: orientações para o desenvolvimento de ações educativas


com idosos. Rio de Janeiro: CDRE UnATI UERJ; 2002.
2. Snyder CR, Lopez SJ. Psicologia Positiva: uma abordagem científica e prática das qualidades humanas.
Porto Alegre: Artmed; 2009.
3. Gomes L, Amaral JB. Os efeitos da utilização da música para os idosos: revisão sistemática. Rev Enf
Contemp 2012; 1:1.
4. Castilho, G. Por que psicanálise em um ambulatório de geriatria/gerontologia? In: Bernardo, M. H. J;
Motta, L. B. (Orgs.). Cuidado e interprofissionalidade – uma experiência de atenção integral à saúde da
pessoa idosa (Núcleo de Atenção ao Idoso/UnATI-HUPE-UERJ), pp. 323-348, Curitiba: CRV, 2016.
5. Conceição IRS, Lima CFM, Soares PJ, Caldas CP, Silveira TM, Machado ML. Atenção ao cuidador.
In: Bernardo MHJ, Motta LB (Orgs.). Cuidado e interprofissionalidade – uma experiência de atenção
integral à saúde da pessoa idosa (Núcleo de Atenção ao Idoso/UnATI-HUPE-UERJ), pp. 439-453,
Curitiba: CRV, 2016.
6. Pacheco LC, Motta LB, Bernardo MHJ, Miguel NGO. Os programas de residências do NAI e sua
integração: em busca da formação para o trabalho interprofissional. In: Bernardo MHJ, Motta LB (org).
Cuidado e interprofissionalidade – uma experiência de atenção integral à saúde da pessoa idosa (núcleo
de atenção ao idoso / UnaTI-HUPE-UERJ). Curitiba: CRV, 2016: 143-160.
7. Bernardo, MHJ; Oliveira, T. Monitoramento remoto com idosos: uma experiência de cuidado em
tempos de pandemia da Covid-19. In: Leite A; Stampa I; Gomes RLR (org). Para além da Quarentena:
reflexões sobre crise e pandemia. Rio de Janeiro: Mórula editorial, 2020.
8. Protocolo de manejo clínico do coronavírus (SARS-Cov-2) na atenção primária à saúde [acesso em:
28 maio 2020]. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/20/20200318-
ProtocoloManejo-ver002.pdf>.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Avaliando o impacto das sequelas da Covid-19 no


sistema respiratório

Thiago Thomaz Mafort1,2,3, Mariana Soares da Cal1,4, Laura Braga Monnerat1,4, Angelo Thomaz Abalada Ghetti1,4,

Patrícia Frascari Litrento1,5, Guilherme Guimarães Delgado1,5, Alicia Sales Carneiro1,5, Elaine Dias Soutinho1,5, Bruna

Cuoco Provenzano1,5, Agnaldo José Lopes1,2,3

1
Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ; 2 Disciplina de Pneumologia e

Tisiologia da FCM/UERJ, 3Docente; 4Discente, 5Médico(a)/residente/staff

Descritores em português: Covid-19; Sistema respiratório; Função pulmonar; Ultrassom de pulmão.

Descritores em inglês: Covid-19; Respiratory system; Lung function; Lung ultrasound.

Introdução

O cuidado com os pacientes que sobreviveram à Covid-19 e desenvolveram sequelas será enorme
nos próximos meses e anos, especialmente no que tange ao dano pulmonar. Embora dados preliminares
sugiram que muitos sobreviventes da Covid-19 têm distúrbios respiratórios persistentes meses após a doença,
incluindo tosse crônica, doença pulmonar fibrótica, bronquiectasia e doença vascular pulmonar, a extensão e a
gravidade das complicações respiratórias no longo prazo ainda precisam ser analisadas mais detalhadamente.1
De fato, o sistema respiratório é o mais afetado na Covid-19 devido ao ataque direto do novo coronavírus
(denominado SARS-CoV-2) ou efeitos imunomediados, com alterações patológicas que incluem destruição
do epitélio alveolar, dano da vasculatura pulmonar, proliferação fibrosante dos septos alveolares e consolidação
parenquimatosa.2,3 Essas alterações podem resultar em importante dano ao sistema respiratório, mesmo após a
fase aguda da doença, com repercussões funcionais que podem perdurar por meses ou até anos.2,4 É importante
ressaltar que o SARS-CoV-2 é dependente da ligação à enzima conversora da angiotensina-2 (ECA-2), e
o risco de desenvolver fibrose pulmonar está relacionado ao aumento da expressão de ECA-2 em grupos de
risco, como obesos e cardiopatas.5
A avaliação de parâmetros de função respiratória desejada nos sobreviventes da Covid-19 que tiveram
envolvimento pulmonar durante a fase aguda da doença. Embora os testes de função pulmonar (TFP)
tradicionais (incluindo espirometria, pletismografia de corpo inteiro e difusão pulmonar) sejam amplamente
disponíveis, há uma preocupação com o uso destas técnicas por causa do risco de transmissão de infecção pela
potencial formação de aerossóis e tosse durante os testes.6,7 O uso da espirometria, por exemplo, apresenta
problemas diante da pandemia, incluindo a necessidade de exalação profunda que aumenta as concentrações
de partículas no ar ambiente e o requerimento de cooperação que é difícil de ser conseguida em idosos
e pessoas com déficit cognitivo.6 Nesse contexto, um método simples e rápido para avaliar a mecânica
respiratória é a oscilometria de impulso (IOS) onde a necessidade de cooperação do indivíduo é mínima, já
que é feita durante manobra de respiração espontânea.6 A IOS é um teste particularmente útil para avaliar

58
as propriedades mecânicas do sistema respiratório, tendo sido impulsionada pela tragédia do World Trade
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Center quando milhares de trabalhadores expostos à fumaça e à poeira mostraram alterações na IOS, mas não
na espirometria.8 A técnica consiste na aplicação de pulsos de pressão periódicos para definir as mudanças
na impedância do sistema respiratório (Zsr) sobrepondo ondas de oscilação de pequena amplitude sobre
a respiração espontânea. As frequências mais baixas (≤4 Hz) medem a resistência da viscosidade das vias
aéreas como um todo, enquanto as frequências mais altas (≥20 Hz) refletem as características das vias aéreas
proximais.9
Ao lado da função pulmonar, o diagnóstico por imagem surgiu como um componente fundamental na
avaliação dos sobreviventes da Covid-19. A tomografia computadorizada (TC) do tórax tem sido largamente
usada para determinar a extensão do dano causado pelo SARS-CoV-2, embora ela apresente alto custo, baixa
disponibilidade e exposição à radiação ionizante que limita seu uso em algumas populações.10 Em tempos de
pandemia, o ultrassom de pulmão (USP) ganhou grande importância na propedêutica desses pacientes, já que
é dinâmico, de baixo custo, não expõe o indivíduo à radiação e minimiza o risco de contaminação.11 Em vista
da Covid-19 afetar preferencialmente as áreas periféricas dos pulmões e o acesso a essas regiões pelo USP
ser bastante satisfatório, este método tem se tornado cada vez mais uma ferramenta importante no contexto
atual.11 O USP tem mostrado capacidade para avaliar pacientes durante a fase aguda da doença, mas também
para monitorar a evolução da pneumonia por SARS-Cov-2 após a alta hospitalar, apoiando sua integração
em modelos clínicos preditivos de lesão pulmonar residual.4 Embora o número de estudos até o momento seja
limitado no acompanhamento dessa população, os sinais do USP demonstraram alta sensibilidade e acurácia
diagnóstica, comparáveis aos exames de TC do tórax.12
Por se tratar de uma técnica não invasiva e mais segura que os TFP tradicionais, a IOS pode ter um grande
potencial na pandemia pelo SARS-CoV-2 para investigar as sequelas pulmonares dos sobreviventes. Além
do mais, já é conhecido o grande potencial da IOS para detectar doença de pequenas vias aéreas (DPVA)
que é uma anormalidade frequentemente associada às infecções virais.13 Nesse trabalho, os autores descrevem
a experiência com a IOS e o USP no seguimento de pacientes com sequelas da Covid-19. Inicialmente as
avalições ultrassonográficas foram feitas em pacientes com doença aguda, nas tendas de triagem do Serviço de
Pneumologia e Tisiologia da Policlínica Piquet Carneiro (PPC), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Nesta fase, buscou-se informações que pudessem ter importância prognóstica para os pacientes. Com
a melhor organização dos centros de testagem e após a desmobilização das tendas, as avaliações prosseguiram
no Ambulatório Pós-Covid-19 que seguem com suas atividades na PPC. Em sobreviventes da Covid-19, os
autores buscam investigar o papel da IOS na avaliação pulmonar e avaliar a associação dos achados do IOS
com os da espirometria e do USP nessa população. Ainda no escopo deste capítulo, os autores mostram os
resultados longitudinais observados no seguimento desta população de pacientes, aos dois e cinco meses após
a infecção aguda pelo SARS-CoV-2.

Métodos
No Ambulatório Pós-Covid-19 do Serviço de Pneumologia e Tisiologia da PPC-UERJ, os pacientes
foram avaliados após a infecção aguda por SARS-CoV-2 e monitorados sequencialmente a cada dois ou

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três meses, até que haja normalização dos exames de função e imagem pulmonar. Como se trata de um
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

ambulatório voltado tanto para a assistência quanto para a pesquisa, o estudo foi previamente aprovado pelo
Comitê de Ética em pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ (HUPE-UERJ), sob o
número CAAE-30135320.0.0000.5259. Previamente ao estudo, foram adquiridos os equipamentos de IOS e
USP com fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
A equipe do Ambulatório Pós-Covid-19 do Serviço de Pneumologia e Tisiologia da PPC-UERJ é formada
por três médicos pneumologistas, sendo dois professores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ.
Além do mais, há a participação de médicos residentes do serviço, especialmente no tocante à realização
dos exames de USP e atendimento dos pacientes. A equipe possui ainda três alunos de graduação da FCM-
UERJ, os quais atuam tanto no eixo aprendizado-pesquisa, como também são responsáveis pela planificação
dos dados. Além das avaliações clínicas e da realização da IOS, da espirometria e do USP, os pacientes são
submetidos a outras avaliações, incluindo: 1) avaliação de qualidade de vida usando o Medical Outcomes Study
Short-Form 36 (SF-36) com os seus componentes físico e mental; 2) avaliação da força de preensão manual
por mensuração direta através de um dinamômetro isométrico; 3) avaliação da fadiga geral usando a escala
Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-Fatigue (FACIT-F); e 4) análise da funcionalidade por meio
da escala Post- Covid-19Functional Status (PCFS).14-16
A IOS foi feita por meio de um oscilômetro de impulso (Quark i2m, Cosmed, Roma, Itália) (Figura 1).
Ela mede a Zsr que é composta pela resistência (Rsr, parte real) e a reatância do sistema respiratório (parte
imaginária).9,17 Como não há consenso na literatura sobre quais são os melhores parâmetros resistivos para
se interpretar as curvas de Zrs, nós usamos os seguintes parâmetros de Rsr: 4 Hz (R4), 6 Hz (R6), 10 Hz
(R10), 20 Hz (R20), resistência média entre 4 e 20 Hz (Rm), e heterogeneidade da resistência entre R4 e
R20 (R4-R20).18 Adicionalmente, nós também avaliamos a área sob a curva de reatância (AX) e a frequência
de ressonância (Fres).13 No intuito de reduzir a geração de aerossóis, o exame foi realizado em ambiente com
filtros HEPA, ventilação adequada, higiene das mãos, equipamento de proteção individual e distanciamento
adequado entre os participantes. Além disso, cada participante usou filtros descartáveis para vírus e bactérias
durante o teste. Durante a avaliação da IOS, os participantes foram instruídos a permaneceram na posição
sentada, mantendo a cabeça em posição neutra, com apoio manual sobre as bochechas e com as narinas
ocluídas por um clipe e, em seguida, eles respiraram normalmente por 40 segundos.13 Os valores de coerência
mínimos aceitáveis foram ≥0.9 Hz.18

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 1 – Painel mostrando a realização do exame de oscilometria de impulso. Na imagem à direita e embaixo

do painel, nota-se as curvas de resistência (R, em vermelho) e de reatância (X, em azul) em várias frequências de

ressonância.

Após um período de repouso de cerca de 5 minutos da realização da IOS, os participantes realizaram a


espirometria em um equipamento contendo campânula (Vitatrace VT 130 SL, Codax Ltda, Rio de Janeiro,
Brasil), usando padronização feita pela American Thoracic Society e European Respiratory Society.19 e respeitando-
se as orientações de calibração fornecidas pelo fabricante. Os valores previstos de capacidade vital forçada
(CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado entre 25% e
75% da CVF (FEF25-75%) foram calculados de acordo com as equações de Pereira et al.20, e os resultados
foram expressos em percentagens dos valores previstos. Neste trabalho, distúrbio obstrutivo foi definido por
uma razão VEF1/CVF < 70%, enquanto distúrbio restritivo foi inferido por uma CVF < 80% do previsto na
ausência de fluxos expiratórios reduzidos.21
Através de um equipamento Mindray (DC-8, Keji China, 2013), com transdutor convexo de 3,5-5 MHz
em modo B, foram feitos os exames de USP no mesmo dia dos TFP (Figura 2). Após um treinamento prévio
para uniformizar sua realização e interpretação, os exames de USP foram realizados por uma equipe formada
por pneumologistas com experiência no método, sendo cada exame realizado por 2 médicos obtendo-se
consenso entre eles em casos de discordância. Seguindo um protocolo de 12 zonas22,23 e com os participantes
em posição sentada, os exames de USP foram realizados em 6 áreas de cada hemitórax (duas anteriores, duas
laterais e duas posteriores). As imagens de USP foram examinadas para a avaliação dos seguintes sinais: linhas
B > 2, linhas B confluentes e consolidações subpleurais. No intuito de classificar a lesão pulmonar pelo USP,

61
em cada uma destas 6 áreas foram atribuídos pesos oscilando de 1 a 3 para cada achado no USP, conforme
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

segue: 1 = linhas B > 2; 2 = linhas B confluentes; e 3 = consolidações subpleurais). O somatório de todas as 6


áreas avaliadas no USP representou o escore de aeração, o qual poderia variar entre 0-36 pontos.24 Após cada
exame o equipamento de ultrassom foi higienizado.

Figura 2 - Painel mostrando a realização do exame de ultrassonografia pulmonar. Na imagem à direita e embaixo do

painel, nota-se a sombra acústica característica de um pulmão normal.

Resultados
Os resultados que serão apresentados a seguir fazem parte do esforço e da dedicação de muitos
profissionais de saúde, auxiliares e alunos que, diante das inúmeras incertezas impostas pela pandemia do
novo coronavírus, se colocaram à serviço dos pacientes, integrando assistência e pesquisa. Muitos foram os
desafios, mas também houve muito apoio por parte da comunidade que faz a UERJ – uma universidade viva,
atuante e socialmente comprometida. A integração entre a administração central, as direções das unidades, as
chefias dos serviços, os profissionais de saúde e os alunos foi fundamental para que o projeto tenha se iniciado
e se mantenha até hoje.

Avaliando o ultrassom de pulmão como um método de avaliação de


prognóstico da infecção aguda por SARS-CoV-2
Com o número crescente de pacientes que sobreviveram à Covid-19 em todo o mundo, tornava-se cada
vez mais importante identificar as estratégias de acompanhamento mais eficientes para esses pacientes. No
entanto, faltavam estudos explorando o acompanhamento desses pacientes após a fase aguda da doença.

62
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Sabe-se que a doença grave está associada com maior probabilidade de incapacidade e que os pacientes que
precisaram de internação na unidade de terapia intensiva (UTI) têm resultados piores no médio e longo prazo,
com prejuízo fisiológico e alteração radiológica persistente, em comparação com aqueles que não necessitaram
de UTI.25 Embora o USP tenha sido amplamente usado no diagnóstico de pneumonia por SARS-Cov-2,
pouco se conhecia até então acerca do seu papel na avaliação do prognóstico no médio e longo prazo. Assim,
uma das nossas primeiras preocupações foi conhecer a associação entre os sinais do USP e os desfechos clínicos
dos pacientes 1 mês após a realização do USP como ferramenta de triagem do envolvimento pulmonar na
infecção aguda por SARS-CoV-2.
Nesse sentido, nós realizamos um estudo retrospectivo dos dados coletados prospectivamente dos exames
de USP realizados de 447 pacientes com idade ≥ 18 anos e com diagnóstico de Covid-19 confirmado por
reação em cadeia da polimerase por transcrição reversa (RT-PCR). Os pacientes foram incluídos se tivessem
um USP mostrando sinais patológicos. A análise dos resultados começou no momento do exame inicial de
USP, e o acompanhamento clínico foi obtido por contato telefônico 1 mês após o USP inicial. Os desfechos
estudados foram: sintomatologia, necessidade de internação, necessidade de UTI, e morte relacionada à
Covid-19.
Os resultados, publicados no The Ultrasound Journal26 mostraram que, na avaliação feita 1 mês após
o USP de triagem, 36 pacientes referiam ter sido internados por causa de complicação pulmonar, sendo
que 8 necessitaram de internação em CTI e 3 morreram. A presença de linhas B coalescentes associou-se
com dispneia (p = 0,037) e necessidade de internação (p = 0,008). A presença de consolidações subpleurais
apresentou associação com fadiga geral (p = 0,013), dispneia (p < 0,0001), tosse (p = 0,003), febre (p = 0,043),
necessidade de internação (p < 0,0001), necessidade de UTI (p < 0,0001) e morte (p = 0,002). Um maior
escore de aeração no USP esteve associado com dispneia (p < 0,0001), tosse (p = 0,041), necessidade de
internação (p < 0,0001), necessidade de UTI (p < 0,0001) e morte (p = 0,003).
As complicações no médio e longo prazo da Covid-19, incluindo aquelas relacionadas ao sistema
respiratório, devem ser identificadas e os pacientes afetados necessitam de acompanhamento por serviços
apropriados. Com este trabalho, nós observamos que manifestações respiratórias (como dispneia e tosse) e
manifestações sistêmicas (como febre e fadiga geral) estiveram associadas aos sinais do USP diagnosticados 1
mês antes da avaliação prospectiva. Uma vez que os equipamentos de ultrassom estão cada vez mais disponíveis
e o USP pode ser realizado em poucos minutos, em pacientes leves ou até instáveis27, nós pensamos que
estas inter-relações possam ser de grande interesse clínico na pandemia por SARS-CoV-2. Embora os sinais
do USP possam não ser específicos para Covid-19 em comparação com algumas doenças pulmonares, a
identificação de determinados padrões no contexto epidemiológico da pandemia pode ajudar os clínicos a
determinar os indivíduos com probabilidade de agravamento do quadro e, além do mais, de evoluírem com
sequelas após o restabelecimento da fase aguda da doença.28,29
Neste estudo, Mafort et al.26 concluíram que, em pacientes que tiveram pneumonia por SARS-CoV-2, os
sinais do USP, incluindo o escore de aeração, estão relacionados com sintomas respiratórios e sistêmicos 1 mês
após o exame ultrassonográfico de triagem. Nestes pacientes, há também forte relação entre os achados no
exame de USP de triagem e os desfechos duros, como necessidade de internação (inclusive em CTI) e morte.

63
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

O papel da oscilometria de impulso na síndrome pós-Covid-19 e sua


associação com sinais de ultrassom de pulmão
Por se tratar de um método capaz de detectar alterações em pequenas vias aéreas e ainda ser mais seguro
que outros TFP considerados “tradicionais” para se realizar durante a pandemia, nós acreditamos que a IOS
poderia ter um grande potencial para investigar as sequelas pulmonares dos sobreviventes da Covid-19. Neste
sentido, nosso grupo desenvolveu um estudo para avaliar o desempenho da IOS na detecção das anormalidades
pulmonares de sobreviventes da Covid-19 e, secundariamente, investigar a associação dos achados da IOS
com os da espirometria e do USP.
Foi feito um estudo transversal com 117 pacientes (de 138 elegíveis) atendidos na PPC-UERJ. Foram
incluídos os pacientes com idade ≥ 18 anos com diagnóstico prévio de Covid-19 confirmado por RT-PCR há
dois meses. Foram excluídos os pacientes com manutenção da positividade na RT-PCR na época da inserção
no estudo, história prévia de ressecção pulmonar, doença neurológica/musculoesquelética, doença mental e
aqueles que não conseguiram realizar manobras aceitáveis nos TFP.
Os resultados, publicados na Respiratory Care30 mostraram que, na IOS, a Fres foi > 12 Hz e a AX foi
> 3,60 cm H2O/L/s em 70 (59,8%) e 55 (47%) casos, respectivamente. Um valor de R4-R20 > 20% foi
observado em 60 (51,3%) participantes. Considerando as anormalidades nos parâmetros resistivos e reativos,
76 (65%) participantes tinham IOS anormal. Uma anormalidade no teste espirométrico foi detectada em 40
(34,2%) casos. Em relação ao USP, o exame esteve alterado em 56 (47,9%) participantes, sendo que a mediana
do escore de aeração foi de 0 (0–8) pontos. A presença de uma IOS alterada associou-se significantemente
com a presença de um USP alterado (p < 0,001) e com a presença de um teste espirométrico alterado (p =
0,002). Mais fracamente, a presença de um teste espirométrico alterado associou-se significantemente com a
presença de um USP alterado (p < 0,031). Cabe salientar que em participantes que relataram hospitalização,
um IOS anormal foi associado tanto com USP anormal (p = 0,001) e espirometria anormal (p = 0,006). Já em
participantes que não relataram hospitalização, um IOS anormal foi associado com USP anormal (p < 0,001),
mas não com espirometria anormal (p = 0,063).
Este estudo mostrou uma acurácia maior da IOS para detectar anormalidades na função pulmonar,
que foram observadas em dois terços dos casos. Além de os sobreviventes da Covid-19 terem apresentado
um valor médio elevado tanto para resistência total (R4) quanto periférica (R4-R20R), foi observada uma
elevação no valor médio de AX que pode ser interpretado como aumento da resistência periférica ou redução
da complacência do sistema respiratório.18 Semelhante aos nossos resultados, Huang et al.31 utilizaram a IOS
no período pós-Covid-19 em 57 pacientes, tendo observado que, em comparação aos casos não graves, os
pacientes graves apresentaram maiores valores de R20. Assim, a avaliação da mecânica respiratória por meio
da IOS pode trazer importantes contribuições para o acompanhamento desses pacientes, sobretudo naqueles
com sintomas respiratórios.
Nesse estudo, Lopes et al.30 concluem que, em sobreviventes da infecção por SARS-CoV-2, a IOS é
capaz de detectar alterações mesmo quando o teste espirométrico é normal. As alterações nos parâmetros da
IOS ocorrem tanto nas propriedades resistivas quanto reativas do sistema respiratório, sendo frequentes as
alterações compatíveis com DPVA. Nesses indivíduos, os sinais patológicos do USP são frequentes e associam-

64
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

se às anormalidades na IOS mais fortemente do que as anormalidades na espirometria.

Follow-up de anormalidades funcionais e estruturais em pacientes pós-


infecção por SARS-Cov-2 usando oscilometria de impulso e ultrassonografia
pulmonar
Por ser essencial detectar alterações pulmonares no diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com
sequelas respiratórias produzidas pela Covid-19, o uso de medidas das anormalidades estruturais e funcionais
torna-se essencial na população de pacientes que tiveram comprometimento pulmonar pelo SARS-CoV-2.
Dada à heterogeneidade da apresentação clínica da Covid-19, é essencial ter em mãos ferramentas simples e
sensíveis para monitorar o impacto da doença no sistema respiratório, ainda mais se considerarmos o grande
número de sobreviventes de Covid-19 que requer acompanhamento.16 Considerando as diversas vantagens que
a IOS e o LUS oferecem nesse momento da pandemia, o objetivo desse estudo foi avaliar prospectivamente
as anormalidades detectadas nesses dois métodos no 2º e 5º mês após o diagnóstico comprovado de infecção
por SARS-CoV-2 em sobreviventes com sintomas respiratórios.
Nessa avaliação de seguimento da coorte atendida na PPC-UERJ, a espirometria esteve alterada em 26
(44,1%) e 20 (33,9%) participantes no 2º e no 5º mês, respectivamente (p = 0,10). Na IOS, considerando as
alterações nos parâmetros resistivos e reativos, um exame anormal foi detectado em 52 (88,1%) participantes
no 2º mês e em 42 (71,2%) participantes no 5º mês (p = 0,002). Um valor de R4-R20 > 20% foi observado
em 38 (64,4%) participantes no 2º mês e em 33 (55,9%) participantes no 5º mês (p = 0,30). Um LUS alterado
foi observado em 46 (78%) participantes no 2º mês e em 36 (61%) participantes no 5º mês (p = 0,002), com
redução do escore de aeração entre o 2º e o 5º mês [5 (2–8) vs. 3 (0–6) points, p < 0,0001].
Um dos principais achados do nosso estudo é a alta frequência de pacientes com alterações na IOS no 2º
mês, com redução significante desses achados no 5º mês. Pelo nosso conhecimento, esse é o primeiro trabalho
que avaliou o seguimento de pacientes com síndrome pós-Covid-19 em 2 momentos através da IOS. Usando
TFP tradicionais aos 60 e 100 dias após o diagnóstico de Covid-19. Sonnweber et al.32 observaram uma função
pulmonar prejudicada em 42% e 36% dos indivíduos na visita 1 e na visita 2, respectivamente, com frequências
bem menores de anormalidades em relação às que encontramos na IOS. Em relação ao USP, nós observamos
um exame alterado em aproximadamente 80% e 60% dos pacientes no 2º e no 5º mês, respectivamente. O
principal sinal de USP em nosso estudo foram as linhas B > 2, detectadas em cerca de 70% dos casos no 2º
mês e em cerca de 60% dos casos no 5º mês. Nossos achados são similares ao estudo de Giovannetti et al.33
que, avaliando a performance do USP em pacientes que tiveram insuficiência respiratória aguda hipoxêmica
por Covid-19 três meses após a alta, observaram sinais de lesão pulmonar residual em 63,2% dos pacientes
através de linhas B. Interessantemente, as linhas B > 2 no USP têm sido associadas às áreas de vidro-fosco na
TC em pacientes pós-Covid-19.7

Impacto no processo operacional padrão


Conforme descrito anteriormente, logo no início da formação de nosso ambulatório pós- Covid-19,

65
uma das preocupações era conhecer o poder prognosticados do USP, que é uma ferramenta livre de radiação
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

ionizante e de baixo custo para ser utilizado em países com fontes de recurso escassas. Nesse sentido,
nós observamos associações interessantes entre os sinais do USP e os desfechos duros (incluindo morte).
Entretanto, futuros estudos deverão ser conduzidos para avaliar a relação entre os sinais do USP à época do
diagnóstico do envolvimento pulmonar, na fase aguda da doença, e as consequências no longo prazo. Isso é
importante quando se trata de uma doença ainda com muitos pontos que necessitam de maior elucidação,
tanto do ponto de vista da fisiopatologia quanto da clínica.
Avaliando o uso da IOS e do USP dois e cinco meses após a infecção aguda pelo novo coronavírus,
nós obtivemos resultados para apontar na direção de que esses dois métodos devem ser considerados no
seguimento dessa população de pacientes. A IOS tem se mostrado um método sensível para o diagnóstico
precoce de DPVA em diversas condições clínicas, podendo detectar alterações em pequenas vias aéreas mesmo
antes que manifestações clínicas ou anormalidades espirométricas apareçam.34,35 Nesse sentido, os parâmetros
Fres e R4-R20 medidos pela IOS são considerados marcadores de DPVA, já que sinalizam um aumento da
resistência periférica no sistema respiratório.36 No presente estudo, um valor de Fres > 12Hz e/ou um valor
de R4-R20 > 20% foi observado em cerca de dois terços dos pacientes. De fato, como partículas de SARS-
CoV-2 são observadas no epitelial distal da mucosa das vias aéreas por meio de microscopia eletrônica, pode
haver bronquiolite com resultante DPVA.37 Assim, essas partículas podem favorecer a redução no calibre das
vias aéreas periféricas, que pode predispor inclusive ao aumento da hiperresponsividade brônquica.
A associação entre função e imagem pulmonar é importante na prática clínica, porque auxilia o seguimento
dos pacientes. Nesse sentido, cada vez mais tem surgido interesse significativo no uso do USP como uma
modalidade alternativa de imagem de primeira linha, e a quantificação dos seus achados usando sistemas
de pontuação são eficazes no monitoramento da progressão ou resolução da lesão pulmonar, especialmente
em termos de variações na aeração. Vale ressaltar que o USP é uma modalidade de imagem dependente do
operador que requer treinamento adequado para ser usado de forma confiável por médicos de diferentes
especialidades. Apesar das limitações, as relevâncias clínicas da IOS e do USP tornam-se evidentes, pois são
métodos não invasivos e seguros que podem detectar alterações insipientes no período pós-Covid-19.
Nosso Ambulatório Pós-Covid-19na PPC-UERJ está funcionando desde agosto de 2020, e temos a
intensão de acompanhar longitudinalmente a coorte de pacientes por um longo período. Nesse sentido, nós
observamos que, na comparação entre o 2º e o 5º mês pós-Covid-19, uma anormalidade na IOS foi observada
em quase 90% dos pacientes com sintomas respiratórios persistentes, caindo esta frequência para cerca de 70%
no 5º mês. Sinais patológicos no USP foram observados em quase 80% dos casos no 2º mês, reduzindo sua
presença para cerca de 60% dos casos no 5º mês. Mais raramente, foram observadas alterações na espirometria,
seja no 2º ou 5º mês pós-Covid-19. Dessa forma, nós acreditamos que a IOS e o LUS possam contribuir
no manuseio de pacientes com síndrome pós-Covid-19, sendo exames sensíveis para detectar alterações e
seguros de serem realizados durante a pandemia. Nós pensamos que estudos adicionais sejam necessários
para investigar a persistência do dano no sistema respiratório (seja funcional ou estrutural) no longo prazo
em sobreviventes da Covid-19.

66
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Conclusão

Em pacientes que tiveram pneumonia por Covid-19, os sinais do USP são relacionados com sintomas
respiratórios 1 mês após o USP de triagem, havendo forte relação entre os sinais do USP com necessidade de
internação (inclusive em UTI) e morte. Em sobreviventes da Covid-19, a IOS é capaz de detectar alterações
mesmo quando o teste espirométrico é normal. Nesses indivíduos, os sinais patológicos no USP são frequentes
e associam-se às anormalidades da IOS mais fortemente do que as anormalidades da espirometria. Quando
esses pacientes são avaliados ao longo do tempo, as anormalidades na IOS e no USP são bastante frequentes
nos cinco primeiros meses da doença, embora haja uma melhora significante dos parâmetros fornecidos por
esses dois métodos quando avaliados prospectivamente.

Agradecimentos
Agradecemos a todos os pacientes que se dispuseram a participar de nosso projeto até aqui. Agradecemos
também a todos os alunos, profissionais de saúde, técnicos e auxiliares que, desde o início, nos apoiaram (e
seguem nos apoiando) nesta jornada. Infelizmente este projeto se iniciou em um momento de angústia e
sofrimento que ainda nos assola. Alguns companheiros de jornada e pacientes que foram inseridos no estudo
acabaram perdendo a vida por conta da Covid-19. A eles, nossa maior homenagem e agradecimento!

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69
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Contribuição da Unidade Docente Assistencial


de Anestesiologia no enfrentamento da pandemia
SARS-CoV-2 nas dependências do HUPE-UERJ
e o desafio ao ensino enfrentado pela Disciplina de
Anestesiologia da FCM-UERJ no biênio 2020-2021

Geraldo Augusto de Mello Silva1,2; Cláudia Regina Machado3,4; Sérgio Luiz do Logar Mattos5,6; Ivani Correia

Mesquita5,7; Marco Aurélio Damasceno Silva5,7; Paula Cristina Leitão de Assunção5,7; Caio Vinicius Mendonça da

Silva8; Felipe Peres Nazário8; Livia Sesana Spyker de Oliveira9; Felipe Santana Vianna9

Professor Associado FCM/UERJ; 2Coordenador da Disciplina de Anestesiologia no Ano 2020; 3Professora Adjunta FCM/
1

UERJ; 4Coordenadora da Disciplina de Anestesiologia no Ano 2021; 5Médico HUPE/UERJ; 6Coordenador da UDA de

Anestesiologia nos anos 2020-2021; 7Preceptor da Residência Médica em Anestesiologia FCM- UERJ; 8Aluno Pós-graduação

FCM/UERJ; 9Aluno Graduação FCM/UERJ

Descritores: Pandemia Covid-19; Assistência Médica; Graduação; Pós-graduação; Lato Sensu; Stricto Sensu; Pesquisa; Extensão;

Gestão Administrativa.

Descritores em inglês: Covid-19 Pandemic; Health Care; Under-graduate; Post-graduate; Lato Sensu; Stricto Sensu; Scientific Research;

Extension Teaching; Administrative Management.

Introdução

O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) é um hospital de perfil clínico e cirúrgico, voltado tanto para o
aspecto assistencial quanto para o ensino de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão, pertencente à Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Após uma grave crise financeira do Estado do Rio de Janeiro, em meados da última década, que quase cerrou
as portas do HUPE-UERJ, esse hospital demonstrou uma enorme capacidade de recuperação assistencial,
principalmente pela implantação de Projetos Assistenciais vinculados à Secretaria Estadual de Saúde (SES-
RJ) para atendimento, sobretudo, dos pacientes portadores de neoplasias ou de desordens cardiovasculares,
preenchendo quase que totalmente os seus 450 leitos disponíveis ao final de 2019. A Anestesiologia do
HUPE-UERJ se orgulha imensamente de ter correspondido adequadamente às demandas da população
carioca neste período de crescimento, executando 30.138 procedimentos anestésicos no período de 2015
a 2020, inclusive. Infelizmente, no momento ainda não dispomos da estatística para o ano de 2021, que
também parece promissor. Nesse período citado anteriormente, a Unidade Docente Assistencial (UDA) de
Anestesiologia praticamente dobrou o efetivo do seu Staff médico, incluindo médicos estatutários e bolsistas
dos Projetos Assistenciais do HUPE. De forma semelhante, também houve aumento da sua oferta de ensino,
tanto quantitativamente quanto qualitativamente, sobretudo para o ensino de Pós-graduação médica. No

70
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

período mencionado, foi criada a Pós-graduação Lato Sensu em Anestesiologia da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM-UERJ), que hoje dispõe de 08 alunos, os quais somando-se aos 21 médicos residentes/
especializandos da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), e aos 03 médicos estrangeiros que cursam o
Programa de Especialização para Médicos Estrangeiros (PEME) em Anestesiologia, perfazem atualmente o
total de 32 pós-graduandos cursando a Disciplina de Anestesiologia em 2021. Nesse mesmo período, também
expandimos a Pós-graduação Stricto Sensu na nossa Disciplina, através de vinculação aos Programas de Pós-
graduação da FCM-UERJ, atuando na formação de novos Mestres e Doutores pela UERJ.
Em agosto de 2019, a UDA/Disciplina de Anestesiologia recebeu o privilégio de organizar o 57º Congresso
Científico do HUPE, que pôde contar com uma grande participação da nossa comunidade acadêmica e um elevado
número de inscritos.
Entretanto, no início do ano de 2020, o mundo todo se deparou com um evento novo, a pandemia Covid-19, que
impôs enormes desafios a todos nós. O relato a seguir descreve as condutas e medidas tomadas pela UDA/Disciplina
de Anestesiologia em resposta às demandas criadas pela pandemia, e em consonância com as diretivas traçadas pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro, pela Reitoria da UERJ, e pelas Direções da FCM e do HUPE, no enfrentamento
dessa emergência sanitária em nosso Estado.

Relato

Gestão Assistencial
O ano de 2020 iniciou-se com boas perspectivas de crescimento para a Disciplina de Anestesiologia no
HUPE/UERJ. A nossa Disciplina vinha em uma espiral crescente de expansão, partindo de 3223 e 3369
procedimentos anestésicos de maternidade e demais especialidades cirúrgicas, realizadas nos amargos anos
de 2016 e 2017, respectivamente, para 5426 e 7861 anestesias realizadas nos anos seguintes de 2018 e 2019,
respectivamente. Ao iniciarmos um alvissareiro ano de 2020, fomos surpreendidos, já em janeiro daquele
ano, por notícias vindas do sudeste asiático e da Europa, de que a epidemia de Covid-19 na China ganhara
sinais de pandemia global. Os primeiros casos dessa doença atingiram o nosso país no final de fevereiro/2020,
obrigando o Governo Federal e os Governos Estaduais adotarem medidas inéditas até então, visando a
proteção da população. Em consonância com o governo do Estado do Rio de Janeiro, a Reitoria da UERJ e
as Direções de Centros Setoriais, as diversas Faculdades que compõem a UERJ paralisaram as suas atividades
integralmente em meados de março/2020, visando a proteção dos seus alunos e de seus funcionários. Para a
Disciplina de Anestesiologia, isto também ocorreu. Porém, para atendimento à crise sanitária que se instalou
rapidamente no nosso Estado e País, o HUPE se transformou em um hospital de referência no combate a
esta pandemia, com a paralisação progressiva das internações hospitalares e a transformação de enfermarias
clínicas e cirúrgicas em enfermarias e CTI’s Covid-19, para atendimento aos pacientes da pandemia. Nesse
período, toda a verba de RH dos Projetos Assistenciais do HUPE foi revertida para as unidades Covid-19
do nosso hospital, e a UDA de Anestesiologia, em consonância com outros setores emergenciais do hospital,
contribuiu de forma integral a esta assistência.
Foi instaurado um mapa mínimo de cirurgias eletivas, para a manutenção do atendimento aos pacientes

71
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

de cirurgias oncológicas e cardiovasculares, cujas cirurgias não poderiam ser postergadas, assim como, foi
mantido o atendimento às urgências e à maternidade. Uma grande parte do nosso contingente de pessoal
(tanto staffs quanto residentes), foi desviado para o atendimento a pacientes Covid-19, quer seja compondo
os Times de Resposta Rápida (TRR) para intubação traqueal dos casos mais graves de Covid-19 no hospital,
quer seja atuando nas enfermarias ou nos CTI’s Covid-19, criados nessa Unidade. A UDA de Anestesiologia
realizou ao longo de 2020, apenas através do Time de Resposta Rápida, um total de 55 atendimentos Covid-19
nas enfermarias, CTI’s e maternidade, ajudando a salvar dezenas de vidas.
Um dos casos mais marcantes para o nosso Serviço, foi de uma gestante gemelar de 29 anos, obesa, que
foi atendida para cesariana de emergência, já em parada cardiorrespiratória (PCR) devido à insuficiência
respiratória pela Covid-19, que foi precedida por diversas tentativas infrutíferas de intubação traqueal pela
equipe médica assistente. A nossa equipe teve sucesso na reanimação cardiorrespiratória da mãe e de ambos
os recém-natos, apesar da situação caótica e desfavorável no momento. Algumas publicações científicas têm
demonstrado que as pacientes grávidas e, sobretudo, as obesas, são bastante susceptíveis a complicações
oriundas das infecções pelo SARS-Cov-2 1.
Esta participação assistencial da UDA de Anestesiologia na pandemia perdurou por todo o primeiro
semestre de 2020, retornando progressivamente à sua normalidade a partir do mês de setembro daquele ano,
com o abrandamento do número de novos casos de Covid-19 no nosso Estado. Havia uma enorme demanda
reprimida de pacientes para cirurgias eletivas de baixa, média e alta complexidade que, por fim, puderam ser
atendidas no final de 2020. Apesar das dificuldades assistenciais de leitos, de pessoal e de material naquele
ano, o nosso Serviço terminou o ano de 2020 com 5920 procedimentos anestésicos realizados, entre cirurgias
eletivas, de urgência e da maternidade, resultado que já foi próximo ao que foi obtido no ano de 2018. Em 2021,
de janeiro até outubro, já nos aproximamos do total de anestesias realizadas em 2019, com boas perspectivas
de crescimento neste ano, devido à melhora da pandemia no Rio de Janeiro.

Gestão Administrativa
A pandemia também cobrou o seu preço de nossos profissionais médicos. Durante os anos de 2020 e
2021, a Disciplina de Anestesiologia teve que afastar, por motivo de prevenção, quarentena ou de doença por
Covid-19, um total de 29 profissionais do seu Staff (entre docentes e médicos do Serviço) e um total de 28
médicos especializandos (entre Residentes, PEMEs e Pós-graduandos), o que corresponde a aproximadamente
50% do quadro de Staffs e Professores, e a 90% do quadro de Médicos em Especialização do Serviço de
Anestesiologia do HUPE. O custo foi alto, mas a nossa participação assistencial durante a pandemia se
mostrou profícua e indispensável, motivo de orgulho para todos nós do Serviço de Anestesiologia.
De todo o nosso pessoal que foi afastado, tivemos um único caso grave que, felizmente, evoluiu
satisfatoriamente, obtendo alta hospitalar sem sequelas, apesar de permanecer por mais de 60 dias em
internação hospitalar. Todas as medidas possíveis no sentido de minimizar quaisquer exposições desnecessárias
foram tomadas. Foram criados protocolos rígidos para o atendimento de pacientes Covid-19 que incluíram
equipes mínimas de Times de Resposta Rápida (TRR) com 1 staff e 1 especializando do 2o ou do 3o ano
com proficiência em intubação traqueal, testagem rápida de todos os pacientes para Covid-19, uso de material

72
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

descartável apropriado para o acesso a via aérea, local apropriado para paramentação e desparamentação,
entre outras providências 2. Praticamente todos os nossos médicos especializandos e staffs, tanto plantonistas
quanto os médicos da rotina, participaram dos cursos ministrados pela Faculdade de Enfermagem no Centro
Cirúrgico do Hupe, sobre paramentação e o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) para o
enfrentamento da Covid-19.

Atividades de Extensão
Alguns dos nossos profissionais anestesiologistas ministraram cursos sobre acesso seguro a via aérea na
Policlínica Piquet Carneiro (PPC) para diferentes turmas de internos e médicos de diversas especialidades,
tanto do HUPE quanto de outros hospitais do Rio de Janeiro, tais como: o Hospital Municipal Souza
Aguiar, Hospital Federal de Bonsucesso, entre outros; disseminando o ensino de Extensão da Disciplina
de Anestesiologia no aprimoramento da técnica de intubação traqueal e ventilação pulmonar, de grande
importância neste momento, a vários colegas voluntários inseridos no combate à pandemia.
No mês de agosto de 2021, com a diminuição do número de novos casos de Covid-19 no Estado do Rio
de Janeiro e o retorno progressivo do HUPE à sua normalidade, graças ao extenso programa de vacinação
da população desenvolvido pelo Ministério da Saúde, a Disciplina de Anestesiologia pode implementar
a reabertura do seu ambulatório de Pré-anestesia, com o objetivo de desafogar o enorme contingente de
pacientes que voltava a procurar o hospital. Em conjunto com a Disciplina de Clínica Médica e o ambulatório
de Risco Cirúrgico, passou a implementar algumas medidas visando otimizar o cronograma de atendimento
dos pacientes cirúrgicos, a redução do número de exames complementares solicitados, a redução de suspensões
de cirurgias e o retorno desnecessário dos pacientes ao hospital, minimizando os gastos financeiros de uma
população por vezes desfavorecida. A criação do nosso ambulatório permitiu, por consequência, que os nossos
alunos de graduação e pós-graduação pudessem frequentar um espaço ambulatorial até então inexistente,
aumentando a relação entre os discentes e possibilitando que a UDA de Anestesiologia desenvolvesse um
novo fluxograma de atendimento pré-cirúrgico no hospital, assim como, também abrisse um novo segmento
para a execução de trabalhos de extensão pelos alunos de graduação da FCM-UERJ.

Ensino de Graduação
Por decisão da Reitoria da Uerj, todo o ensino presencial de graduação e pós-graduação foi suspenso na
Universidade em meados de março de 2020, com o objetivo de preservar a saúde e a vida de seus professores e
alunos. Apenas as unidades assistenciais de saúde como o HUPE e Policlínica Piquet Carneiro permaneceram
funcionando, mesmo assim, direcionadas ao atendimento das vítimas da pandemia Covid-19.
Para o ensino de graduação, a UERJ e as demais universidades no Brasil e no mundo tiveram que se reinventar.
O mundo moderno e globalizado nunca tinha visto uma catástrofe sanitária nessas proporções. Entretanto,
para uma rápida reação, o mundo pode contar com uma ferramenta fundamental para esse enfrentamento, o
uso da internet. Rapidamente foi organizado pela FCM/UERJ um Programa de Desenvolvimento Docente
(PDD), para a capacitação dos docentes através de seminários e oficinas, objetivando a organização de aulas,

73
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

provas e outras atividades de ensino em um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), que durou de abril
até agosto de 2020.
A partir de agosto de 2020, iniciaram-se as aulas e provas remotas através do AVA que utilizou a plataforma
Teams da Microsoft™, tendo o ensino se tornado híbrido a partir de março de 2021, quando foram iniciadas
as aulas práticas no HUPE. Desde esse momento, devemos salientar a participação ativa dos internos e alunos
do 4o e 5o anos da graduação de medicina, auxiliando no atendimento aos pacientes do Hupe e da PPC no
retorno gradativo dessas unidades a sua normalidade. Todas as turmas de graduação completaram os seus
cursos com a integralidade de suas cargas horárias cumpridas, apesar da pandemia ter ocorrido num momento
complexo de implantação de um novo currículo escolar, o que foi um complicador a mais para nós.

Ensino de Pós-graduação
Como mencionado anteriormente, todas as atividades de ensino presencial na UERJ foram suspensas
em meados de março de 2020, por determinação da Reitoria. Os alunos de Pós-graduação da Disciplina de
Anestesiologia utilizaram, no período de março a junho de 2020, a plataforma virtual disponibilizada pela
SBA, não havendo, portanto, interrupção na execução do seu programa teórico. O retorno das aulas presenciais
ocorreu de forma progressiva a partir de julho de 2020, limitando-se as atividades a um máximo de 10 alunos
por vez, garantindo o distanciamento social mínimo de 2 metros entre os alunos, o uso de máscaras e a
disponibilização de álcool em gel para todos. Como houve melhora do quadro pandêmico a partir do primeiro
semestre de 2021, em função da vacinação em larga escala da população brasileira, onde os profissionais de
saúde foram os primeiros a serem imunizados, ocorreu o retorno das atividades teóricas presenciais da Pós-
graduação em Anestesiologia já a partir de abril do presente ano.

Pesquisa
Durante o ano de 2020, a nossa Pós-graduação publicou um total de 11 trabalhos científicos, sendo
08 internacionais e 03 nacionais. Foram aceitas 07 publicações pelo Congresso da American Society
of Anesthesiology (ASA/USA), 01 trabalho aceito no EuroAnaesthesia e 03 no Congresso Brasileiro de
Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CBA/SBA), todos apresentados através de
plataformas virtuais pela internet. No presente ano, tivemos até o momento, 07 trabalhos apresentados no
Congresso Paulista de Anestesiologia (COPA/SAESP) em abril/2021 e 04 publicações no CBA/SBA em
agosto/2021, todos também apresentados de forma virtual.
Em relação à Graduação, a partir de junho de 2021, a Disciplina de Anestesiologia implantou o seu
Grupo de Pesquisa denominado “Anestesia-Hupe” junto à Coordenação de Iniciação Científica da FCM-
UERJ. Nesse período, foi realizado concurso para admissão de 02 alunos para orientação de trabalhos de
pesquisa no Programa de Iniciação Científica e Inovação Tecnológica da FCM-UERJ (PINC-IT), cujos
Projetos de Pesquisa foram homologados no mês de outubro de 2021 e já se encontram em desenvolvimento.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Considerações Finais

A espécie humana foi submetida recentemente a uma provação em escala global jamais vista, e mais uma
vez, provou a sua capacidade de adaptação e resiliência, tanto para enfrentar os desafios na saúde quanto na
educação. Todas essas lições, que foram aprendidas em tempo recorde com a pandemia, criarão um legado de
inteligência e renovação para as próximas gerações.

Bibliografia

1. Trahan M; Malhamé I; Mitric C; et al. Severe and critical Covid-19 in pregnancy: A case series from
Montreal. Obstetric Medicine, 2021;14(3):170-176.
2. Hirota K. Air contamination with SARS-CoV-2 in the operating room. Journal of Anesthesia,
2021;35:333-336.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Desafios e aprendizados da pandemia: a


transformação de enfermaria em Unidade de Terapia
Intensiva

Bruna Cuoco Provenzano1 ; Thiago Bartholo2 ; Marcelo Ribeiro-Costa3; Ana Paula Gomes dos Santos4; Thiago

Thomaz Mafort2; Marcos Cesar Santos de Castro4, Jose Gustavo Pugliese de Oliveira4; Claudia Henrique da Costa2;

Leonardo Palermo Bruno4; Rogerio Rufino2

1
Médica Residente do Programa de Residência Médica FCM HUPE Serviço de Pneumologia HUPE;2Professor da Disciplina

de Pneumologia FCM UERJ; 3Tecnologista em Saúde Pública Fiocruz RJ; 4Médico do Serviço de Pneumologia HUPE UERJ

Descritores em português: Covid-19; Unidade de terapia intensiva; segurança hospitalar; infecções associadas ao cuidado,

qualidade em saúde.

Descritores em inglês: Covid-19; Intensive Care unit; hospital safety; healthcare-associated infections; healthcare quality

Introdução

Covid-19 O Desafio
Em dezembro de 2019 os primeiros casos de um novo tipo de pneumonia foram identificados em Wuhan,
capital da província de Hubei, na China. Inicialmente, relacionada à frutos do mar e ao mercado local, em
menos de 30 dias, já estava estabelecida que a etiologia da pneumonia era viral e decorrente de um novo
subtipo de coronavírus, batizado como severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2)1. A
partir do número crescente de casos, principalmente entre profissionais de saúde responsáveis pelos enfermos,
evidenciou-se que ocorria transmissão entre humanos e com alta taxa de reprodutibilidade (Rt)2, 3. Em dois
meses, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de pandemia da nova síndrome denominada
de Covid-19 (coronavirus disease 2019)4. Em todos os países, uma onda crescente de casos iniciou uma corrida
contra o tempo para preparar os sistemas de saúde locais a fim de receber um aumento súbito de pacientes
graves com necessidade de hospitalização secundária à pneumonia5,6.

A Experiência imposta pela Covid-19


No Rio de Janeiro, cuja população é de aproximadamente 6,72 milhões de habitantes7, o número mínimo
de casos estimado previsto seria na ordem de dezena de milhares. Em maio de 2020, o IMHE (Institute for
Health Metrics and Evaluation) divulgou que o número de casos diários seria de mais de trinta mil8. Sendo
assim, em paralelo às medidas de restrição social, foi necessário estabelecer uma estratégia para aumentar a
disponibilidade de leitos hospitalares para esses pacientes. Nesse contexto, uma das medidas adotadas foi a
conversão de unidades de internação, como enfermarias, em unidade de terapia intensiva (UTI). No Hospital
Universitário Pedro Ernesto, o cenário não foi diferente e uma das enfermarias adaptadas foi a da Disciplina

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

de Pneumologia. Em menos de uma semana, houve completa reestruturação do setor para receber os pacientes
pelo sistema estadual de regulação.
O Centro de Tratamento (CTI) Covid-19 da pneumologia foi aberto com 9 leitos, sem distinção de
gênero, direcionadas para receber pacientes maiores de 18 anos, que fossem diagnosticados ou com suspeição
de Covid-19 e que necessitassem de terapia intensiva. Esses pacientes eram internados exclusivamente pelo
sistema de regulação hospitalar. Do ponto de vista de equipe, foram mantidos os profissionais da enfermaria e
adicionados a contratos temporários de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas dentro da escassa disponibilidade
àquele momento. Muitos profissionais de saúde estavam doentes pela própria Covid-19, poucos tinham
profundos conhecimentos de terapia intensiva ou não desejavam atuar em condições de altíssimo risco. Foi
um momento de muita instabilidade. Entretanto, a equipe foi montada e capacitada com 36 técnicos de
enfermagem, 12 enfermeiros, 32 médicos plantonistas, 5 médicos rotinas, 10 fisioterapeutas plantonistas e 01
rotina. Também houve a participação de internos de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ
que se voluntariaram para participar das atividades assistenciais.

Métodos

Traduzindo a experiência clínica em dados objetivos


Ao longo desse processo, dados foram coletados e analisados com o objetivo de se fazer uma análise
retrospectiva do desempenho dessa estratégia de contingência para ampliar o número de leitos de terapia
intensiva disponíveis no Hospital Universitário Pedro Ernesto, principalmente em relação às infecções
relacionadas aos cuidados de saúde.
O presente estudo foi observacional, retrospectivo, descritivo e analítico da coorte de pacientes, que
internaram na unidade de enfermaria adaptada para UTI, do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE),
Rio de Janeiro, Brasil, entre os dias 25 de abril e 31 de junho de 2020. O estudo foi aprovado pelo Comitê
Nacional de Ética e Pesquisa sob o registro CAAE‐ 30135320.0.0000.5259.O diagnóstico de Covid-19
foi feito por meio da detecção de RNA viral pela técnica de Reação em Cadeia da Polimerase em tempo
real (PCR-RT), em amostras de secreção de nasofaringe coletadas por meio de swabs. Foram realizados
pelo menos dois testes, no caso de resultado negativo e/ou inconclusivo. Na presença de um positivo, o
caso foi considerado confirmado. Todos os pacientes que obtiveram coleta de material foram notificados ao
Ministério da Saúde. Os dados foram obtidos por meio do prontuário eletrônico. Foram coletadas informações
sociodemográficas como gênero, idade, comorbidades, história farmacológica prévia, além de dados clínicos,
laboratoriais, imagem e terapêuticas realizadas no processo de internação, assim como a evolução clínica, até
a alta da unidade e hospitalar.
Para a descrição da coorte de pacientes de acordo com suas características sociodemográficas e clínicas,
foram utilizados, para as variáveis contínuas: gráficos de densidade; calculadas medidas de tendência
central, medianas, e de dispersão; intervalos interquartílicos; e testes não-paramétricos de Mann-Whitney
para determinar se as amostras de pacientes que sobreviveram ou morreram em decorrência da doença até
o momento do estudo vieram ou não da mesma distribuição. Para variáveis nominais: gráfico de barras;

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

calculados os valores absoluto e relativo das frequências; testes exatos de Fisher para independência entre essas
variáveis e a variável morte em decorrência da doença até o momento do estudo. Na determinação dos fatores
de risco e de proteção de morte, foram utilizados modelos paramétricos lineares generalizados de efeitos fixos
com função de ligação logística e modelos binomiais. O tamanho do efeito e medidas de associação foram
ajustados para variáveis de confusão. Os valores P e dos intervalos de confiança desses efeitos foram corrigidos
pelo número de comparações com o nível de referência pelo método Holm-Sidak. Todas as análises foram
conduzidas em R versão 3.6.3.
Foram admitidos um total de 51 pacientes. 54% eram do gênero masculino e a maioria se declararam
como brancos. A média de idade foi de 61 anos, sendo que no subgrupo dos sobreviventes foi de 55 anos e no
subgrupo dos não-sobreviventes de 69 anos. Aproximadamente 80% desses pacientes eram hipertensos e mais
da metade usava inibidor da enzima conversora de angiotensinogênio (IECA) ou bloqueador do receptor de
angiotensina (BRA). O uso prévio de IECA ou BRA foi sugestivo como fator de proteção intra-hospitalar
para morte [aOR = 0,091 (95%CI 0,007-1,221); P=0,07]. A obesidade, a dislipidemia e o diabetes mellitus
do tipo 2 seguem como comorbidades mais prevalentes após a hipertensão. Contudo, apesar de apenas 4
pacientes não terem comorbidades na admissão, não foi possível estabelecer associação com morte intra-
hospitalar após o ajuste por variáveis de confundimento. Por outro lado, a presença de depressão foi fator de
risco [aOR = 1211 (95%CI 1,7-2,733), P=0,02] para morte intra-hospitalar.
Ao todo 35 pacientes tiveram o diagnóstico de Covid-19, por meio do swab nasal, contabilizando 67%
dos pacientes internados. Não encontramos associação entre ser positivo para SARS-CoV-2 e mortalidade
intra-hospitalar [aOR = 0,83 (0,114 – 6,082); P=0,85].
Dos 51 pacientes internados, 45 desses tiveram tomografia de tórax de alta resolução. No subgrupo
Covid-19, dos 35 pacientes, 30 tiveram imagens tomográficas. Cerca de 47% dos pacientes tiveram 50% ou
mais de parênquima pulmonar comprometido do ponto de vista radiológico. Apenas 4 pacientes com swab
positivo para SARS-CoV2 tiveram aspectos tomográficos considerados atípicos para Covid-19. Em paralelo,
no subgrupo de 16 pacientes que tiveram o swab negativo, 15 tiveram imagens tomográficas e entre esses
4 apresentaram aspectos tomográficos sugestivos de Covid-19, com comprometimento entre 25 e 50% do
parênquima, apesar do teste negativo.
A presença de sepse na admissão aumentou em média 21 vezes a chance de morte intra-hospitalar [aOR
= 21,06 (0,79-555,2), P=0,06]. Nesse contexto, o desenvolvimento de choque séptico durante o período
de internação aumentou em média 98 vezes a chance de óbito quando comparado ao grupo que não teve
choque séptico no hospital [aOR = 98,56; (2,75-3525); P=0,01]. Esse foi o fator com maior risco médio de
associação com mortalidade intra-hospitalar. A presença de germes multirresistentes (MDR) ocorreu em 1
a cada 4 pacientes internados, sendo associada a pior desfecho intra-hospitalar [aOR = 14,42 (1,02-204,18);
P=0,04]. Cerca de 40% dos óbitos tiveram evidência microbiológica de germes MDR. Nesse ínterim, todos
os pacientes internados receberam antibioticoterapia. Mais de 80% receberam azitromicina e 47% tiveram o
esquema escalonado para carbapenêmicos. O uso de vasopressores [aOR = 69,66 (1,76 – 2733); P = 0,02],
sedação [aOR = 138 (1,4-13699); P = 0.03], bloqueador neuromuscular [aOR = 126 (3,7-4277); P = 0,007]
e corticoide [aOR = 50 (2,2-1136); P = 0,01] foram considerados fatores de risco para mortalidade intra-
hospitalar.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Do ponto de vista laboratorial, os últimos registros intra-hospitalares de leucocitose e linfopenia foram


fatores de risco para morte [aOR = 25,53 (2,08 – 313,48); P=0,06], e a [OR = 8,76 (1,42 - 54); P=0,09],
respectivamente. Outros marcadores como D-dímero, ferritina, lactato desidrogenase, bilirrubina total, não
tiveram relação com mortalidade. O escore SOFA foi utilizado e valores acima de 8 foram associados à morte
intra-hospitalar [aOR = 206 (4,4 - 9557); P=0,006].
O uso de ventilação mecânica invasiva (VMI) foi fator de risco para morte intra-hospitalar [aOR = 70,5
(1,8 - 2763,9); P=0,02]. Cerca de 60% das pessoas submetidas à VMI evoluíram para óbito. Estar em VMI
acima de 2 dias já foi suficiente para encontrarmos associação com a morte intra-hospitalar [aOR = 89 (1,4 –
5614,2); P=0,03]. Apenas um paciente recebeu suporte de ventilação mecânica não invasiva (VNI), não sendo
possível estabelecer relação estatística com desfecho intra-hospitalar. Em paralelo, o uso de cateter nasal de
oxigenoterapia foi fator protetor para a morte intra-hospitalar [OR = 0,1 (0,01 - 0,92); P=0.04]. Além disso,
cerca de 33% de todos os pacientes desenvolveram disfunção renal e necessidade de hemodiálise. Contudo,
não foi encontrada associação entre o suporte dialítico e a morte intra-hospitalar [aOR = 4,39 (0,48 – 40,13);
P=0.18]. No total, a taxa de mortalidade intra-hospitalar foi de 41%, sendo que a taxa de mortalidade dos
pacientes em VMI foi de 60%.

Considerações Finais

Nosso Desafio, Desafio do Mundo


A pandemia de Covid-19 provocou um aumento expressivo no número de pacientes com necessidade não
somente de hospitalização, mas também de terapia intensiva. A sobrecarga dos sistemas de saúde era evidente
em todo o mundo9. No Rio de Janeiro, local onde já existe um uma sobrecarga crônica dos serviços de saúde,
o receio de não haver leitos suficientes e o risco iminente de óbitos precoces por falta de assistência eram uma
realidade. Dessa demanda, se fez necessário um plano de contingência para receber esses pacientes, como por
exemplo a estratégia de adaptar uma unidade hospitalar, já existente para outra finalidade, em uma UTI10, 11.
O presente estudo tem como objetivo analisar o desempenho dessa estratégia como solução para o déficit
de leitos de terapia intensiva, em locais de recursos limitados durante a pandemia. Por meio de uma coleta
de dados minuciosa associada à análise estatística criteriosa foi possível identificar quais foram os possíveis
fatores que contribuíram para a mortalidade intra-hospitalar. O intuito é auxiliar o entendimento sobre como
ocorreu o funcionamento dessa enfermaria adaptada em UTI, a fim de permitir uma abordagem ainda melhor
em momentos de crise e escassez.
É reconhecido que a qualidade do cuidado em terapia intensiva em países em desenvolvimento é um
desafio12, o qual não surgiu com a pandemia, mas foi evidenciado e agravado por ela13. Indubitavelmente, era
fundamental aumentar a oferta de vagas de terapia intensiva. No RJ, já é reconhecido o déficit de leitos no
Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pelo atendimento de parte majoritária da população. A razão de
leitos de UTI por 10mil habitantes no RJ é de 0,97, enquanto o que é recomendado pela OMS é de 1 a 3, em
contexto fora de pandemia14. Por outro lado, por mais importante que seja a disponibilidade de internação,
observa-se que não é apenas a presença do leito que importa, sendo fundamental também a forma como é

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

feita a assistência ao paciente crítico15.


Nesse estudo a maioria dos pacientes eram do gênero masculino, com comorbidades, sendo a mais
prevalente a hipertensão arterial, compatível com o perfil dos pacientes que internaram no início da pandemia.
A expressiva maioria dos pacientes usava IECA ou BRA. Desde o início da pandemia se discutiu se o uso
dessas medicações poderia contribuir para facilitar a infecção de SARS-CoV-2, interferindo na gravidade
dos casos, visto que são medicações que aumentam a expressão do receptor ACE2 (enzima conversora de
angiotensina 2) no epitélio respiratório, que é o mecanismo de entrada do vírus nas células humanas16,17. Para
nossa surpresa, nossos resultados sugerem que o uso dessas medicações pode ter efeito protetor em relação à
mortalidade intra-hospitalar, sendo necessário maiores estudos para confirmar essa hipótese.
Nessa coorte, um dos fatores de risco mais evidente para mortalidade intra-hospitalar foi o desenvolvimento
de choque séptico durante a internação. Isto é, pacientes que não internaram com critérios de sepse, mas
que durante a internação evoluíram com infecção e choque séptico de provável origem nosocomial. Nem o
diagnóstico de Covid-19 teve tanto impacto para a mortalidade no hospital quanto o desenvolvimento de
choque de origem séptica. O diagnóstico de sepse foi realizado utilizando os critérios do sepse 3.018.
Chama atenção que a presença de germes MDR ocorreu em 1 a cada 4 pacientes internados, elevando
em média 14 vezes a chance de óbito intra-hospitalar. É um fato que, desde o início da pandemia, surtos
desse tipo têm sido relatados, sendo uma das principais preocupações nos serviços de controle de infecção
hospitalar19, 20, 21. Nesse contexto, vale ressaltar a dificuldade e limitação de implementação de práticas e
de protocolos de rotina em terapia intensiva, uma vez que a unidade era previamente uma enfermaria. É
reconhecido que infecções associadas ao cuidado de saúde representam um importante fator de risco para
mortalidade intra-hospitalar22, 23, 24. Esses eventos estão diretamente relacionados à forma como o cuidado é
prestado e são, potencialmente, evitáveis com a aplicação de práticas de prevenção de infecção. Entretanto,
nosso estudo não foi desenhado para analisar o impacto dessa baixa adesão nos protocolos de prevenção
de infecção associado ao cuidado. Todavia, os resultados apresentados sugerem um impacto negativo que o
desenvolvimento de infecção nosocomial teve no desfecho, corroborando com a ideia de que a presença de
protocolos institucionalizados e de um time especializado poderiam ter colaborado para um melhor desfecho
intra-hospitalar.
O uso de suporte ventilatório foi recorrente, com mais de 50% dos pacientes evoluindo para VMI, enquanto
em outras análises retrospectivas essa porcentagem variou de 13 a 31%, por exemplo25, 26, 27. A mortalidade
desses pacientes nessas outras análises variou entre 24,5% e 76,5%25, 26, 27. Em comparação, na nossa coorte, a
taxa de mortalidade do subgrupo de paciente com Covid-19 que necessitou de VMI foi de 60%. Ademais,
apenas 1 paciente foi submetido à VNI. Não é possível estabelecer a causa para a alta incidência de VMI em
contraposição à VNI no setor. Por outro lado, a insegurança em relação ao segundo método associada à ideia
de intubação orotraqueal precoce devem ter contribuído para esses resultados28, 29, 30.
Curiosamente, apenas 67% dos pacientes tiveram swab nasal positivo para SARS-CoV-2. Ao todo 25%
dos pacientes que tiveram pesquisa negativa apresentaram imagens sugestivas de pneumonia viral. Nessa
série de casos, foi utilizado o método quantitativo de detecção de material genético por PCR-RT, como é
recomendado pela OMS31. A sensibilidade desse método varia entre 53,6 e 73,3%, de acordo com meta-análises
realizadas32. Para otimizar a sensibilidade do diagnóstico, foram realizados testes seriados. Provavelmente, o

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uso de testes com metodologias diferentes teria detectado os pacientes com alterações tomográficas sugestivas,
mas com testes de admissão negativos32. O diagnóstico de Covid-19 não foi fator de risco para mortalidade
intra-hospitalar, corroborando ainda mais com o impacto que infecções de origem nosocomial tiveram para
o desfecho desses pacientes.
O presente estudo tem limitações principalmente pelo seu desenho e pelo número de participantes, não
sendo possível estabelecer uma relação de causa e consequência. Entretanto, representa os resultados de uma
das estratégias adotadas para oferecer assistência aos pacientes graves do início da pandemia. Sendo assim,
aponta relevantes questões, principalmente em respeito a estrutura e a estratégia organizacional estabelecidas,
representado pelo impacto que o desenvolvimento de infecções intra-hospitalares teve na mortalidade dessa
coorte de pacientes com Covid-19.
A pandemia desafiou os sistemas de saúde do mundo todo a se adaptarem a um aumento súbito no número
de pacientes. A transformação de uma enfermaria em unidade de terapia intensiva foi uma das estratégias
adotadas, permitindo o acolhimento desses pacientes de forma rápida e eficaz. Contudo, a criação de uma
UTI é complexa e com diversos desafios a serem vencidos. Muito se discute sobre terapias medicamentosas
e dispositivos invasivos de alto custo e tecnologia. Entretanto, medidas de ordem mais organizacional de
segurança do paciente e qualidade assistencial também são essenciais para um melhor desfecho intra-
hospitalar, sendo uma estratégia custo-efetiva para otimizar o cuidado de pacientes graves33, 34.

O Legado
A pandemia de Covid-19 nos ensinou a transformar nossa cultura de segurança do paciente e a qualidade
de assistência, otimizando processos internos que foram aprendidos durante o período de adaptação da UTI.
Permanece, portanto, como uma herança desse período de difícil metamorfose, mas que para sempre mudou
a forma como a assistência é feita, melhorando ainda mais o cuidado ao paciente do Hospital Universitário
Pedro Ernesto.

Bibliografia

1. Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. China Novel Coronavirus Investigating and
Research Team. A Novel Coronavirus from Patients with Pneumonia in China, 2019. N Engl J Med.
2020; 20;382(8):727-733. doi: 10.1056/NEJMoa2001017. Epub 2020 Jan 24. PMID: 31978945;
PMCID: PMC7092803.
2. Shereen MA, Khan S, Kazmi A, Bashir N, Siddique R. SARS-Cov-2 infection: Origin, transmission, and
characteristics of human coronaviruses. J Adv Res. 2020; 16;24:91-98. doi: 10.1016/j.jare.2020.03.005.
PMID: 32257431; PMCID: PMC7113610.
3. Chu DK, Akl EA, Duda S, Solo K, Yaacoub S, Schünemann HJ; Covid-19 Systematic Urgent Review
Group Effort (SURGE) study authors. Physical distancing, face masks, and eye protection to prevent
person-to-person transmission of SARS-CoV-2 and Covid-19: a systematic review and meta-analysis.
Lancet. 2020; 27;395(10242):1973-1987. doi: 10.1016/S0140-6736(20)31142-9. Epub 2020 Jun 1.

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PMID: 32497510; PMCID: PMC7263814.


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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Estratégias e táticas usadas no Internato em


Medicina Integral frente à interrupção das atividades
presenciais devido à pandemia por Covid-19: um
relato de experiência

Rosimere de Jesus Teixeira1, Nelson Robson1, Domênica Baroni Coelho de Oliveira Ferreira3, Carla Cazelli2, Ana

Cláudia Chazan1, Andrea Castro2, Claúdia Ramos4, Thaís Ferrão4

Professora Adjunto da Disciplina de Internato do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária (DMIFC) da
1

Faculdade de Ciência Médica (FCM)/UERJ; 2Professora Assistente da Disciplina de Internato, DMIFC/FCM/UERJ; 3Interna

de Medicina da FCM/UERJ; 4Técnica Universitária Superior, Disciplina de Internato DMIFC/FCM/UERJ

Descritores: Internato de medicina; Doença crônica; Covid-19; Telemonitoramento; Relato de experiência.

Descritores em inglês: Internship medical; Chronic disease; Covid-19; Telemonitoring experience report.

Introdução

A pandemia do novo coronavírus é considerada uma das questões mais impactantes em relação à saúde
pública mundial. Vários desafios se configuraram por conta da Covid-19. Um deles, a formação médica e a
assistência aos pacientes, o que exigiu uma rápida adaptação e uma remodelação na forma de ensinar, aprender
e assistir as pessoas.
A disciplina Internato em Medicina Integral, Familiar e Comunitária - módulo Ambulatório faz parte
do curso de Medicina da FCM há mais de 40 anos, sendo na modalidade de ensino presencial e obrigatória.
O seu principal objetivo é o desenvolvimento de competências médicas para realizar a prática ambulatorial
centrada na pessoa com responsabilização pela continuidade do cuidado e efetividade da atenção prestada,
integração com os sistemas de atenção à saúde (SUS) e construção de um projeto terapêutico individualizado
e compartilhado com os pacientes e familiares1.
O Ambulatório de Medicina Integral (AMI) foi criado em 1967, a fim de estabelecer um acompanhamento
integral dos pacientes do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e contribuir na prática comunitária
de saúde. Nesse contexto, procurava-se evitar a fragmentação de seus cuidados e, inicialmente, o serviço
funcionou como um centro de triagem, pouco depois foi reestruturado para um local de atendimento
contínuo2,3. A partir de 1978, passou a apresentar um corpo profissional próprio, unindo o ensino à prestação
de serviços e, consequentemente, à vivência da saúde básica3. Logo, o AMI tornava-se o maior ambulatório do
HUPE, realizando de 15 a 20% do total de consultas do hospital e proporcionando treinamento para todos os
Internos, Residentes de Clínica Médica e Especialidades Clínicas, além dos próprios Residentes de Medicina
Integral4.
Desde a década de 1970, os alunos do último ano de graduação de Medicina participam dos atendimentos

85
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

ambulatoriais3, com estágio de um ano, além dos Residentes de Medicina de Família e Comunidade (MFC).
O internato do AMI ocorre em um turno semanal com prática supervisionada, numa relação 5 a 6 internos/
preceptor/sala com atendimento no AMI do HUPE e na Policlínica Piquet Carneiro (PPC), de segunda
à quinta-feira à tarde com um total de 17 salas de atendimento supervisionadas por 10 staffs. Tal dinâmica
foi mantida até o início da pandemia por Covid-19 em março de 2020. A pandemia da Covid-19 ocorreu
durante o Internato das turmas de 2019/2020 e de 2020/2021, comprometendo o ensino-aprendizagem de
100 e 104 alunos, respectivamente.
A Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia Covid-19 em 11 de março de 2020 devido ao
aumento global no número de mortes e países afetados pela doença causada pelo novo coronavírus (SARS-
Cov-2)5. A pandemia trouxe inúmeros desafios para toda a comunidade acadêmica com a necessidade de
isolamento social, restrições de locomoção e interrupção dos períodos letivos nas instituições de ensino. O
governo do Estado do Rio de Janeiro decretou distanciamento social e as atividades da graduação assim como
os serviços não essenciais do HUPE foram interrompidas. Diante deste contexto de incertezas, tanto para
o novo vírus como para a atenção primária, houve a necessidade de reorganização do AMI na tentativa de
manter a assistência aos pacientes e proporcionar o ensino médico aos alunos.
Este capítulo buscou relatar as estratégias e táticas desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia, suas
consequências e perspectivas do retorno com o máximo possível de segurança. Além de relatar a experiência
vivida por docentes e um representante discente da turma de 2020/2021 ao longo da pandemia da Covid-19.

Internato AMI

A Atenção Primária à Saúde (APS) no enfrentamento à pandemia de


Covid-19

As equipes de saúde da APS e a MFC foram fundamentais na prevenção e enfrentamento da Covid-19


em nosso país, desde o momento que se identificou a existência da transmissão comunitária. O manejo
diagnóstico e terapêutico de pessoas com suspeita de infecção respiratória caracterizada como síndrome
gripal, causada ou não pelo SARS-Cov-2, no contexto da APS e da Estrutura da Saúde de Família incluíram
os seguintes passos6:
1. Identificação de caso suspeito de Síndrome Gripal e Covid-19;
2. Medidas para evitar o contágio na Unidade Básica de Saúde;
3. Estratificação da Gravidade da Síndrome Gripal;
4. Casos leves: manejo terapêutico e isolamento domiciliar;
5. Casos Graves: estabilização e encaminhamento a serviços de urgência/emergência ou hospitalar;
6. Notificação imediata;
7. Monitoramento Clínico;
8. Medidas de prevenção comunitária e apoio à vigilância ativa;
9. Organização do Calendário de Vacinação.

86
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Em 20 de março de 2020, foi publicada a PORTARIA n0 467, que dispõe sobre as ações da Telemedicina,
com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde
pública decorrente da pandemia. Com isso, as equipes da APS puderam utilizar estratégias de teleatendimento
na identificação, manejo e acompanhamento de pacientes com suspeita de síndrome gripal6.
A Telessaúde pode ser definida como a prestação de serviços de saúde por profissionais da área, quando
a distância é um fator crítico, usando Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para o intercâmbio
de informações válidas para o diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças e lesões, para a pesquisa e
avaliação, e para a educação continuada dos profissionais de saúde, com o interesse de promover a saúde dos
indivíduos e suas comunidades7,8.
A Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus, estabeleceu que devesse ser garantido
o exercício e o funcionamento de serviços essenciais. E o Decreto Federal nº 10.282/2020 estabeleceu que o
serviço médico e hospitalar, público ou privado, é essencial, devendo ser mantido em funcionamento. Porém,
era necessária a adoção de uma série de medidas adicionais, políticas e boas práticas internas que minimizem
a exposição ao SARS-CoV-2, para impedir a propagação do vírus e garantir a saúde e segurança de médicos,
funcionários e pacientes diante da pandemia que estamos enfrentando4. Diante disso, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), que integra o Centro de Operações de Emergência (COE) – Coronavírus
instituído pelo Ministério da Saúde, editou a Nota Técnica nº 4/2020, com medidas de prevenção e controle
de infecção que deveriam ser implementadas pelos profissionais que atuam nos serviços de saúde para evitar
ou reduzir ao máximo a transmissão do SARS-CoV-26.

Organização e estrutura das atividades do Internato no AMI durante a


pandemia de Covid-19
Em 16 de março de 2020, com apenas duas semanas de aulas do período letivo, e o início da pandemia de
Covid-19, o Magnífico Reitor publica a AEDA013 suspendendo as aulas e atividades presenciais da UERJ,
a fim de conter a propagação do novo coronavírus e proteger a comunidade acadêmica. Simultaneamente,
o HUPE suspendeu as atividades ambulatoriais e a direção da FCM/UERJ recomendou que os docentes
permanecessem em contato com os alunos através de atividades on-line de forma a minorar o estresse que
estávamos vivenciando.
Ficou evidente a importância de darmos apoio aos alunos nesse momento atípico. As atividades
ambulatoriais regulares foram suspensas e iniciamos uma frente de trabalho remoto, de março a julho de 2020,
entre elas o telemonitoramento das pessoas acompanhadas no AMI. Esta frente foi criada na perspectiva de
prevenir uma possível 3ª onda de doentes oriunda da pandemia, composta por portadores de Doenças Crônicas
Não Transmissíveis (DCNT) descompensados pela irregularidade do acompanhamento, além de promover
a corresponsabilização dos internos pelo cuidado integral e longitudinal do pacientes. Como retaguarda para
o atendimento das necessidades mais urgentes, todos os turnos do AMI foram cobertos presencialmente por
pelo menos um preceptor do DMIFC. Foi necessária a definição do fluxo de pacientes para o AMI ou para
outros serviços da rede SUS de saúde de acordo com o quadro clínico de base ou a presença de sintomas da

87
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Covid-19, além de orientações de medidas preventivas e distanciamento social, segundo as orientações das
autoridades sanitárias do Estado. Após adequação dos estoques de antirretroviral (ARV) na farmácia, foi
possível a retirada de TARV pelos pacientes por até 3 meses.
Foi elaborada uma planilha compartilhada entre internos e preceptores, com dados básicos de identificação
e espaço para preenchimento das informações sobre a situação de saúde do paciente, advindas do prontuário e
do telemonitoramento. Os internos ficaram responsáveis pelo contato telefônico para comunicar a suspensão
das consultas, reforçar a necessidade de distanciamento social, perguntar sobre a situação de saúde, identificar
necessidades de receita médica e/ou atendimento presencial, dúvidas sobre medicações e orientar sobre como
proceder em caso do surgimento de sintomas da Covid-19. As dúvidas foram discutidas e os casos mais
complexos foram acompanhados diretamente pelos preceptores. Foi preparado o roteiro abaixo para ser
seguido durante o monitoramento remoto.
“Bom dia/ Boa tarde. (Identificar se está falando com o paciente ou um familiar)
Meu nome é..., sou do AMI, do HUPE/ PPC. O motivo da ligação é sobre a sua consulta, agendada para o dia...
Devido às recomendações das autoridades de saúde relacionadas ao novo Coronavirus, estamos ligando para evitar
que saiam de casa desnecessariamente, para impedir a propagação do vírus. Nesse sentido, gostaria de saber como está
o seu estado de saúde, se tem receita atualizada e condições de aguardar esse período mais complicado do vírus e ser
reagendado para daqui a três meses. Se não tiver receita válida, em caso de idoso ou imunossuprimido, pedir que um
familiar procure o ambulatório com uma receita antiga para ser renovada. Se a pessoa não estiver clinicamente bem,
vir à necessidade de agendar para uma data mais próxima ou manter o agendamento no dia. Se a pessoa estiver bem,
remarcar para daqui a 2 a 3 meses e aproveitar para orientar sobre as medidas para evitar o contato com o vírus (evitar
sair de casa, aglomerações, transporte público, lavarem as mãos com sabonete e/ou usar álcool gel, evitar levar às mãos
sujas ao rosto). Se tiver alguém em casa com tosse, febre, dor de garganta, dor no corpo e nas articulações, aproveitar
para orientar que as pessoas que estiverem somente com um quadro gripal leve, evitem procurar os serviços de saúde de
emergência, para evitarem se infectar e infectar outras pessoas. Orientar que as pessoas façam uso de paracetamol ou
dipirona para a febre lavem as narinas com soro fisiológico, evitem utilizar anti-inflamatórios, e manter repouso em
casa, de preferência longe das outras pessoas que não estiverem com sintomas. Se a pessoa apresentar dificuldade para
respirar, recusa ou dificuldade de se alimentar, ingerir líquidos ou amamentar, vômitos, irritabilidade e convulsões,
ir imediatamente para um serviço de emergência perto de casa ou à PPC! Quando remarcar, procurar agendar em
horários espaçados, exemplo: 13h30, 14h30, 15h30. Conforme o quadro clínico, ligar mais frequentemente para saber
de sua saúde, e orientar a procurar a sala 5 do ambulatório do HUPE, em caso de doença que não esteja ligada ao
Coronavírus. Não se esquecer de deixar o telefone da sala de atendimento, para o caso de remarcações.”
Durante este período, foram elaboradas as estratégias para o retorno seguro das atividades presenciais.
Decidimos retornar as atividades do Internato em agosto de 2020 num modelo híbrido envolvendo atendimento
presencial e teleatendimento, Este retorno ocorreu em esquema quinzenal ao invés de semanal, com redução
do número de pacientes agendados, intervalo de 30 minutos entre as consultas para evitar a aglomeração e
reduzir o tempo na sala de espera. As salas de atendimentos foram readequadas, seguindo as orientações da
ANVISA6, com bloqueio de alguns boxes, material para higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel
a 70%, ambiente ventilado/arejado, etc. Todos deveriam estar cientes que as medidas de prevenção e controle
da contaminação pelo Covid-19 seriam implementadas em diversos momentos: antes da chegada do paciente,

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

na chegada, triagem, na sala de espera, atendimento e durante toda sua assistência.


Os internos foram orientados a entrar em contato telefônico para confirmar a necessidade da consulta
ou remarcação, orientar as medidas de prevenção necessárias como uso correto de máscara, chegar com
antecedência mínima de 15 minutos e só trazer acompanhante em caso de idosos ou incapazes físicos ou
mentais. No momento da consulta, orientamos os internos a informar sobre o que se sabia sobre a Covid-19,
os cuidados preventivos, a presença de comorbidades associadas a risco de complicações e a ausência de
tratamento precoce ou profilático e, quando da vacina, o estado vacinal e a importância de se vacinar. Assim,
desde o início da vacinação, tanto no contato por via telefônica ou presencial era cobrado à atenção ao
cronograma de vacinação e tirado as dúvidas dos pacientes sobre a mesma. Os internos deveriam buscar apoio
do preceptor diante de qualquer problema ou dúvida durante o monitoramento à distância, deixando claro
que se fosse necessário haveria atendimento presencial disponível.
Um cuidado que o departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária (DMIFC) teve durante
toda a epidemia (até agora) foi implementar todas as ações baseadas nas melhores evidências disponíveis,
estando atento aos informes da OMS, ANVISA e do corpo científico da UERJ, estando sempre atento a Fake
News ou hipóteses passadas como verdades, para dirimir dúvidas tanto de professores, alunos e pacientes.

Como foi manter a assistência aos pacientes e o ensino médico durante a


pandemia de Covid-19?
Com a pandemia, tivemos de nos adaptar ao novo cenário e nossa maior preocupação e desafio foi manter
a qualidade do ensino médico e da assistência aos pacientes. O teleatendimento foi de grande valia neste
momento, mas a adesão ao telemonitoramento pelos internos variou muito. Entre os fatores que dificultaram a
adesão identificamos o uso de recursos próprios para realizar as ligações, o fato de não recordarem ou ainda não
conhecerem os pacientes, a dificuldade para lidar com as carências emocionais e sociais das pessoas atendidas,
entre outros. Entretanto, aqueles que se dedicaram à tarefa relataram terem aprendido mais sobre os desafios
do cuidado em rede de atenção e sobre si mesmos. O retorno ao atendimento presencial ocorreu de forma
segura para todos, além disso, conseguimos manter o cuidado integral aos pacientes com responsabilização
pela continuidade e efetividade da atenção prestada.
A pandemia não mudou somente a forma de aprender e ensinar. A maior crise da saúde pública mundial
também impactou na atuação médica, o que exigiu que tanto os professores como os alunos tivessem um olhar
ainda mais coletivo e empático. Segue abaixo breves relatos das experiências dos professores.
“Foi um desafio, pois tínhamos que tomar os cuidados para a proteção de alunos, funcionários e pacientes e estimular
que buscassem praticar tudo o que tinham aprendido durante sua formação e lidar com orientações e monitoramento
da saúde via telefone, uma tecnologia nova sem possibilidade de avaliar a linguagem não verbal. Também havia
muita heterogeneidade no seguimento das recomendações e orientações por parte dos internos, o que exigia vigilância
e cobrança sistemática para a realização dos cuidados de higiene e seguimento dos pacientes via telefônica de forma
adequada. Além disso, era preciso motivação dos alunos, visto muitos deles estarem desmotivados e ansiosos.
Dois outros problemas também tiveram de ser enfrentados, a saúde mental de todos os envolvidos e as informações
sobre a pandemia. A saúde mental, de alunos, professores e pacientes foi duramente estressada diante das perdas de

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

tantas pessoas, como colegas de trabalho, parentes, etc. Para complicar, além de informações novas que chegavam a
todo o momento, muitas, ainda hipotéticas, havia muitas Fake News circulando, não só em sites de bate-papo, mas na
própria universidade, fala de governantes e autoridades colocando em dúvida os benefícios da vacina, distanciamento
de pessoas e uso de máscara, o que exigia uma atenção e conversas frequentes entre os professores e dos professores com
os alunos para evitar que falsas informações ou hipóteses pudessem levar a condutas incorretas ou práticas inseguras
aos pacientes.
Prof. Nelson Robson Mendes de Souza
“Foi um período muito conturbado tanto para professores quanto para alunos. Além das consequências com o
isolamento social, havia uma dualidade entre o desejo de participar do atendimento aos pacientes durante a pandemia
e o medo acerca da contaminação de amigos e familiares. Entre meus internos, mais da metade teve que se afastar das
atividades presenciais em algum momento por suspeita ou contaminação por SARS-Cov-2. Ademais, a grande oferta
de conteúdos on-line, como cursos, descobertas e Fake News a respeito da Covid-19, em contraponto ao reduzido tempo
disponível para tal, gerava a sensação de ansiedade e cansaço.
Quanto aos pacientes, era nítido o medo de sair de casa e se contaminar e a preocupação com a saúde, em especial dos
idosos, o que prejudicou muito a adesão e, em algumas situações, piorou o controle das doenças crônicas. A Telemedicina
veio para colaborar neste sentido, apesar da grande dificuldade de estabelecer contato telefônico em alguns casos, ajudou
na organização das agendas, no monitoramento da saúde e resolução de problemas à distância. Com a diminuição da
transmissão comunitária e a diminuição dos casos de internação e mortes, fomos observando um aumento na procura
espontânea dos pacientes ao ambulatório para a remarcação de consulta.
A relação médico/pessoa não foi mais a mesma, com o telemonitoramento fica faltando o olho no olho e se a
consulta é presencial fica faltando o abraço. O próprio vínculo entre o preceptor e o aluno também foi prejudicado
com as atividades quinzenais e o tempo reduzido de discussões dos casos, mesmo tentando superar esta deficiência
com as orientações remotas. Apesar disso, esperamos ter preparado os futuros médicos de forma técnica, mas também
acreditamos que tenham se tornados mais empáticos e humanizados se preocupando em tratar as pessoas e não somente
as doenças.”
Prof. Rosimere J. Teixeira

“Foi difícil, os internos tiveram que ligar para os pacientes, a partir da agenda e começar o monitoramento à
distância. Foi feita uma planilha para cada aluno anotando uma série de variáveis, tais como nome, matrícula, idade,
problemas, telefones dos pacientes e datas da próxima comunicação. Quando voltamos ao atendimento presencial
os alunos iam de 15/15 dias e procuravam marcar apenas os pacientes indispensáveis, evitando aglomerar e expor
as pessoas mais vulneráveis! No segundo semestre, quando recebemos a turma de 2020/21, continuamos o mesmo
esquema com os alunos novos, aprimorando a planilha com mais informações, tipo medicações usadas e exames pedidos.
Em dezembro de 2020, devido à piora da pandemia eu voltei a acompanhar os internos de forma distante e continuei
a falar com eles por Whatsapp e telefone. Além das orientações eu também fazia receitas digitais da plataforma do
CRM. Para melhorar a comunicação também fiz reuniões pela plataforma M Teams. Os professores(as) que cobriram
as minhas salas, supervisionaram os alunos no presencial, facilitando essa tarefa. Assim prossegui acompanhando os
alunos até a minha aposentadoria em 04/05/2021”.
Profa. Carla Cazelli

90
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

“O ano de 2020 trouxe para todos nós o grande desafio da manutenção das
atividades de assistência e ensino diante da maior questão sanitária dos últimos cem anos.
Os internos da UERJ – tanto do AMI quanto os que estiveram na clínica da família - felizmente demonstraram
grande comprometimento e espírito de coletividade, minimizando assim as aflições inerentes ao período. Todos se
comprometeram a acompanhar de perto seus pacientes e, quando não era possível que isso fosse feito presencialmente,
havia a disponibilidade de fazerem o acompanhamento via whatsapp ou ligação telefônica. Foi recompensador
constatar a criação de vínculo entre os alunos e pacientes mesmo diante das incertezas impostas pela pandemia. Os
internos mostraram no dia a dia que compreendem a missão desta universidade”.
Profa. Thaís Ferrão.

“A responsabilização pelo cuidado é o objetivo primário do ensino-aprendizagem no AMI”. O whatsapp já vem


sendo usado há tempos para facilitar a comunicação, ajustar o processo de trabalho e o vínculo das equipes. Quando
foi decretado o distanciamento social, alguns internos já haviam estabelecido vínculo com os pacientes e sabiam quais
eram os mais vulneráveis.
A população atendida é majoritariamente formada por idosos com doenças crônicas. O maior desafio foi o
telemonitoramento dos pacientes em maior risco de exposição ao SARS-Cov-2. Se por um lado os internos não tinham
experiência com o teleatendimento, por outro lado os preceptores precisaram desenvolver habilidades de preceptoria
on-line. O cuidado compartilhado dos pacientes aumentou muito a comunicação pelo whatsapp. Os pacientes que
demandavam maior atenção pelas condições psicoemocionais eram monitorados pela preceptoria, sendo às vezes
necessária à intervenção por vídeo chamadas da psicologia médica ou até mesmo a consulta presencial. A rede de
cuidados foi tecida entre os preceptores do AMI e os diferentes serviços do HUPE.
Mesmos os internos afastados do serviço por determinação da FCM com clínica de Covid-19, contribuíram com
a organização das agendas (desmarcação e monitoramento dos pacientes). A elaboração de planilhas com os dados
dos pacientes facilitou o agendamento e o telemonitoramento quando da reabertura do atendimento presencial e a
transição do cuidado para o novo grupo de internos. Estas duas turmas de internos que passaram pelo AMI na
pandemia, ainda que tenham adquirido menor habilidade de gerir o tempo da consulta devido ao menor número de
pacientes atendidos (a média foi de 2 pacientes/dia x 4/dia e cerca de 22 pacientes/ano x 40/ano nos anos anteriores)
puderam discutir mais profundamente os casos atendidos. Pode-se observar o desenvolvimento das competências no
âmbito do cuidado como a escuta empática, vínculo e a abordagem centrada na pessoa. A discussão dos casos na sessão
clínica revelou ainda a compreensão de aspectos importantes para a Saúde Integral como a fase do ciclo de vida, as
crises vitais e acidentais, os modos de viver, as relações familiares com os processos de saúde-adoecimento, bem como a
vivência do interprofissionalismo e a reflexão sobre a contratransferência.”.
Profa. Ana Cláudia Santos Chazan.

“O internato no AMI propicia uma experiência de longitudinalidade do cuidado e competências clínicas embasadas
nos princípios da medicina centrada na pessoa1. Com o isolamento social devido à pandemia da Covid-19, pensar
novas formas de atendimento tornou-se premente.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A proposta de um grupo de pacientes sob a responsabilidade de um interno, a partir de uma planilha com os
dados do perfil sociodemográfico, nosológico, e conduta terapêutica possibilitou o monitoramento das ações. – revisões
regulares, demandas de intercorrências, dúvidas e agendamentos –, ficando o atendimento presencial restrito a situações
de dúvidas ou solicitação dos pacientes. Destaca-se como pontos positivos e desafios as seguintes questões, a manutenção
dos atendimentos aos pacientes do AMI, que pudesse amenizar o distanciamento imposto pelo contexto Covid-19.
Nesse sentido, o grupo de internos sob a supervisão pôde garantir a continuidade da atenção, incluindo a modalidade
telessaúde7, a partir de um treinamento da recém-regulamentação da modalidade remota.
A experiência garantiu continuidade das ações docente-assistenciais, fortaleceu o vínculo interno-paciente,
fomentou habilidades de comunicação, respeito, confiança, além de classificar risco e identificar os casos que exigiam
atendimento presencial.
Podemos avaliar que existem obstáculos com a população idosa, dados não atualizados, que dificultaram a
comunicação, e as diferenças de adaptação de internos à incorporação tecnológica.
Os desdobramentos pós-pandemia exigem a regulação específica do atendimento remoto, visando assegurar a segurança
do paciente e profissional de saúde, com repercussões desta modalidade assistencial no ensino de novas competências.”
Prof.ª Andrea Castro.

Finalmente, segue o relato de experiência sobre os atendimentos realizados através de telemonitoramento


no contexto de pandemia por Covid-19, sob o ponto de vista da aluna Domênica Baroni Coelho de
Oliveira Ferreira, interna da FCM/UERJ.

“Iniciamos o internato em outubro de 2020, mas com o aumento dos casos de infecção e sem a previsão de vacinação
da população, fomos orientados a realizar o monitoramento à distância de nossos pacientes mais vulneráveis. Junto a
isso, metade de cada grupo de alunos deveria estar presente no ambulatório a cada 15 dias para atender os casos que
não conseguimos desmarcar, os mais complexos ou algum paciente que comparecesse com demanda espontânea.
Considerando que as consultas presenciais estavam ocorrendo em número reduzido e visando garantir a manutenção
do cuidado desses indivíduos, realizei o monitoramento com todos os pacientes da minha agenda durante o primeiro
semestre de 2021. Cada consulta durou cerca de 30 minutos à uma hora, e, após finalizá-la, o caso foi repassado
para o staff. Todas as condutas foram traçadas em conjunto, seguindo a mesma lógica das consultas presenciais. Na
necessidade de renovação de receitas ou alteração da terapêutica, o staff se responsabilizou por prescrevê-las através do
site do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ). As orientações foram repassadas
aos pacientes por telefone e os receituários via whatsapp ou e-mail.
Neste período, foram realizadas 22 telemonitoramentos, correspondentes a 12 pacientes. Não houve atendimentos
de primeira vez, assim como descontinuidade de nenhum paciente. Ademais, como todos os indivíduos atendidos
possuíam algum meio de comunicação (telefone ou whatsapp), pude manter o acompanhamento clínico e psicológico
dos mesmos, evitando o agravamento de suas condições de saúde 9.
A partir de junho, houve o reestabelecimento mais regular das consultas presenciais, porém com o número ainda
reduzido a fim de garantir, pelo menos, uma avaliação física no ano. O monitoramento à distância ficou restrito aos
pacientes que não pudessem comparecer ao ambulatório na data marcada e para a reavaliação de exames laboratoriais

92
ou de resposta a tratamento medicamentoso ou não.
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

No final de um ano de AMI, contabilizei 54 consultas realizadas de um total de 17 pacientes. Dessas, 24 foram
presenciais e 30 remotas. Não foi registrada nenhuma alta ambulatorial por óbito por Covid-19. Ademais, todos os
pacientes foram orientados sobre a importância da vacinação e afirmaram terem recebido as doses necessárias.
Diante desses resultados, vimos que a telemedicina trouxe diversos fatores positivos para o HUPE. Nesse prisma,
considerando que a mesma não se encontra na grade curricular médica, praticá-la no AMI nos permitiu vivenciar
uma nova modalidade de ensino. Além disso, nos auxiliou no nosso desenvolvimento profissional diante do progresso
tecnológico que vem ocorrendo na Medicina, sobretudo em um contexto de pandemia. 9,10
Em relação à comunidade, a telessaúde favoreceu a manutenção da longitudinalidade do cuidado, tendo em vista
que todos possuíam algum veículo de comunicação. Esse cenário foi ainda mais favorável para duas pacientes que
tiveram suspeita de Covid-19, visto que, devido à necessidade de isolamento, impossibilitou-se o acompanhamento
presencial na data marcada.
Ademais, como a idade média dos pacientes era de 61,6 ± 14,4 anos (19 a 80 anos) e a grande maioria apresentava
fatores de risco para complicações de Covid-19, tais como HAS, DM e obesidade, os atendimentos remotos asseguraram
uma menor circulação desses indivíduos nas ruas. 11 Igualmente reduziram-se as despesas com o transporte público e o
tempo de espera nos consultórios, favorecendo a grande maioria que vivia em municípios mais distantes do hospital.10
Por outro lado, a telemedicina trouxe empecilhos para as nossas consultas, tais como: 1. Risco de invasão dos
veículos de comunicação, sobretudo whatsapp, podendo comprometer a proteção dos dados pessoais dos pacientes; 2.
Falta de confidencialidade, visto que outras pessoas podem estar próximas ao ambiente que está ocorrendo à consulta;
3. Impossibilidade de realização do exame físico, parte essencial da consulta, dificultando o diagnóstico ou avaliação
de determinadas doenças; 4. Ausência de recursos tecnológicos oferecidos pela universidade aos alunos, a fim de proteger
a identidade dos alunos. Nesse sentido, houve a necessidade de utilização dos nossos aparelhos telefônicos pessoais; 5.
Impossibilidade de solicitação de exames de imagem ou laboratoriais pelo site do CREMERJ, fazendo com que muitos
pacientes só os tivessem quando retornamos as consultas presenciais.
Apesar das dificuldades encontradas, evidencia-se que o telemonitoramento foi fundamental para ofertar o cuidado
com o distanciamento social necessário, assim como proporcionar economia de tempo, dinheiro e distância aos pacientes.
Entretanto, para que continue impactando positivamente, é importante que haja aprimoramento dos veículos de
comunicação para uma adequada prestação de orientação, visando reduzir a exposição de dados pessoais, assim como
treinamento prévio dos futuros alunos que exercerão monitoramento remoto 10,11”

Considerações Finais

Garantir uma formação ética, profissional e, sobretudo, humana é um dos valores do curso de Medicina
Integral há anos e diante da nova realidade, precisamos nos adaptar. Foi um período muito rico de
experiências devido à utilização de novas tecnologias como o telemonitoramento, mesmo tendo que lidar
com o desconhecido, a Fake News e a ansiedade. A experiência do monitoramento remoto ofereceu a
oportunidade dos futuros médicos assumirem a responsabilidade sanitária sobre o conjunto de pessoas
atendidas no AMI, manteve a troca de experiências entre preceptores e internos e contribuiu para a
organização do retorno seguro e responsável às atividades ambulatoriais, num modelo híbrido envolvendo

93
atendimento presencial e teleatendimento.
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

O ensino médico vai além do diagnóstico, da ética na ciência e da prática clínica. O que estamos
vivenciando hoje vai mudar para sempre as relações humanas, entre médico-paciente e professor-aluno. Mas
embora nem tudo tenha sido perfeito, ao final, conseguimos dar segurança aos alunos e pacientes e manter o
cuidado integral e longitudinal aos que precisavam.

Bibliografia
1. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Medicina centrada no paciente e ensino médico: a importância do cuidado com a pessoa e o
poder médico. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA 92 32: 90–97; 2008.

2. Noronha, JC, Oliveira JA, Rodrigues RD, Landmann J. Transformações de um ambulatório de medicina integral com
vistas a um programa de atenção médica primária. A experiência do Hospital de Clínicas da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Brasil. Rev. Saúde públ. S. Paulo, 11: 429-43, 1977.

3. Rodrigues, RD. Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da UERJ e seu Programa de Residência: 40
anos de História. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, 3: 149-156, 2007.

4. Donato R. Pequena História da Medicina Integral. Pg10-4. In: I jornada Científica da Disciplina de Medicina Integral.
Hospital Universitário Pedro Ernesto, Rio de Janeiro/RJ. Brasil, 2004.

5. Organização Mundial de Saúde, março de 2020. Disponível em https://saude.abril.com.br>medicina>oms-decreta-


pandemia.

6. Brasil, Ministério da Saúde Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS)- Protocolo de Manejo Clínico do
Coronavírus SARS-Cov-2 na Atenção Primária. Versão 7, Brasília – DF, Abril de 2020.

7. Brasil. Guia metodológico para programas e serviços em telessaúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [acesso em 2
set 2020]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/MS-telessaude-manual_2019.pdf.

8. Caetano, R, Silva, AB, Guedes, ACCM, Paiva, CCND, Ribeiro, GDR, SANTOS, DL, et al. Desafios e oportunidades
para telessaúde em tempos da pandemia pela Covid-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto
brasileiro. Cad. Saúde Pública 36: (5),2020. https://doi.org/10.1590/0102-311X00088920.

9. Medina, MG, Giovanella L, Bousquat, A, Mendonça, MHM, Aquino, R. Atenção primária à saúde em tempos de
Covid-19: o que fazer? Cadernos de Saúde Pública [online]. 36: (8), 2020.

10. Lins, AF, Salazar GC, Carvalho JC, Fleury LG, Prado RS. O uso da telemedicina como ferramenta para aprimorar os
serviços de saúde: viabilidade e desafios. Anais da 16ª Mostra de Saúde. 7: suplemento 1, 2019.

11. Simões, SM., Oliveira A, Santos, MA. telemedicina na pandemia Covid-19. REVIPI, Aracaju, 7: (2), 2020.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Experiência do Núcleo Perinatal do Hospital


Universitário Pedro Ernesto na Assistência a
Gestantes e Puérperas com Covid-19

Nilson Ramires de Jesús1; Denise Leite Maia Monteiro2; Flavia Cunha dos Santos3; Alessandra Lourenço Caputo

Magalhães1; Priscilla Veiga Pereira da Silva4; Guilherme Ribeiro Ramires de Jesús3; Mateus Benac Cavalcante5; Ugo

Lima D’Andrea6; Mateus Leonardo Sinis5; Marcos Vianna Lacerda de Almeida3

1
Professor Assistente da Obstetrícia FCM/UERJ e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas FCM

UERJ; 2Professora Associada da Obstetrícia FCM/UERJ e Professora Titular UNIFESO; 3Professor Adjunto da Obstetrícia

FCM/UERJ; 4Residente do Programa Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia FCM UERJ (2020); 5Aluno do Curso de

Graduação em Medicina da FCMUERJ; 6Aluno do Curso de Graduação em Medicina do UNIFESO – Teresópolis

Descritores em português: Covid-19; Gravidez; Síndrome Respiratória Aguda Grave; Complicações na Gravidez.

Descritores em inglês: Covid-19; Pregnancy; Severe Acute Respiratory Syndrome; Pregnancy Complications.

Introdução

A doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde
em 11 de março de 2020. Entre os principais sintomas pode-se destacar os sintomas gripais, que incluem
febre, tosse, fadiga, cefaleia e dispneia, com transmissão principalmente através de gotículas respiratórias ou
por meio de fômites1,2.
Bebês e gestantes podem ser vulneráveis à infecção pelo SARS-CoV-2 devido a alterações fisiológicas
que sofrem durante a gravidez, envolvendo principalmente seu sistema imunológico. Estudos sugerem
intercorrências em mulheres que contraíram o vírus ao longo da gestação, principalmente a pré-eclâmpsia,
prematuridade e parto cesáreo. No entanto, a maioria das publicações apresenta pequeno tamanho amostral3-5.
A transmissão vertical normalmente acontece pela via transplacentária, por deglutição ou aspiração de
secreções cervicovaginais ou pela amamentação. A amamentação pode ocasionar efeito protetor pela passagem
de anticorpos maternos para o recém-nascido3.
A preocupação com a mortalidade materna foi gradativamente se consolidando. Inicialmente acreditava-
se que a infecção pelo SARS-CoV-2 durante a gestação se apresentava da mesma forma que em mulheres não
grávidas, porém houve mudanças importantes em relação a essa hipótese6-7. No Brasil, no ano de 2020, após
a instauração da pandemia de Covid-19, no período de 45 semanas, ocorreram 544 notificações de óbitos em
gestantes e puérperas, com média semanal de 12,1 mortes. Já em 2021, até o dia 26 de maio, no total de 20
semanas, foram notificados 911 óbitos de gestantes, com aumento na média semanal para 47,9 óbitos, o que
caracteriza grande preocupação7. Até 25/09/2021, 13.912 gestantes internaram com síndrome respiratória
aguda grave, sendo 67,5% confirmadas como Covid-19, ocorrendo 1.088 óbitos, sendo confirmados 1.023
como por Covid-19, mostrando redução a partir da semana epidemiológica 358. Villar e colaboradores

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

observaram importante aumento na taxa de mortalidade materna (RR=22,3)9 em 18 países e Chmielewska


e colaboradores relataram aumento de 37% na taxa de mortalidade materna em relação aos índices pré-
pandêmicos em 16 países6.
Além disso, gestantes com Covid-19 estão mais propensas a abortamento, rotura prematura de membranas
amnióticas e restrição do crescimento fetal intrauterino10. Gestantes e puérperas devem ser consideradas
como grupo de risco para agravamento e complicações da Covid-19, especialmente quando apresentam
comorbidades, como hipertensão arterial e diabetes mellitus9,11. Jafari e colaboradores realizaram metanálise
de 121 estudos envolvendo 10.000 gestantes com Covid-19 e relataram diabetes em 18% delas12.
Com relação às taxas de pré-eclâmpsia (PE), Villar e colaboradores descreveram aumento de 76% do
risco de desenvolver PE e eclâmpsia entre as 706 gestantes com Covid-19 em comparação com 1.424 grávidas
não infectadas9. A PE grave foi responsável por quatro óbitos maternos entre as 11 gestantes infectadas pelo
SARS-CoV-2 que faleceram9. Wei e colaboradores descreveram aumento de 33% na taxa de PE nas gestantes
infectadas pelo vírus4.
Sobre a prematuridade, Wei e colaboradores descreveram aumento de 82% em comparação às grávidas
não infectadas e aumento de 329% se relacionado aos casos graves da doença causada pelo vírus SARS-
CoV-2 (OR= 4,29)4. Jering e colaboradores relataram acréscimo na taxa de prematuridade de 17% e Villar e
colaboradores relataram aumento de 59%9,13. Metanálise de Di Toro e colaboradores avaliou a taxa de parto
prematuro (<37 semanas) em 17 estudos, com prevalência de 23%14.
A natimortalidade, segundo a metanálise, aumentou 28% em comparação às gestantes não infectadas
pelo vírus6. Mor e colaboradores mostraram que a taxa de nascidos mortos triplicou e Wei e colaboradores
demonstraram o dobro dos casos de nascidos mortos nas gestantes com Covid-19 (OR=2,11)4,15.
A taxa de cesárea em gestantes com Covid-19 variou de 85%14 até o dobro (RR=2,15) 9, enquanto Jafari e
colaboradores referiram parto cesáreo em 48%12.
Em relação às complicações da gravidez, Jafari e colaboradores referiram hemorragia pós-parto em 54,5%
e parto prematuro em 21%. As complicações neonatais mais prevalentes são: admissão na unidade de terapia
intensiva neonatal (43%), sofrimento fetal (30%) e baixo peso ao nascer (25%). A taxa de transmissão vertical
foi de 5,3% e a taxa de teste SARS‐CoV‐2 positivo para neonatos nascidos de mães com Covid-19 foi de 8%12.
A pandemia mostrou a necessidade de melhoria na estrutura física dos serviços de atendimento, recursos
humanos e protocolos assistenciais para garantir a segurança materna e fetal. O esforço conjunto dos
profissionais de saúde envolvidos na elaboração e organização de fluxos de atendimento às gestantes durante
a pandemia de Covid-19 no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (HUPE/UERJ) resultou no relato de experiência que descreveremos neste capítulo.
Desta forma, o objetivo deste estudo é relatar a elaboração e implementação do fluxograma e o relato
de experiência do atendimento de 52 gestantes e puérperas internadas com Covid-19 no Núcleo Perinatal
HUPE/UERJ.

Métodos
Estudo descritivo do tipo relato de experiência, que apresenta o fluxograma de atendimento e o relato da

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

evolução de 46 gestantes e 6 puérperas com confirmação de Covid-19 na maternidade do HUPE, o Núcleo


Perinatal HUPE/UERJ.
O cenário desse relato é um hospital terciário, universitário, de grande porte, situado no município
do Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel, que possui maternidade referência para pré-natal de alto risco.
O Núcleo Perinatal HUPE/UERJ é composto por dois grandes serviços: Obstetrícia e Neonatologia. A
Obstetrícia conta com sete grandes setores: Emergência obstétrica, que contém dois consultórios e uma sala
de observação; Centro Obstétrico com quatro quartos modelo PPP (pré-parto, parto e pós-parto), duas salas
de parto adicionais, área cirúrgica com duas salas de cirurgia e Unidade de Cuidados Especiais (UCE) com
três leitos de monitorização e um leito de recuperação pós-anestésica; Enfermaria de Gestantes, composta
de cinco quartos com dois leitos cada e um quarto para isolamento respiratório; Alojamento Conjunto com
cinco quartos com dois leitos cada para internação de puérperas; Ambulatório Pré-Natal com sete salas para
atendimento multidisciplinar; Medicina Fetal com duas salas para exames ultrassonográficos e uma sala para
cardiotocografia ambulatorial e Banco de Leite Humano.
Na Emergência Obstétrica, Enfermaria de Gestantes e Alojamento Conjunto, cada turno de trabalho de
12 horas conta com dois médicos obstetras, quatro enfermeiros, seis técnicos de enfermagem, dois médicos
neonatologistas e um médico anestesiologista. Adicionalmente, a Enfermaria de Gestantes e o Alojamento
Conjunto possui um médico obstetra visitador cada. O Ambulatório Pré-Natal tem um médico obstetra em
cada turno de atendimento, assim como o setor de Medicina Fetal possui um a dois médicos obstetras para
atendimento. Compõe o Corpo Clínico também profissionais ligados à Residência Médica em Ginecologia e
Obstetrícia e em Pediatria e Neonatologia e Residência em Enfermagem, Psicologia e Serviço Social.
A organização do setor para atendimento de casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 se iniciou em
março de 2020, em conjunto com todo o HUPE, que se tornou referência para atendimento destes casos.
Os fluxos assistenciais foram desenvolvidos por membros do Corpo Docente da disciplina de Obstetrícia
da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ em conjunto com a direção do HUPE/UERJ, com o objetivo
de organizar os atendimentos obstétricos em conjunto com o fluxo institucional implementado no HUPE,
favorecendo a segurança das pacientes, reduzindo a exposição destas e seus bebês, assim como de toda a
equipe assistencial. Essa construção foi realizada através de reuniões, embasadas por protocolos assistenciais
de Sociedades médicas internacionais e de Ministério da Saúde do Brasil, normativas de órgãos responsáveis
e artigos científicos publicados sobre o tema.
Após essa etapa inicial de levantamento bibliográfico e elaboração do fluxo de atendimento, este foi
apresentado ao Corpo Clínico como forma de capacitação e validação. Readaptações e ajustes foram realizados
conforme necessidades observadas na prática e os fluxos foram constantemente atualizados conforme novos
dados e evidências fossem surgindo, visto tratar-se de uma doença nova e em constante renovação do
conhecimento. Igualmente foram realizadas no espaço físico as obras necessárias para implementação do novo
fluxo de atendimento, com a criação de uma sala de atendimento na Emergência Obstétrica, no ambulatório
de Pré-Natal e reforma do leito de isolamento da Enfermaria de Gestantes. Na área de pré-parto, parto e
pós-parto e no centro cirúrgico foi reorganizado o espaço físico de forma a criar uma área de isolamento que
permitisse o atendimento de gestantes com quadro suspeito ou confirmado de Covid-19 em trabalho de parto
ou outra indicação de parto.16-19

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

No contexto da pandemia a instituição adotou os seguintes critérios para definição de casos suspeitos de
Covid-19 em adultos: Síndrome Gripal (SG): febre (aferida ou referida) de início súbito, tosse, dor de garganta,
coriza/espirros, mialgia, cefaleia ou artralgia; Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG): Dispneia ou
desconforto respiratório ou saturação de O2 < 95%, taquipneia (FR ≥ 20 ipm), taquicardia (FC ≥ 100bpm),
hipotensão ou exacerbação de doença preexistente.
Neste relato encontram-se descritos quatro fluxogramas utilizados no Núcleo Perinatal HUPE/UERJ:
Fluxograma de triagem inicial da gestante para a Covid-19, de Atendimento pré-natal, de Atendimento na
Medicina Fetal e de Atendimento de Pré-parto e Parto (Figura 1 - 4).

Figura 1: Protocolo de triagem inicial da gestante para a Covid-19.

Durante o cadastro para atendimento na Emergência Obstétrica, o auxiliar administrativo questionava


a paciente sobre sintomas respiratórios ou febre nos últimos 14 dias. Em caso afirmativo, eram fornecidos

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

máscara e álcool gel e ela era encaminhada para atendimento na sala de isolamento do 1º andar. O médico e
o técnico de enfermagem eram acionados para atendimento no 1º andar sendo realizada avaliação clínica e
obstétrica, assim como todos os procedimentos necessários neste mesmo ambiente, evitando sua circulação
desnecessária pelo hospital.
Caso a paciente se apresentasse com Síndrome Gripal, sem intercorrências obstétricas, era liberada com
orientações sobre sinais de agravamento, isolamento domiciliar e prescrição de sintomáticos. Na presença de
intercorrência obstétrica com Síndrome Gripal, a paciente era internada no Núcleo Perinatal HUPE/UERJ no
leito de isolamento. Pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave eram encaminhadas para internação
nas enfermarias Covid-19 ou Centro de Tratamento Intensivo (CTI) Covid-19 do HUPE conforme a
gravidade do caso, após contato com o Plantão Geral e acompanhadas em conjunto pela Obstetrícia. Todos
os casos internados tiveram coleta de swab orofaríngeo e todos os casos suspeitos ou confirmados foram
notificados em formulário apropriado.
Pacientes em trabalho de parto ou com indicação para indução do parto com SG ou SRAG foram
mantidas em leito de isolamento durante a fase latente do trabalho de parto. Em fase ativa do trabalho de
parto eram encaminhadas para o Centro Obstétrico de isolamento, localizado em área própria para estes casos.
Os casos mais graves de gestantes com SRAG e indicação de antecipação do parto em benefício materno ou
fetal, foram encaminhados para cesariana (quando a indução não possível ou indicada) no Centro Cirúrgico
geral do HUPE, por dispor de maiores recursos que o Centro Obstétrico e maior proximidade com o CTI
do hospital.

Figura 2: Atendimento pré-natal.

Na recepção do Pré-Natal e da Medicina Fetal, as pacientes admitidas para consulta eletiva passavam pela
primeira barreira sanitária localizada na entrada do complexo hospitalar do HUPE. Adicionalmente eram
também questionadas sobre sintomas gripais ou febre nos últimos 14 dias na chegada aos setores. No Pré-
Natal, em casos classificados como SG, ela era encaminhada para atendimento em sala específica. Na Medicina
Fetal, casos de SG eram avaliados pelo médico responsável do turno com relação a urgência de exames: exames

99
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

urgentes eram realizados no mesmo dia em sala específica de isolamento, sendo os demais reagendados para
depois do término do isolamento. Casos de SRAG em ambos os cenários eram encaminhados para internação
no HUPE após contato com Plantão Geral e Plantão da Obstetrícia para seguimento conjunto. Em todos os
casos suspeitos, eram fornecidos máscara e álcool gel para higiene das mãos.

Figura 3: Atendimento na Medicina Fetal.

Adicionalmente, por ser hospital de referência para tratamento da Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro,
o HUPE recebeu gestantes transferidas através da Central de Regulação do Estado. Tais pacientes foram
internadas no HUPE e receberam acompanhamento conjunto pelo Serviço de Obstetrícia.
Independente da presença de sintomas gripais, todas as pacientes internadas no HUPE realizaram coleta
de swab orofaríngeo para pesquisa de SARS-CoV2, como orientado no Manual de Assistência à Gestante
do Ministério da Saúde17. Naquelas internadas de forma emergencial a coleta do material foi realizada pelo
plantão de Obstetrícia no momento da admissão hospitalar. Nas pacientes com internação eletiva programada,
a coleta foi realizada na Policlínica Piquet Carneiro em até 48 horas antes da internação.
Por fim, todo este fluxo de atendimento foi escrito e encaminhado para todo o Corpo Clínico em formato
digital com todas estas informações, acrescidos de orientações sobre paramentação e desparamentação, uso
de Equipamentos de Proteção Individual, manejo clínico e normativas institucionais, sendo constantemente
revisado conforme novas evidências e dados fossem surgindo.

100
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 4: Atendimento de Pré-parto e Parto.

Algumas mudanças foram ocorrendo ao longo do tempo e hoje a maior parte da assistência que realizamos
a pacientes com Covid-19 ocorre pelas transferências de pacientes através da central de regulação. Por conta
da diminuição da demanda interna, redimensionamos nosso espaço físico destinado ao atendimento dessas
pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19, e concentramos nossos esforços nos casos graves que
ainda recebemos de outros hospitais.
Atualmente, essas normas estão em consonância com as recomendações do Ministério da Saúde, na
2ª edição do Manual de Recomendações para a Assistência à Gestante e Puérpera Frente à Pandemia de
Covid-1917, que reitera e preconiza, de maneira geral, a proteção de pacientes, contactantes, recém-nascidos
e profissionais da saúde com todas essas medidas instauradas no Núcleo Perinatal do HUPE, com triagem
das gestantes, assistência individualizada e cuidados ambientais no Centro Obstétrico, de forma que o local
do atendimento para a gestante com suspeita ou confirmação de Covid-19 seja separado do atendimento de

101
rotina, o que garante a assistência otimizada sem prejudicar a qualidade do atendimento às pacientes.
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

No que diz respeito ao aleitamento materno e Covid-19, preconiza-se até o presente momento, a liberação
desta prática sob efetivação de medidas protetoras tanto para a mãe, quanto para o RN, com aconselhamento,
apoio psicossocial básico e ajuda na prática da amamentação, independente se a mãe ou o RN forem suspeitos
ou confirmados para Covid-19. Essas medidas incluem, segundo Juan e colaboradores e a Sociedade Brasileira
de Pediatria: orientar o uso de máscara cobrindo nariz e boca durante todo o tempo de amamentação (a
máscara deve ser trocada em caso de espirro ou tosse ou a cada nova mamada), higienização das mãos por
pelo menos 20 segundos antes de pegar no RN ou de manipular mamadeiras e bombas de leite, evitar falar
durante as mamadas, evitar que o bebê toque o rosto da mãe, especialmente boca, nariz, olhos e cabelos. Se
for usada extração de leite, todo o equipamento deve ser limpo com água e sabão antes e após o uso. Se a mãe
estiver infectada com SARS-Cov-2, após a mamada, os cuidados com o RN devem ser feitos por outra pessoa
que não tenha sintomas ou que não esteja confirmada com Covid-19, e em caso da troca de fraldas, antes ou
após a mamada, a mãe deve usar luvas cirúrgicas, quando possível. Puérperas não estáveis clinicamente devem
aguardar a melhora clínica para proceder à amamentação, sendo o leite ordenhado pela equipe assistencial17-19.

Dados epidemiológico do Núcleo Perinatal HUPE/UERJ


Após levantamento dos casos de Covid-19 e análise de prontuários foram confirmadas no Núcleo Perinatal
HUPE/UERJ, 56 gestantes e puérperas admitidas com suspeita de Covid-19 entre março de 2020 e setembro
de 2021. Destas, quatro não tiveram confirmação diagnóstica laboratorial nem de tomografia de tórax para
infecção por SARS-CoV-2 e foram excluídas. A população estudada foi constituída por 46 gestantes (88,5%)
e seis puérperas (11,5%) com confirmação diagnóstica de Covid-19. As gestantes com dados indisponíveis
para alguma das variáveis foram retiradas na análise destes dados específicos.
A média de idade foi de 29,3±6,4 anos (13-43 anos), com mediana de 30 anos. Eram primigestas 36,5%
(19) e o restante referia de 1 a 8 gestações anteriores. Das pacientes analisadas 80,8% eram sintomáticas.
Considerando todas as 52 mulheres, os sintomas mais prevalentes foram: febre (52%), dispneia (46,2%),
cefaleia (11,5%), coriza (9,6%), anosmia (5,8%), odinofagia (5,8%), mialgia (5,8%), fadiga (3,8%), diarreia
(3,8%), vômito (5,8%), precordialgia (1,9%) e ageusia (1,9%),
Apenas 20 gestantes e 1 puérpera faziam acompanhamento no pré-natal do HUPE, o restante chegou
por meio de transferências de outras unidades. A presença de comorbidades ocorreu em 82,7% dos casos.
Como o HUPE é um hospital terciário e o foco do seu pré-natal é a gestação de alto risco, as gestantes com
comorbidades podem ter sido direcionadas para o hospital. Das comorbidades consideradas pelo Ministério
da Saúde (MS) como fatores de risco para pior prognóstico da Covid-19 foram encontradas: doença vascular
hipertensiva crônica (28,8%), diabetes mellitus (23,1%), obesidade (23,1%), doença autoimune (11,5%),
doença renal (13,5%), doença pulmonar (9,6%) e cardiopatia (5,8%).
Gestantes com Covid-19 possuem maior chance de apresentar pré-eclâmpsia (MS). A pré-eclâmpsia
(PE) não é apenas uma complicação da Covid-19, mas também fator de risco para pior evolução da doença.
Ao compararmos PE com internação em CTI, apenas uma necessitou de ventilação mecânica e nenhuma foi
a óbito. No HUPE-UERJ foram diagnosticadas com pré-eclâmpsia durante a internação, 3 (5,8%) pacientes
e 1 (1,9%) segue em investigação.

102
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Segundo o Ministério da Saúde, o terceiro trimestre da gravidez e o puerpério são os períodos em que a
doença apresenta maior gravidade. No HUPE 5% das pacientes se encontravam no 1º trimestre, 37% no 2º
trimestre, 58% no 3º trimestre da gestação, confirmando esses dados.
Com relação à evolução clínica, 8% delas precisaram apenas de cateter nasal. Foram transferidas para a
CTI, 38,4% (20/52) das pacientes, sendo que 40% (8/20) delas necessitaram de ventilação mecânica e 10%
(2/20) foram submetidas à hemodiálise. Excluindo uma paciente ainda internada, 88,5% (46/52) tiveram alta
hospitalar e cinco pacientes (9,6% -5/52) vieram a óbito, todas assistidas em CTI, sendo quatro gestantes
e uma puérpera. Das pacientes que necessitaram de CTI, 90% (18/20) apresentavam comorbidades, por
vezes, associadas: 40% (8/20) doença vascular hipertensiva crônica ou PE, 20% (4/20) diabetes, 35% (7/20)
obesidade e 30% (6/20) com doença pulmonar, renal ou cardiopatia.
A via de parto foi o parto cesáreo em 80% (24/30) gestantes e o parto normal em 20% (6/30), corroborando
a literatura. Uma gestante abortou, uma apresentou prenhez ectópica e as demais tiveram alta como gestante.
A mediana do peso dos recém-nascidos foi de 2875 gramas, a taxa de prematuridade foi de 36%, a taxa de
natimortalidade foi de 3,3% (1/30 - ocorreu um natimorto prematuro) e 13,3% (4/30) recém-nascidos foram
para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal, todos com evolução favorável.
Todas as puérperas internaram com diagnóstico de Covid-19 na primeira semana após o parto e todas
apresentavam comorbidades: 100% (6/6) doença vascular hipertensiva crônica, 50% (3/6) obesidade e 33,3%
(2/6) diabetes. Os sintomas mais comuns na internação foram dispneia em 83,4% (5/6), febre em 50% (3/6)
e tosse em 50% (3/6). Internaram em CTI 50% (3/6) das puérperas.
Ocorreram dois óbitos maternos no segundo trimestre da gestação, dois no terceiro trimestre e um no
puerpério. Houve associação entre a internação em CTI e o óbito materno (p=0,003), relacionado à gravidade
da doença. A mortalidade materna foi de 9,6% e a mortalidade neonatal foi de 3,3%.

Considerações finais

Ao se analisar o contexto da pandemia do novo coronavírus, a elaboração de fluxos para atendimento se


tornou necessária para organizar a assistência e para a construção de uma base de conhecimento que pudesse
ser atualizada à medida que novos protocolos e novas publicações cientificas fossem surgindo ao longo dos
meses. Isso tornou o atendimento mais objetivo proporcionando além de qualificação, segurança e assertividade
nas tomadas de decisão e na preservação de condutas obstétricas de excelência já bem estabelecidas.
Com relação às dificuldades encontradas na implementação do fluxo de atendimento, a primeira barreira
que precisávamos transpor foi a barreira física, pois a Maternidade não estava adaptada naquele momento
para atendimento de pacientes com necessidades de precaução de contato em todos os espaços físicos
principalmente se considerarmos o pequeno número de salas e o tempo de ocupação e de desinfecção das
mesmas como unidade de isolamento. Dessa forma, foram realizadas obras de adaptação em um curto período
de tempo, inclusive com criação de salas e setores apropriados para esse tipo de atendimento. Outra grande
dificuldade, que já era considerada uma grande limitação na capacidade de atendimento do hospital, é a
redução do quadro de pessoal, visto que a equipe, que já se encontrava reduzida por aposentadorias, cessões,
exonerações e afastamentos, se manteve com o mesmo número de profissionais de antes da pandemia. Para a

103
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

aplicação dos fluxos de atendimento, faz-se necessário despender maior tempo dos profissionais na execução
de tarefas que seriam mais rápidas em situações cotidianas e que, na assistência de pacientes com suspeita
ou confirmação de Covid-19, acabam tornando-se mais prolongadas e exaustivas devido à necessidade dos
cuidados de precaução e isolamento. Além disso, muitos profissionais ficaram doentes e precisaram se afastar
o que naturalmente prejudicou o trabalho em equipe e a prestação da assistência assim como sobrecarregou
os demais profissionais. Muitas vezes, a assistência a essas pacientes demanda atenção exclusiva da equipe,
exigindo reorganização dos profissionais para as demais tarefas, o que também provoca sobrecarga de trabalho.
Com relação aos exames, no início tivemos dificuldades com a realização dos swabs e com demora do
resultado. Por sermos o único setor do hospital com emergência aberta, atendermos casos que não podem
aguardar tempo mais prolongado para definição, no início tivemos dificuldade com a espera dos resultados, o
que também foi corrigido com a implementação do teste rápido ao longo do ano de 2020.
A necessidade de atualização e absorção das informações não acompanhavam a velocidade das constantes
atualizações e revisões do conhecimento acerca da Covid-19. Quando toda equipe já estava começando a se
familiarizar com determinada rotina algo precisava ser alterado e a prática não acompanhava o que passava a
ser estabelecido no fluxo de atendimento. No início da pandemia, notou-se também a resistência de alguns
profissionais em prestar assistência a pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19. Tal dificuldade foi
se modificando ao longo do tempo tanto por ações de educação permanente como pela experiência adquirida
o que fez com que essa resistência praticamente desaparecesse e hoje não é mais obstáculo para o atendimento
de pacientes com Covid-19.
Outra dificuldade foi a adaptação dos profissionais envolvidos nos cuidados a gestantes, puérperas e
recém-nascidos. Além de treinamento e compartilhamento de informações realizadas em curto período, houve
necessidade de se estabelecer um rápido acerto do fluxo para que casos graves que necessitariam de avaliação
conjunta da obstetrícia com o CTI do hospital fossem atendidos de forma estruturada e houvesse discussão
conjunta na tomada de decisões rápidas e importantes para o melhor desfecho possível entre mães e bebês. Isso
com certeza foi um grande desafio, pois por estarmos diante de uma doença nova com pouco conhecimento
para ambas as partes nem sempre havia concordância de conduta a seguir. Mesmo assim, os planejamentos
terapêuticos foram acertados de forma rápida sempre pesando risco x benefício de dois pacientes; a gestante
e o concepto. O fato de não haver no Núcleo Perinatal uma unidade intensiva com anestesistas e intensivistas
alocados na maternidade com certeza foi grande obstáculo para o atendimento mais entrosado e organizado
a nossas gestantes.
Mais pesquisas em gestantes e puérperas são necessárias para melhorar a compreensão do comportamento
da doença no ciclo gravídico-puerperal, visando impactos na assistência e nos desfechos clínicos e obstétricos
adversos. Até aqui tivemos grande experiência não somente em termos de números como também na
bagagem emocional e humanística que vivenciamos. O atendimento a gestantes com Covid-19 feito por
alunos, docentes e todo corpo clínico e administrativo do hospital mudou paradigmas que levaremos como
aprendizado para novas experiências que possamos ter pela frente.
O desenvolvimento do fluxo de atendimento foi de fundamental importância para a organização do
serviço. Além de estabelecer atendimento seguro para as pacientes e para a equipe, garantiu assistência
humanizada com preservação dos direitos das mulheres no atendimento obstétrico proporcionando boas

104
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

práticas durante o parto e a amamentação sem grandes interferências diante das incertezas que o momento
poderia proporcionar.

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106
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Impacto da pandemia de Covid-19 no Serviço


de Neurocirurgia do Hospital Universitário Pedro
Ernesto

Pedro Henrique da Costa Ferreira Pinto a,b; Flavio Nigri c,d,e,f; Elington Lannes Simões b,f,g,h; Maud Parise i, j, k; Alexandre

Martins Cunha h,l ; Felipe Gonçalves de Carvalho b,g ; Bruna da Silva Argolo m,n

a
Aluno egresso Doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas FCM UERJ; bNeurocirurgião do projeto

NIPNAC - SES/UERJ; c Professor adjunto/coordenador da Disciplina de Neurocirurgia FCM/UERJ; dChefe da UDA de

Neurocirurgia HUPE/UERJ; eCoordenador do projeto NIPNAC SES/UERJ; fCoordenador do projeto NIPNDIM – SES/

UERJ) gProfessor adjunto da Disciplina de Neurocirurgia FCM/UERJ; hNeurocirurgião da UDA de Neurocirurgia HUPE/UERJ;

Professora associada da Disciplina de Neurocirurgia FCM/UERJ; jChefe do Departamento de Especialidades Cirúrgicas FCM/
i

UERJ; kCoordenadora do projeto de Atendimento Multidisciplinar de Pacientes com Dor Crônica SES/UERJ; lNeurocirurgião do

projeto NIPNDIM – SES/UERJ; mEnfermeira chefe da UDA de Neurocirurgia HUPE/UERJ; nCoordenação de Enfermagem dos

Projetos NIPNAC e Atendimento Multidisciplinar de Pacientes com Dor Crônica SES/UERJ)

Descritores em português: neurocirurgia; Covid-19; pandemia; impacto

Descritores em inglês: neurosurgery; Covid-19; pandemic; impact

Introdução

A infecção pelo novo coronavírus 19 (SARS-CoV-2) tem como principais sintomas febre, tosse e perda
do olfato/paladar1. A maioria das pessoas (cerca de 95%) se recupera da doença sem precisar de tratamento
hospitalar1. Entretanto, em alguns casos, o vírus pode causar um quadro de síndrome respiratória aguda grave
(SRAG ou do inglês severe acute respiratory syndrome – SARS). O primeiro caso oficial de infecção por
SARS-CoV-2 foi reportado primeiramente em Wuhan na China em 31 de dezembro de 20192. O primeiro
caso confirmado de Covid-19 no Brasil foi em São Paulo em 26 de fevereiro de 20203. A Organização Mundial
da Saúde declarou oficialmente o estado de pandemia em 11 de março de 20201. A vacinação na cidade do Rio
de Janeiro foi iniciada em janeiro de 20214. De acordo com o ministério da saúde, desde o início da pandemia
até o dia 17 de outubro de 2021 foram registrados 21.567.181 casos e 600.829 óbitos acumulados no Brasil5.
Diante da pandemia de Covid-19, os processos operacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) foram muito afetados e medidas urgentes de
enfrentamento foram tomadas. O objetivo deste relato é demonstrar os impactos da pandemia e a necessidade
de adaptação das atividades no Serviço de Neurocirurgia do HUPE/UERJ.

107
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Relato
Através dos nossos registros de prontuários, exames complementares, relatos cirúrgicos, dados estatísticos,
mapas de cirurgias, atas de sessões científicas/aulas, e depoimentos de profissionais da área de saúde, pudemos
coletar os dados do serviço de neurocirurgia durante o período da pandemia de Covid-19 compreendido
entre março de 2020 a setembro de 2021. O Serviço de Neurocirurgia do HUPE, localizado no 4º andar, é
composto pela Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ e da Unidade
Docente Assistencial (UDA) de Neurocirurgia do HUPE. Os dados coletados foram divididos de acordo com
cada atividade desenvolvida no serviço: ensino; pesquisa; extensão/assistência e gestão.

Ensino
Em relação à atividade de ensino, a disciplina de Neurocirurgia da graduação de Medicina da FCM/UERJ
interrompeu suas atividades de ensino de março a junho de 2020. O retorno das aulas só foi possível após a
disponibilidade da plataforma de ensino à distância (EAD) da UERJ e o ambiente virtual de aprendizagem
(AVA) elaborado pelo laboratório de Telessaúde. A Disciplina permaneceu com aulas e discussões no formato
online até julho de 2021. Por esse motivo, a metodologia de ensino foi reestruturada. Antes da pandemia, o
curso era organizado em aulas expositivas de 2 horas de duração sobre os 10 principais temas neurocirúrgicos,
e prova única no final do curso para avaliação do desempenho do aluno. Durante a pandemia, a divisão em 10
principais temas neurocirúrgicos foi mantida. Na véspera de cada tema os alunos recebiam uma aula gravada
de duração entre 20 e 30 minutos, um a dois artigos sobre o tema, e um estudo dirigido com casos clínicos. No
dia seguinte, eram feitas discussões com duração de 90 minutos, pela plataforma de acesso remoto Microsoft
Teams, em que o aluno deveria estar preparado para responder às questões do estudo dirigido e casos clínicos
e também um momento para tirar as dúvidas e serem apresentados vídeos e curiosidades sobre o tema. Após a
discussão o aluno realizava um teste objetivo de múltipla escolha online pelo AVA. A nota final era pontuada
em 80% pelas médias da prova e 20% em participação. À partir de julho de 2021, como houve o retorno das
atividades presenciais, foi mantido o mesmo formato com três diferenças: 1) As discussões, ao invés de online,
passaram a ser presenciais; 2) A prova voltou a ser única e presencial; 3) Com o aumento da carga horária
concedida a Disciplina de Neurocirurgia, e maior divisão das turmas de alunos, foi iniciada a atividade prática.
As turmas foram divididas em 4 grupos. Para cada grupo foi indicado um paciente da enfermaria. O grupo
teve que fazer a avaliação semiológica completa, análise dos exames, diagnóstico sindrômico, topográfico e
diferencial, acompanhar o procedimento cirúrgico, caso ocorresse na semana de avaliação do paciente. Os
alunos tinham o período de 2 horas pela manhã por uma semana para realizar a atividade e preparar uma
apresentação sobre o caso escolhido. Foi selecionado um preceptor residente de neurocirurgia para auxiliar
cada grupo de alunos a obter as informações e o grupo foi avaliado em sua apresentação por um professor
especialista no caso selecionado. A nota final foi pontuada em 80% pela prova única e 20% pela apresentação
do caso. Foi necessário realizar uma maior divisão das turmas para um adequado distanciamento dos alunos
e também foi adotado o uso de máscaras de proteção facial por todos os presentes. Atualmente as aulas
regulares ficam à disposição do aluno na plataforma do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) FCM/

108
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

UERJ para que ele possa assistir em um horário mais conveniente e flexível. Esse formato híbrido melhorou
o aproveitamento da disciplina, pois o aluno comparece à sala de aula após a visualização prévia das aulas
teóricas disponibilizadas na plataforma e pode aproveitar a atividade presencial com a presença do docente
com ampla experiência na neurocirurgia para discutir os casos, retirar as dúvidas, mostrar curiosidades e se
aprofundar mais na especialidade. Esses fatores somados despertaram um maior interesse e engajamento dos
alunos na disciplina de neurocirurgia.
As atividades de ensino presencial da residência médica (modalidade de pós-graduação lato sensu) como
sessões e reuniões para discussão de casos também foram suspensas no período de março a maio de 2020.
O retorno no formato 100% presencial em junho de 2020 foi necessário devido ao caráter essencialmente
prático da residência médica. No primeiro semestre de 2020 os congressos e simpósios regionais, nacionais
e internacionais presenciais de neurocirurgia foram prorrogados e adaptados para a modalidade a distância.
Um dado interessante, é que após os docentes adquirirem experiência com a plataforma EAD-AVA da
UERJ, foi introduzida no primeiro semestre de 2021, a disciplina online de neuroanatomia para os alunos da
pós graduação stricto sensu do programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas (PGCM) da UERJ. Até o
momento, o ensino para esses alunos permanece 100% a distância.

Pesquisa
A atividade de pesquisa também sofreu alterações. O Programa de Iniciação Científica (PINC) do grupo
de pesquisa da neurocirurgia FCM UERJ só pôde ser iniciado em novembro de 2020 com apenas um aluno.
No segundo semestre de 2021, foi possível disponibilizar mais 4 vagas de estágio para o programa. Todas as
atividades do PINC sempre aconteceram através de encontros presenciais com complementação de atividades
individuais dos alunos para confecção de artigos em ambiente remoto.
Os projetos de desenvolvimento, confecção, submissão e publicação de artigos científicos com os alunos
da residência médica tiveram que ser suspensos de março a novembro de 2020, pois alguns docentes tiveram
que ser afastados e outros estavam na assistência da Covid-19 em enfermarias e centros de terapia do HUPE.
O retorno das atividades de pesquisa para a residência médica foi restabelecido na modalidade presencial
seguindo os protocolos sanitários em dezembro de 2020.

Extensão e Assistência
As atividades de extensão e assistência foram muito afetadas. O fluxo de entrada de pacientes na
neurocirurgia foi reduzido significativamente. As transferências de pacientes de outras unidades hospitalares
do estado do Rio de Janeiro, atividades ambulatoriais e internações eletivas foram suspensas de março a
agosto de 2020. O ambulatório do Núcleo Interno de Pacientes Neurocirúrgicos de Alta Complexidade
(Projeto NIPNAC SES/UERJ) atendeu 1831 pacientes em 2019 (pré-pandemia); 831 pacientes em 2020
e 1286 pacientes até agosto de 2021. Apesar da queda nos atendimentos ambulatoriais, a neurocirurgia
não interrompeu completamente os seus procedimentos cirúrgicos, pois pacientes com doenças neoplásicas
malignas em progressão, doenças degenerativas com deterioração neurológica, dor refratária e casos de urgência

109
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

e emergência continuaram sendo absorvidos. Entretanto, houve uma redução significativa. Foram realizadas
408 cirurgias em 2019 (pré-pandemia); 341 cirurgias em 2020 (queda de 16,4% em relação ao ano anterior)
e 299 cirurgias até setembro de 2021. Em 2019 a média de cirurgias por mês foi de 34 procedimentos. No
auge da pandemia foram operados apenas 24 pacientes em março de 2020; 14 pacientes em abril de 2020; 18
pacientes em maio de 2020 e 20 pacientes em junho de 2020.
Todas as subespecialidades neurocirúrgicas foram afetadas: funcional, vascular, oncológica, pediátrica,
coluna e nervos periféricos. Houve uma preocupação especial com as cirurgias endoscópicas endonasais, pois
essa modalidade de acesso cirúrgico causa uma grande dispersão de aerossóis na cavidade nasal podendo
aumentar a contaminação de toda a equipe. A dispersão de partículas se dá através da utilização de pinça
mono e bipolar e com a utilização de brocas de perfuração óssea. Esse tipo de cirurgia foi suspenso até agosto
de 2020 seguindo as recomendações de diversas sociedades de neurocirurgia do mundo6. Após o período
de suspensão a equipe cirúrgica voltou a realizar os procedimentos seguindo os protocolos do HUPE que
envolve a utilização dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e testagem pré-operatória de todos os
pacientes através de coleta de secreção das vias aéreas superiores com swab nasal e oral para realizar reação
da transcriptase reversa seguida pela reação da cadeia da polimerase (RT-PCR) do SARS-CoV-2. Foram
realizados 17 procedimentos por via endoscópica transesfenoidal entre agosto de 2020 e setembro 2021.
Dentre os pacientes operados, houve um óbito no período pós-operatório decorrente de SRAG por Covid-19.
O caso ocorreu em abril de 2021 e o paciente se contaminou durante a internação no HUPE. O ambulatório
de pós-operatório neurocirúrgico foi mantido para a adequada assistência dos pacientes.
A atividade de assistência também se deu através da avaliação por parecer de pacientes externos. Ao
longo da pandemia foi evidenciada a estreita relação da infecção viral com doenças cerebrovasculares arteriais
e venosas pró-trombóticas. Diversos casos de acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico e hemorrágico
foram avaliados pela equipe de neurocirurgia em conjunto com a neurologia. Também aconteceram raros
casos de encefalite por Covid-19. Apesar da fisiopatologia da encefalite por Covid-19 não ser totalmente
compreendida, o processo inflamatório na parede vascular e a ação direta do vírus no sistema nervoso central
parecem estar entre as causas da lesão encefálica7.
O retorno pleno das atividades assistenciais em agosto de 2020 se deu com as ações conjuntas do HUPE
e da UERJ. As medidas implementadas incluíram a testagem com RT-PCR do SARS-CoV-2 de todos
os pacientes internados, o distanciamento social, e a utilização de máscaras de proteção facial por todos os
pacientes e profissionais de saúde. A testagem em massa utilizando a tecnologia RT-PCR SARS-CoV-2 só foi
possível através da parceria do HUPE com o Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação (HLA-
UERJ) localizado na Policlínica Piquet Carneiro. Os resultados foram incluídos no sistema informatizado de
análises laboratoriais do HUPE. A partir de setembro de 2021, além do RT-PCR SARS-CoV-2, também
passou a ser exigida a vacinação completa para a internação hospitalar eletiva no HUPE UERJ.

Gestão
A atividade de gestão de recursos humanos desempenhada pela chefia do serviço foi modificada durante o
período de pandemia. Praticamente todos os profissionais (staffs, residentes, anestesistas, clínicos, enfermeiros,

110
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

técnicos de enfermagem e outros profissionais da área da saúde) tiveram que ser afastados em algum momento
da pandemia por um período mínimo de 14 dias devido a manifestação de sintomas e a confirmação do
contágio com o vírus. Além disso, alguns profissionais também foram afastados, pois faziam parte do grupo de
risco: presença de comorbidades e idade maior de 60 anos. O serviço de neurocirurgia seguiu a recomendação
do diretor do HUPE e continuou a exercer suas funções presencialmente e sem sistemas de rodízio. Nesse
período, as férias e licenças foram suspensas.
Os projetos do NIPNAC, do Núcleo Integrado de Pacientes Neurocirúrgicos com Distúrbio do
Movimento (NIPNDIM) e o Projeto de Atendimento Multidisciplinar de Pacientes com Dor Crônica
tiveram que ser suspensos de março a agosto de 2020 com os recursos financeiros redirecionados para os
setores diretamente relacionados à assistência à Covid-19. Uma parte da equipe de enfermagem, médica e
administrativa foi remanejada para os setores de assistência direta à Covid-19 (enfermarias e centros de terapia
intensiva) resultando um total de 34 profissionais (1 secretário, 16 técnicos de enfermagem, 3 enfermeiros
e 1 neurocirurgião) sob a supervisão do serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) da UERJ. A
enfermaria da neurocirurgia com 17 leitos permaneceu aberta e recebeu 80 pacientes dos serviços de cirurgia
torácica (28 pacientes) e otorrinolaringologia/cirurgia de cabeça e pescoço (52 pacientes) entre março e julho
de 2020. A transferência foi feita devido à transformação das enfermarias dessas outras especialidades em
enfermarias para assistência de pacientes com Covid-19.
A equipe de Residência Médica da Neurocirurgia participou de rodízios de plantão para a triagem de
pacientes com sintomas virais na emergência clínica do HUPE. Os residentes deram o suporte para atendimento
e internações de pacientes sob a supervisão da chefia do plantão geral do HUPE. É importante notar que
as atividades assistenciais e de extensão da residência médica em neurocirurgia não foram interrompidas. As
visitas na enfermaria e atividades cirúrgicas foram mantidas devido a necessidade de suporte aos pacientes
neurocirúrgicos. Em janeiro de 2021 foi iniciada a vacinação dos profissionais de saúde do HUPE provida
pela UERJ. Não foi relatado nenhum efeito colateral grave decorrente da vacina e não foi constatado nenhum
óbito ou internação por profissionais de saúde diretamente ligados ao serviço neurocirurgia decorrentes da
infecção pelo SARS-CoV-2.
A gestão hospitalar das enfermarias também sofreu adaptações. Como a enfermaria é subdividida
em quartos com 2 a 3 leitos agrupados, todos os pacientes recém internados foram separados dos demais
pacientes e conduzidos aos quartos que serviram como isolamento até que o resultado negativo de RT-PCR
SARS-CoV-2 fosse liberado. Os pacientes que apresentaram sintomas respiratórios e/ou resultados de RT-
PCR SARS-CoV-2 positivos foram devidamente orientados, liberados da enfermaria de neurocirurgia e
encaminhados para o acompanhamento clínico para a resolução do quadro viral. Os profissionais de saúde
que estavam em contato direto com os pacientes, foram treinados para o correto uso de EPIs e manejo dos
pacientes. Os casos suspeitos ou confirmados foram transferidos para as enfermarias ou centros de terapia
intensiva geridos pela chefia da UDA de DIP do HUPE. Esses pacientes foram acompanhados em conjunto
com a UDA de neurocirurgia até a resolução do quadro viral.
A gestão de licitações para compra de órteses, próteses e materiais especiais (OPME), insumos hospitalares
e medicações (em especial agentes anestésicos e antibióticos), também sofreu um grande impacto devido à
menor disponibilidade de recursos e dificuldade operacional com a comunicação de setores de compra. Houve

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

um contingenciamento de gastos para focar na assistência direta de pacientes com Covid-19 internados no
HUPE. Para auxiliar no diagnóstico de complicações neurológicas e intracranianas do paciente crítico, o
aparelho móvel de tomografia computadorizada de crânio do serviço de neurocirurgia foi disponibilizado
e utilizado por todas as equipes de assistência de Covid-19 do HUPE. Para a continuidade da assistência
foram utilizados EPIs como capotes, máscaras faciais do tipo N95, escudo de proteção facial, álcool 70% e
luvas de procedimentos e estéreis para toda a equipe. Em relação a estrutura, a transferência de pacientes da
neurocirurgia para o centro de terapia intensiva assim como a utilização de hemoconcentrados, plaquetas e
plasma foi feita de forma criteriosa devido a escassez de vagas e hemoderivados.
De uma maneira geral, ao longo da pandemia, houve um período inicial crítico de março a agosto de 2020
em que praticamente todas as atividades foram interrompidas ou reduzidas drasticamente. Após a retomada
das atividades com as adaptações necessárias, houve ainda um segundo período mais tardio entre maio e junho
de 2021 com o contingenciamento de insumos anestésicos e subsequente suspensão de mapas cirúrgicos
eletivos a pedido da Secretaria de Estado de Saúde do estado do Rio de Janeiro (SES-RJ). Atualmente
todas as atividades estão sendo realizadas sem qualquer tipo de prejuízo quantitativo ou qualitativo, porém é
importante lembrar que a pandemia ainda não está oficialmente encerrada e o serviço de neurocirurgia segue
atento para tomar as medidas necessárias em um eventual recrudescimento de casos.

Considerações Finais

A pandemia impactou significativamente no ensino, pesquisa, extensão/assistência e gestão do Serviço


de Neurocirurgia da FCM-HUPE/UERJ. Os diversos desafios impostos durante esse período promoveram
uma transformação na execução habitual dos processos de todas as atividades desenvolvidas. As adaptações
necessárias para suplantar os efeitos da pandemia resultaram em melhorias na assistência, treinamento e
ensino. Muitas vezes pensamos na adversidade como uma forma de piora, porém, as adversidades provocadas
pela Covid-19 provocaram uma profunda mudança positiva no Serviço de Neurocirurgia do HUPE/UERJ.

Bibliografia

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3. Coronavírus: Brasil confirma primeiro caso da doença [Internet]. [citado 17 de outubro de 2021]. Disponível em: https://

www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasil-confirma-primeiro-caso-da-doenca

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[citado 17 de outubro de 2021]. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/18/paes-apresenta-

campanha-de-vacinacao-da-Covid-19-no-rio.ghtml

112
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

5. Coronavírus Brasil [Internet]. [citado 17 de outubro de 2021]. Disponível em: https://Covid-19.saude.gov.br/

6. Jenkins A, Surgeons on behalf of the S of BN. Letter: Transmission of Covid-19 During Neurosurgical Procedures—Some

Thoughts From the United Kingdom. Neurosurgery. 1o de julho de 2020;87(1):E68–E68.

7. Abenza Abildúa MJ, Atienza S, Carvalho Monteiro G, Erro Aguirre ME, Imaz Aguayo L, Freire Álvarez E, et al.

Encephalopathy and encephalitis during acute SARS-CoV-2 infection. Spanish Society of Neurology’s Covid-19 Registry.

Neurologia. 1o de março de 2021;36(2):127–34.

113
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Impacto da pandemia pela Covid-19 no ensino e


na assistência plural da Dermatologia

David de Almeida Souza1; Úrsula Vizzoni de Albuquerque2; Alexandre Gripp3; Arles Brotas4; Carlos Baracaui5; Maria

de Fátima Scotelaro Alves5; Luna Azualy-Abulafia6; Sueli Carneiro6; Daniela Alves Pereira Antelo4

1
Pós-graduando (Médico residente) – Dermatologia – HUPE; 2Aluna da Graduação - 5º ano – Medicina - FCM – UERJ;
3
Professor Assistente – Dermatologia -DEM/FCM – HUPE; 4Professor Adjunto – Dermatologia – DEM/FCM – HUPE;
5
Professor Associado – Dermatologia – DEM/FCM – HUPE; 6Professor Titular – Dermatologia - DEM/FCM – HUPE

Descritores em português: Dermatologia; Infecção pelo Coronavírus 2019-nCoV; Manifestações cutâneas.

Descritores em inglês: Dermatology; Covid-19; Skin manifestations.

Introdução

Coronavírus (CoVs) é o maior grupo de vírus pertencentes à ordem Nidovirales, que inclui as famílias
Coronaviridae, Arteriviridae, Mesoniviridae e Roniviridae. Coronavirinae compreende uma das duas subfamílias
da família Coronaviridae, sendo a outra a Torovirinae. Os Coronavirinae são subdivididos em quatro gêneros,
os coronavírus alfa, beta, gama e delta. Os vírus foram inicialmente classificados nesses gêneros com base na
sorologia, mas agora são divididos por agrupamento filogenético. SARS-CoV, MERS-CoV e SARS-CoV-2
são β coronavírus, sendo o primeiro pertencente à linhagem B e os dois últimos à linhagem C 1,2.
Em 2019, surgiu na China uma série de casos de pneumonias de causa indeterminada com envolvimento
clínico semelhante às pneumonias virais. A doença ficou conhecida como “Síndrome Respiratória Aguda
Grave Coronavírus 2” (SARS-CoV-2) e logo após, mundialmente como Covid-19 quando ganhou proporções
globais, configurando uma pandemia, dada sua alta capacidade de transmissão entre humanos 2,3,4.
Pacientes infectados com SARS-CoV-2 podem ser oligossintomáticos ou mesmo assintomáticos, mas
grande parte dos afetados desenvolve sintomas como febre, tosse, anosmia, disgeusia, mialgia e cefaleia,
além de doença pulmonar, que pode causar insuficiência respiratória e Síndrome Respiratória Aguda Grave
(SRAG), que gera necessidade de internação e cuidados intensivos. Além de acometer os sistemas digestivo,
cardiovascular e nervoso, esse vírus também gera alterações inespecíficas na pele e, pelo que sabemos, não
estão totalmente relacionadas ao prognóstico 3,5,6,7.
O Brasil tem hoje mais de 21 milhões de casos confirmados e mais de 600 mil mortes, ocupando a terceira
colocação no mundo em número de casos confirmados, atrás apenas dos Estados Unidos e Índia; e segunda
colocação no cenário mundial, quando analisados os números de mortes, ficando apenas atrás dos Estados Unidos8.
Nesse capítulo serão abordados os desafios e a vivência do grupo da dermatologia do Hospital Universitário
Pedro Ernesto (HUPE) durante a pandemia, enfatizando os aspectos clínicos, que envolvem as doenças de
pele causadas diretamente pelo SARS-Cov-2, doenças que tiveram pior evolução devido à falta de acesso aos
serviços de saúde, assim como doenças causadas pelas mudanças de hábitos de vida que foram necessários para

114
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

o enfrentamento da infecção. Serão apresentadas as consequências na formação acadêmica da graduação e da


pós graduação e as estratégias utilizadas para minimizá-las.

Relato do Ensino e da Assistência em Dermatologia


Durante a pandemia diversas alterações aconteceram na vida de todos os indivíduos, e não foi diferente
para os profissionais de saúde, cujas modificações e desafios surgiram de forma drástica e acelerada.
À medida que a doença avançava, novos protocolos surgiam com intuito de adequar o comportamento
humano e diminuir, na medida do possível, o impacto global da infecção na saúde e consequentemente
na ameaça à vida. Na assistência à saúde também foram necessários novos protocolos e diretrizes para
prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Estes protocolos poderiam mudar de acordo com os novos
conhecimentos e descobertas do comportamento do vírus e da resposta do hospedeiro.
Nesse aspecto, a dermatologia como especialidade médica de assistência direta, precisou se reinventar
para atender às demandas. No HUPE, a dermatologia atende mais de mil pacientes por mês em diversos
ambulatórios não somente de dermatologia geral, mas também de subespecialidades, além de ser um dos
poucos no país que tem uma enfermaria destinada ao atendimento de doenças graves de pele. O grande
desafio de reestruturar todo o fluxo e a forma de atendimento mobilizou a equipe.
Para além da assistência direta, os residentes foram remanejados e participaram do plantão geral e da
triagem de pacientes infectados com o SARS-COV-2 para atender as demandas do hospital, que é, ainda
hoje, referência no tratamento da Covid-19.
Todos os pacientes acompanhados nos ambulatórios ou com doenças que necessitassem de internação,
uma ou mais vezes durante a evolução, continuaram a demandar atenção médica, independente da pandemia,
assim como aqueles que sofreram grande impacto negativo, emocional e psicológico e os que, após a infecção,
tiveram piora clínica que variou de leve a muito intensa.
Dados mundiais mostram que um grande número de indivíduos com câncer de pele postergaram o diagnóstico
e tratamento devido à dificuldade de acesso aos serviços de saúde ou por suspensão de procedimentos eletivos.9
Houve ainda aumento de demanda por dermatoses relacionadas aos novos hábitos, como uso intenso e
repetitivo de álcool em gel, lavagem excessiva das mãos e uso ininterrupto da máscara, levando a alteração da
barreira cutânea e provocando acne, dermatite de contato, eczema das mãos, hipersensibilidade cutânea, xerose
e prurido. O termo ‘Maskacne’ foi adotado em analogia à dermatite perioral, modificação do microbioma
cutânea ou agravamento de acne pré-existente.
O vírus ainda demonstrou capacidade de causar lesões de pele, muitas delas jamais vistas anteriormente,
sendo esse um dos maiores desafios para os dermatologistas. Tornou-se uma das “doenças imitadoras” de outros
quadros clínicos conhecidos, o que exigiu mais estudos e semiotécnica mais apurada para diagnosticar, catalogar
e tratar os sinais e sintomas que poderiam surgir de forma prodrômica, sincrônica ou posterior aos sintomas
sistêmicos. Em muitos casos, as lesões dermatológicas eram as únicas manifestações da infecção viral.
Para detalhar melhor a experiência adquirida, a metodologia foi dividida em tópicos, especificando as
dificuldades de cada área da assistência e do ensino dermatológicos do HUPE e as estratégias desenvolvidas
pela equipe para contornar os problemas e superar as adversidades a curto e longo prazo.

115
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Assistência à pacientes internados com dermatoses graves e/ou ameaçadoras


à vida
O serviço de dermatologia do HUPE é um dos poucos serviços do país que dispõe de uma enfermaria
própria para cuidados de pacientes com dermatoses graves. Isso implica em internações por doenças
infecciosas, tumorais, autoimunes e inflamatórias graves como pênfigos, lúpus eritematoso, vasculites, psoríase,
dentre outras. Por este motivo, parte do nosso setor não pôde suspender seu funcionamento. Os residentes
se dividiram em forma de rodízio para que todos os dias houvesse médicos no atendimento aos pacientes
internados. Os professores se fizeram presentes de maneira virtual e presencial, respeitando as limitações de
cada um. Professores com fatores de risco, como idade avançada e/ou comorbidades estiveram disponíveis
100% das vezes através de videochamadas interativas com os pacientes, dando todas as orientações necessárias.
Os professores e médicos dermatologistas colaboradores que não pertenciam ao grupo de risco ajudaram
presencialmente sempre que necessário.
Especificamente durante esse período, uma paciente extremamente grave internada marcou profundamente
a equipe. Ela possuía além de inúmeras comorbidades, uma doença inflamatória cutânea pouco frequente que
se caracteriza por úlceras extensas, muito dolorosas causadas pela agressão de células neutrofílicas, conhecida
como pioderma gangrenoso, na sua variante ainda mais rara, em que mais de 50% do corpo é acometido. Essa
paciente demandou um grande esforço de todos da dermatologia, principalmente na troca dos curativos, que
causavam dor extrema, necessitando algumas vezes de anestesia geral no centro cirúrgico.
Como se não bastassem todos esses problemas, a paciente que era HIV+, contraiu Covid-19 durante a
internação, tornando o cuidado ainda mais complexo. Os residentes e especializandos se dedicaram intensa
e bravamente, enfrentando todas as adversidades e conseguiram um resultado satisfatório com controle total
das lesões.
Muitos outros pacientes se beneficiaram da assistência especializada e ininterrupta da dermatologia
durante o período de pandemia.

Assistência à pacientes ambulatoriais


O Serviço de Dermatologia possui ambulatórios especializados em doenças graves, que demandam
consultas regulares e periódicas. Para que estes pacientes continuassem a ser atendidos, os residentes e
especializandos fizeram um mutirão para contatá-los, avaliando as necessidades de cada um, como controle da
doença, realização de exames laboratoriais, comorbidades, idade, dificuldades de locomoção e distância entre a
residência e o hospital. Sempre que possível ou necessário, o atendimento era feito de forma virtual. Quando
houve necessidade de encontro presencial (para obtenção de receitas ou formulários especiais), os pacientes do
grupo de risco eram orientados a enviar algum familiar que não pertencesse a qualquer dos grupos de risco.
Os pacientes que não precisavam de atendimento urgente por possuírem quadros leves ou moderados
foram reagendados para momentos mais oportunos. Todos os pacientes contactados para remarcação recebiam
orientação de entrar em contato por telefone com a equipe de plantão para casos de dúvidas ou emergências.
Quando houve necessidade inegável de atendimento presencial, os pacientes foram convidados a comparecer

116
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

ao hospital observando-se todos os cuidados de biossegurança.

Assistência à pacientes com doenças imunomediadas, em uso de


imunossupressores e imunobiológicos
Pacientes portadores de dermatite atópica, psoríase e pênfigos, continuaram seu tratamento durante a
pandemia. No início houve dúvida quanto à manutenção do uso das medicações, entretanto logo foi percebido
que a interrupção da terapêutica implicaria em agravamento daquelas doenças, aumentando o risco para os
pacientes, independente da infecção pelo SARS-Cov-2. Estudos conduzidos no norte da Itália indicaram que
pacientes com doença autoimune tinham o mesmo risco que a população geral para adquirir a infecção por
SARS-Cov-2. Outras pesquisas encontraram resultados discordantes. Evitou-se, sempre que possível, iniciar
o tratamento imunossupressor, durante a pandemia. Entretanto manteve-se o tratamento daqueles pacientes
com doenças autoimunes ou imunomediadas que estavam com controle adequado 10,11,12,13.
Os inibidores de interleucinas parecem protetores, ao contrário dos corticosteróides e depletores de
células B. Provavelmente mais do que as próprias doenças imunomediadas, o risco fica naqueles pacientes com
comorbidades que as acompanham como diabetes, hipertensão e obesidade. A orientação para a vacinação
contra a Covid-19, nesses pacientes, foi mantida, apesar dos indícios de que a resposta imune talvez esteja
diminuída, especialmente naqueles em uso de metotrexato e terapêutica depletora de células B. No entanto, a
imunidade celular pode dar alguma proteção em contrapartida à resposta humoral pobre.

Assistência à pacientes da cosmiatria


O impacto da pandemia certamente transcende os limites dos estabelecimentos de saúde. Ainda que pareça
menor perto do grande desafio de manter a vida de pacientes críticos por Covid-19, em fóruns internacionais
de discussão sobre Dermatologia Cosmiátrica (área de atuação do Dermatologista que trata dos aspectos
estéticos da pele), há uma percepção mundial e praticamente unânime de que todos envelheceram, durante
a pandemia, em ritmo mais acelerado do que o esperado. Excesso de preocupação, noites maldormidas,
alimentação desregrada, uso abusivo de bebidas alcóolicas, muito tempo de exposição às telas de computadores
e tablets (com considerável aumento a exposição à faixa de luz azul, espectro de alta energia da luz visível) levou
à acentuação dos aspectos do envelhecimento. Além do que os cuidados com a saúde habitual e exercícios
físicos muitas vezes não se fizeram presentes no Home-Office. Nunca antes na humanidade, os seres humanos
viram por tanto tempo seu semblante espelhado em reuniões virtuais, palestras nas plataformas de ensino e
trabalho, quisessem eles ou não. Espera-se no pós-pandemia, um movimento de retomada com os cuidados
com a saúde, inclusive da pele.
O ensino da Cosmiatria, previsto pela COREME, no 3o ano da Dermatologia, teve suas atividades práticas
suspensas durante os meses de LockDown por seu caráter eletivo. Foram mantidas as atividades teóricas e
virtuais, o que causou impacto negativo no fluxo de aprendizado prático da Cosmiatria, assim como em tantos
outros setores de outras Residências Médicas.

117
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Assistência à pacientes de oncologia cutânea


Devido às restrições sanitárias impostas no início da pandemia, observou-se uma diminuição do número
casos de casos de câncer da pele diagnosticados no HUPE. Foi curioso perceber ao longo do segundo semestre
de 2020 e início de 2021 a consequência direta desse retesamento, casos mais avançados, cirurgias mais
complexas e, inevitavelmente, pior prognóstico dos pacientes. Tomando-se como base apenas os casos novos
de melanoma diagnosticados no HUPE, fica evidente o impacto da pandemia da Covid-19 no tratamento do
câncer cutâneo.
O melanoma representa 4% dos cânceres da pele, entretanto é responsável por 75% dos óbitos relacionados
a essa forma de câncer e sua incidência mundial está em ascensão. O seu principal fator prognóstico é a
espessura tumoral medida em milímetros – índice de Breslow. (9) Nos últimos 9 anos, foram diagnosticados
84 novos casos de melanoma cutâneo no Serviço de Dermatologia do HUPE, com uma média anual (2013-
19) de 9,8 casos/ano e espessura média de 0,77mm. Em 2020, observamos uma diminuição de 49,0% do
número de casos diagnosticados e um aumento significativo da espessura tumoral média, que foi de 2,54mm.
Apenas no primeiro trimestre de 2021, foi diagnosticada a mesma quantidade de casos de melanoma de todo
o ano de 2020. Quando se compara a espessura média dos tumores diagnosticados em 2020 (2,54mm) com a
espessura dos melanomas diagnosticados nos 8 anos anteriores (0,77mm), observa-se que este foi um período
no qual o diagnóstico foi feito com o melanomas em grau mais avançado. Fica evidente a correlação entre
atraso de diagnóstico e a maior incidência de casos mais graves.
Por razões diversas, os pacientes que conseguiram ter acesso ao Serviço de Dermatologia do HUPE, em
2020, foram os que já se encontravam em estágios mais evoluídos da doença. Acreditamos que o impacto da
pandemia de Covid-19 no atraso do diagnóstico do câncer da pele é muito difícil de ser mensurado. Ainda
em outubro de 2021, percebeu-se um aumento da demanda de atendimentos e casos mais complexos do que
os dos últimos 9 anos.

Assistência à pacientes e profissionais de saúde que buscaram atendimento


no HUPE por livre demanda
Apesar de todos os esforços para organizar os atendimentos dos pacientes já inseridos nas agendas da
Dermatologia, muitos chegaram ao hospital com demandas reais que necessitavam de atenção profissional e a
equipe de médicos de plantão (residentes, especializandos e professores) esteve sempre disposta a atender todos.
Além disso, muitos profissionais de saúde de todos os níveis atuantes no HUPE também procuraram a
dermatologia devido as novas doenças profissionais resultantes da pandemia, como acne, escoriações, aumento
da oleosidade da pele geradas pelo uso ininterrupto de máscara; de surgimento ou agravamento lesões de eczema
(irritante primário ou alérgico) das mãos e punhos pelo uso repetitivo de álcool em gel e lavagem das mãos.

Impacto no setor de Dermatopatologia


As análises dos exames histopatológicos dos pacientes internados e ambulatoriais, quando

118
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

solicitados em caráter de urgência, durante o período de lockdown, foram realizadas com presteza. O setor
de dermatopatologia possui íntima relação com a enfermaria e o ambulatório, tendo em vista sua expertise
no diagnóstico de doenças dermatológicas em todos os níveis. A colaboração dos profissionais do laboratório
de anatomia patológica na feitura, sem delongas, das lâminas de casos urgentes, foi de vital importância na
assistência a doentes internados ou não.
Durante a pandemia observou-se um aumento significativo de diagnóstico de eczemas, principalmente o
de contato, farmacodermia, psoríase, pênfigos, além de vasculites leucocitoclásticas e vasculopatias trombóticas,
doenças que mais prosperaram ou pioraram no período.
A dermatopatologia também possui atividades de ensino, uma vez que os alunos especializandos
em dermatologia possuem em sua grade curricular, um extenso conteúdo teórico-prático de aspectos
histopatológicos das doenças de pele. Para suprir esta necessidade, as aulas e discussões de lâminas foram
feitas remotamente duas a três vezes na semana. Todos os dias, um dos professores do setor foi escalado para
discutir os casos mais complexos ou que geraram dúvidas.
Com a flexibilização das restrições da pandemia, atendendo todos os protocolos de biossegurança, as
aulas práticas voltaram a acontecer de forma presencial no laboratório de dermatopatologia. As aulas teóricas
seguem em modelo híbrido com realização presencial sempre que possível.

Ensino da Dermatologia

Graduação
Com a chegada da pandemia e consequente paralisação das aulas presenciais, a insegurança tomou conta
dos alunos e professores, pois além das preocupações com o cenário, havia apreensão sobre o retorno às aulas,
que ficava ainda maior conforme os dias e meses se passavam. Durante esse período, muitos sentimentos
distintos vieram à tona, como a expectativa diante de alguma possibilidade de retorno, a chegada de uma
vacina, tristeza e angústia quando o número de casos e óbitos voltava a subir.
Dentro de um curso anteriormente presencial, como seria sua realização à distância? As dúvidas quanto
ao prejuízo na formação, falta aprendizado prático e preocupação quanto à ideia de atraso na conclusão do
curso gerava aflição.
Durante a pandemia, muitas instituições educacionais seguiram o sistema de ensino presencial combinado
com sessões de aprendizagem on-line. Os questionários aplicados aos alunos após cada ciclo, mostraram
satisfação e bom aproveitamento (14,15,16).
Esta foi a forma escolhida na Dermatologia com a concordância dos professores e da FCM. Mas o
ensino à distância esbarrou em problemas para alguns alunos, falta de uma internet estável e de qualidade,
que se tornou essencial no período para assistir às aulas, assim como realizar provas e apresentar trabalhos. E
ainda, nem todos os alunos tinham acesso a computadores atualizados para baixar aplicativos que o ensino
à distância exige, pois apesar de o desenvolvimento tecnológico estar muito rápido, a situação econômica da
população nem sempre a permite usufruir desses benefícios. Além disso, a falta de um ambiente propício para
o estudo, uma vez que em muitos lares toda a família passou a ficar em casa, se uniu às incertezas e ansiedade

119
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

desse período.
A rotina diária de estudo que se alterou bruscamente e a falta de aulas práticas que auxiliam no aprendizado
e sedimentação do conteúdo teórico dificultaram o rendimento e aprendizado.
Para os professores as maiores dificuldades foram limitações tecnológicas, adaptações na rotina familiar
no novo espaço de trabalho adaptado - home-office - e no uso do material didático digital (adequação das
imagens, incluindo as de pacientes da prática clínica dermatológica) sem infringir a Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD) que entrou em vigor em setembro de 2020. No final, a observação de que o estímulo da
memória visual e a discussão de casos clínicos através de iconografia causaram interesse do início ao final das
apresentações.
Vale ressaltar que o ensino à distância permite flexibilidade de horários e possibilidade de acesso
em qualquer lugar, porém exige ainda mais disciplina, concentração, organização, comprometimento e
planejamento quando comparado ao ensino tradicional, uma vez que o ambiente de sala de aula não tem
tantos fatores dispersivos quanto o ambiente residencial.
A percepção das limitações do ensino à distância no engajamento, avaliações e troca de experiências se
intensificaram nos meses seguintes. Havia uma pressão natural dos alunos para o retorno, mas o aumento do
número de casos de infectados e de óbitos não permitia o retorno às atividades presenciais.
A vacinação dos professores e dos alunos, a diminuição do número de casos e óbitos trouxeram um pouco
de tranquilidade em relação às atividades que agora, são em sua maioria presenciais. Mesmo em condições
pouco adequadas como salas de atendimento pequenas, retornaram os atendimentos dos pacientes com
participação dos alunos trazendo-se uma mistura de euforia, empolgação e alívio.

Pós-graduação lato sensu


Na medida em que houve o fechamento de todas as atividades presenciais foi criado um sistema on-line
de quatro aulas diárias reunindo alunos dos cursos de residência e especialização em dermatologia, a fim de
compensar a falta das discussões presenciais.
Com a concretização das aulas virtuais, os convites foram estendidos às outras instituições de ensino e
hospitais parceiros de todo o Brasil e atingiu-se um público de mais de 300 médicos de diversas partes do país,
com cobertura de praticamente todo o programa teórico da Dermatologia.
Passado o primeiro momento de perplexidade, os docentes e colaboradores decidiram restabelecer a
sessão semanal do serviço de forma remota. A última sessão, que acontece todas às segundas-feiras durante
toda a manhã, foi a de número 63. Restabeleceram-se paulatinamente todos os cursos, com aulas teóricas on-
line e prática presencial, tomando-se todos os cuidados necessários para prevenir a infecção. Os ambulatórios
voltaram a funcionar regularmente, ainda que com número reduzido de pacientes. O agendamento está um
pouco insuflado pela demanda reprimida. Todos os docentes se empenharam em adequar o ensinamento
prático para que os residentes conseguissem cumprir uma agenda mínima de treinamento das habilidades.

120
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Pós-graduação stricto sensu


Os alunos matriculados no Programa de Pós- graduação em Ciências Médicas e os alunos do convênio
UFMA/UERJ, continuaram a receber orientação on-line com aprimoramento dos projetos e readequação dos
prazos, para compensar a interrupção da coleta de dados causada pela pandemia. E assim, com o acréscimo ao
prazo inicial, todos os mestrandos e doutorandos defenderam as suas dissertações ou teses.
A instituição deu, na medida do possível, o suporte para o ensino à distância, mostrando preocupação
e buscando soluções para minimizar os efeitos daquele momento, procurando se reinventar para que esta
situação mundial não trouxesse consequências maiores aos alunos e professores. Fez as adaptações necessárias
e possibilitou que aulas fossem gravadas para que pudessem ser vistas em outro momento.

Desenvolvimento de pesquisa durante a pandemia


Durante a pandemia, os dermatologistas foram desafiados com sinais e sintomas relacionados à infecção pelo
SARS-COV-2. Entre os desafios, sobressaiu-se o reconhecimento de lesões modificadas, novas ou exacerbadas
que requereram novas correlações clínicas e muita ciência e arte para o manejo terapêutico 12, 17, 18. Dois dos
autores realizaram um estudo observacional dos pacientes atendidos nos ambulatórios e nas enfermarias da
Dermatologia, que foi publicado em uma revista internacional on-line com mais de 850 downloads 18. Foram
avaliados 25 pacientes com dados demográficos, epidemiológicos e clínicos, que apresentaram lesões de pele
durante o curso da Covid-19. A idade variou entre 14 e 92 anos, 23 deles tiveram RT-PCR positivo para
SARS -CoV-2, um teve sorologia IgM positiva e o outro, IgG positiva. As lesões cutâneas mais prevalentes
foram urticária / erupção urticariforme anular [28%]; erupção cutânea papulovesicular [24%]; erupção cutânea
eritematosa e pruriginosa [16%]; livedo reticular e lesões eritematosas acrais [8% cada]; Outras lesões como
erupção cutânea eritema multiforme like; lesão eritematosa e pruriginosa, erupção cutânea papulovesicular
disidrosiforme; cianose e prurido foram vistas individualmente em 4% dos pacientes.
Três pacientes [12%] não apresentaram sintomas sistêmicos relacionados à infecção; dezesseis, [64%]
tiveram lesões cutâneas após os sintomas; em três, [12%] as lesões foram concomitantes e em outros três,
[12%] precederam as queixas clínicas. Dois pacientes morreram pela Covid-19.
O grupo da Dermatologia está ainda comprometido com o projeto intitulado COVIDERM BRASIL,
que é alimentado por profissionais da saúde com informações sobre as dermatoses observadas durante o curso
da Covid-19 e também daquelas que surgem após a vacinação contra o SARS-COV-2.

Considerações Finais

O dermatologista deve conhecer a cronologia das lesões cutâneas na Covid-19. Em poucos casos
essas podem apresentar-se como manifestação isolada, enquanto outros sinais cutâneos podem preceder o
acometimento sistêmico. A percepção clínica pode garantir uma abordagem mais eficaz e segura, prevenir a
propagação do vírus, ao isolar doentes com dados epidemiológicos sugestivos de infecção pelo Coronavírus.
Além de possibilitar seguimento clínico continuado para aqueles com maior chance de desenvolver a doença.

121
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A pandemia causou uma grande interrupção na educação médica da graduação e pós-graduação lato
sensu. O ensino foi mantido on-line num primeiro momento com abordagens interativas entre os alunos e
entre alunos e professores. A forma abrupta como a pandemia se instalou, representou uma barreira para
o planejamento das atividades. Inicialmente, a dificuldade em lidar com os recursos técnicos necessários
para as atividades de interação entre alunos e professores, pacientes e médicos, representaram um barreira
que foi superada aos poucos e vencida com prontidão, resposta inovadora do HUPE, FCM e do serviço de
Dermatologia, professores e também dos alunos.
O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) foi uma experiência positiva, ajudando a superar, mesmo
que parcialmente, a falta do contato direto entre alunos e professores, transformando o longo túnel de
incertezas em uma caminhada árdua, mas com um horizonte promissor.

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123
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Mudança de paradigma nos procedimentos de


hemodinâmica na síndrome coronariana crônica
durante a pandemia da Covid-19: a experiência do
Hospital Universitário Pedro Ernesto
Thales Siqueira Alves1; Esmeralci Ferreira2; Ricardo Mourilhe Rocha3; Ana Luiza Iannarella Lacerda4;Pedro Pimenta

de Mello Spineti5 ; Valério Fuks6; José Ari Boechat7; Felipe Maia7; Luiz Kohn7; Denilson Campos de Albuquerque8

1
Ex-residente do setor de hemodinâmica do HUPE; 2 Professor Associado do Departamento das Doenças do Tórax FCM-UERJ;
3
Professor Adjunto do Departamento das Doenças do Tórax FCM-UERJ; 4 Estudante de medicina FCM-UERJ; 5 Médico

do Serviço de Cardiologia HUPE; 6 Chefe do Serviço de Cardiologia Hospital Federal dos Servidores do Estado; 7 Médico do

Serviço de Cardiologia Intervencionista do HUPE; 8 Professor Titular do Departamento das Doenças do Tórax FCM-UERJ

Descritores em português: doença coronariana; angina; coronariografia; Covid-192019; SARS-COV-2; coronavírus.

Descritores em inglês: coronary heart disease; angina; coronary angiography; Covid-192019; SARS-COV-2; coronavirus.

Introdução

No Brasil e no mundo, as doenças cerebrovasculares têm elevado índice de morbidade e mortalidade,


chegando a 30% dos casos. Nas Síndromes Coronarianas Agudas (SCA) as indicações de estudos
hemodinâmicos e tratamentos percutâneos já estão muito bem configuradas. Entretanto, em pacientes
com quadros estáveis de Síndromes Coronarianas Crônicas (SCC), as indicações de procedimentos
diagnósticos e intervenção são baseadas no grau de isquemia e na sintomatologia dos pacientes.1,2
No final do ano de 2019, na província de Wuhan, China, foi identificado, pela
primeira vez em humanos, o primeiro caso de infecção pelo vírus causador da síndrome
respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), integrante da família viral Coronaviridae.3
A pandemia causada pelo coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), causador da
doença Covid-19 (siglas em inglês) mudou de forma radical as indicações de procedimentos em cardiologia
intervencionista, independente do quadro clínico dos pacientes.3 A rápida ascensão na transmissão
da doença e um elevado número de infectados com necessidade de internação e cuidados intensivos
hospitalares gerou o colapso dos sistemas de saúde de diversos países, afetando também o atendimento
de outras patologias. Os dados iniciais mostravam uma extrema gravidade da doença, com uma taxa de
mortalidade de até 12% nos grupos de risco, principalmente nos portadores de doença cardiovascular (DCV).
3
A Covid-19 desencadeou uma mudança de paradigma nos atendimentos cardiológicos em todo o mundo,
principalmente nos ambientes da cardiologia intervencionista. 4-8
Globalmente, observou-se uma grande diminuição da procura dos pacientes pelas salas de emergência,
mesmo nos casos de Síndromes Coronarianas Agudas (SCA). As explicações foram atribuídas ao temor da

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

infecção ou pelo fato de os pacientes estarem menos ativos e possivelmente menos sintomáticos durante o
período de confinamento. Principalmente no nosso meio, retardos nos sistemas de regulação dos serviços
públicos também ocorreram, certamente provocados por sobrecarga na internação hospitalar.6 Por outro lado,
pacientes ambulatoriais foram orientados a terem consultas suspensas ou adiadas, assim como as cirurgias
eletivas de menor gravidade. Os serviços de cardiologia intervencionista restringiram os atendimentos aos
pacientes estáveis e novos modelos de protocolos foram criados para realização de estudos hemodinâmicos e
intervenções, apenas em quadros clínicos de maior gravidade. Sendo assim, houve uma radical desmobilização
nos atendimentos de rotina e foco apenas para os protocolos de dor torácica, os quais também foram
modificados.7,8 Não obstante, diversos hospitais, equipados com salas de hemodinâmica, preconizaram a
indicação de trombólise, ao invés da intervenção coronariana percutânea (ICP) primária e outros realizaram
procedimentos intervencionistas apenas mediante comprovação de testes rápidos negativos para infecção
pelo SARS-CoV-2. Todas estas ações foram respaldadas ou orientadas pelas sociedades de cardiologia
intervencionista do mundo inteiro. 4,5.7,8
Muito além das consultas, nas SCC, até mesmo os exames de diagnóstico invasivo foram literalmente
suspensos para pacientes eletivos, sem previsão para o(s) agendamento(s). No sistema suplementar de saúde as
senhas de autorização foram suspensas por diversas seguradoras. Consultórios médicos tiveram seu movimento
reduzido. Esta conduta também foi seguida no Sistema Único de Saúde (SUS), cuja suspensão das consultas
em ambulatórios clínicas da família também impactou de forma indireta na redução dos procedimentos.
Dados de literatura nacional e internacional demonstram uma incidência de lesões coronarianas
obstrutivas significativas em mais de 50% dos casos de SCC, avaliados pela coronariografia.9-11 Por outro
lado, não encontramos dados publicados sugerindo a realização de procedimentos de intervenções em
indivíduos estáveis durante a pandemia. Cientes desta gravidade e partindo do entendimento que nas SCC
os procedimentos não devem ser adiados, por serem doentes potencialmente portadores de coronariopatia
grave, organizamos uma coorte de pacientes onde realizamos uma efetiva orientação através de consultas. O
setor de hemodinâmica da Disciplina de Doenças do Tórax do HUPE criou um ambulatório especializado
para atender, de forma exclusiva e específica, pacientes que se encontravam na fila de espera para cateterismo
cardíaco no Sistema Estadual de Regulação(SER). Independente da fase de afastamento social imposta pela
pandemia, após a triagem, os procedimentos invasivos foram realizados da forma mais segura possível. Nosso
objetivo principal foi avaliar, no início da pandemia, em um curto período de tempo (40 dias), 194 pacientes
ambulatoriais candidatos ao cateterismo cardíaco. A meta maior era mudar o paradigma e comprovar que
havia segurança na realização dos referidos procedimentos. Uma população inicial de 105 pacientes do
SUS, com SCC, que estavam com indicação precisa e foram aprovados para o procedimento. Foi avaliada a
segurança em relação ao risco de infecção pelo SARS-CoV-2 na realização de coronariografia com ou sem
intervenção coronária percutânea (ICP). Analisamos o perfil clínico, resultado angiográfico, a necessidade
revascularização, mortalidade e se houve suspensão de exames devido ao diagnóstico ou suspeição da infecção.
Cabe ressaltar que ainda não havia vacinação durante o período do estudo.

125
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Relato

Métodos
Neste relato, durante a pandemia da Covid-19, foram avaliados 105 pacientes com coronariografia
eletiva, em pacientes do SUS com SCC, atendidos no Hospital Universitário Pedro Ernesto, entre março e
maio de 2020. Quatro pacientes foram excluídos por não comparecerem ao exame na data agendada. Todos os
pacientes foram avaliados previamente por consulta médica com um cardiologista intervencionista, havendo
inclusão de dados do perfil clínico do paciente. Durante a consulta e assinatura do termo de consentimento
livre e esclarecido, os pacientes foram orientados a fazer isolamento social, sendo que a orientação foi entendida
por todos. Os procedimentos foram realizados de forma segura com equipamentos de proteção individual
(EPI) tanto para as equipes, quanto para os pacientes. As condutas foram tomadas baseadas no grau de
envolvimento obstrutivo das lesões coronarianas. Foram consideradas graves àquelas acima de 70% da luz, em
vasos epicárdicos e acima de 50%, em tronco de coronária esquerda (TCE). As lesões foram avaliadas, através
da quantificação visual, por dois ou mais observadores experientes. A avaliação da sintomatologia clínica para
a presença de Covid-19 foi feita durante a consulta, no período hospitalar e após 15 dias de qualquer presença
no hospital. A orientação para realização de teste foi programada apenas em caso de suspeição da doença. O
estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição (CAAE 31784420.7.0000.5259. Número
do Parecer: 4.035.853)

Dados estatísticos
Os dados foram analisados através do software da IBM SPSS versão 25.0. Variáveis contínuas foram
descritas através de sua média e desvio padrão e as variáveis categóricas através desse o número absoluto em
percentual.

Resultados
No período entre março e maio de 2020, 194 consultas ambulatoriais pré-cateterismo foram realizadas
e 105 pacientes tiveram seus exames agendados. No que se refere às consultas, dois pacientes (1,03%)
apresentavam síndrome gripal, na data da consulta e foram orientados a manter isolamento domiciliar por
15 dias e procurar hospital em caso de piora. Ambos os pacientes não compareceram na data do exame e
não se conseguiu informação posterior sobre a evolução dos mesmos. Cento e um pacientes compareceram
para realização do exame. Um paciente evoluiu com óbito cardiovascular antes do procedimento (taquicardia
ventricular). Consideramos os 101 pacientes analisados, com a realização de cateterismo associado ou não à
ICP em 100 pacientes e 15 (14,8%) internações para procedimento. Foram realizadas 11 ICP e 3 CRVM
(Cirurgia de Revascularização do Miocárdio). A média de idade foi 61,88 ± 10,3 anos e 51,5% eram homens.
Dentre os fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC), hipertensão arterial sistêmica (HAS),
diabetes mellitus (DM) e dislipidemia (DLP) foram os mais prevalentes. (Tabela 1).

126
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Tabela 1: Características gerais da população

Características de base Pacientes


analisados (N=101)
Idade (anos) 61,88  10,3
Masculino 52 (51,5%)
Feminino 49 (48,5%)
Tabagismo 19 (18,8%)
Hipertenso 89 (88,1%)
Diabetes mellitus 41 (40,6%)
Dislipidemia 31 (30,7%)
IAM prévio 31 (30,7%)
CAT prévio 8 (7,9%)
CRVM prévia 7 (6,9%)
Apresentação clínica
AE 101(100%)
TNI
Realizados 37 (37%)
DAC Obst. 19 (51,4%)
Sem DAC Obst. 18 (48,6%)
Não Realizados 63 (63%)
DAC Obst. 35 (55,6%)
Sem DAC Obst. 28(44,4%)

Valores demonstrados em n (%). IAM, infarto agudo do miocárdio; CAT, cateterismo coronariano; CRVM, cirurgia de

revascularização do miocárdio; AE, angina estável; TNI, teste não invasivo; DAC, doença arterial coronariana; Obst.,

obstrutiva.

Tabela 2: Características angiográficas e condutas

Características Procedimentos (N=100)


angiográficas
CAT 89
CAT e ICP 11
Ad hoc 4 (36,4%)
Urgente 7 (63,6%)
CRVM 3
Óbito 1
Uniarterial 20
Biarterial 12
Triarterial 22

127
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Localização das lesões nas


artérias
TCE 8
DA 35
CX 32
CD 32
Vias de acesso
Radial 97
Femoral 3
Valores demonstrados em n (%).; CAT, cateterismo coronariano; ICP, Intervenção Coronariana Percutânea; CRVM, cirurgia de revascularização do miocárdio; TCE, Tronco de
coronária esquerda; DA, descendente anterior, CX, circunflexa, CD coronária direita

A prevalência de DAC obstrutiva foi encontrada em 54% sendo que 22% apresentavam acometimento
trivascular, com envolvimento no TCE em 8% e 35% na Artéria Descendente Anterior (ADA). (Tabela
2). Nos pacientes com envolvimento de TCE, 87,5% estavam associados à DAC multiarterial e somente
um paciente apresentando estenose isolada em corpo de TCE (Figuras 1 e 2). Dentre os homens, 66,6%
apresentavam DAC obstrutiva e 40,8% entre as mulheres. A DAC ocorreu em 63% dos pacientes com idade
> 60 anos. A via radial foi utilizada em 97% dos casos.
A ICP ou CRVM de urgência foi realizada em 14% dos pacientes com DAC obstrutiva. Dentre as ICP
realizadas, 70% trataram apenas um vaso.
Entre os oito examinadores e membros da equipe, nenhum apresentou suspeita/confirmação de Covid-19
durante o período do estudo. Nenhum dos pacientes internados apresentou clínica de Covid-19 durante
a internação. Todos os pacientes que realizaram procedimentos mantiveram-se em isolamento conforme
orientação prévia. Em relação àqueles pacientes que fizeram o procedimento nenhum apresentou síndrome
gripal nos 15 dias posteriores ao exame.

Figuras 1 e 2: coronariografia em duas projeções mostrando lesão de 75% no tronco da coronária esquerda (TCE) e pós

implante de Stent farmacológico de 4.0 x 12 mm no TCE.

128
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Discussão
Nosso estudo mostrou segurança para pacientes e equipe na realização de exames eletivos, mesmo durante
a pandemia. Não temos dados comparativos, pois em nosso meio não há dados na literatura avaliando este
tipo de população. Avaliando todos os pacientes desta casuística observamos que, a despeito do quadro de
SCC, um percentual significativo de 14,8% dos pacientes apresentou eventos graves, com um óbito, 14
indicações para internação para revascularização imediata (ad hoc) ou dentro da primeira semana após o
procedimento, sendo três com indicação para cirurgia. A média de idade de 61,8 anos e a maior incidência de
hipertensão e o diabetes mellitus foram semelhantes aos dados de outros estudos em pacientes submetidos a
coronariografia.9-10 A taxa de exames normais (46%), foi dentro daquela encontrada na literatura conforme
estudo de Costa et al9, que mostraram, em uma coorte de 1844 pacientes submetidos à coronariografia.
Este autor também enfatiza um percentual significante (52.9%) de DAC grave nas SCC. Sant’Anna e cols,
referiram 45% de coronárias normais em uma avaliação de 503 pacientes, mas a prevalência era em população
constituída de pacientes jovens, sexo feminino e não tabagista.10 Estudo americano,11com 1.989.779 exames,
encontrou uma prevalência de DAC moderada/grave de 41,0%, em pacientes com SCC. Analisando os
pacientes com DAC obstrutiva, 26% tiveram necessidade de intervenção de urgência, devido a gravidade
das lesões. A presença de lesão de tronco 8% e de pacientes com envolvimento triarterial 22% para pacientes
estáveis superou as expectativas, além da ocorrência de um óbito antes do exame. A gravidade das lesões de
TCE também não correspondem ao que se encontra em pacientes com SCC, sendo que um paciente foi
tratado de forma urgente por via percutânea (Figuras 1 e 2). Cerca de 74% de pacientes com indicação de
CRVM ou ICP foram orientados para que seus procedimentos fossem agendados de forma eletiva. Dentre
aqueles com DAC obstrutiva (54%), somente 26% (14) realizaram procedimento de revascularização, estando
74% (40) com anatomia coronariana obstrutiva conhecida aguardando procedimento.
Nas SCA, as orientações para atendimento durante a pandemia são mais bem estabelecidas, inclusive com
respaldo de várias Sociedades de Cardiologia, sempre respeitando o equilíbrio entre a exposição da equipe e o
benefício do paciente. 3,4,6,7 No infarto agudo do miocárdio com supra desnível do segmento ST (IAMCSST),
em pacientes com Covid-19 ativo, a fibrinólise pode ser considerada uma opção em pacientes relativamente
estáveis. 3-6 Em pacientes instáveis ou com potencial deterioração clínica, a ICP primária (ICPP) deve ser
realizada. Em um estudo multicêntrico nacional desenvolvido na Itália, envolvendo 54 hospitais, houve
durante o período de uma semana comparativa, entre os anos de 2019 e 2020, um redução significativa de
48,4% (319 x 618, p<0,001) no número de infartos, entretanto, o número de casos fatais aumentou para
13,7%, comparados aos 4,1% previamente registrados em 2019 (RR =3,3, 95% IC 1.7–6.6; P < 0,001).12 O
registro de Nova Iorque - EUA também evidenciou aumento de mortalidade em domicílios, cerca de 8-10
vezes, em relação ao mesmo período em anos anteriores.13 Estes resultados estão alinhados com o Registro
Espanhol14 que mostra redução de 40% dos casos de IAMCSST, e em diferentes estados norte-americanos
cuja redução nas internações variou entre 38 a 48%.13
No infarto do miocárdio sem supra desnível do segmento ST (IAMSSST), os relatos também apontam
para uma diminuição acentuada no número das internações semanais, como avaliado no estudo italiano,
sendo de 350 para 122 (65.4% de redução; 95% IC 60.3–70.3; P < 0.001).12 A recomendação mais aceita no

129
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

IAMSSST é que se houver possibilidade, a realização de testes para Covid-19 antes do cateterismo cardíaco
seria uma boa alternativa, sendo que pacientes mais graves deverão ser submetidos à intervenção de forma
precoce. 3,4,6,7
Nas SCC as recomendações de intervenções são menos consistentes e consideram de forma superficial
que as condutas devam ser individualizadas, sendo indicadas apenas em pacientes de alto risco.6,8 Welt e cols8,
preconizam a redução do número de procedimentos, com adiamento de casos eletivos e divisão da equipe em
turnos para rodízio de profissionais, com ênfase para redução do risco de contaminação da equipe.
Estas medidas restritivas relacionadas aos pacientes estáveis trouxeram uma zona de conforto em relação à
redução da propagação da Covid-19, entretanto, de forma objetiva observamos que a atenção à doença coronariana
não estava contemplada, no que se refere às boas práticas previamente estabelecidas antes da pandemia.
Em nosso meio, a pandemia alterou de maneira contundente o atendimento médico em diversas
especialidades com suspensão de procedimentos e consultas eletivas. A maioria da classe médica orientou, tanto
pacientes oriundos do sistema de saúde suplementar quanto aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS),
a protelar seus procedimentos eletivos e a recorrer às salas de emergência, em casos de sintomas intensos de
precordialgia, dispneia etc. Esta orientação sem dúvida protege da Covid-19 os indivíduos que se mantiverem
assintomáticos ou oligossintomáticos, mas expõe à infecção os pacientes que em casos de necessidade premente
necessitem do atendimento. Por outro lado, indivíduos que não julguem sua sintomatologia tão intensa ou que
sejam mais tolerantes à dor, podem ser acometidos por uma reflexão temerária. Nestes casos, o adiamento da
procura por socorro pode trazer consequências graves, inclusive a de morte cardíaca domiciliar.
A resolução de número 2004 de 18/03/2020 da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-
RJ)15 suspendeu os atendimentos ambulatoriais eletivos nas unidades públicas, entretanto de maneira acertada
manteve os atendimentos ambulatoriais essenciais, incluindo os de oncologia e cardiologia. Mesmo assim, o
acesso aos pacientes foi afetado e a resolução não foi acatada de forma ampla. Os pacientes do SUS, regra geral
são mais graves, e com mais fatores de riscos. Nestes, há grandes dificuldades em descobrir quem realmente é
estável do ponto de vista global, e quem pode ser acometido por uma agudização do quadro, com necessidade
de internação.
Nos parece razoável preservar a capacidade dos leitos hospitalares, evitando procedimentos eletivos
desnecessários em pacientes estáveis, com comorbidades significativas ou nos quais o tempo de internação
pós-intervenção seja por mais de 24 a 48 horas. Não obstante, a despeito de estarmos alinhados com a maioria
das medidas protetivas para pacientes e equipe, ressaltamos que em pacientes com SCC, existe a possibilidade
de realização dos procedimentos e da quebra cautelosa nas medidas restritivas, sem riscos adicionais de
exposição ao vírus.
Na série de casos apresentada, a busca ativa foi feita procurando selecionar os sintomáticos, isquêmicos e
com múltiplos fatores de risco, assim evitando que procurassem qualquer tipo de consulta ou ida a um hospital
de emergência. Entendemos que esta ação rápida no diagnóstico e tratamento destes pacientes se tornou uma
medida que evitou um desfecho mais grave em termos de eventos coronarianos. Por outro lado, os cuidados
rígidos e orientações que ocorreram desde a consulta, reforço de isolamento, rotinas no procedimento e a
tentativa de reduzir ao máximo o tempo de internação minimizou os riscos de infecção pelo Coronavírus.
Na crise da saúde promovida pela Covid-19, não havia orientações objetivas sobre a realização dos

130
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

procedimentos em pacientes estáveis, exatamente pela suspensão ou adiamento dos mesmos. Em nossa
experiência de mundo real, promover o atendimento dos pacientes com suspeita de DAC através de uma
avaliação clínica e conhecimento rápido da anatomia coronariana deve ser feito antes de uma possível
instabilidade clínica. Nesta população, demonstra-se de forma clara que a possibilidade de eventos cardíacos
aos quais os pacientes estavam em risco foi muito maior do que a possibilidade de apresentar complicações da
doença causada pelo vírus.
Embora não determine que esta seja efetivamente a melhor conduta, nossos dados sugerem uma reflexão
para que os atendimentos nos laboratórios de hemodinâmica, nesta fase de pandemia, sejam reavaliados e não
sejam suspensos ou adiados de forma sistemática.
As principais limitações da casuística apresentada para fundamentar este capítulo foram o número
pequeno de pacientes, as variáveis de baixa prevalência que necessitariam de amostras muito maiores, e por
se tratar de estudo unicêntrico. Além disso, por orientação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar,
e por questões de custos, não realizamos testes para Covid-19, em qualquer dos pacientes e equipe, pois
todos eram assintomáticos no momento do procedimento e permaneceram assim por no mínimo 15 dias
(isolamento social conforme orientação). Cabe um adendo que, após os primeiros três meses de pandemia
estabelecemos testagem de rotina para todos os pacientes internados para ICP. Apesar das limitações, estas
observações publicadas16 serviram de estímulo para que outros Serviços gerassem observações e também pela
sugestão de análises multicêntricas com maior robustez estatística.

Considerações Finais

A comprovação que nossas hipóteses foram bem fundamentadas, foi a percepção de que durante a pandemia
uma rotina de atendimento próxima ao normal foi estabelecida aos pacientes cardiológicos, principalmente
pelo retorno (embora abaixo do normal) dos atendimentos ambulatoriais nas unidades do SUS e na rede de
atendimento suplementar da saúde.
Além do nosso posicionamento, fatores contributivos para este retorno foram: algum esgotamento
psicológico ao isolamento, as campanhas de vacinação e os alertas das Sociedades Cardiológicas sobre os
riscos cardiovasculares mesmo durante a pandemia. Nosso ponto de vista foi baseado neste estudo no qual
a realização dos exames eletivos em pacientes com doença coronariana crônica foi segura para pacientes e
profissionais, mesmo durante a pandemia, sendo um contraponto à maioria das recomendações que outros
serviços seguiam no início da pandemia da Covid-19. O estudo pioneiro permitiu demonstrar que a avaliação
angiográfica anatômica revelou pacientes de alto risco de morbimortalidade com necessidade de intervenções
naqueles com lesões complexas, contribuindo para reduzir o número de síndromes coronarianas agudas nessa
população. Posicionamentos como nosso certamente influenciaram na mudança de paradigma para que, nesta
área específica de cardiologia intervencionista, os pacientes fossem conduzidos com segurança ao cenário dos
procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Nos dias de hoje, todos os procedimentos eletivos são realizados
sem restrições, obedecendo as devidas medidas de segurança e isolamento sanitário impostas pela pandemia.

131
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Bibliografia

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132
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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

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133
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

O Ambulatório de Medicina Integral como cenário


de treinamento de residentes em Medicina de Família
e Comunidade: relato de experiência de professor
e médico residente antes e durante a epidemia da
Covid-19
Nelson Robson Mendes de Souza1; Henrique Quercetti Ingunza2

1
Professor Adjunto do Departamento de Medicina de Família e Comunidade, Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ
2
Médico Residente no 2º ano (R2) do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade FCM UERJ

Introdução
O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC) da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da UERJ é o programa de residência médica mais antigo da especialidade no Brasil. O
Programa foi criado em 1976, inicialmente com o nome de Residência em Medicina Integral (RMI). Em
1981, após regulamentação da especialidade pela Comissão de Residência Médica (CRMM), passou a se
chamar Residência em Medicina Geral e Comunitária (RMGC) e, em 2002, assumiu o nome atual de
Residência em Medicina de Família e Comunidade (RMFC). O núcleo de formação dessa residência veio a
partir do Ambulatório de Medicina Integral (AMI). O AMI existe desde 1967, sendo remodelado para seu
formato atual em 1976. O objetivo desse ambulatório seria o treinamento prático em medicina ambulatorial,
sob supervisão, para atender as necessidades ao ensino da Atenção Primária à Saúde (APS), oferecendo
ações primárias de saúde que integrassem a promoção, proteção, tratamento e reabilitação e orientasse o
encaminhamento de casos específicos para outros níveis de atenção à saúde. 1 2 3 4 5
A filosofia e as práticas do AMI sempre foram contra-hegemônicas e pioneiras em sua forma de atuar
e entender a saúde. Por isso mesmo, o ambulatório sempre enfrentou muitas adversidades, mas conseguiu
se afirmar no cenário acadêmico, difundindo os princípios de compaixão, empatia, respeito às diferenças,
às particularidades socioeconômicas e culturais, bem como à autonomia das pessoas. Também vê como
fundamental a participação da pessoa na tomada de decisão sobre o seu tratamento e acompanhamento.3 4 5
Hoje, o ambulatório recebe alunos da graduação a nível de internato e residentes do PRMFC. Apesar
de o ambulatório praticar os atributos essenciais (acesso, integralidade, longitudinalidade e coordenação do
cuidado)6 e os atributos derivativos (abordagem familiar, comunitária e competência cultural) o ambiente
precário não tem os requisitos adequados a uma boa formação resolutiva e que envolva as famílias. O número
de residente por salas (cada sala tem cinco ou seis boxes) é de um residente ou interno por boxe. O tempo
do estágio é de um ano, tanto para internos como para residentes. O público que procura o ambulatório é
de pessoas, em sua maioria, idosas, com várias doenças crônicas associadas. Para acentuar o papel social do

134
ambulatório foi decidido pelo Departamento dar prioridade a pacientes que não tinham Clínicas da Família
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

em funcionamento em sua região. Os alunos são do primeiro ano de residência médica da especialidade,
que tem carga horária de quatro horas por semana — demais carga horária era distribuído para a Clínica da
Família em que o residente estava lotado, além de outras atividades práticas e teóricas da residência.
As clínicas atuam no modelo da Estratégia Saúde da Família (ESF), com uma equipe de profissionais
responsável sanitária de uma população adstrita a um território, que segue os princípios que regem a
especialidade, embora nem sempre com médicos especialistas nessa área, visto o enorme déficit de especialista
em APS. 6 7
Diante das dificuldades estruturais do ambulatório, há algum tempo os professores e médicos do
Departamento buscam otimizar o treinamento dos residentes. Essa preocupação aumentou durante a epidemia
de Covid-19 quando tivemos que reduzir o número de pacientes e salas disponíveis para atendimento, o que
levou a carga horária a ser de quatro horas de 15 em 15 dias, com monitorização telefônica nos dias que não
houvesse atividades presenciais.
Essas mudanças trouxeram maior necessidade de adaptações, inovações e criatividade para manter a melhor
formação possível nesse cenário tão desfavorável. Principalmente sabendo de um possível aumento de casos
de doenças crônicas que poderiam ocorrer durante ou após uma das ondas da epidemia de Covid-19, visto a
prioridade necessária ao acompanhamento e vacinação de pessoas com essa condição nas unidades APS.

Relato

Funcionamento e iniciativas antes da epidemia de Covid-19 na AMI


As iniciativas eram focadas nas necessidades dos residentes e variavam bastante em cada ambulatório.
Aqui colocaremos o que realizamos em nosso ambulatório.
Para darmos oportunidade de treinamento mais adequado, principalmente nos primeiros meses, o número
de pacientes era menor, com preceptoria proativa e buscando sempre um ambiente mais protegido. No início
das atividades, realizávamos um acordo de convivência, formação de grupo de WhatsApp e planejamento das
atividades a serem desenvolvidas. O foco seria utilizar as ferramentas mais usadas pelos especialistas da área
de atuação, bem como a discussão das intervenções a luz das evidências científicas, dos princípios da APS e
da realidade dos serviços a que tínhamos acesso comumente — tratar o paciente, sem esquecer seu contexto
próximo e distante, a realidade de sua família e comunidade, nível socioeconômico e realidade dos serviços
a que esse paciente tem acesso. Também se chamava a atenção para tratamento possível em pacientes com
múltiplas morbidades, os problemas da aplicação de diretrizes para cada doença em pacientes com múltiplas
doenças e agravos, da adesão, polifarmácia e possibilidade terapêutica na dependência do estágio da doença,
idade etc. Para isso, era reservado um período ao final dos atendimentos onde eram discutidos estes temas com
material previamente distribuído ou visto em aulas teóricas da residência, utilizando ferramentas (ecomapa,
familiograma/heredograma etc.)8 comumente usadas pelos médicos de família e comunidade. Sempre que
possível integrávamos essas ferramentas aos casos atendidos no dia no AMI ou na Clínica de Família em
que o residente estava lotado. Além disso, durante os atendimentos, eram dados Feedbacks9 e comentários a
respeito de condutas, achados, solicitações de exames e/ou de seus resultados, sempre tentando levar a uma

135
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

reflexão e cuidado na abordagem. Também utilizávamos os casos para orientar os estudos necessários e propor
material para a próxima discussão.
Essa dinâmica às vezes era atrapalhada pelas ocorrências inesperadas com pacientes ou atrasos em
deslocamentos de residente.

Dificuldades, motivação e ganhos


Havia muita diferença entre os residentes em relação aos conhecimentos, habilidades e atitudes quanto
ao que se esperar de um egresso após as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação
(DCN) 2001 e 2014 10 11 — em torno de cinco ou seis residentes. O que tornava importante um nivelamento
de conhecimento entre eles, nem sempre fácil.
No início, observamos muita resistência dos residentes. Havia muito desconforto com o fato de o preceptor
assistir a consulta e, posteriormente, dar Feedback. Para a maioria, isso foi superado com o tempo.
Também havia muita resistência em mudar o modelo clássico de aprendizado durante a formação e em
relação a usar o método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP)12 13 bem como algumas ferramentas de MFC.
Havia a percepção de que isso levava a uma demora no atendimento e não se pensava na resolubilidade.
Tentávamos mostrar que o importante era dar ganhos reais ao paciente, não só realizar um atendimento
burocrático e sistemático dele. Havia dificuldade de entender que a promoção, reabilitação e assistência
deveriam ser voltadas às necessidades do paciente, não apenas focadas em sua idade ou outro parâmetro
biológico. A diferença entre demanda e necessidade muitas vezes não ficava bem entendida, o que levava a
frustrações.
Os cuidados para passar as informações, aspectos éticos das condutas e diferença de aprendizagem de
cada residente eram levados em conta, mas, frequentemente, devido aos problemas nos atendimentos, ruídos
na sala etc., o objetivo era difícil de se alcançar.
Em certas ocasiões, em algumas turmas, foi possível colocar um residente para coordenar a sala,
tanto nos atendimentos quanto na condução das discussões. Isso foi importante para o entendimento das
dificuldades de ser preceptor e suas múltiplas atribuições. Após essa experiência, muitos residentes mudavam
seu comportamento para melhor. Outra experiência que incentivávamos era dar Feedback para internos em
algumas ocasiões — nelas, dávamos Feedback do Feedback. Isso era interessante para eles verem as dificuldades
e a importância do Feedback, além de suas técnicas. Antes, era dado material para o estudo.
Os resultados entre os diferentes residentes e turmas nunca foi homogêneo, mas ficamos muito felizes
quando vários deles viraram preceptores do nosso programa de residência médica.
Muitas das diferenças podem ser atribuídas ao fato de que alguns residentes só estavam fazendo a PRMFC
como uma etapa de sua formação, outros por interesses econômicos, problemas familiares ou de saúde. Também
observamos que uma minoria de residentes se sentiam desconfortáveis em exercitar a compaixão, empatia,
comunicação, enfrentamento de problemas sociais, econômicos, culturais, identidade de gênero etc. Alguns
residentes se diziam esgotados física e emocionalmente com a prática da Clínica de Família, outros esgotados
por terem outros empregos.
Pode também ter ocorrido incompatibilidade entre preceptor e residente na forma de ensinar/aprender.

136
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Tentamos melhorar isso com discussão periódica sobre o funcionamento do que tinha sido acordado, mas
observamos uma dificuldade grande de o residente expressar suas angústias e propor alternativas. Isso pode
refletir a maneira autoritária de suas formações, e pode ter determinado não correção de rota quando de
problemas.

Na epidemia de Covid-19
Novos desafios se fizeram presentes com a redução da carga horária. Tivemos que acordar as atividades
quando da etapa não presencial, como monitoramento de pacientes via telefone e estudos necessários.
Foi nítida a redução de entrosamento entre preceptor e residente, bem como no seguimento de rotinas
acordadas. A qualidade, frequência da monitorização telefônica e identificação dos casos que necessitavam
atendimento foi diferente entre os vários residentes, sendo em alguns muito boa e em outros apenas razoável.
Alguns residentes ficaram doentes durante o estágio, outros tiveram parentes que adoeceram, tanto
em relação à Covid-19, como também em relação à saúde mental, perdas ou observação de sofrimento de
pacientes, amigos etc.
Tivemos o cuidado de dar um roteiro com as informações necessárias quando do contato telefônico, com
dados a respeito da pandemia, observações sobre sintomas do paciente e condutas a serem passadas. Isso foi
útil para homogeneizar mais o cuidado.
Abaixo, trazemos a fala de um dos residentes que participou do ambulatório quando da pandemia da Covid-19.

Relato de experiência do Médico Residente


Não só levamos em conta o tratamento, exame físico, entrevista, dados fisiopatológicos, mas também os
determinantes socioeconômicos e culturais, além da saúde mental /emocional dos pacientes. Foi fundamental
entender que, para uma boa prática clínica, eram essenciais a compaixão e a empatia com o sofrimento dos
pacientes, principalmente num momento de perdas para muitos — afinal, vivíamos um período de pandemia.
Não apenas entender os problemas econômicos e culturais, mas adaptar as intervenções a esse contexto foi um
diferencial que se aproximava do ideal para a minha formação como um bom médico de família e comunidade.
Assim, o ambulatório do AMI resgatava o que era mais importante da especialidade que tinha escolhido.
Nessa prática, o que mais achei relevante foi:
O foco no método clínico centrado na pessoa (MCCP) junto ao respeito aos princípios da Medicina de
Família e Comunidade (MFC) e da ética médica. Achei muito importante o contrato de convivência estipular o
respeito aos pacientes e colegas de trabalhos, o cuidado de evitar comportamentos, falas e atitudes preconceituosas,
o respeito à autonomia dos pacientes, bem como a ênfase da importância da empatia, compaixão e uma boa
comunicação com ele. Pelo fato de o professor responsável pelo AMI ter conversado conosco no início do ano
letivo, explicando o que seria esse contrato, estaria sempre ao nosso alcance para conversarmos caso algo não
tivesse sido respeitado. Foi importante para a promoção de um bom ambiente de trabalho.
Fiquei muito feliz por conseguir praticar as ferramentas, que são competências do médico de família e
comunidade, nos casos clínicos atendidos, tanto na própria clínica da família em que exerço a maior parte
da carga horária de minha residência, quanto no próprio AMI. O principal fator para isso ter ocorrido foi

137
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

a organização do ambulatório, o ambiente calmo e com um número de pacientes adequado à prática. Foi
estimulante e fiquei surpreso, ao aplicar as ferramentas aprendidas no AMI em consulta, como o familiograma
(heredograma), o ecomapa etc. (ferramentas de abordagem familiar que adaptávamos para o paciente e
acompanhante), por colher algumas informações, no contexto clínico, que levaram a direções que não seriam
pensadas se não tivessem sido usadas essas ferramentas.
As discussões clínicas dos problemas trazidos pelas pessoas que acabaram de ser atendidas levava a
uma reorganização dos conhecimentos em relação aos achados clínicos, exames etc., além de promoverem
a comunicação entre residente e preceptor, a troca de ideias e visões sobre determinado atendimento. Os
Feedbacks sistemáticos também ajudavam a melhorar a postura diante de várias situações, ampliando o
horizonte de entendimento do que era visto e trazido. Conseguimos, também, aplicar os conhecimentos que
foram obtidas em relação a discussão dos temas clínicos mais prevalentes no ambulatório, com a participação
dos residentes, com trocas ricas entre todos os envolvidos, integrando aspectos emocionais, hábitos, cultura,
religião, fatores laborativos e o contexto próximo e distante dos pacientes etc. para um melhor entendimento
do problema e uma intervenção mais adequada.
O ponto alto da prática era a orientação dos pacientes, vendo-o como um todo, sempre levando em conta
os contextos próximo e distante, os dados epidemiológicos e respeitando-se sua autonomia, cultura e valores,
seguindo a linha de atendimento preconizada pelo MCCP. A importância dos hábitos de vida, as rotinas da
família e seus problemas, o ambiente comunitário, a atividade laborativa, que muitas vezes era a responsável
pela queixa de dor. Esse entendimento levava ao enfrentamento do problema, com uma orientação adequada
ao paciente visando evitar essas lesões e não só medicar o efeito. Também foi relevante entender a importância
de solicitar corretamente um exame, evitando pedidos desnecessários ou que não tivessem a possibilidade de
mudança de conduta que levasse a uma possível melhora clínica.
As ferramentas que usávamos davam não só ao médico, mas ao paciente uma visualização de seus
problemas e a possibilidade de intervenção — principalmente ecomapa, familiograma. Posteriormente,
utilizei essas ferramentas em aulas e na prática na Clínica da Família com mais entusiasmo e confiança depois
de ter passado pelo AMI. Alguns fatores dificultaram o maior uso do que aprendi quando na Clínica da
Família em que atuava. O principal foi a demanda excessiva, por mais que se tenha treinamento, nem sempre
há tranquilidade para poder usar as ferramentas de forma adequada. Mesmo utilizando a longitudinalidade,
a alta demanda muitas das vezes deixava a utilização da ferramenta insatisfatória. Quando houve redivisão
das pessoas do território em que eu atuava, com redução do número de pessoas por quem eu era responsável,
houve melhor oportunidade de fazer essas intervenções. Às vezes, principalmente no início, a falta de mais
estudo e prática levava à utilização das ferramentas em momentos inapropriados ou com falta de confiança
na sua aplicação e interpretação. As discussões com preceptores na clínica e no AMI no decorrer do curso
conseguiram reduzir esses problemas. Outras questões importantes eram problemas cognitivos do paciente
e ou diferenças culturais muito grandes. Às vezes isso era contornado com o uso de familiares durante a
consulta. Isto também melhorou com o maior conhecimento e entendimento da cultura local e das expressões
usadas pelas pessoas do meu território.
Durante a epidemia, o acompanhamento dos pacientes foi baseado no monitoramento deles por via
telefônica e seleção dos que mais precisavam de atendimento presencial. Achei a melhor forma de manter o

138
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

acompanhamento médico e proteger os pacientes e todos os envolvidos. Houve dificuldades com telefones
desatualizados. Havia perda em torno de 40% dos contatos telefônicos, por não retorno da ligação, não
atendimento etc. Seria importante um treinamento em relação a monitorização, protocolo de atendimento etc.,
inclusive, aproveitar mais a telemedicina para apoio aos pacientes por via remota e não só telemonitoramento.
De toda forma, o acompanhamento foi importante para os pacientes e para mim como residente. A redução do
número de pacientes e observar quem mais precisava para os atendimentos presenciais a fim de garantir a equidade
foi adequado. Mas houve problemas com a equidade, devido às perdas nos contatos telefônicos e agendamento
de retorno de quem foi atendido, o que gerava menos espaço na agenda para pacientes que pudessem ter mais
necessidade. Quando se conseguiu melhorar o contato telefônico com os pacientes, esse problema foi contornado
com priorização de quem tinha mais necessidade (urgência de atendimento) e o reagendamento daqueles que
poderiam esperar mais algum tempo com segurança, sempre explicando a eles o contexto da pandemia que
estávamos vivenciando. Geralmente, havia um bom entendimento do cuidado realizado.
Destaco que foi importante o fornecimento de um roteiro para ser utilizado quando da ligação com o
paciente, com as informações e cuidados sobre a Covid-19 e a ênfase para buscar os que mais precisavam de
atendimento e o que fazer em caso de sintomas gripais, desfazer desinformações e fake news em relação a
tratamento precoce/profilático etc.
A pandemia de Covid-19 se instaurou e se agravou em um momento em que eu (Henrique), assim
como muitos residentes do meu ano, estávamos apenas começando a prática médica. Eu já tinha um ano
de formado, alguns colegas tinham acabado de se formar. Foi um choque para muitos, senão todos, viver
um período catastrófico como aquele, sem perspectivas de melhora da saúde, quando ainda não existia nem
projeto de vacinação e com a constante divulgação de fake news, que dificultavam ainda mais o trabalho de
agentes de saúde, enfermeiros e médicos — todo o núcleo da saúde da família — como um todo. Existia
medo, principalmente no início e no decorrer do ano de 2020, de ser acometido pela Covid-19. Isso era
trabalhado, um trabalho de caráter psicoterápico — envolvendo discussões de como estava o andamento da
pandemia em cada Clínica da Família — e seus respectivos protocolos — entre os residentes e o professor
que gerenciava o programa do AMI. Foi importantíssimo para que tivéssemos reflexões a respeito do tema e
contássemos com a colaboração da experiência de profissionais de saúde que já haviam se formado há mais
tempo, com anos de prática médica em suas vidas. Era algo que gerava tranquilidade e diminuía a ansiedade.
Eu considero que a pandemia prejudicou, sim, a minha formação na Residência Médica em Medicina de
Família e Comunidade, principalmente na Clínica da Família. Seja porque o cuidado contínuo, o foco em
linhas de cuidado e a busca ativa foram, por certo período de pandemia, totalmente encerradas, o que gerava
menos enfoque na prática ambulatorial — restringindo nosso atendimento única e exclusivamente aos
sintomáticos respiratórios com suspeita ou confirmação de Covid-19 — seja também, porque no começo da
pandemia não conseguíamos exercer a prática do trabalho em comunidade, devido ao risco de contaminação
elevado decorrente dessa situação. O AMI, por exemplo, apenas retornou às atividades quando os protocolos
do HUPE foram estabelecidos e organizados de forma a realizarmos os atendimentos de forma mais segura
possível. Ter ficado sem alguns meses de AMI foi levemente prejudicial, na minha opinião. Todavia, entendo
que foi importantíssimo para evitar a contaminação, sobretudo no início da pandemia. Isso foi contornado
com a intensa prática clínica que aplicamos ao retornamos para os atendimentos presenciais no AMI, o que

139
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

foi muito proveitoso, nos meses seguintes, durante o primeiro ano de residência médica, conseguindo, no
restante do tempo em que passei pelo AMI, absorver o máximo de conhecimento possível, beneficiando, em
muito, a minha prática médica.
Vemos na fala do residente que alguns aspectos se destacam, como o Médico da Família ser um
especialista de uma comunidade e das pessoas e famílias dessa comunidade. Assim, o tempo em um mesmo
local, apreendendo a cultura, dados socioeconômicos e conhecendo pessoas é crucial para se tornar um bom
profissional. Ver a pessoa como um todo, aplicar o MCCP, usar ferramentas disponíveis para melhorar as
intervenções, ter empatia, compaixão e controlar preconceitos e pré-conceitos, entender como os determinantes
socioeconômicos, saúde mental, estado emocional, cultura e disponibilidade de equipamento social e médico
interagem na apresentação de sintomas, queixas e na tomada de decisão diante de sintomas, queixas ou quadros
fisiopatológicos mais definidos. O ser humano é complexo e, assim, há necessidade de entender os múltiplas
fatores que estão agindo para uma melhor tomada de decisão

Considerações Finais

Nós que participamos desse relato de experiência de ensino-trabalho aprendemos muito um com o outro,
com os colegas, médicos ou não e, principalmente, com os pacientes e a bibliografia disponível. Mas não foi
fácil. Muitas vezes foi desafiador e nem sempre o esperado, como tudo que fazemos, mas temos certeza de que
além de melhorarmos como profissionais ajudamos uns aos outros e conseguimos apoiar e aliviar o sofrimento
de nossos pacientes, sobretudo, durante essa epidemia que tanto sofrimento trouxe a todos nós.

Bibliografia

1. Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e Sua Entidade Nacional: Histórico e Perspectivas. Rev.
Bras. de Med. de Fam. e Com. 004; 1 (1): 5-10.
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UERJ Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, 15(3): 271-77, 2016.
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e seu Programa de Residência: 40 anos de História. DMIFC, Quem Somos, sem data informada, 2016.
Disponível em: https://www.dmifc.org/historico. Acessado em: 12 out. 2021.
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140
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novembro de 2. 2001. disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces04.pdf acessado em:
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11.Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de educação superior resolução nº 3,
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141
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Pandemia Covid-19: impactos no processo


ensino-aprendizagem e na assistência à saúde pelo
Programa de Residência em Medicina de Família
e Comunidade da Faculdade de Ciências Médicas/
Hospital Universitário Pedro Ernesto

Maria Inez Padula Anderson1; Rafael Cangemi2; Thais Ferrão3; Danielle Lourenço4; Debora Silva Teixeira5; Larissa de

Castro Ferreira6; Melanie Noël Maia7; Hilmar Dias Ricardo8; Rayssa Abreu Borges9

Professora Adjunta do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas e
1

Coordenadora Geral do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ; 2Professor Assistente do

Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas e Coordenador do Programa

de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ; 3Médica do Departamento de Medicina Integral, Familiar

e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas e Coordenadora do Programa de Residência em Medicina de Família e

Comunidade da UERJ; 4Médica de Família e Comunidade, preceptora do Programa de Residência em Medicina de Família e

Comunidade da UERJ; 5Professora Assistente do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária e Supervisora do

Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ; 6Médica de Família e Comunidade, formada pelo

Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ; 7Professora do Departamento de Atenção Primária

da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Supervisora do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da

UERJ; 8Médico de Família e Comunidade, preceptor do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ;

Médica de Família e Comunidade, preceptor do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ.
9

Descritores em português: Covid-19; Pandemia; Residência Médica; Medicina de Família e Comunidade; Atenção Primária à Saúde.

Descritores em inglês: Covid-19; Pandemics; Internship and Residency; Family Medicine; Primary Health Care.

Introdução

A pandemia da Covid-19 e a Atenção Primária à Saúde


A pandemia causada pela doença da Covid-19 atingiu mais de 244 milhões de pessoas em todo o mundo
e provocou mais quatro milhões de mortes1.
O Brasil, cuja população total atual é estimada em cerca 213 milhões de habitantes, é o 2º país do mundo
com maior número de mortes (606 mil), atrás somente dos Estados Unidos com 736 mil mortes. A Índia,
país com mais de um bilhão e trezentos milhões de habitantes, registrou quatrocentos e cinquenta e quatro
mil mortes até o momento2. Assim como nos demais níveis do sistema, a pandemia de Covid-19 desafiou a

142
Atenção Primária à Saúde (APS) a modificar seus processos de trabalho.
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A Atenção Primária é a base dos sistemas de saúde que apresentam os melhores indicadores e mais baixos
custos no mundo,3,4 e têm obtido resultados importantes no manejo de doenças crônicas não infecciosas, como
hipertensão e diabetes, na abordagem de doenças infecciosas como HIV/SIDA, tuberculose e ainda na redução
de mortalidade materna e infantil, entre outros. Estes resultados podem ser explicados pela individualização do
cuidado, cujo foco não mais recai sobre as doenças, mas sobre pessoas, em seus contextos familiar e comunitário,
levando em conta os fatores socioculturais e psicológicos envolvidos no processo saúde-adoecimento e na
adesão ao tratamento. A Medicina de Família e Comunidade é considerada a especialidade de excelência para
o trabalho na APS. A Residência Médica, assim como para outras especialidades, é considerada o padrão-ouro
na formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade. O Ministério da Saúde tem incentivado
a formação de especialistas através desta via que, além das vantagens relacionadas à própria formação de
recursos humanos, que contribui fortemente para a qualificação das unidades de saúde onde os programas são
desenvolvidos. Os Programas de Residência Médica, com mais de 80% da sua carga em atividades assistenciais,
e com supervisão de pares mais experientes, permitem o desenvolvimento de habilidades instrumentais e
atitudinais não passíveis de serem desenvolvidas em cursos de pós-graduação de outra natureza5.
Os PRMFC têm trazido importantes contribuições para otimizar e aperfeiçoar os serviços de APS. No
Rio de Janeiro, comparativamente a outras unidades, aquelas com PRMFC detém melhores resultados, por
exemplo, em relação a: detectar condições crônicas de saúde; fazer bom uso dos recursos disponíveis; evitar
transferir a solução de um problema para outros profissionais e solicitar menos encaminhamentos para a
atenção secundária; prescrever medicamentos de forma mais oportuna; realizar pequenos procedimentos6,7.
A UERJ tem larga experiência na formação de recursos humanos para a APS e para a Estratégia Saúde
da Família. O Departamento de Medicina Integral Familiar e Comunitária é responsável pela Residência
de Medicina de Família e Comunidade, da Faculdade de Ciências Médicas/Hospital Universitário Pedro
Ernesto. Este programa foi um dos três pioneiros nacionais na implantação do programa de residência na
área, instituído ainda em 1976, antes mesmo da criação da CNRM. São, portanto, quarenta e quatro anos de
experiência na formação de Médicos de Família e Comunidade e de atuação no campo docente-assistencial
da APS8.
Desde 2010, o PRMFC da UERJ estabeleceu convênio com a Secretaria Municipal de Saúde de tal modo
que os residentes de MFC realizam seus estágios práticos atualmente em sete Clínicas da Família, ocupando
vinte e sete equipes de Saúde da Família. Em 2020 iniciou projeto de Interiorização do PRMFC em parceria
com a Secretaria Estadual de Saúde, levando o PRMFC para municípios do interior do estado. Atualmente, o
PRMFC está em cinco cidades, a saber: Armação de Búzios, Maricá, Mesquita, Piraí e Três Rios, totalizando
dez equipes de Saúde da Família. No total, o PRMFC da UERJ tem sob sua responsabilidade docente-
assistencial, trinta e sete equipes de Saúde da Família. Considerando uma média de 3.500 pessoas por cada
equipe de Saúde da Família, podemos dizer que o PRMFC da UERJ tem sob sua responsabilidade sanitária
cerca de cento e trinta mil pessoas.
Ao contrário de muitos outros programas de residência, o PRMFC não interrompeu suas atividades
práticas no período da pandemia pela Covid-19. Na realidade, o PRMFC da UERJ, atuou desde o primeiro
momento, diretamente na linha de frente, nas unidades básicas de saúde, assistindo à população e realizando
atividades de vigilância à saúde, em conjunto com as equipes de Atenção Primária.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Este artigo traz um relato de experiência do PRMFC da UERJ, escrito a várias mãos. Retrata o que
tem sido o dia a dia do PRMFC desde o início da pandemia, e como tem afetado as atividades de ensino e
assistência e também a vida dos residentes e preceptoria.

Relato

Covid-19 e o impacto na organização, no processo ensino-aprendizagem e


na assistência do PRMFC
A pandemia da Covid-19 trouxe a necessidade de ajustes no processo de trabalho na APS: desde a rotina
dos atendimentos e das linhas de cuidados prioritárias às limitações quanto às visitas domiciliares e às ações
no território. Foi necessário estabelecer uma adequação para o atendimento da demanda espontânea, com um
fluxo de atendimento específico para pessoas com Síndrome Gripal. Campanhas de vacinação e processos de
vigilância à saúde sofreram impactos e tiveram que ser ajustados às necessidades da pandemia9.
Em uma unidade básica de saúde que é cenário formador do PRMFC da Uerj, os ajustes foram constantes
e a busca pelo equilíbrio entre a dinâmica assistencial e docente, foi diária. Foram utilizadas estratégias de
adaptação, que foram do espaço físico - como a separação de locais exclusivos para atendimento de síndrome
gripal - à elaboração de diversas escalas, com as mais variadas informações para dar conta do volume crescente
de atendimento.
Com o avançar da pandemia pela Ásia e Europa, e restrições muito tímidas das fronteiras brasileiras, era
esperado que casos da Covid-19 fossem identificados em território nacional, e a cidade do Rio de Janeiro,
sob o (des)governo Crivella, não seria exceção. Apesar de uma certa previsibilidade, o que foi vivenciado
como equipe e profissionais da saúde, e como preceptores e residentes do PRMFC da UERJ, foi a falta de
planejamento para atuarmos nos atendimentos de síndrome gripal.
Nos primeiros meses, as visitas domiciliares foram suspensas e os atendimentos foram desterritorializados.
As escalas eram feitas para uma semana, dado à incerteza sobre quais seriam os próximos passos e acontecimentos.
Houve suspensão dos canais teóricos nas unidades. Foi estabelecido em algumas unidades um importante
diálogo com outra universidade parceira, que contribuiu no telemonitoramento.
Os ajustes no processo de trabalho, incluíram a elaboração de escalas para apoio aos atendimentos de
sintomáticos e a orientação e restrição de acesso na porta da unidade. A desterritorialização dos atendimentos
não-Covid-19 foi proposta com objetivo de frear o acesso à unidade, ao colocar um profissional de ensino
superior na porta, por conta da crescente demanda Covid-19. Neste processo, também houve muito desgaste
em orientar sobre o potencial de contaminação existente na própria clínica e reforçar o “fica em casa”.
Insumos básicos como máscaras cirúrgicas e luvas faltaram em muitas das unidades nas quais o PRMFC
funciona. A necessidade básica de proteção dos profissionais de saúde não se configurou como prioridade
para a gestão naquele período inicial. Profissionais compraram, de forma independente, máscaras, protetores
faciais e capotes. E se não bastasse a falta de EPIs, itens de suporte de O2 ao paciente potencialmente grave,
como cateter nasal e máscara com reservatório inspiratório foram obtidos também por esforço particular dos
profissionais de saúde. Nem oxímetro havia. Foram necessárias semanas até que recebêssemos os primeiros

144
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

carregamentos de EPIs. Infelizmente, materiais sem certificação pelo Inmetro, de baixíssima qualidade e
origem duvidosa. Sinal de desrespeito à vida dos pacientes e dos profissionais que ali estavam expostos às
incertezas de uma pandemia.
A testagem sorológica também foi, por muitos meses, motivo de desgaste entre profissionais e pacientes.
Indisponível para uso em massa, a tentativa de explicar os protocolos estabelecidos pela SMS RJ nem sempre
eram ouvidos. Constrangimento e abuso de poder com o objetivo de burlar o protocolo foram recorrentes.
Desde março de 2020, foram incontáveis as situações em que foi necessário solicitar Vaga Zero para
remoção dos pacientes para avaliação em unidade hospitalar. Pacientes graves, hipoxêmicos, que buscavam
a unidade para atendimento. Nos primeiros meses de pandemia, com medidas restritivas mais intensas,
conseguimos um tempo de 30 a 40 minutos para a chegada da ambulância. Conforme as restrições foram
afrouxadas, e com o aumento exponencial de casos, vivenciamos situações de mais de cinco horas de espera
pela remoção. Isso, em um cenário sem a estrutura para uma eventual intubação.
Enquanto profissionais, vivemos não apenas as angústias de uma pandemia e todas as incertezas inerentes
a essa experiência, como passamos por momentos de instabilidade do vínculo empregatício. Houve demissão
e troca da Organização Social, responsável pelos contratos de trabalho dos profissionais da APS.
O tempo em consultório, lado a lado com os residentes, foi reduzido, o que pode trazer repercussão
negativa na formação dos nossos residentes. A necessidade de manter a assistência e o reforço do papel de
porta de entrada da APS, também fez com que os residentes experimentassem passar mais tempo dentro da
unidade. Espaços teóricos presenciais e rotineiros nas unidades, foram inicialmente suspensos e transformados
em remotos, alguns meses depois.
Junto a tudo isso, no final do último trimestre de 2020 ocorreu um boom de atendimentos de síndrome
gripal na sala zero e algumas unidades alcançaram mais de 2.000 (dois mil) atendimentos só em dezembro.
O grande temor veio quando os primeiros óbitos suspeitos foram identificados em pacientes das nossas
unidades, sem possibilidade de testagem rápida e oportuna para os profissionais que tinham tido contato.
Apesar disso tudo, as unidades se esforçaram muito para manter algumas linhas de cuidado a grupos
prioritários, os mais vulnerabilizados, exigindo um grande esforço e dedicação entre todas as frentes de uma
unidade básica de saúde.

Projeto de Interiorização do PRMFC-UERJ e a Pandemia


Em relação ao projeto de interiorização, a pandemia teve uma influência marcante, na medida em que o
projeto iniciou praticamente concomitante à mesma. O isolamento social imposto, afetou o funcionamento
da UERJ e impediu que fosse realizado um dos concursos públicos para seleção de médicos residentes,
impactando diretamente no preenchimento das vagas ofertadas. Desta forma 5 (cinco) residentes entraram
no programa e contaram com 4 (quatro) preceptores em 2 (dois) dos municípios participantes, Armação dos
Búzios e Três Rios.
Entretanto, em relação à assistência à saúde na pandemia propriamente dita, e de forma geral, nos
municípios do interior, houve um pouco mais de tempo para que a pandemia fosse deflagrada, quando
comparados à capital. Desta forma, puderam se beneficiar de um maior tempo para o preparo da rede de

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

saúde para o enfrentamento da pandemia e das experiências previamente implementadas em outros locais e
relatadas na literatura científica ou em grupos de trabalho.
Por outro lado, no interior, são frequentes as situações de redes assistenciais desorganizadas e deficientes
em mecanismos básicos de coordenação e regulação nas regiões distantes dos grandes centros urbanos.
Também houve mudanças nos processos assistenciais, com redução de circulação de pessoas, incluindo os
supervisores de campo e redução das atividades coletivas e comunitárias.
No município de Armação dos Búzios, por exemplo, o PRMFC-UERJ foi implementado na Clínica da
Família Olavo da Costa (CFOC) em março de 2020. O primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no dia 13
de abril de 2020, data em que no município do Rio de Janeiro foram notificados 753 atendimentos de pessoas
com síndrome gripal e 87 com síndrome respiratória aguda grave, e em que ocorreu o início dos sintomas de
1025 indivíduos com diagnóstico posteriormente confirmado de Covid-19, e de 118 pessoas que vieram a
falecer. Apesar da ampla cobertura da população pela ESF, o município apresenta um modelo de APS seletivo
e com práticas que desfavorecem o atributo do acesso, como a agenda formatada com grande número de
consultas agendadas e previsão de poucos “números” para atendimento em demanda espontânea.
A implementação do PRMFC-UERJ na unidade veio a fortalecer iniciativas locais para facilitação do
acesso que já vinham sendo implementadas por um profissional da unidade, egresso do PRMFC no Rio de
Janeiro, e que se tornou preceptor do projeto de interiorização. Mesmo diante da pandemia, foram realizados
esforços visando garantir tanto o atendimento de casos suspeitos com medidas de segurança para minimizar
o risco de disseminação, quanto o acolhimento e escuta de todos os indivíduos que buscassem a unidade.
Talvez o maior desafio da equipe do PRMFC-UERJ no município tenha sido à adaptação aos diferentes
modelos de funcionamento determinados pela gestão local de saúde, com práticas que variaram entre:
atendimento de todos os sintomáticos respiratórios; atendimento somente de adultos sintomáticos, com
crianças atendidas nos serviços de urgência; criação de um centro de Covid-19, com cessação dos atendimentos
na APS; e atendimentos de sintomáticos somente no turno da tarde, tendo em vista o funcionamento restrito
do centro de Covid-19 por falta de profissionais.
No ano de 2021, mais municípios puderam aderir ao projeto, sendo Mesquita um dos municípios
contemplados. Na maior parte dos municípios do interior, as cidades já contavam com um fluxo de organização
de atendimento de casos suspeitos de síndrome gripal em Polos fora da unidade, com profissionais dedicados
especificamente para a testagem e avaliação dos sintomáticos. A população era orientada a acessar diretamente
os polos e desta forma, as equipes não chegavam a ter uma pressão assistencial exacerbada de casos sintomáticos.
As equipes focaram então em iniciar o diagnóstico comunitário e a organização da assistência. Com o
avanço da vacinação e com a redução do número de casos, foi possível aos poucos iniciar a oferta de atividades
coletivas, e boa parte das equipes do PRMFC iniciou, também de forma pioneira, um grupo de acolhimento,
orientação e ajuda mútua para pessoas em maior situação de vulnerabilidade social nos territórios adscritos,
como a população de transexuais em Mesquita que historicamente apresentavam inúmeras dificuldades em
acessar os serviços de saúde.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Preceptoria do PRMFC
Orientar na preceptoria jovens médicos é sempre um desafio, durante uma pandemia é tarefa árdua. O
médico e a médica de família e comunidade, costumamos dizer, devem ser especialistas em gente, e devem
ter como três dos seus eixos estruturantes de atuação: (1) a competência cultural, (2) a abordagem familiar e a
(3) abordagem comunitária. É fundamental que se utilize estes eixos para buscar entender as necessidades de
saúde da população. No momento da pandemia a prioridade foi cuidar dos mais afetados e isso não abrangeu
somente os que adoeceram pelo novo coronavírus, mas seguramente estes foram a prioridade durante todo
este período.
Neste contexto, o medo foi o companheiro mais presente junto aos e às preceptoras nesses duros meses. O
não-saber inicial, as tentativas e erros, um tatear tão alheio à profissão médica que avaliamos não existir quem
não tenha se sentido inseguro. Ver-se preceptor nesse contexto, precisando não apenas motivar os residentes
de segundo anos que já estavam no início da pandemia, mas receber os novos que muitas vezes sequer sabiam
do que se tratava esse o tal contexto “biopsicossocial” que trabalhamos no PRMFC da UERJ, foi complexo.
Ao mesmo tempo, os e as preceptoras, lidávamos com receios pessoais, perdas de familiares e amigos e
muitas vezes adoecíamos nós mesmos, foi tarefa das mais desafiadoras. As demandas pareciam se resumir a
síndromes gripais, enquanto a verdadeira dor era emocional. Isolamento. Restrições. Máscaras. Falta o ar para
respirar. Falta o ar para viver.
E, nesse paradoxo de não haver respiradores que nos fizessem recuperar o fôlego, foi preciso manter a
temperança para que os que aqui chegavam já não se voltassem contra a especialidade, o curso, a esperança.
Muitos residentes só estão tendo algum contato com sua equipe completa após um ano e meio. Muitos
ainda não conseguiram sequer tal feito.
Quando pensamos no trabalho dos preceptores que estavam no dia a dia das unidades, observamos
adoecimentos por Covid-19 e afastamentos das atividades de preceptoria por adoecimento da saúde mental.
Insônia, esgotamento e Burnout foram verificados neste período.
Como é sabido, em momentos como a pandemia causada pela Covid-19, há evidências de que a
morbimortalidade relacionada à saúde mental tende a superar a relacionada diretamente à infecção, sendo
resultado da própria pandemia e também das medidas de distanciamento social. Os principais fatores de risco
para adoecimento mental incluem: vulnerabilidade social, contrair a doença ou conviver com alguém infectado,
existência de transtorno mental prévio, ser idoso e ser profissional de saúde. O isolamento físico e o excesso
de informações nem sempre confiáveis somam estressores à crise. No contexto brasileiro, e, especificamente
para os profissionais da APS, há ainda a crise político-institucional aumentando a ansiedade e insegurança
dos profissionais10.
As frequentes faltas nos turnos de alguns residentes por adoecimento de Covid-19 levaram a preceptoria
a ocupar mais ainda atividades assistenciais em detrimento das educacionais e vivência junto aos residentes. O
sofrimento de alguns preceptores ao perder entes queridos, ampliou em muito o estresse, o medo de morrer
e deixar familiares.

147
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Atividade de Supervisão do PRMFC


No projeto de interiorização do PRMFC, contamos com a figura de um/a supervisor/a por município.
O supervisor é um especialista em MFC, com mais experiência em processos de ensino-aprendizagem e
faz a interface entre o PRMFC e o município. A supervisão é um dos eixos estruturantes do projeto de
interiorização do PRMFC-UERJ.
As atividades de supervisão também foram afetadas pela pandemia. Uma dessas afetações foi concretamente
demonstrada a partir das restrições ao fluxo intermunicipal de pessoas que impediram a realização de visitas in loco
aos municípios até meados de setembro de 2020, ou seja, nos seis meses iniciais de implementação do projeto.
Cabe à figura do supervisor o fortalecimento da integração ensino-serviço, na perspectiva da educação
permanente considerando as necessidades de formação teórico-prática dos residentes e preceptores e buscando
identificar estas necessidades também em outros profissionais de saúde e representantes da gestão, para o
desenvolvimento de uma Atenção Primária à Saúde (APS) bem estruturada, eficaz e custo-efetiva. A ausência
de oportunidades de contato direto entre supervisores e equipes representou um desafio para que tais objetivos
fossem atingidos.
Ainda visando fortalecer o processo de interiorização e constituir um potencial corpo de preceptores
com melhores profissionais, essencial na garantia da qualidade do especialista formado pelo programa, este
projeto envolve também o pagamento de bolsa para complementação de salário para médicos preceptores,
estimulando o interesse destes profissionais em atuar na APS no interior do estado.

Considerações Finais

A Atenção Primária à Saúde foi o nível do sistema mais tardiamente implantado e desenvolvido a nível
mundial, a partir da famosa Conferência Mundial de Saúde em Alma Ata, há 43 anos, em 1978. Desde então,
os países mais desenvolvidos economicamente vêm implantando reformas nos seus sistemas visando sua
remodelação, com resultados evidentes.
Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como o Brasil, este processo tardou mais a ser
iniciado. No Brasil, o início desta reforma teve grande impulso a partir da implantação da Estratégia Saúde
da Família (ESF), modelo reconhecidamente exitoso tanto no Brasil como a nível internacional, já havendo
evidências diversas dos seus benefícios, alterando positivamente vários indicadores de saúde, como mortalidade
infantil, cuidado de pré-natal e, inclusive na redução de internações hospitalares11,12,13.
Entretanto desde 2016 a ESF vem sofrendo uma política de desmonte que vem afetando seriamente a sua
efetividade e o ânimo dos profissionais.
Escrever esse relato nesse momento da pandemia e na crise sanitária e política que atinge a APS, nos
fez recordar muitos momentos de sofrimento, estresse, companheirismo e percepção que sobrevivemos a um
momento histórico da humanidade.
Ficamos com a certeza que o PRMFC da UERJ, e o modo como atua, nos permitiu ter clareza da
importância do treinamento em serviço juntos aos residentes com compartilhamento de várias decisões coletivas
e promovendo os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias - e dentro das nossas possibilidades diárias

148
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

para dar continuidade aos compromissos descritos por Barbara Starfield3: a atenção no primeiro contato;
a longitudinalidade; a integralidade; e a coordenação do cuidado, além das abordagens estruturantes deste
cuidado: orientação familiar e comunitária e a competência cultural.
E o que aprendemos nesse tempo? Aprendemos que o médico de família e comunidade, essa quimera,
devem entender-se como parte fundamental do cuidar, porém jamais como profissional único nesse dever.
Quem seríamos sem os agentes comunitários de saúde que perceberam, mais do que ninguém, onde a
solidão levou a vida de quem sobreviveu à Covid-19?
O que faríamos sem o corpo de enfermagem que se desdobrou por horas infinitas, feriados perdidos, finais
de semana, filas intermináveis, na dura tarefa de acolher, ouvir, sofrer calado as muitas humilhações diárias em
prol da saúde coletiva?
Como seria se a administração não fosse parceira de todas as horas, tentando manejar o que muitas vezes
parecia impossível, num malabarismo infinito?
Sem equipe, não há cuidado integral e sem cuidado integral, não somos Saúde da Família.
A pandemia reforça a necessidade de defesa do protagonismo da APS para a alocação de recursos
financeiros, otimizando gastos e organizando fluxos para reduzir gastos desnecessários com internações
hospitalares, tanto pela Covid-19, quanto pelas demais causas sensíveis à APS.
O relato das experiências e desafios vivenciados no processo de construção dos fluxos das unidades nestes
tempos de crise, são fundamentais para a orientação de estratégias inovadoras que priorizem a saúde da
população e contribuam para o fortalecimento da APS e do SUS, sobretudo no contexto de pandemia e de
subfinanciamento.
Naturalmente, tanto os profissionais quanto a população foram impactados por este cenário que se
estendeu durante o ano de 2020 e grande parte do ano de 2021. Apesar do desgaste gerado pela constante
necessidade de adaptação, os desafios inerentes ao contexto também se traduziram em oportunidades de
aprendizado e aquisição de competências relacionadas à liderança e organização do processo de trabalho,
especialmente relevante para o R3 de administração em saúde.
A pandemia da Covid-19 tem colocado os sistemas de saúde de todo o mundo sob grande demanda
técnica e organizacional, e neste sentido a APS tem demonstrado seu papel estratégico e essencial, com
sua potencialidade de otimizar a identificação e manejo de sintomáticos, a coordenação do cuidado e
encaminhamento de casos graves em tempo oportuno; além do manejo de paciente com doenças crônicas
e multimorbidades, no âmbito individual, familiar e comunitário. Neste sentido, vale chamar a atenção para
as atuais políticas implementadas pelo Ministério da Saúde14 que apontam para um desmonte da Estratégia
Saúde da Família, modelo exitoso de APS, com reconhecimento nacional e internacional.
O PRMFC da UERJ pode ampliar e fortalecer a capacidade técnica dos profissionais médicos e dar
suporte para a equipe multiprofissional. Investir na qualificação da APS é também investir no combate à
pandemia e na melhoria efetiva do cuidado em saúde da população. Contribuir para garantir a equidade
em saúde para uma população vulnerabilidade foi possível, mesmo no contexto desfavorável da pandemia,
indicando a potência do trabalho da residência médica.
Este breve relato de experiência demonstra que o PRMFC da UERJ, no município do Rio de Janeiro
e no processo de interiorização da residência, além de estimular a formação profissional, tem potencial para

149
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

qualificar a rede dos municípios, e assistir melhor à população, mesmo em um cenário sanitário de inúmeras
dificuldades.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Relato de experiência das internações de crianças na


Enfermaria de Pediatria durante a pandemia

Paula Florence Sampaio1; Renata Caetano Kuschnir1; Denise Cardoso das Neves Sztajnbok1; Christianne d’Almeida

Martins2; Vinicius Moreira Gonçalves1; Hanna Diniz dos Santos Araújo2; Marianne Quintas Rabello Moraes2

Professores do Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas UERJ; 2Médicos Pediatras do Hospital Universitário
1

Pedro Ernesto, UERJ.

Descritores em português: Covid-19; criança; internação

Descritores em inglês: Covid-19; child; Inpatient Care Units

Introdução

A infecção pelo SARS-CoV-2 na população pediátrica


A pandemia pelo SARS-CoV-2 teve início em dezembro de 2019, quando foi identificada em Wuhan, na
China, uma doença respiratória causada por um novo coronavírus – a Covid-19. A enfermidade se mostrou
potencialmente grave, de modo que seis dos 41 pacientes inicialmente identificados na cidade chinesa
evoluíram para óbito1. Rapidamente a doença se disseminou a nível mundial e o primeiro caso confirmado no
Brasil ocorreu em 26 de fevereiro de 2020 segundo o Ministério da Saúde.
A doença tem um largo espectro de gravidade que vem sendo definido, podendo os pacientes apresentar
desde quadros assintomáticos até evoluções fatais. Uma gama de sinais e sintomas pode estar associada à
sua apresentação clínica, sendo em sua maioria inespecíficos e comuns a outras infecções virais, como: febre,
tosse, taquipneia, fadiga, mialgia, cefaleia, obstrução nasal, rinorreia, náuseas com ou sem vômitos e diarreia.
Alterações como anosmia e ageusia são bastante relatadas em associação a esta infecção e parecem ser mais
específicas da Covid-19 em adultos. Sinais de alerta para quadros de maior gravidade são dor torácica, confusão
mental, sonolência, dispneia e cianose central2.
Enquanto em adultos e idosos a doença pode ser bastante sintomática, na faixa etária pediátrica a infecção
por SARS-CoV-2 pode cursar muitas vezes sem sintomas3 ou apenas com sintomas leves, sem necessidade
de hospitalização4. A taxa de internação hospitalar em crianças é praticamente metade daquela encontrada na
população adulta2,3,4. Ademais, em termos quantitativos, as crianças também parecem ser menos acometidas
que os adultos, uma vez que diversos estudos provenientes de diferentes regiões do mundo mostraram que os
casos pediátricos são pequena parcela dos casos confirmados, variando de 2,1 a 7,8%5,6,7.
Diversos trabalhos mostraram que sintomas de via aérea superior, tosse e febre são achados comuns nas
infecções infantis. Sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, diarreia e vômitos, foram descritos em
associação com outros sintomas ou isoladamente em uma proporção significativa dos pacientes8,1. A evolução

152
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

grave com insuficiência respiratória associada ou não a outras disfunções orgânicas, apesar de pouco frequente,
pode ocorrer. Este desfecho é mais comum em lactentes menores de um ano3,9.
Os achados laboratoriais em pacientes pediátricos são muito variáveis e ainda pouco definidos. Uma
metanálise mostrou que a alteração de leucócitos ocorreu em 32% dos pacientes com doença leve, entretanto,
13% apresentou elevação, enquanto 19% teve baixas contagens. De forma mais assertiva, foi verificado que
alguns marcadores podem estar alterados em casos de maior gravidade: proteína C reativa, procalcitonina e
desidrogenase lática (LDH)10.
Em maio de 2020, um estudo britânico alarmou a comunidade científica em relação a uma nova
entidade clínica associada à infecção pelo SARS-CoV-2 na faixa etária pediátrica. Os pacientes apresentaram
quadro clínico potencialmente grave, com febre e acometimento orgânico (cardíaco, renal, hematológico,
gastrointestinal, pulmonar, cutâneo e/ou neurológico) associado a marcadores inflamatórios elevados11. Em
seguida, casos semelhantes foram descritos na Itália12, Estados Unidos13, França14, Suíça15 e posteriormente
em outros países. Foi então relacionada à infecção por SARS-CoV-2 uma nova entidade denominada
MIS-C (do inglês: multi­system inflammatory syndrome in children) ou, em português, Síndrome Inflamatória
Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). O surgimento da nova afecção foi evidenciado após ter sido constatado
que havia aumento no número de casos de MIS-C quatro a seis semanas após o pico local da Covid-192,16,17.
A doença tem como característica uma resposta inflamatória tardia e exacerbada que, em geral, acontece dias
ou semanas após a Covid-19. Apesar de ser uma síndrome rara, é potencialmente grave, havendo necessidade
de internação em grande parte dos casos em unidade de terapia intensiva18.
São critérios para o diagnóstico de MIS-C: indivíduo com menos de 21 anos apresentando febre (>
38°C por pelo menos 24 horas), exames laboratoriais com aumento de atividade inflamatória (aumento de
proteína C reativa, VHS, fibrinogênio, procalcitonina, d-dímero, ferritina, LDH ou IL-6), envolvimento de
dois ou mais sistemas (cardiovascular, renal, respiratório, hematológico, gastrointestinal, dermatológico ou
neurológico), sem outro diagnostico possível e com PCR, teste antígeno ou sorológico positivo para Covid-19
ou história de exposição a caso suspeito ou confirmado de Covid-19 nas últimas 4 semanas antes do início
dos sintomas2,18.

Relato

A inserção do HUPE na regulação de vagas para pacientes Covid-19 no


Estado do Rio de Janeiro
O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) teve papel crucial no enfrentamento da pandemia, tanto
para população adulta quanto pediátrica, uma vez que foi considerado referência para pacientes Covid-19 no
estado do Rio de Janeiro. Este capítulo visa relatar a experiência de internação dessas crianças assim como
descrever a população dos pacientes internados e que apresentaram infecção pelo SARS-CoV-2.
Para a população pediátrica, foram ofertados inicialmente cinco leitos de Unidade de Terapia Intensiva
Pediátrica (UTIP), dois leitos de UTI neonatal e dez leitos de enfermaria para crianças e adolescentes.
Estruturalmente, esta oferta de leitos implicou em mudanças de espaço físico onde eram feitos atendimentos de

153
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

pacientes tanto ambulatoriais quanto internados. Dada a necessidade de isolamento dos pacientes infectados,
houve a separação de enfermarias e unidades fechadas para pacientes Covid-19 e não Covid-19. Houve a
contratação de equipes de enfermagem e médica via projetos do estado do Rio de Janeiro para o atendimento
assistencial destes pacientes internados, uma vez que a equipe assistencial precisou ser dividida.
A UDA de pediatria passou então a contar com duas UTIs Pediátricas: uma Covid-19, situada na
antiga enfermaria cirúrgica pediátrica e outra não Covid-19. Também dispusemos de duas enfermarias
clínicas pediátricas, sendo que a unidade de internação para pacientes Covid-19 foi alocada inicialmente na
enfermaria de dermatologia do HUPE. Estas unidades Covid-19 pediátricas também eram responsáveis pelo
atendimento de adolescentes (até 17 anos e 11 meses).
Com a diminuição do número de casos de Covid-19 no segundo semestre de 2020, os leitos de enfermaria
pediátrica e UTI pediátrica foram reduzidos para quatro e três, respectivamente. No segundo semestre de
2021, foram fechadas UTI Pediátrica e enfermaria Covid-19 e o espaço físico destas unidades foi novamente
ocupado por pacientes cirúrgicos pediátricos, como ocorria antes da pandemia.

Internações pediátricas com suspeita de Covid-19 no HUPE


Os dados aqui apresentados foram retirados via relatórios gerados no software MV, sistema atualmente
utilizado no HUPE para registro eletrônico do prontuário. Assim, pôde-se tanto revisar os dados das
internações de forma qualitativa (prontuário específico de cada paciente) quanto quantitativa (relatório das
internações no período analisado). Foi optado por analisar as internações do ano de 2020 e primeiro semestre
de 2021, dado que após esse período as enfermarias Covid-19 foram extintas.
Com o decreto de isolamento domiciliar e diminuição das atividades hospitalares regulares em março de
2020, ocorreu a redução no número das internações por doenças comumente atendidas pela pediatria (Tabela
1). Além disso, houve a diminuição do número de leitos desta enfermaria, de 16 para 14, a fim de manter o
distanciamento necessário entre os leitos durante a pandemia. Em maio de 2020, houve o menor número de
internações não Covid-19, ocorrendo apenas 21 internações, o que gerou taxa de ocupação de apenas 31%.
Em 2021, com a diminuição do número de casos da doença e a reabertura, os atendimentos foram voltando à
normalidade. Em maio de 2021, por exemplo, foram 41 internações com taxa de ocupação de 62%.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Tabela 1 – Número de internações e taxa de ocupação da enfermaria de pediatria comum (não Covid-19), ano de 2020

e primeiro semestre de 2021, HUPE.

2020 Internações (n) Taxa de Ocupação (%)


Janeiro 63 43
Fevereiro 61 55
Março 51 55
Abril 40 26
Maio 21 31
Junho 40 35
Julho 43 49
Agosto 68 65
Setembro 60 61
Outubro 52 62
Novembro 60 59
Dezembro 45 58
TOTAL 604
2021 Internações (n) Taxa de Ocupação (%)
Janeiro 53 80
Fevereiro 49 73
Março 53 83
Abril 37 65
Maio 41 62
Junho 45 64
TOTAL 278

A enfermaria pediátrica Covid-19 foi aberta em meados de abril, com dez leitos, e teve seu maior número
de internações nos meses de maio, junho e julho (Tabela 2). A partir de agosto, houve a transferência para
local com 4 leitos, o que explica número de internações menor, porém com maior taxa de ocupação neste mês.
Cabe frisar neste momento que as crianças e adolescentes com suspeita de Covid-19 eram colocadas
nesta enfermaria, até se descartar o diagnóstico. Desta forma, muitos casos suspeitos não foram confirmados,
mas foram contabilizados como internações na enfermaria Covid-19.

Tabela 2 – Número de internações e taxa de ocupação da enfermaria de pediatria Covid-19, ano de 2020 e primeiro

semestre de 2021, HUPE.

2020 Internações (n) Taxa de Ocupação (%)


Janeiro - -
Fevereiro - -
Março - -
Abril 1 -
Maio 17 32
Junho 24 51
Julho 24 41
Agosto 11 58

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Setembro 14 48
Outubro 10 44
Novembro 1 33
Dezembro 15 60
TOTAL 117
2021 Internações (n) Taxa de Ocupação (%)
Janeiro 16 87
Fevereiro 15 70
Março 12 61
Abril 1 0
Maio 2 13
Junho 2 6
TOTAL 48

No início do ano de 2021, nota-se novo aumento no número de internações, chegando a taxas de ocupação
de 87, 70 e 61%, nos três primeiros meses. Ao fim do primeiro trimestre, há queda considerável nestas
internações na enfermaria Covid-19 pediátrica. Além da diminuição do número de casos no município do RJ
neste período, também contribuiu para a menor ocupação desta enfermaria, a facilidade de realização do teste
antígeno dentro do hospital e agilidade no resultado. Desta forma, uma vez que a criança era internada com
suspeita de Covid-19, porém com resultado de teste antígeno negativo, a mesma era retirada da enfermaria
Covid-19 e colocada na enfermaria comum.
Das 117 crianças que passaram pela enfermaria de pediatria com suspeita de Covid-19 em 2020, 26 (22%)
tiveram resultado positivo, seja PCR ou sorologia ou preenchendo os critérios diagnósticos para MIS-C.
Destas positivas, 20 crianças vieram transferidas de outro hospital ou unidade de pronto atendimento (UPA),
sendo metade delas de outros municípios, principalmente da Baixada Fluminense. O pico dos casos em nossa
enfermaria ocorreu em maio, havendo drástico declínio no segundo semestre de 2020 (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Número de crianças internadas na enfermaria de pediatria do HUPE que tiveram diagnóstico de Covid-19

no ano de 2020 (n=26).

Dos 26 casos internados, 17 tiveram resultado de PCR positivo para Covid-19 e 7 tiveram resultado
inconclusivo. Duas crianças tiveram resultado negativo de PCR, porém apresentaram IgM ou IgG positivo.

156
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Além disso, destes casos internados, 10 (38%) eram lactentes até 2 anos de idade, 9 (34%) eram maiores de
10 anos e 16 (61%) eram do sexo masculino. Mais da metade (57%) dos pacientes internados com resultado
positivo não tinha história de doença de base. Dentre as doenças de base do restante, podemos citar asma,
encefalopatia crônica não progressiva, leucemia, cardiopatia congênita e defeitos do metabolismo.
Dentre os sintomas apresentados, os mais frequentes foram febre e dispneia (Tabela 3). Cabe lembrar
que não podemos generalizar estes achados para população geral, uma vez que o relato feito aqui é dos casos
internados, que claramente apresentam maior gravidade pelo fato de terem indicação de internação.

Tabela 3 – Sintomas mais frequentes nas crianças com Covid-19 internadas na enfermaria de Pediatria do HUPE,

2020 (n=26).

Sintoma N (%)
Febre 15 (57%)
Dispneia 14 (53%)
Tosse 8 (30%)
Coriza 5 (19%)
Exantema 2 (7%)
Diarreia 1 (4%)

Dezesseis crianças foram internadas com quadro gripal e/ou dispneia, sete apresentaram critérios clínicos
para MIS-C, duas apresentaram quadro semelhante à apendicite e uma abriu o quadro de diabetes mellitus
durante infecção por SARS-CoV-2. Das crianças internadas na enfermaria de pediatria, 16 vieram da UTI
Pediátrica do HUPE após melhora da condição clínica. Sessenta e um por cento (16) necessitaram de suporte
ventilatório com oxigênio e 31% (8) necessitaram de ventilação mecânica na UTI Pediátrica. A mediana
do tempo de internação total (UTI + enfermaria) das crianças com diagnóstico de Covid-19 foi de 8 dias
e a média de 13 dias. Todas as 26 crianças diagnosticadas com Covid-19 que passaram pela enfermaria de
pediatria tiveram alta hospitalar.

Desafios encontrados
No começo da pandemia, além das incertezas iniciais sobre a forma de transmissão e a gravidade da
Covid-19 na população pediátrica, um grande desafio foi a demora no resultado dos exames de PCR coletados.
Como a realização dos exames era concentrada no LACEN (Laboratório Central Noel Nutels) e o período de
espera do resultado poderia chegar a até 10 dias, por vezes foi dada alta para criança que apresentava melhora
clínica e condições para tal, sem o resultado do teste Covid-19. Nestes casos, a família era orientada a manter
a criança em isolamento domiciliar e o resultado comunicado pelo telefone posteriormente.
Mais adiante, houve a realização dos testes de PCR pela Policlínica Piquet Carneiro, o que trouxe agilidade
na chegada de resultados. Isso permitiu não só o diagnóstico mais precoce como a economia de material de
precaução de contato, uma vez que a criança poderia sair do isolamento após exame negativo. Com a chegada
de outros tipos de teste mais rápidos como, por exemplo, o teste antígeno, foi possibilitado o rastreio de toda
criança que apresentasse sintomatologia suspeita.
Outro desafio, este mais específico da população pediátrica, foi a presença de acompanhantes durante a

157
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

internação, que é garantida por lei para menores de 18 anos. Tal situação favorecia o aumento da aglomeração
de pessoas e aumento do risco de surto na enfermaria. Entretanto, os acompanhantes eram orientados a evitar
a saída do hospital e trocar com outro a qualquer sintoma suspeito, uma vez que havia necessidade do respeito
à lei de acompanhantes. Ademais, foi interpretado pela equipe de saúde que as crianças se beneficiariam desta
presença durante a internação.
Por último, ao longo das internações das crianças com quadro respiratório, foram também identificados
em alguns casos outros vírus, como influenza, parainfluenza, vírus sincicial respiratório e adenovírus, não
sendo incomum coinfecção destes com o SARS-CoV-2.

Considerações Finais

O HUPE teve papel fundamental no enfrentamento da Covid-19 em nosso estado, contribuindo não só
com ensino e pesquisa, mas também com a assistência à população fluminense. Na pediatria, tivemos inserção
ativa na regulação de vagas do estado tanto das unidades intensivas quanto de enfermaria.
A infecção por SARS-CoV-2 na população pediátrica em geral tem menor gravidade do que na população
adulta, entretanto não deve ser menosprezada nesta faixa etária. Deve-se estar atento aos sinais de alarme ou
gravidade (queda do estado geral, incapacidade de ingerir líquidos, presença de esforço respiratório) também
presentes em outras infecções virais, assim como pensar na possibilidade do diagnóstico de MIS-C, afecção
que pode ter evolução e sequelas potencialmente graves, como disfunção cardíaca14.
Lembra-se que tanto os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), caracterizados por
crianças internadas com dispneia ou saturação de oxigênio menor que 95%, quanto os casos de MIS-C devem
ser obrigatoriamente notificados ao Ministério da Saúde por meio de ficha de notificação específica, a fim
de se realizar o monitoramento destas afecções no país. Estudo recente utilizando informação proveniente
deste banco de dados apontou que indivíduos com menos de 20 anos correspondem a 7,3% dos pacientes
notificados com SRAG, porém a apenas 1,3% daqueles com resultado positivo para Covid-1919.
É importante mencionar que, além das questões inerentes à infecção por SARS-CoV-2, há questões mais
abrangentes e não menos graves, enfrentadas pela população pediátrica durante a pandemia, como aumento
do diagnóstico de transtornos mentais nesta faixa etária (como ansiedade e depressão)20, aumento de casos de
violência contra criança (negligência, violência física ou psicológica)21 e o afastamento das atividades escolares.
Desta forma, alerta-se que apesar da população pediátrica ter sido menos impactada pelos efeitos biológicos
do vírus, houve grande impacto social na vida destas crianças. Assim, apesar da atual melhora da situação
epidemiológica em nosso país, cabe aos profissionais de saúde que atendem esta faixa etária estar atentos a
estas dificuldades enfrentadas pelas crianças na pandemia, podendo então oferecer apoio e proteção à infância
e adolescência.
O ano de 2020 colocou à prova nossa vocação de ensino aos alunos e residentes e nossa capacidade
de atendimento à população pediátrica. Apesar do pouco conhecimento sobre a nova doença e de toda
reestruturação que tivemos que fazer em nossos locais de trabalho, fomos capazes de nos unir como equipe de
saúde multiprofissional e prestar assistência de qualidade à população fluminense pediátrica.

158
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

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160
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Sintomas neurológicos em pacientes ambulatoriais


de Covid-19

Sara Martinelli de Souza1; Mariana Spitz2

1
Médica Neurologista. Residente em Neurologia FCM-HUPE UERJ (2017-2020); 2Professora Adjunta da Disciplina de

Neurologia da FCM UERJ

Descritores em Português: Covid-19; pacientes ambulatoriais; telemedicina; , sintomas neurológicos.

Descritores em Inglês: Covid-19; outpatient care; telemedicine; neurological manifestations.

Introdução

Desde que a síndrome respiratória aguda provocada pelo coronavírus 2 (SARS-Cov-2) emergiu em dezembro
de 2019, estabeleceu-se uma recomendação universal: fique em casa. A demanda de assistência ambulatorial no
mundo inteiro teve que se adaptar para oferecer um serviço de qualidade diante dessa nova realidade implantada.
O impacto da pandemia nos pacientes ambulatoriais neurológicos mostrou a vulnerabilidade dos nossos pacientes
diante da ausência regular do acompanhamento neurológico 1. Entretanto, a telemedicina se expandiu e possibilitou
alcançar os pacientes mais distantes e facilitar o acesso aos serviços de saúde 2. Esta é uma ferramenta para preservar
os pacientes em casa e concomitantemente promover a assistência e cuidados necessários.
Neste contexto, e diante das crescentes descrições de manifestações neurológicas em pacientes com
Covid-19, surgiu a ideia de estudarmos os nossos pacientes e o comportamento da doença na nossa população. O
objetivo dessa pesquisa foi descrever e analisar as principais manifestações neurológicas avaliadas remotamente
em pacientes com Covid-19 que participaram do processo de triagem da Policlínica Piquet Carneiro (PPC)
entre o período de maio a junho de 2020. Foram 120 pacientes submetidos a um formulário de avaliação
de sintomas, via ligação telefônica, durante o período em que cumpriam as medidas de isolamento social, e
repetido após três meses do início dos sintomas.

Métodos

Assim que a pandemia se estabeleceu, a PPC organizou um processo de triagem para Covid-19 em
suas instalações, providência mais do que necessária em meio a uma pandemia de uma doença altamente
infecciosa. Em meio ao burburinho dos primeiros dias, não sabíamos (e ainda há muito do que se aprender)
toda a extensão da lesão do vírus no sistema neurológico. Diante disso, foi montado um formulário clínico
(Figura 1), denominado Questionário de Sintomas, como ferramenta para avaliar os pacientes remotamente e
acompanhar a evolução dos sintomas neurológicos. Devido à excepcionalidade da situação e a rapidez com
que foi instalada, não havia até aquele momento instrumentos validados internacionalmente e traduzidos para
o português que pudessem ser utilizados. Então, foi proposto a elaboração deste formulário através de uma

161
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

reunião de especialistas: Dra. Sara Martinelli, ex-residente de Neurologia do Hospital Universitário Pedro
Ernesto (HUPE); Dr. Daniel Simplício, médico do serviço de Neurologia do HUPE e chefe do ambulatório de
Cognição da PPC; Dra. Mariana Spitz, professora adjunta do Serviço de Neurologia do HUPE e especialista
em distúrbios do movimento.

Questionário de Sintomas:

Dados Gerais:

Nome | Gênero | Data de nascimento | Profissão |

História Médica: Você é portador ou já foi diagnosticado com alguma doença?

( ) Hipertensão Arterial ( ) Diabetes Mellitus ( ) Obesidade ( ) Tabagismo ( ) Enxaqueca ( ) Asma

( ) Epilepsia ( ) Acidente Vascular Cerebral ( ) Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (Enfisema ou Bronquite
Crônica)

( ) Doença Autoimune ( ) Doença Psiquiátrica ( ) Doença Neurológica ( ) Outras


História Farmacológica:

Você faz uso de algum medicamento? Se sim, quais?

História da Covid-19:

Data de Início dos Sintomas | Descrição dos Primeiros Sintomas | Método Diagnóstico

Sintomas Neurológicos:

Durante a evolução da Covid-19, você sentiu ou apresentou algum destes sintomas listados abaixo?

( ) Cefaleia ( ) Alteração de Sensibilidade ( ) Crise Convulsiva ( ) Mudança de Comportamento ( ) Ausência ou


redução do olfato ( ) Ausência ou redução do paladar ( ) Sonolência ( ) Dor muscular ( ) Tontura
( ) Perda da consciência ou desmaio ( ) Visão dupla ( ) Redução da força ( ) Engasgos

Se presente um ou mais dos sintomas listados acima, especificar:

Cefaleia:

Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Ocorrência: Madrugada, Manhã, Tarde e Noite | Localização: Uni ou
bilateral: Frontal, Temporal, Parietal, Occipital ou Holocraniana | Característica: Pressão, aperto, latejante,
pulsátil, pontada.

Alteração de sensibilidade:

Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Ocorrência: Madrugada, Manhã, Tarde, Noite | Localização: Uni ou
bilateral: Membros superiores ou inferiores; ou facial | Característica: Pontada, formigamento ou queimação

Alteração do olfato

Ausência | Redução | Perversão | Duração (dias)

Alteração do paladar

Ausência | Redução | Perversão | Duração (dias)

162
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Alteração de Comportamento

Delírio, Alucinações, Agressividade, Depressão, Ansiedade, Euforia, Apatia, Desinibição,


Irritabilidade, Atividades Repetitivas, Insônia, Alteração do Apetite | Intensidade: Leve, Moderada,
Grave

Sonolência

Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Duração (dias)

Dor muscular

Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Localização: Uni ou bilateral: membros superiores ou


inferiores; dorso; região cervical.

Redução da força

Localização: Membro superior direito, membro inferior direito, membro superior esquerdo,
membro inferior esquerdo, sustentação da cabeça | Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Duração
(dias)

Visão dupla

Característica: Binocular, monocular | Número de vezes | Duração (dias)

Engasgos

Frequência: Raramente | Frequentemente| Muito frequentemente | Duração (dias)

Crise Convulsiva:

Ocorrência: acordado ou dormindo | Número de Crises

Perda da consciência ou desmaio

Número de vezes | Características: visão em túnel, palidez, sudorese, liberação esfincteriana,


sonolência pós-evento.

Duração

Tontura

Intensidade: Leve, Moderada, Grave | Ocorrência: Madrugada, Manhã, Tarde e Noite

Figura 1: Questionário de Sintomas formulado a partir de reunião de especialistas.

Os pacientes selecionados deveriam se enquadrar nos critérios de elegibilidade, a saber: idade maior
ou igual a 18 anos e testagem positiva para Covid-19 pelos métodos diagnósticos empregados na PPC
(Figura 2) - RT-PCR (Real Time - Polymerase Chain Reaction) e teste rápido sorológico IgM/ IgG. O
critério de exclusão foi doença grave, com evolução para insuficiência respiratória. Métodos de diagnósticos
complementares (ex. eletroneuromiografia, eletroencefalograma) não foram realizados, pois não era a proposta
da pesquisa. Ao todo, foram incluídos 121 pacientes. Os dados foram obtidos através de ligação telefônica
com duração média de 20 minutos por um único pesquisador, Dra. Sara Martinelli. O estudo foi submetido
à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética do HUPE (3995283).

163
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 2: Métodos diagnósticos realizados na triagem da PPC: swab nasofaríngeo para coleta de material biológico

para realização do RT-PCR e teste rápido sorológico.

Fonte: próprio autor.

Elaboração do Questionário de Sintomas


Os dados pessoais como nome, data de nascimento, gênero e ocupação, são sempre essenciais como
primeiro passo para a coleta de informações 3. A história médica pregressa é importante para avaliar o risco de
uma evolução indesejada. Devido à alta prevalência, sempre é útil e importante perguntar sobre hipertensão
arterial sistêmica, doenças crônicas do pulmão, diabetes mellitus, doenças autoimunes e tabagismo, entre
outras4. As medicações de uso regular também devem ser questionadas, com atenção para inibidores da ECA
(enzima conversora de angiotensina), antagonistas de canais de cálcio, estatinas, esteroides, anti-inflamatórios
não-esteroidais, imunossupressores e outros 3. A história da Covid-19, como doença infecciosa, também deve
ser relatada. A data do início dos sintomas é importante para estabelecer a linha do tempo de evolução da
doença. Os sintomas iniciais também devem ser descritos, e estes podem ser diversos como: tosse, febre,
mialgia, fadiga, dispneia, diarreia e vômitos 5.

Sintomas Neurológicos
As perguntas sobre as manifestações neurológicas contemplam doze grupo de sintomas: cefaleia, crise
convulsiva, mudança de comportamento, alteração de sensibilidade, alteração do olfato, alteração do paladar,
sonolência, dor muscular, tontura, perda da consciência ou desmaio, visão dupla, redução da força e engasgos.
Cada grupo de sintomas é discriminado em relação a localização, ocorrência, frequência e duração. Evitou-se
uso de termos técnicos para melhor compreensão dos pacientes e optou-se por perguntas curtas com respostas
objetivas. É importante ressaltar que durante a pesquisa nenhum paciente apresentou sinais de alerta que
indicassem necessidade de internação. Alguns aspectos destes sintomas e sua relação com a Covid-19 são
discutidos abaixo.

Dor de Cabeça
O mecanismo da dor de cabeça no processo da Covid-19 é incerto, porém o papel da ativação do nervo
trigêmeo pelas citocinas inflamatórias é uma das hipóteses 6
(Figura 3). Este sintoma deve ser detalhado

164
quanto à frequência, localização e duração. Piora ou persistência da cefaleia, principalmente quando associada
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

a alteração do nível de consciência, é um dos sinais de alerta para meningites, encefalites ou trombose venosa
central7. Quando presentes, deve-se encaminhar para investigação complementar com neuroimagem e punção
lombar 8.

Figura 3: Há hipóteses de que as citocinas inflamatórias ativam o nervo trigêmeo, sendo estes um dos mecanismos da

dor de cabeça na Covid-19.

Autoria: próprio autor.

Alteração do olfato e do paladar


Alteração do olfato e do paladar são relatadas como sintomas precoces da infecção pelo SARS-Cov-29.
O comprometimento de ambos pode coexistir em 68% dos casos10. Anosmia vem sendo relatada como a
principal disfunção olfatória, e ageusia e hipogeusia as mais comuns anormalidades gustativas11. Entretanto,
fantosmia e parosmia associada com parageusia têm sido relatadas como alteração incomum dos sentidos12.
Durante o desenvolvimento desta pesquisa foram diagnosticados dois exemplos de evolução incomum de
alteração do olfato e do paladar relacionados à Covid-19. Os pacientes evoluíram com sintomas de fantosmia e
parosmia associado à parageusia. A apresentação anormal dos casos originou em uma publicação em periódico
intitulada: Taste and Smell Dysfunction in Covid-19 Patients 13.

Alteração de comportamento
Sonolência excessiva, irresponsividade, irritabilidade e mudança de comportamento são relatados no curso
das encefalites por SARS-Cov-214. A presença do vírus no líquido cefalorraquidiano e no parênquima cerebral
em estudos post-mortem já é conhecida15. Encefalopatia por hipóxia devido ao dano pulmonar e sepse podem
ocorrer e se manifestar como alteração do nível de consciência, desde confusão leve até o coma profundo16.
Manifestações neuropsiquiátricas também são relatadas, como psicose e transtornos afetivos17. Nestes casos
de mudança aguda do estado mental, internação seguida de coleta e análise de líquor e neuroimagem são
recomendadas 18.

165
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Doença Cerebrovascular
Fraqueza de membros ou da face são sintomas de eventos cerebrovasculares. Até em pacientes hospitalizados,
estes desfechos são incomuns nos pacientes com Covid-19 e ocorrem em uma média de 5% dos casos19. A
oclusão de grandes vasos é o principal achado no acidente vascular cerebral (AVC) durante a infecção por
SARS-Cov-2, levando a possibilidade de acometer grandes territórios arteriais20. Comorbidades cardíacas e
vasculares, mais prevalentes nas faixas etárias avançadas, representam um alto risco para AVC hemorrágico e
isquêmico21. Além disso, hipercoagulabilidade e vasculites devido à inflamação sistêmica ampliam os eventos
cerebrovasculares para as faixas etárias mais jovens ou para pacientes que não possuem comorbidades 22. A
comparação com o estado anterior de mobilidade e independência é essencial, principalmente se as quedas e
a incapacidade de realizar atividades de vida diária se tornam cada vez mais frequentes.

Mialgia
Mialgia é uma queixa frequente nas doenças infecciosas. Um estudo observacional concluiu que mialgia
com creatinoquinase (CK) elevada está presente em 19,3% dos pacientes internados com Covid-19 23. Dados
de uma revisão sistemática concluíram que a mialgia está associada com Síndrome de Guillain-Barré (SGB)
em infecções por SARS-Cov-2 em até 16,7% dos casos 24. Este sintoma deve ser preocupante quando afeta a
autonomia das atividades de vida diária. Em caso de mialgia incapacitante ou progressiva, é necessário exame
físico do paciente e dosagem de CK.

Alteração de Sensibilidade
Alteração de sensibilidade é um termo genérico para guiar uma queixa de possível lesão de sistema
nervoso central ou periférico. Sensibilidade anormal progressiva, associada com fraqueza facial e dos membros
estão presentes na SGB. Alguns casos de SGB são relatados no contexto da Covid-19, podendo começar
5-10 dias após o inícios das primeiras manifestações da doença25. Se a parestesia e fraqueza são graduais e
ascendentes, o exame físico do paciente se faz necessário, e a punção lombar e estudo eletroneuromiográfico
devem ser considerados 26.

Crises Convulsivas
Crises convulsivas são raras na Covid-19, presentes em até 0,5% dos casos27. É importante procurá-las
ativamente, na forma de crises epilépticas ou desmaios28. Não existem características específicas das convulsões
na infecção por SARS-Cov-2, entretanto é importante se atentar para espasmos, perda de consciência ou
eventos motores durante sono ou acordado.

Tontura

166
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

A tontura é um distúrbio da percepção alterada de movimento29. É um sintoma inespecífico de Covid-19


e compreende 16,8% das manifestações do sistema nervoso central durante a infecção por SARS-Cov-230.
No entanto, a tontura pode ter um diagnóstico diferencial de hipotensão ortostática (22,3%), distúrbios
hidroeletrolíticos (17,5%) e causas circulatórias ou pulmonares (14,8%) 29.

Análise Estatística

Metodologia Estatística
A análise descritiva apresentou na forma de tabelas os dados observados, expressos pela frequência (n) e
percentual (%) para dados categóricos.
A análise inferencial se baseia na comparação das variáveis, utilizando tabelas de contingência (tabelas de
dupla entrada), com o uso do teste Qui-quadrado ou exato de Fisher, por se tratarem de dados categóricos.
O critério de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software
estatístico R, versão 3.6.1 (R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Áustria).
As análises a seguir têm como objetivo comparar grupos, através de tabelas de contingência, verificando
assim a existência de possíveis variações em suas distribuições de frequência.
A partir da Tabela 1.1, observou-se uma proporção maior, em relação a presença do sintoma neurológico
de ausência ou redução do paladar, no gênero feminino (80,5%), nos pacientes com alguma comorbidade
(62,2%) e nos pacientes que utilizaram medicamentos anti-hipertensivos (68,6%), sendo esses significantes
com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Sintomas Neurológicos: p-valor ¹

Ausência ou Redução do Paladar


Sim Não

n % n %

Gênero Feminino 66 80,5 23 59,0 0,02219

Masculino 16 19,5 16 41,0

Comorbidade: Sim 31 37,8 23 59,0 0,04619

Não 51 62,2 16 41,0


Nenhuma

Medicamentos: Sim 24 68,6 7 38,9 0,04588

Não 11 31,4 11 61,1


Anti-hipertensivos

Tabela 1.1 Variáveis categóricas em relação ao Sintoma Neurológico – Ausência ou redução do

paladar. ¹Teste de χ2 ou exato de Fisher.

167
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Por outro lado, na Tabela 1.2, observou-se uma proporção maior, em relação ao sintoma neurológico
para mudança de comportamento, dos pacientes com comorbidade enxaqueca (38,1%) e dos pacientes com
comorbidade hipertensão arterial (38,1%), sendo esses significantes com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Sintomas Neurológicos: p-valor ¹

Mudança de Comportamento
Sim Não

n % n %

Comorbidade: Sim 8 38,1 14 14,0 0,02194

Não 13 61,9 86 86,0


Enxaqueca

Comorbidade: Sim 8 38,1 17 17,0 0,03988

Não 13 61,9 83 83,0


Hipertensão Arterial

Tabela 1.2 Variáveis categóricas em relação ao Sintoma Neurológico – Mudança de

Comportamento.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

Na Tabela 1.3, observou-se uma proporção maior, em relação a duração da ausência ou redução do
olfato, entre 7 e 15 dias para presença da comorbidade hipertensão arterial (33,3%), até 7 dias para quem
não apresentou comorbidade (54,5), entre 7 e 15 dias para presença do sintoma neurológico mudança de
comportamento (28,6%) e entre 7 e 15 dias para presença de cefaleia – aperto (27,8%), sendo esses significantes
com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Ausência ou Redução do Olfato: p-valor ¹

Duração
Até 7 dias Entre 7 e 15 dias

n % n %

Comorbidade: Sim 5 11,4 14 33,3 0,02818

Não 39 88,6 28 66,7


Hipertensão Arterial

Comorbidade: Sim 24 54,5 12 28,6 0,02628

Não 20 45,5 30 71,4


Nenhuma

168
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Sintoma Sim 3 6,8 12 28,6 0,01764


Neurológico:

Mudança de Não 41 93,2 30 71,4


Comportamento
Cefaleia: Sim 2 5,6 10 27,8 0,2686

Não 34 94,4 26 72,2


Aperto

Tabela 1.3 Variáveis categóricas em relação a Ausência ou Redução do Olfato – Duração.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

Já na tabela 1.4, observou-se uma proporção maior na ausência ou redução do paladar e também do olfato
no período entre 7 e 15 dias (91,9%), sendo esse significante com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Ausência ou Redução do Paladar: p-valor ¹

Duração
Até 7 dias Entre 7 e 15 dias

n % n %

Ausência ou Até 7 dias 35 89,7 3 8,1 <0,001


Redução do Olfato:
Entre 7 e 15 dias 4 10,3 34 91,9
Duração

Tabela 1.4 Variáveis categóricas em relação a Ausência ou Redução do Paladar – Duração.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

Em relação ao sintoma mialgia, vemos na Tabela 1.5 uma proporção maior de pacientes que não apresentam
dor muscular no dorso e fizeram uso de medicamentos ansiolíticos (85,7%), sendo esse significante com
p-valor < 0,05.

Variável Categoria Dor Muscular: Dorso p-valor ¹

Sim Não

n % n %

Medicamentos: Sim 11 32,4 6 85,7 0,02864

Não 23 67,6 1 14,3


Ansiolíticos

Tabela 1.5 Variáveis categóricas em relação a Dor Muscular – Dorso.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

169
Em relação ao sintoma sonolência, vemos na tabela 1.6 uma proporção maior de pacientes que apresentaram
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

sonolência e cefaleia entre 7 e 15 dias (75%), sendo esse significante com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Sonolência: Duração p-valor ¹

Até 7 dias Entre 7 e 15 dias

n % n %

Cefaleia: Até 7 dias 24 77,4 3 25,0 0,00454

Entre 7 e 15 dias 7 22,6 9 75,0


Duração

Tabela 1.6 Variáveis categóricas em relação a Sonolência – Duração.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

Ainda em relação ao sintoma sonolência, vemos na tabela 1.7, uma proporção maior de pacientes que
apresentaram sonolência moderada, em relação aos que apresentaram comorbidade obesidade (26,1%) e também
em relação aos que apresentaram bronquite crônica (26,1%), sendo esses significantes com p-valor < 0,05.

Variável Categoria Sonolência: Moderada p-valor ¹

Sim Não

n % n %

Comorbidade: Sim 6 26,1 1 3,6 0,03676

Obesidade
Não 17 73,9 27 96,4

Bronquite Crônica Sim 6 26,1 1 3,6 0,03676

Não 17 73,9 27 96,4

Tabela 1.7 Variáveis categóricas em relação a Sonolência – Moderada.

¹ Teste de χ2 ou exato de Fisher.

Discussão

Dados Demográficos
O estudo em questão analisou 121 pacientes, maiores de 18 anos, sendo que 73,6% eram só sexo masculino
(n=87) e 26,4% eram do sexo feminino (n=34). Destes, 83% (n=88) eram profissionais da área da saúde. Apenas
2,5% (n=3) eram maiores de 60 anos. Dos métodos diagnósticos realizados, 64,1% (n=77), foram por métodos
sorológicos e 35,9% (n=44) por método RT-PCR (Reverse Transcription–Polymerase Chain Reaction).

170
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Comorbidades
A comorbidade mais relatada foi hipertensão arterial, 20.7% (n=25), e apresentou relevância estatística (Tabela
1.3) quando analisada a persistência maior que 7 dias do sintoma ausência ou redução do olfato. Um total de 5,8% (n=7)
relataram diabetes mellitus, e obesidade foi referida em 16,5% (n=20) dos casos. Esta última apresentou relevância
estatística na associação com o sintoma sonolência moderada (Tabela 1.7). Cinquenta e quatro pacientes, 44,6%,
negaram quaisquer comorbidades.

História Farmacológica
Quando questionados em relação ao uso de medicamentos, 54,5% (n=66), negaram fazer uso de
quaisquer medicações. Dos 45,5% (n=55) que faziam uso de medicamentos, 47,27% (n=26), faziam uso de
anti-hipertensivos. O uso de anti-hipertensivo obteve significância estatística quando relacionado ao sintoma
ausência ou redução do paladar (Tabela 1.1).

Apresentação Clínica
Dos doze sintomas neurológicos do Questionário de Sintomas, o mais comum foi cefaleia 78,5% (n=95),
seguido de ausência ou redução do olfato 71,1% (n=86) e mialgia 71,1% (n=86), e a terceira queixa mais
relatada foi a ausência ou redução do paladar 67,8% (n=82). Na Tabela 1.4 vemos que os sintomas ausência
ou redução do olfato e ausência ou redução do paladar se apresentam concomitantemente e podem persistir
por mais de 7 dias.

Atendimento Neurológico em Reabilitação Pós-Covid-19


Além da fase aguda da Covid-19, a pandemia nos trouxe um novo desafio: a síndrome pós- Covid-19.
Pacientes que passaram por internação prolongada por Covid-19 ou mesmo os que não foram hospitalizados
podem sofrer sequelas da infecção pelo SARS-Cov-2. Diante dessa nova demanda, o HUPE organizou o
Ambulatório em Reabilitação pós-Covid-19 (Figura 4), um serviço multidisciplinar com o intuito de atender
e recuperar os pacientes que ficaram com sequelas e reintroduzi-los na rotina de atividades habituais antes da
doença. O ambulatório foi inaugurado no dia 31 de Maio de 2021 e foi pioneiro neste estilo de atendimento
na rede pública.

171
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 4: Foto de divulgação da inauguração do Ambulatório em Reabilitação Pós-Covid-19 do HUPE: Dra. Sara

Martinelli em atendimento em um dos consultórios da clínica.

Fonte: Instagram oficial da UERJ.

Síndrome Neurológica Pós-Covid-19


A síndrome neurológica pós-Covid-19 abrange variados sintomas, como fraqueza muscular e
miopatias entre os que sobreviveram à internação prolongada; mesmo aqueles que foram assintomáticos ou
oligossintomáticos podem evoluir com dor muscular prolongada, tontura, alteração do humor, cefaleia, fadiga
e anosmia persistente por meses31. Um termo que já era conhecido, porém vem se associando à síndrome
neurológica pós-Covid-19 é “brain fog”, que em tradução livre pode se chamar “névoa cerebral”32. Este termo
diz respeito ao comprometimento do raciocínio e dos pensamentos, ou tentando traduzir em uma queixa
comum entre os pacientes, “sensação de cabeça vazia”. Além deste sintoma, a perda de memória também é
citada 32. O processo pelo qual se tenta justificar a patogênese destes achados é o complexo envolvimento de
citocinas inflamatórias (tempestade de citocinas) desencadeadas pela infecção do vírus e que atingem níveis
diferentes no nosso sistema nervoso, desde a barreira hematoencefálica, deixando-a mais permeável à entrada
do vírus no cérebro, até a disfunção do eixo hipotálamo-adrenal-hipófise 33. Entretanto, muito ainda tem que
se avançar para entendermos todos os meios da lesão cerebral pelo SARS-Cov-2.

172
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Figura 5: Tempestades de citocinas inflamatórias causadas pelo SARS-Cov-2 levam a síndrome de “brain fog”.

Considerações Finais

As informações coletadas ao longo desta revisão e o Questionários de Sintomas desenvolvido podem


servir como um guia para estudos futuros de sintomas neurológicos em Covid-19. Além disso, uma avaliação
posterior pode ser realizada por meio da forma clínica proposta para avaliar sua validade e confiabilidade.
Apesar de termos avançado em relação à prevenção e estudo do dano cerebral pela Covid-19, vivemos ainda
em um processo de descobertas, onde pesquisas e esforços para elucidar o impacto multissistêmico do SARS-
Cov-2 devem ser incansáveis.

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— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

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175
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Vivência de uma professora da FCM-UERJ


na pandemia pelo Coronavírus: ensino, pesquisa,
extensão, literatura e poesia

Isabel Rey Madeira

Professora Associada, Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ

Descritores em português: ensino; pesquisa; assistência médica; Covid-19; criança.


Descritores em inglês: research; medical assistance; Covid-19; children.

Comecei a vivenciar a pandemia em minhas férias de fevereiro de 2020, que gozava com minha família.
Uma ainda epidemia, em terras longínquas, como outras que tivemos no passado. Por coincidência estava
lendo o livro Metrópole à Beira Mar, de Ruy Castro, que aborda a época da gripe espanhola¹. A segunda parte
das minhas férias seriam com amigos, na Croácia. Passagem aérea comprada, hotéis reservados, e todas as
informações possíveis sobre o país.
Segundo ato, primeiros casos no Brasil, mando minha família para Paquetá. Fico em casa sozinha,
cuidando de tudo, cozinhando, lavando e passando, faxinado e cuidando das plantas. E ouvindo todas as
notícias possíveis, e me assustando cada vez mais, principalmente com a condução política da catástrofe, mas
este é um outro capítulo da história que outros escreverão melhor. E tome Cazuza, pra me convencer...
“que a solidão
É pretensão de quem fica
Escondido, fazendo fita”²

Na UERJ, sou professora associada do Departamento de Pediatria (DPED) da Faculdade de Ciências


Medicas (FCM) e coordeno o Programa de Residência Médica (PRM) em Endocrinologia Pediátrica do
Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), e o Setor de Endocrinologia Pediátrica da Unidade Docente
Assistencial (UDA) de Endocrinologia do HUPE.
Na ocasião estava coordenando o Ambulatório de Pediatria da UDA de Pediatria do DPED. Também
dou aulas na graduação da FCM, para o terceiro e o quarto anos, e para o internato. Além disso, tenho bolsista
de extensão e de iniciação científica. E orientando de pós-graduação stricto sensu.
O que fazer com todas essas atividades, frente à catástrofe que nos atingiu? Devia pensar só em mim, e
expor meus grandes e individuais motivos para me proteger, e me isolar? Ou devia participar desta enorme
força de trabalho em que nos transformamos, na assistência e no ensino? A pesquisa podia esperar um pouco?
É muito importante, não, não podia esperar! Segui o conselho de Ivan Lins:

176
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

“Desesperar, jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas, não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada, nada”³

Ao trabalho, como sempre! E foi muito bom não ter parado, ter participado deste grande mutirão
organizado. Primeiro, ouvir os cientistas. Aprender os protocolos, que foram sendo instituídos baseados
na experiência e na ciência. Aprender a usar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), exercitar o
distanciamento. E esperar a vacina. Esperar a cura. Lulu Santos já cantara...

“Existirá
E toda raça então experimentará
Para todo mal, a cura
Existirá, em todo porto se hasteará
A velha bandeira da vida
Acenderá, todo farol iluminará
Uma ponta de esperança
E se virá, será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina”4

Na organização da assistência, junto das enfermeiras e da equipe da Comissão de Controle de Infecção


Hospitalar (CCIH), organizamos todo o fluxo interno de pacientes no Ambulatório de Pediatria. Montamos uma
quase unidade de terapia intensiva, pois ainda não sabíamos como as crianças seriam acometidas. Organizamos
um local de acolhimento, organizamos a sala de espera. Separamos duas salas de atendimento para sintomáticos
Covid-19, aquelas que abrem diretamente para fora, assim os sintomáticos não adentrariam no Ambulatório de
Pediatria. Fizemos treinamento de lavagem de mãos, paramentação e desparamentarão, sequência de intubação...
Muitos EPIs, muito álcool em gel, e um enorme apoio da Direção do HUPE, que nos visitava semanalmente.
Montamos escalas de atendimento, desmarcamos pacientes, continuamos atendendo os que não podíamos
deixar de atender, demos muitas orientações por telefone. O Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica não
podia fechar, pacientes crônicos, que recebem medicamentos especiais, residentes em treinamento em serviço,
pacientes precisando até de internação. E nós brilhamos! Lembro agora de Realce, Gilberto Gil:
“Não desespere
Quando a vida fere, fere
E nenhum mágico interferirá
Se a vida fere
Com a sensação de brilho

177
De repente a gente brilhará”5
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Na organização do ensino, todos os professores do DPED e da UDA de Endocrinologia se organizaram.


As coordenações de graduação foram excepcionais. A Direção da FCM rapidamente mobilizou recursos e
ganhamos um ambiente virtual (AVA) que é um espetáculo, onde pudemos organizar nossas disciplinas. Aulas
assíncronas no AVA, aulas síncronas, sala de aula invertida – quanta terminologia nova! Teams, Zoom, Google
Meet...podcasts, lives...Todo dia alguma coisa para assistir! Só que... gostamos mesmo é de das aulas práticas!
Atender com nossos alunos era o que eu mais queria voltar a fazer. A coordenadora da Disciplina de Pediatria
organizou uma ação com nossos alunos que consistia em telefonar para cada família para questionar a respeito
de suas demandas, e informações eram dadas a partir de orientações dos professores e médicos. E lá pelos idos
de 2020, nossos internos voltaram, e foi muita felicidade! Acolhidos com muito carinho!
Os residentes resistiram conosco, sessões clínicas e canais teóricos on-line, atendimentos em número
reduzido comprometendo sua formação, os plantões com pacientes Covid-19 internados, com a COREME-
HUPE nos dando respaldo para cada decisão. Os residentes do PRM em Endocrinologia Pediátrica fazem
obrigatoriamente um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que habitualmente publicam na Revista
Residência Pediátrica, uma revista médica da Sociedade Brasileira de Pediatria voltada para este público alvo.
Desta feita, estimulei que nossos residentes escrevessem um artigo a respeito de sua experiência por ocasião
da pandemia, e assim o fizeram, artigo já publicado, um belo texto. Valeu como TCC. Uma das residentes
escolheu o poema E Agora José, de Carlos Drummond de Andrade6, e a partir daí desenvolveu seu artigo.
“Poesia numa hora dessas?!” Já perguntara Luís Fernando Verissimo7. Sim, respondemos, poesia salva!
A pandemia se avolumando, pacientes, também nossos, adoecendo, falecendo, colegas também, picos
e vales de incidência de casos, e, aos poucos, bem aos poucos, diferentemente do que esperávamos, a vida
voltando ao normal, ao que chamamos agora de o novo normal.

Valeu a pena? Como disse Fernando Pessoa,

“Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”8

Muitos passaram além do Bojador e não voltaram. Nós, que resistimos, e temos encontrado o caminho
certo nas azas dos bons ventos, e levados pelas boas correntes marítimas, assim como os navegadores do século
XVI, temos conseguido passar além da dor. Não foi fácil, não está sendo. Trabalhar foi muito bom, deu sentido
a tudo para nós, que resistimos.
“E vai chegando o amanhecer”9, vem aí o carnaval de 2022, seremos felizes de novo, assim como Ruy Castro
conta no livro que li quando a pandemia ainda era longínqua, num carnaval de libertação?
Deixo aqui meu testemunho.

178
— EXPERIÊNCIAS DOCENTE-ASSISTENCIAIS

Bibliografia

1. Ruy Castro. Metrópole à Beira Mar. 1ª edição. Rio de Janeiro: Companhia das Letas, 2019.
2. Cazuza. Pro Dia Nascer Feliz.
3. Ivan Lins. Desesperar Jamais.
4. Lulu Santos. A Cura.
5. Gilberto Gil. Realce.
6. Carlos Drummond de Andrade. E Agora José?
7. Luís Fernando Verissimo. Poesia numa Hora dessas?! 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
8. Fernando Pessoa. Mar Português.
9. João Sérgio. O Amanhã. Samba enredo do GRES União da Ilha do Governador de 1978.

179
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Impacto no Ensino
— IMPACTO NO ENSINO

A disciplina de Medicina Intensiva durante a


pandemia de Covid-19: quem fomos, o que fizemos,
para onde vamos?

Marcos Lopes de Miranda1; Sérgio da Cunha1; José Antenor Araújo de Andrade1; Flora de Aragon Moraes Baptista2;

Geórgia Silva Rodrigues2; Camila Sá Fernandes da Motta2; Igor Franco Cogo2; Maria Cláudia Resende Klein3; Letícia

Pontual Souto Maior Tavares3; Sydney Brinco Diniz4

1
Professores da Disciplina de Medicina Intensiva DCM/FCM/UERJ; 2Ex-residentes do Programa de Residência Médica em

Medicina Intensiva FCM/HUPE/UERJ; 3Residentes do programa de Residência Médica em Medicina Intensiva FCM/

HUPE/UERJ; 4Acadêmico de medicina FCM/UERJ e membro da Liga Acadêmica de Terapia Intensiva da UERJ

Descritores em português: Covid-19; ensino; pesquisa; extensão; gestão da pandemia

Descritores em inglês: Covid-19; teaching research; extension; pandemic management

Introdução

Durante a pandemia de Covid-19, os três pilares universitários (ensino, pesquisa e extensão) foram
sacudidos em escala mundial, desestabilizados por um isolamento que se tornava necessário. Docentes
e discentes foram subitamente obrigados a se reinventar para se encaixar no cenário desafiador de uma
emergência de saúde pública sem precedentes em suas gerações. Uma ameaça com potencial destruidor
terminou catalisando mudanças significativas, algumas muito positivas, no curso médico. No último ano,
vimos soluções criativas sendo postas em prática, tão simples quanto revolucionárias, aplaudimos ações de
solidariedade que propagaram mensagens de conforto e esperança e adotamos práticas que vieram para ficar.
Sim, foi um ano de mudanças... e para nós não poderia ter sido diferente... Por sua posição de destaque em
meio à pandemia, a Disciplina de Medicina Intensiva foi atingida em cheio pela catástrofe... nadou em águas
turbulentas... se afogou... respirou... suspirou... voltou a se afogar... São muitas lembranças confusas de tempos
conturbados...
O breve relato que se segue teve por objetivo organizar e sintetizar de forma livre as recordações de
professores, residentes e alunos que estiveram na linha de frente da Covid-19. Como correspondentes de
uma guerra, reconstruímos a nossa trajetória por meio de entrevistas, questionários, revisão de documentos,
mensagens e fotos. Em meio a todas as tribulações, tentamos esclarecer quem nós fomos, o que nós fizemos e
para onde pretendemos ir agora.

181
— IMPACTO NO ENSINO

Relato

Gestão
Tão logo surgiram os primeiros casos de Covid-19 na cidade do Rio de Janeiro, a Disciplina de Medicina
Intensiva (ora denominada Disciplina) foi convidada pela Direção Geral do HUPE a participar da gestão do
processo de enfrentamento da pandemia dentro do hospital. Naquele momento, foi oficializado o Gabinete
de Crise, que em suas reuniões diárias sempre contou com a participação de docentes da Medicina Intensiva e
de médicos intensivistas da instituição.Com a chegada dos primeiros casos ao hospital, extremamente graves
em sua maioria, ficou absolutamente claro para todos os gestores que não bastaria a criação de enfermarias
específicas para isolamento dos pacientes, mas, principalmente, unidades de terapia intensiva. Chegamos
a ter 6 delas em funcionamento sincrônico, um total de 74 leitos (adultos). Trabalhamos na adaptação e
transformação dos espaços físicos do hospital, visando o recebimento de pacientes com uma doença
altamente contagiosa (...e desconhecida...). Todas as áreas de suporte às equipes assistenciais tiveram que ser
montadas externamente à área reservada aos pacientes. Banheiros, áreas de alimentação, quartos de repouso
e áreas para paramentação e desparamentação tiveram que ser criados, muitas vezes da noite para o dia.
Oferecemos assistência intelectual e mesmo braçal nessa reengenharia hospitalar. Também participamos da
elaboração de inúmeros protocolos, fluxogramas e normativas abordando desde a entrada do paciente na
instituição até sua alta hospitalar. Orientamos sobre os requisitos mínimos para funcionamento de unidades
intensivas (recursos humanos e infraestrutura básica) e sobre equipamentos e medicamentos prioritários para
o adequado enfrentamento da crise. Nos desdobramos na orientação de opções medicamentosas quando
o mercado farmacêutico começou a não dispor da primeira linha... da segunda linha... da terceira linha...
de medicamentos indicados para assistência aos pacientes. Em meio a uma Babel de opções terapêuticas,
tentamos ser Norte, organizando reuniões com os responsáveis pelas rotinas das diversas unidades intensivas
visando alguma uniformização das condutas.

Ensino e Assistência
As atividades de ensino presencial da Disciplina não foram interrompidas durante a pandemia. Na verdade,
de um dia para o outro vimos o nosso cenário prático ser expandido exponencialmente para praticamente
todos os ambientes do HUPE. Essa saída da zona de conforto do CTI Geral foi um marco na vida de
todos. No início, nossa unidade foi transformada em unidade Covid-19, o CTI Covid-19, sob coordenação
da Disciplina. Rapidamente os 10 leitos se mostraram insuficientes e uma nova unidade foi aberta, o CTI
Covid-19, também com 10 leitos e sob coordenação da Disciplina. Ao mesmo tempo, a Disciplina participou
da criação e implantação do Time de Resposta Rápida para manejo emergencial de pacientes Covid-19
no HUPE. Agora, estávamos responsáveis pelo atendimento de pacientes graves dentro e fora de unidades
intensivas por todo o hospital. Faltaram braços, e para dar conta, além dos servidores, contamos com o apoio
irrestrito de nossos residentes e ex-residentes. Foram cerca de 6 meses de trabalho diuturno nos quais vivemos
juntos uma experiência transformadora, de união, trabalho conjunto e aprendizado:

182
— IMPACTO NO ENSINO

“...lembro daquele dia que estávamos recebendo paciente atrás de paciente... muitos pacientes
chegando... nem sabíamos o que fazer a não ser apagar o fogo e resolver o agora... isso tudo
enquanto lidávamos com uma doença nova, obscura...”
(ERI, 30 anos)

“...eu sabia que seriam dias intensos, mas nem imaginava o que estava por vir... a notícia que
o CTI viraria unidade para atendimento de pacientes com Covid-19 veio como um misto
de curiosidade e medo. Era uma doença que ao redor do mundo já havia matado milhares
de pessoas de forma súbita e solitária. Meus preceptores haviam mergulhado de cabeça nessa
missão; como nós residentes não abraçaríamos isso tudo também?”
(RMC, 30 anos)

“...acabei a residência alguns dias antes do início da pandemia... na solidão que se tornou nossas
vidas, meus colegas de residência e ex-preceptores passaram a ser uma família... irmãos!”
(ERG, 32 anos)

“...sabia que, com a residência, uma nova etapa na vida, viriam os desafios, mas não
imaginava a dimensão do que me aguardava... final de março de 2020 se iniciava uma
guerra que jamais pensei em fazer parte e viver; experiências que nunca havia imaginado...
era uma doença pouco conhecida e muito temida... Medo? Sim! Mas não permitimos que
nos paralisasse, mergulhamos de cabeça nessa missão... o que mais queríamos, era fazer a
diferença para aquelas pessoas...”
(ERC, 35 anos)

“...em meio a tantas incertezas trazidas pela pandemia nós nos demos as mãos e nos tornamos
linha de frente na Covid-19...”
(ERF, 35 anos)

E onde ficou o ensino nessa história? A pandemia foi uma oportunidade única de viver em poucos meses
as experiências da Medicina Intensiva que alguns vivem em uma vida... Nunca nossos residentes fizeram
tantos procedimentos, acompanharam tantos casos, utilizaram tantos equipamentos de ponta ou vivenciaram
tão intensamente os altos e baixos da especialidade. Mas acima de tudo, as dores da pandemia nos ajudaram
no ensino das humanidades e no fortalecimento da empatia:

“...foram plantões intermináveis de muito trabalho, mas também aprendizado... todos os


leitos com pacientes graves... meses marcados por muitas perdas, algumas vitórias, medos e
incertezas se estávamos fazendo o melhor para os pacientes... devolvemos muitas pessoas para
a sociedade e seus familiares, choramos e sorrimos, dividimos histórias... foram encontros e

183
— IMPACTO NO ENSINO

aniversários por chamadas de vídeo... tenho meu coração em paz de que fiz tudo que podia
naquele momento...”
(RMC)

“...presenciamos o sofrimento de pacientes e seus familiares... se não fomos vitoriosos (em


preservar a vida do paciente) sei que ao menos tentamos confortar...”
(ERG)

“...perdemos muitas batalhas, mas também tivemos muitas vitórias devolvendo muitos
pacientes de volta ao seu lar e suas famílias...”
(ERC)

“...nos tornamos o apoio emocional e a esperança de pacientes e seus familiares diante do


isolamento necessário... aos pacientes que diariamente nos ensinaram sobre coragem, meu
muito obrigada!”
(ERF)

“...o grande aprendizado da minha residência em meio à pandemia foi o verdadeiro


significado da palavra empatia...”
(ERI)

“...trabalhei lado a lado com meus professores... me fez perceber o quão importante é se
comprometer com aquilo que fazemos... em meio a tanta tristeza e tragédia, muitos pacientes
hoje estão em casa com seus familiares...”
(RLP, 27 anos)

“Quando estamos ensinando sobre algo que desconhecemos, as maiores lições passam a ser
sobre amor àquilo que estamos fazendo e sobre ter esperança... ensinamos pelo exemplo...”
(DML, 40 anos)

Em agosto de 2020, com o arrefecimento na necessidade de leitos, a Disciplina retornou com suas
atividades “normais” no CTI Geral. A primeira onda havia passado, o internato havia recomeçado e vivíamos
um aparente estado de tranquilidade nos casos em nosso Estado. Após esse breve período de “descanso”, em
dezembro de 2020, fomos convidados para um desafio ainda maior: coordenar o CTI Covid-19 em conjunto
com o Serviço de Pneumologia. Montamos uma unidade intensiva de 16 leitos em um ambiente de enfermaria
adaptado e com uma equipe pouco experiente. Foram mais 5 meses de luta árdua durante a segunda onda
da Covid-19 em nosso Estado. Nesse período tivemos muitas vitórias e resultados bastante expressivos de
qualidade assistencial. No entanto, o elevado número de casos e mortes, a falta generalizada de recursos, como
sedativos e antibióticos, e a sensação de “enxugar gelo” diante de uma população que já não respeitava mais
o distanciamento social ou aderia ao uso de máscaras, levou todos à exaustão física e emocional. Em face das
seguidas baixas na equipe, muitas por burnout, encerramos a participação da Disciplina na assistência aos casos

184
— IMPACTO NO ENSINO

agudos de Covid-19 no HUPE em maio de 2021.

“...nós sabíamos que a conta para a nossa saúde física e mental chegaria em algum momento...
ainda choro bastante... às vezes eu fico mais forte, às vezes me dá uma angústia muito
grande... queria continuar na guerra... até tentei ir trabalhar e ver como me sentia, mas
fiquei angustiada e chorei...”
(RMC)

No que tange aos alunos de graduação, a pandemia de Covid-19 representou mais um desafio aos estudantes
que cursaram o internato eletivo e o “Estágio em Medicina Intensiva”. Por algum tempo, principalmente
enquanto a vacinação dos profissionais de saúde não avançava, os rounds clínicos tiveram que ser adaptados
para serem mais curtos e com menor número de pessoas, prejudicando a interação multidisciplinar. Apesar
disso, por meio de questionário, os discentes avaliaram positivamente sua passagem pelos CTIs (Geral e
Covid-19), entendendo que tiveram suas expectativas totalmente ou parcialmente atendidas. Para a grande
maioria dos estudantes, não houve prejuízo na formação em decorrência da pandemia. Diferentemente do
que observamos com os residentes de Medicina Intensiva, a pandemia não impactou negativamente na saúde
mental dos alunos que estagiaram nas unidades Covid-19 coordenadas pela Disciplina.

“... a experiência de estagiar em uma unidade Covid-19 foi transformadora. Estar ali, como
estudante, aprendiz, em um momento que todo o ensino da faculdade estava parado, me
permitiu aprender mais do que nunca sobre a profissão que eu escolhi... principalmente foi
ali que descobri minha vocação... que escolhi minha especialidade: a Medicina Intensiva...
foi uma experiência sofrida, com muita sobrecarga emocional, mas excepcionalmente
gratificante... aprendi muito com plantonistas e professores extremamente dedicados que
trabalharam incansavelmente...”
(AMS, 24 anos)

Durante a pandemia, as aulas teóricas da Disciplina oferecidas para alunos de graduação e residentes
passaram para o modelo online. Esse modelo de ensino possibilitou a participação de inúmeros professores
convidados e a maior utilização de recursos audiovisuais. A Disciplina ainda está se adaptando ao novo
ambiente de ensino e pretende utilizar cada vez mais os recursos do EAD em suas atividades. Sem dúvida,
esse foi um dos legados positivos de momentos tão sombrios que vivemos.

Extensão Universitária
Repletos de dúvidas sobre a até então “desconhecida” Covid-19, interrompemos as atividades presenciais
da Liga Acadêmica de Terapia Intensiva (LATI), a principal atividade extensionista da Disciplina, durante
os primeiros meses da pandemia. Como protegeríamos nossos alunos e suas famílias? Como poderíamos
transpor os muros da Universidade durante o isolamento social? Como nos aproximaríamos da comunidade

185
em um momento em que todos deveriam estar em casa? Da dificuldade veio a possibilidade de alcançarmos
— IMPACTO NO ENSINO

um público ainda maior, de desbravarmos novos “territórios”. Nossas redes sociais, até então utilizadas para
promoção de atividades entre os discentes, se transformaram em instrumento de propagação de conhecimento e
combate à desinformação. Na “velocidade da internet” divulgamos material lúdico sobre a Covid-19, ajudando
a esclarecer dúvidas da população. Da importância da lavagem de mãos e do uso de máscaras a campanhas
pró-vacinação e de conscientização sobre o uso de medicamentos ineficazes, foram inúmeras postagens e
conversas em tempo real utilizando as diversas plataformas disponíveis. Aplicativos de chat permitiram o
“web atendimento” para triagem e acompanhamento remoto de casos. Muitas pessoas não precisaram deixar
a segurança de seus lares à procura de atendimento médico, muitas vezes desnecessário.
O Rio de Janeiro sofreu precocemente as consequências da Covid-19. Com o elevado número de pacientes,
adquirimos rapidamente experiência ímpar e a obrigação de divulgá-la para além do Boulevard 28 de Setembro.
Já havíamos errado e acertado, inventado e adaptado, sofrido... Por que começar do zero novamente nas
regiões que mais tarde viriam a ser assoladas pela pandemia? O uso da tecnologia da informação possibilitou
que nossa prática assistencial fosse propagada entre profissionais de saúde de todo o país em webinários, aulas
EAD e compartilhamento de informações científicas “confiáveis”.
Em meio ao caos, a extensão foi elemento de resistência e de enfrentamento, de aproximação quando
estávamos separados.
Em janeiro de 2021, as atividades presenciais da LATI retornaram, trazendo um novo desafio: como equilibrar
o presencial e o virtual? Como voltar ao normal em um mundo transformado? Perguntas ainda sem resposta...

Pesquisa
Era o momento de pesquisar e publicar... Algo novo, desconhecido e importante estava entre nós. Qualquer
pequena casuística ou ideia mirabolante de manejo poderia ganhar destaque internacional. Foram mais de
80 mil artigos científicos publicados em 2020 sobre Covid-19 (Pubmed). Enquanto nós nos preparávamos
para a tempestade surgiram ideias... formulamos projetos... formamos grupos de pesquisa... Mas a tempestade
era Tsunami que rapidamente varreu e frustrou nossas expectativas científicas. Enfronhados e absortos em
atividades de enfrentamento da pandemia não conseguimos participar da maioria dos projetos formais de
pesquisa desenvolvidos nesse período. Todavia, pudemos contribuir diretamente no estudo de uso de plasma
convalescente para o tratamento de pacientes graves com Covid-19 promovido pela hemoterapia do HUPE.
Feita essa ressalva, a Disciplina não ficou cientificamente paralisada. Afinal, o que é manejar uma
doença sobre a qual conhecíamos muito pouco? A verdade é que diariamente nós estávamos formulando,
testando e reciclando hipóteses. Realizávamos extensas revisões da literatura para construção de protocolos
assistenciais... e na semana seguinte modificávamos tudo. Fomos e voltamos várias vezes... erro e acerto...
dedução ou indução... o método científico foi utilizado à beira leito como nunca. Nesse pandemônio
pandêmico, fomos bombardeados a todo instante por informações contraditórias sobre novas panaceias de
pseudo-superespecialistas palpiteiros que, por vezes, desafiavam princípios bioéticos fundamentais. De súbito,
havíamos sido transformados em juízes sem toga; desesperadamente cegos, mesmo com os olhos plenos...
Nas armadilhas da “ciência do dia a dia” a premissa primum non nocere foi nossa maior guia. Olhando para
trás, seguimos pouquíssimos tratamentos que hoje são considerados ineficazes ou mesmo nocivos e, quando o

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— IMPACTO NO ENSINO

fizemos, tivemos rápido discernimento de abandoná-los. “...a oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o
julgamento difícil” (Hipócrates)
Com a retomada das atividades normais da Disciplina, as complicações pós-Covid-19 e medidas de
reabilitação serão alvo de nossas pesquisas (...agora com mais calma!...).

Considerações Finais

A pandemia nos testou até o limite. Por vezes, agimos por simples reflexo, já que a mente cansada não mais
respondia coerentemente às demandas... Por vezes, mesmo o corpo sucumbiu. Assim, foram os dias, as noites,
os dias, as noites... Nesse momento de aparente armistício em nossa luta, assinado pela vacinação em massa
da população, finalmente pudemos olhar para trás e refletir. As linhas anteriores foram pequenos lampejos que
conseguimos resgatar, gotas de uma história que valia muito ser contada para jamais ser esquecida... Pudemos
lembrar um pouco quem nós fomos – quem estava ali ao nosso lado, quem nos ajudou a chegar aqui –, o que
fizemos – se construímos mais do que pusemos ao chão, se crescemos mais do que nos despedaçamos – e,
principalmente, para onde vamos...
Um marco tão forte na vida de todos deve ser um novo início; temos a obrigação de ter aprendido alguma
coisa... Vamos aproveitar o que deu certo, reinventar o errado e nos desenvolver. A Disciplina de Medicina
Intensiva chegou do outro lado ainda maior! Diante das angústias, ressignificamos nossas ações e crescemos,
fomos longe... Marcamos presença em todos os cantos do Brasil, algo antes impensável. Chegamos ao ponto
de ser impossível dimensionar a importância e os resultados daquilo que fizemos.

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— IMPACTO NO ENSINO

A experiência do ensino de anamnese na edição


remota da disciplina de Clínica Médica na Faculdade
de Ciências Médicas

Mariana Teixeira Konder1, Julia Kleve Berg1, Mario Castro Alvarez Perez1, Anna Clara Martiniano da Costa2, Erick de

Souza Barbosa2, Kim Barros Gandra2, Larissa Silva Wermelinger2

Docente da Faculdade de Ciência Médicas; 2Graduando da Faculdade de Ciência Médicas


1

Descritores em português: educação médica; raciocínio clínico; TIC em saúde

Descritores em inglês: education, medical; clinical reasoning; information technology

Introdução

Nas últimas décadas, os domínios da vida mediados por tecnologias digitais vêm se ampliando, passando
a permear cada vez mais os âmbitos pessoal, profissional e educacional de nosso cotidiano. A interação através
de tecnologias, como aplicativos de mensagens ou de plataformas de mídias sociais, tem sido uma forma de
estar no mundo que atinge cada vez mais pessoas, sobretudo jovens universitários.
Esse fenômeno pode ser compreendido a partir do surgimento de um ciberespaço, nas palavras de Pierre
Lévy, um “novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo
mercado de informação e do conhecimento”. Esse novo ambiente de comunicação, que tem se tornado espaço
preferencial de troca de informação na cultura contemporânea, se ancora na estrutura técnica representada
pela interconexão entre dispositivos tecnológicos ao redor do globo, como computadores, notebooks e
smartphones, cabos de internet e servidores1.
As transformações que as sociedades vêm sofrendo com a ampliação da penetração das tecnologias
digitais na vida cotidiana tem desdobramentos significativos no âmbito da educação, pois favorecem maior
democratização do acesso à informação além de uma veloz expansão do volume de conhecimento. A emergência
do ciberespaço radicaliza a percepção de destotalização do saber, favorecendo novos estilos de raciocínio e de
construção do conhecimento, colocando em evidência a inadequação de um estilo pedagógico que se limite ao
papel de fornecedor direto de informações2.
Décadas antes, essa mesma limitação, escancarada pelo advento do ciberespaço, foi elemento central do
que veio a se denominar Teoria Construtivista. Essa teoria desloca a centralidade do processo de aprendizado
do professor para o aprendiz, que é agente da construção de seu conhecimento, a partir da interação continuada
com o ambiente. A aprendizagem caracteriza-se, então, como um processo altamente dinâmico, que depende
da atividade mental do educando e que se desenvolve pela mobilização de seus esquemas de raciocínio3.

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— IMPACTO NO ENSINO

Esse deslocamento de centralidade não significa que o aprendizado é motivado apenas pelo estímulo do
ambiente, do objeto ou do problema abstrato, mas que o professor passa a desempenhar um papel diferente. A
interação do aprendiz com o professor segue sendo crucial, pois a construção do conhecimento é mediada pela
comunicação entre pessoas, salientando a importância das relações sociais e da linguagem nesse processo4,5. De
fonte transmissora do conhecimento, o professor passa a ser modulador do aprendizado e desenvolvimento.
A geração de estudantes, frequentemente denominada de Millennials, manifesta de forma particularmente
acentuada os impactos da imersão no contexto tecnológico que vem nos definindo nas últimas décadas. Acesso
ilimitado à informação e ambientes favoráveis ao exercício da escolha fazem parte da experiência de ser de
grande parte desses jovens estudantes. Algumas particularidades do aprendizado da geração de Millennials
advém justamente da ampla disponibilidade de informação, cujo potencial benefício para o ensino é enorme,
mas ao mesmo tempo requer que o docente que auxilie esse aprendiz a ter foco e a navegar da informação para
construção do conhecimento6,7.
Reconhecer esses elementos culturais que afetam o aprendizado dessa geração de jovens universitários,
demanda dos docentes começar a manusear múltiplas ferramentas relacionadas às novas tecnologias para o
ensino. Na maioria dos casos, os docentes demonstram um menor grau de letramento digital que os alunos.
Pesquisa no Google, e-books, livros em PDF, podcasts médicos, videoaulas das mais diversas autorias e uma
outra infinidade de fontes de informação7. Mais do que operar um dispositivo como um smartphone ou
um computador, a literacia digital inclui uma variedade ampla de habilidades cognitivas para a navegação
em ambientes digitais, como leitura de instruções gráficas em interfaces, produção de novos materiais
digitais a partir de outros já existentes e construção de conhecimento a partir de uma navegação não-linear
e hipertextual8. Transitar melhor por essa profusão de novas tecnologias para orientar melhor os alunos e
também para produzir conteúdos de alta qualidade com maior alcance sobre os mais jovens já se apresentava
como desafio e, para muitos, rapidamente se configurou uma necessidade premente.
Esse contexto desafiador ganhou um novo capítulo com a pandemia da Covid-19, que paralisou o mundo
em 2020. Todos os âmbitos da educação em todo o mundo ficaram paralisados em 2020 e a retomada neste ano
de 2021 está sendo uma jornada de adaptação e recriação. Por outro lado, a pandemia acelerou a incorporação
de teleconsulta no cotidiano da prática médica, que culminou com a regulamentação da telemedicina em
nosso país9.
Apesar do grande apelo que a tecnologia tem para esses estudantes, o distanciamento social exigido pela
pandemia colocou em evidência as limitações da tecnologia para proporcionar experiências de aprendizagem
que permitam protagonismo, ação, agência, interação e socialização, sobretudo em circunstâncias em que a
presença física é característica distinta. Esse aspecto do aprendizado é particularmente delicado no processo
de ensinar a técnica da anamnese no curso médico. A escuta ativa, aspecto crucial de uma entrevista clínica
eficiente, requer um ouvinte atento, que, além de ouvir e analisar a mensagem verbal do emissor, extrai valioso
conteúdo da paralinguagem (qualidade da voz, volume, velocidade, ritmo e pausas) e da linguagem não-verbal
(expressões faciais, postura, movimentos das mãos)10. Quando as interações ocorrem preferencialmente por

189
— IMPACTO NO ENSINO

canais virtuais, o campo de visão é limitado pelo enquadramento de câmeras e a voz pode ser transformada
pela qualidade do áudio, além de ambos poderem ser distorcidos por instabilidade na conexão à internet.
Salientamos esses aspectos prático e interacional da entrevista clínica, pois o distanciamento exigido pela
pandemia tornou evidente como a experiência presencial é insubstituível e estruturante para o aprendizado
dessa habilidade e das competências em seu entorno.
No entanto, a experiência que vivenciamos com o ensino remoto nos mostrou como a maior apropriação
de recursos tecnológicos digitais pode incrementar e refinar o ensino da anamnese.

Relato

O processo de construção
Após um forçado período de recesso acadêmico, motivado por alarmantes taxas de transmissão do
vírus SARS-CoV-2 e iminentes riscos para docentes, discentes, seus familiares e demais contactantes, a
retomada das atividades universitárias, no chamado Período Acadêmico Emergencial (PAE), ocorreu no mês
de fevereiro de 2021.
Cumpre destacar a natureza eminentemente prática do aprendizado preconizado para a disciplina de
Clínica Médica I, no período em apreço, o 2º semestre do 2º segundo ano da graduação em Medicina, dedicado,
pelo novo currículo em curso, ao ensino da semiologia e semiotécnica. Esta peculiaridade representou um
desafio ainda maior para a retomada de atividades curriculares, dada a necessidade de formação de grupos de
estudantes compostos de cerca de 10 alunos para abordarem, à beira do leito, pacientes internados no Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE).
Os estudantes, ansiosos pela entrada no ciclo clínico, em que finalmente aprenderiam a arte e a ciência da
abordagem aos pacientes, sobretudo a realização da anamnese e desenvolvimento de habilidades semiotécnicas
para execução do exame físico, tinham grande expectativa por sua inserção em atividades práticas. Motivados
pela certeza da importância de adquirirem os conhecimentos, habilidades e atitudes explorados no processo de
ensino-aprendizagem da disciplina, os estudantes estavam dispostos a iniciar a retomada presencial, mediante
a adoção de medidas de prevenção de contágio preconizadas pela comunidade científica.
O corpo docente da disciplina, cioso da demanda dos estudantes e dos desafios imanentes à natureza da
disciplina, avaliou que a segurança para a retomada de atividades presenciais era incerta, pela característica
particular da realização de atividades práticas à beira do leito, em que um grupo de 10 alunos supervisionados
por um docente se reuniria ao redor de um paciente, num espaço limitado. Considerou-se que se tratava de
obstáculo difícil de ser transposto na realidade então vigente. A limitada vacinação da população em geral,
incluindo os estudantes, foi considerada uma lacuna que agravava o risco envolvido para docentes, discentes e
pacientes. Salientando que esses últimos se encontravam privados do contato com seus familiares em função
do protocolo sanitário de acesso ao hospital e que naquele período a exposição ao contato com estudantes não
inseridos nos serviços constituía um risco desnecessário.
A piora do cenário epidemiológico vivenciado nas semanas subsequentes ao início do PAE levou à

190
suspensão das atividades presenciais nos primeiros períodos do curso de graduação.
— IMPACTO NO ENSINO

O caminho possível foi o de manter atividades síncronas e assíncronas de ensino remoto, através da
plataforma Microsoft Teams. Dessa forma, entendemos que estávamos cumprindo com coerência nosso papel
de educadores e ancorados no princípio hipocrático primum non nocere, a disciplina foi realizada de forma
integralmente remota.

O formato tradicional da disciplina


A disciplina de Clínica Médica compõe, com a maior carga horária, o currículo de graduação
em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas. O objetivo geral da disciplina é garantir que os alunos
desenvolvam um bom raciocínio clínico. Para isso, o ensino da anamnese, do exame físico e as discussões de
casos clínicos são os três pilares teórico-práticos fundamentais do curso.
Em nossa disciplina tradicionalmente o aprendizado da anamnese é desenvolvido em grupos de alunos,
tutorados pelo docente preceptor. Tanto o docente quanto os alunos realizam entrevistas e exame físico
essencialmente em pacientes hospitalizadas no HUPE.
Essa estratégia, arraigada cultural e institucionalmente, tem múltiplos aspectos inegavelmente vantajosos.
E, certamente, a funcionalidade desse modelo contribuiu para sua cristalização como modelo tradicional de
ensino de Clínica Médica. E a despeito da crescente percepção de docentes e discentes sobre diversos aspectos
ultrapassados desse formato, reformulá-lo não é tarefa simples.
A avaliação dos alunos é habitualmente constituída pelos seguintes elementos: nota do docente preceptor
frente à avaliação transversal de cada aluno ao longo do semestre, incluindo a avaliação de anamneses
periodicamente entregues pelos alunos, além de avaliações teóricas e duas provas práticas. Nas provas práticas,
os professores selecionam pacientes internados nas enfermarias do HUPE e os alunos devem, em cerca
de uma hora, entrevistar e transcrever a anamnese do paciente. As etapas subsequentes são a discussão da
anamnese propriamente dita e aspectos inerentes ao caso clínico em questão, além de uma avaliação à beira
do leito em que habilidades e competências interacionais e relacionadas ao exame físico são testadas. É ainda
importante ressaltar que o preceptor responsável pela avaliação nunca é o professor preceptor do grupo que
estará avaliando e que em geral cada grupo é avaliado por professores diferentes na primeira e na segunda
prova práticas.
Enunciamos, a seguir, aquelas que consideramos as principais vantagens e desvantagens do formato
tradicional da disciplina:

Vantagens
• Cenário controlado, com disponibilidade de grande quantidade de pacientes, em geral com bastante
disponibilidade de tempo, proporcionando numerosas ocasiões para realizar entrevistas, inclusive sem
a supervisão do docente preceptor.
• O tempo mais estendido disponível para a realização dessas anamneses possibilita ao aprendiz
iniciante tranquilidade para empreender as múltiplas tarefas da anamnese: ouvir, perguntar, processar
e registrar.

191
— IMPACTO NO ENSINO

• Facilita a seleção de pacientes conforme o aspecto ou conteúdo do aprendizado que se deseja salientar
(p. ex: explorar a caracterização de dor torácica, entrevistar um paciente com déficit auditivo)

Desvantagens
• A ocorrência de hospitalizações não espontâneas, que geram dificuldades para o aprendiz distinguir
as queixas e as necessidades do paciente das demandas geradas pelo cuidado médico (p. ex: paciente
que é internado para agilizar a realização de algum exame complementar)
• Internações longas acentuam vieses de memória no relato do paciente, bem como facilitam a inclusão
de eventos relativos à internação como fatores de confundimento para o raciocínio clínico do aprendiz.
• O hospital frequentemente abriga hospitalizações por situações demasiado complexas que extrapolam
a capacidade do aprendiz nessa etapa de aprendizado.
• A discordância desse modelo com as diretrizes curriculares atuais que estimulam o aprendizado em
ambientes ambulatoriais.

O formato remoto da disciplina


A impossibilidade do ensino presencial, no entanto, nos impeliu a buscar diferentes estratégias para
oferecer experiências de aprendizagem significativas num contexto tão adverso e diferente do que estávamos
habituados. Nesse novo cenário, contexto, o curso foi estruturado a partir das seguintes atividades:
1. Aulas síncronas semanais sobre exame físico ministradas por meio da plataforma Microsoft Teams.
2. Seminários síncronos quinzenais para discussão de grandes temas a partir de casos clínicos realizados
também através do Microsoft Teams
3. Preceptorias síncronas com grupos de cerca de 10 alunos que ocorriam três vezes por semana via
Microsoft Teams.

A avaliação dos alunos nessa fase também precisou sofrer mudanças importantes. Manteve-se o
componente de avaliação transversal de cada professor preceptor, foram ministradas duas provas teóricas
objetivas através de nosso ambiente de aprendizado virtual e os alunos apresentaram, por duas vezes, uma
anamnese construída a partir de uma entrevista remota a um professor preceptor de outro grupo. Além disso,
cada discente escolheu um tema de uma lista pré-selecionada pelo corpo docente da disciplina e elaborou uma
discussão teórica sobre o tema.
A anamnese, tópico primeiro da disciplina, foi introduzida através de duas aulas síncronas com uma
entrevista realizada em tempo real e posteriormente trabalhada nas preceptorias. Nessa segunda etapa,
certamente, encontrava-se o maior desafio e são as ideias e recursos que surgiram para viabilizá-la que
discutiremos na próxima seção.

192
— IMPACTO NO ENSINO

As estratégias de ensino-aprendizagem de anamnese empregadas no ensino


remoto

1) Simulações
1.1) Para exercício da interpretação da linguagem verbal e registro escrito
Neste recurso foi disponibilizado um diálogo real de uma entrevista realizada pelo preceptor consultando
um paciente. As falas literais enunciadas pelas partes em entrevista foram disponibilizadas aos alunos em
documento PDF, que a partir da leitura do diálogo tinham como tarefa fazer o registro escrito como suas
próprias anamneses.

1.2) Para exercício da realização da entrevista


Nesse modelo de aula, o preceptor encenava um paciente ou preparava algum aluno para esse papel e os
demais entrevistavam o “ator” como se ele fosse verdadeiramente um paciente. Por preparar o aluno, deve-se
entender a discussão do conteúdo teórico implícito no caso em questão e um acordo sobre como o paciente
fictício deveria se comportar, quais respostas ele forneceria mediante as possíveis perguntas do entrevistador,
na medida do que é previsível, e o que fazer frente a perguntas não esperadas (p. ex: responder que não lembra
resultado de qualquer exame que o aluno ator não saiba como responder sem comprometer a condução da
anamnese). O caso utilizado poderia ser real ou criado pelo preceptor e/ou por um ou mais alunos. Importante
salientar que os alunos que recebiam a tarefa de realizar a entrevista não podiam tomar conhecimento de
nenhuma informação do caso antes da aula.

2) Tele-entrevista
2.1) Individuais
O paciente poderia ser selecionado pelo preceptor ou pelos alunos. Em geral, tratava-se de um conhecido
ou familiar de algum aluno ou de um paciente (da prática privada, inclusive) do professor. A entrevista
ocorria por meio de alguma ferramenta digital que permitisse a interação por meio de videochamadas, tanto
plataformas de reunião como Microsoft Teams ou Zoom, como aplicativos de mensagens com o WhatsApp.
O estudante, sozinho, realizava a anamnese com o paciente e depois produzia um registro escrito para uma
posterior discussão com o preceptor.

2.2) Coletivas
O entrevistador também poderia ser o preceptor ou um aluno e, eventualmente, os outros participantes
também eram autorizados a fazer perguntas ao paciente. É importante ressaltar que, nesse formato, foi
absolutamente necessária a explicitação do fato de haver múltiplos espectadores e a autorização expressa do
paciente para isso.

193
— IMPACTO NO ENSINO

3) Discussão a partir de gravações de consultas presenciais


Nesse recurso, o preceptor usou uma entrevista gravada em alguma consulta médica no período anterior
à pandemia ou na própria pandemia, uma vez que grande parte dos docentes manteve suas atividades
assistenciais em maior ou menor ritmo. O vídeo era apresentado e discutido pelos alunos e pelo tutor durante
a aula síncrona. Aspectos relativos à realização da anamnese e ao raciocínio clínico envolvido no caso eram
discutidos. Importante ressaltar que nesse modelo a autorização expressa do paciente também é fundamental.
Embora, durante todo o curso, tenhamos sofrido com a falta da possibilidade de atividades presenciais,
enxergamos nas estratégias descritas acima alguns benefícios que descreveremos a seguir.

Potenciais vantagens das estratégias de ensino-aprendizagem empregadas no


ensino remoto de anamnese
• Impulsiona experiência acadêmica menos hospitalocêntrica, permitindo a expansão do ambiente de
aprendizado para cenários ambulatórios diversos sem a barreira do espaço físico.
• Propicia aos alunos, eventualmente, assistir à coleta de anamnese de outros preceptores ou colegas,
sem que a lotação máxima por enfermaria ou a falta de espaço à beira do leito ou no consultório seja
um impeditivo.
• Amplia o universo de pacientes recrutáveis para a realização de anamnese, sendo especialmente
interessante adequado para proporcionar aos preceptores ou aos alunos discutir algum aspecto ou
assunto específico.
• Aproxima docentes e discentes da prática da telemedicina, uma prática recentemente regulamentada
e em franca expansão.
• Possibilita a gravação das entrevistas e posterior análise, permitindo um feedback mais detalhado e
também oferecendo ao entrevistador a oportunidade de observar sua própria prática.
• Estimula o aprimoramento progressivo da literacia digital por parte de professores e estudantes.
• Proporciona bons cenários para aplicação de estratégias que envolvem metodologia ativa.
• Facilita a seleção e gravação de entrevistas que sirvam bem à função de “protótipos”.
• Viabiliza a criação de um banco de vídeos de anamneses.
• Oferece estratégia alternativa para trabalhar aspectos potencialmente constrangedores ou delicados
de serem discutidos na presença do paciente.

A percepção dos alunos


Além da premente frustração pela impossibilidade de encontros presenciais, os alunos relataram
dificuldades relacionadas a conexões de internet instáveis, à proximidade familiar ou social que havia com
parte dos entrevistados (colegas ou familiares), à pouca variabilidade nos casos (muitos entrevistados estavam
frente a uma suspeita de infecção pelo novo coronavírus) e à amplificação das dificuldades de comunicação
trazidas pelos canais virtuais frente à habilidade ainda incipiente de realizar anamneses naquele momento.

194
— IMPACTO NO ENSINO

Ainda assim, a avaliação dos discentes foi de que as bases teóricas e práticas sobre a anamnese foram
estabelecidas, sobretudo a compreensão sobre a estrutura básica da entrevista, bem como um suficiente grau
de desenvoltura com a terminologia técnica foram alcançados.

A percepção dos docentes


É sabido que esse momento do curso é especialmente esperado pelos alunos justamente pela grande
inserção na prática médica que traz. No entanto, foi preciso um esforço de todos para que a impossibilidade
de atividades presenciais não significasse impossibilidade de atividades práticas e os prejuízos fossem ainda
maiores para todos. Ironicamente, professores se viram tendo que persuadir alunos Millennials a compreender
ou aceitar que, transitoriamente, nossa interação seria apenas virtual.
Visto por outro ângulo, perceber que, para todos, o contato físico ainda é tão caro foi bastante alentador e
reforçou a noção de responsabilidade com viabilização de atividades presenciais tão logo fosse minimamente seguro.
Na avaliação dos docentes durante o período de ensino remoto, os objetivos relacionados ao aprendizado
da anamnese, apesar da incontornável lacuna da experiência presencial, foram alcançados de forma satisfatória.
Em outras palavras, os alunos efetivamente aprenderam a fazer uma entrevista e a redigir um registro escrito
da mesma. Consideramos que os aspectos vantajosos das modalidades utilizadas justificam sua adoção como
ferramenta permanente no currículo regular da disciplina de Clínica Médica.

Considerações Finais

As estratégias descritas foram empreendidas com o intuito de viabilizar o processo de aprendizagem


da entrevista clínica na graduação em Medicina da UERJ em um momento histórico específico de restrições.
Os recursos tecnológicos que as viabilizaram já existiam e estavam disponíveis antes da pandemia, no entanto
não eram adotados no cotidiano do ensino. Diversos elementos respondem por esse cenário: cultura analógica,
inércia para mudança, força da tradição e, possivelmente, algum grau de fobia digital. O distanciamento
social exigido pela pandemia teve o efeito positivo de empurrar todos para o uso de recursos digitais, com
uma curva de aprendizado acelerada e níveis crescentes de literacia digital para todos os envolvidos. Foram
experiências necessárias e proveitosas, cuja incorporação permitiu o enriquecimento do ensino/aprendizado de
anamnese, mas não devem constituir estratégia única. Os novos conhecimentos e recursos que impulsionaram
a criatividade e inovação são bem-vindos e sua incorporação representa vantagens que mesmo em períodos
livres de restrições para o ensino presencial podem contribuir para o desenvolvimento dessa competência
fortemente ancorada em atividades presenciais e tutoriais.

Bibliografia

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— IMPACTO NO ENSINO

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196
— IMPACTO NO ENSINO

Ações da disciplina integradora Mecanismos de


Adoecimento frente à interrupção das atividades
acadêmicas devido a pandemia da Covid-19: um
relato de experiência

Lucimar Gonçalves Milagres1; Sandra da Silva Boiça2; Luiz Fernando Resemini3; Sílvia Amaral Gonçalves da Silva4;

Carla Moura Cazelli5; Rosimere de Jesus Teixeira6; Alda Maria da Cruz7; Thaís Porto Amadeu8; Marilza de Moura

Ribeiro Carvalho8; Luciana Silva Rodrigues8

1
Professora Associada, Disciplina de Microbiologia e Imunologia, Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia

(DMIP), Faculdade de Ciências Médicas FCM/UERJ; 2Professora Associada, Disciplina Patologia Geral, Departamento

Patologia e Laboratórios (DPL) FCM/UERJ; 3Acadêmico curso Medicina, turma 2024 FCM/UERJ; 4Professora Associada,

Disciplina de Parasitologia (DMIP) FCM/UERJ; 5Professora Assistente, Disciplina Medicina Integral II, Departamento

Medicina Integral, Familiar e Comunitária (DMIFC), FCM/UERJ; 6Professora Adjunta, Disciplina Medicina Integral II

(DMIFC) FCM/UERJ; 7Professora Associada, Disciplina de Parasitologia(DMIP) FCM/UERJ; 8Professora Adjunta,

Disciplina Patologia Geral (DPL) FCM/UERJ

Descritores em português: graduação medicina, disciplina integradora, Covid-19, ensino remoto.

Descritores em inglês: graduation in medicine, health subjects, Covid-19, virtual learning.

Introdução

A disciplina Mecanismos de Adoecimento foi criada em 2018 mediante a implantação do novo currículo
do curso médico da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ (FCM/UERJ). Um dos objetivos do novo
currículo é a ampliação do tempo de internato de dezoito para vinte e quatro meses de forma a promover
habilidades e maior aptidão para lidar com problemas em saúde, conforme preconizado pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Medicina de 2014.1 Outras modificações foram implementadas, tais
como a criação de disciplinas integradoras, às quais contemplam momentos semanais com as disciplinas
reunidas. Estas tiveram, então, que sair de suas “caixinhas” e relativas zonas de conforto para a elaboração
de atividades conjuntas com o objetivo de cultivar uma visão interativa e ampliada dos conteúdos teórico-
práticos por meio da troca de experiência e do diálogo entre os professores de diferentes disciplinas da grade
curricular em cada série/período.
Lançado o desafio, algumas disciplinas do ciclo básico da FCM/UERJ iniciaram o planejamento da
disciplina integradora Mecanismos de Adoecimento (MA) para o segundo ano (3º período do curso de
Medicina), a saber: Imunologia, Medicina Integral II, Parasitologia e Patologia Geral. Com uma carga horária
semanal relativamente curta, sem necessidade de avaliação formal e horário pouco atraente (11:30 – 12:20h),
optou-se pela utilização de casos clínicos para a discussão de temas específicos, mas que permitissem “olhares”

197
— IMPACTO NO ENSINO

distintos, porém integrados por parte das disciplinas. Em 2019, os alunos da nova versão curricular iniciaram
o segundo ano do curso médico e inauguraram, também, a inovação curricular da disciplina integradora,
reunindo disciplinas do segundo e terceiro semestres letivos para uma atividade conjunta, dialogal e com a
finalidade de mitigar a fragmentação curricular.
Em 2020 a disciplina inicia sua segunda edição e, após duas semanas de curso, as atividades presenciais
foram suspensas em decorrência da declaração, em 11 de março de 2020, pela Organização Mundial de
Saúde de que a doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) teria atingido o status de pandemia. Os
índices epidemiológicos da época mostravam uma linha ascendente e íngreme que refletia o aumento global
do número de casos e mortes pela doença.2 A confirmação da instalação da pandemia em nosso país trouxe
inúmeras incertezas e desafios complexos sem precedentes no nosso século. A necessidade de isolamento social,
de restrições de locomoção, somados a inexistência de medicação específica e vacinas levou à interrupção de
inúmeras atividades, incluindo a educação formal em todos os níveis, da pré-escola às pós-graduações. As
universidades pararam, por meses, até se adaptarem à nova realidade do ensino remoto. Neste contexto, em
uma tentativa de manter vivo o foco na formação médica, a conexão e o vínculo com a unidade acadêmica,
professores e alunos da disciplina MA vislumbraram a possibilidade e a oportunidade de seguir em frente,
ainda que à distância, e enfrentando o futuro ainda incerto ao iniciarmos o “curso Covid-19 em Mecanismos de
Adoecimento”.
Este capítulo busca relatar a experiência vivida por docentes, incluindo um representante discente da
turma 2024 durante este período de aprendizado mútuo adquirido a partir de aulas teóricas e discussão por
meio do ensino remoto tendo como principal foco a Covid-19.

Relato

Situação epidemiológica da Covid-19 no Brasil em abril de 2020


Para uma retrospectiva mais fundamentada da situação que aqui pretende-se registrar e refletir,
pontuaremos os números da doença em abril de 2020. A Figura 1 mostra o número de casos de Covid-19
no mundo em 09 de abril de 2020.3 Até 12 de abril tínhamos 22.318 casos notificados no Brasil, com 1.141
mortes, o que equivale a uma taxa de mortalidade de 5.1%.4 Em todo o mundo somavam-se 1.782.267 casos
e 112.214 mortes (6,3% a taxa de mortalidade).5 Até 01 de outubro de 2021, passados cerca de 17 meses do
objeto de relato deste artigo, nosso país apresentava 21.427.073 casos e 596.749 mortes (2.8% de letalidade).6

198
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 1: Casos confirmados de Covid-19 em vários países, incluindo o Brasil, até 09 de abril de 2020 conforme

publicado on-line pelo boletim coronavírus Nexo. A fonte de dados do boletim foi o ECDC - European Centre for

Disease Prevention and Control (3).

Organização e estrutura da atividade proposta


Em 16 de março de 2020, com apenas duas semanas de aulas do período letivo, e o início declarado da
pandemia de Covid-19, o Magnífico Reitor da UERJ publica a AEDA0137 suspendendo as aulas e atividades
presenciais de toda a Universidade, a fim de conter a propagação do novo coronavírus e proteger a comunidade
acadêmica da desconhecida e temível doença. Simultaneamente, a direção da FCM/UERJ recomendou que
os docentes permanecessem em contato com os alunos através de atividades on-line de forma a minorar o
estresse que estávamos vivenciando. Ficou evidente a importância do mútuo apoio nesse momento atípico e
de muitas incertezas.
Foram, então, realizadas reuniões prévias entre os docentes da disciplina MA para discussões e sugestões
de possibilidades de contato virtual com os alunos. Inicialmente, alguns estudos dirigidos foram enviados
por meio eletrônico (e-mail e/ou aplicativo WhatsApp). Posteriormente, percebemos a necessidade de
iniciarmos atividades síncronas, que permitiriam aos alunos exporem suas dúvidas de forma mais concreta
e que estimulassem a discussão sobre aspectos da Covid-19 que se sabiam até o momento: biologia do novo
coronavírus, aspectos epidemiológicos, a fisiopatologia da doença, assim como as principais contradições
e dificuldades no que se referia ao seu tratamento, as medidas de distanciamento/isolamento social para
contenção da transmissão e, finalmente, novas tecnologias em testes para a implementação de imunizantes.
Com a boa adaptação e a concordância deste modelo pelos alunos, nossos encontros aconteceram às
segundas-feiras pela manhã, com duração de 60 minutos, via plataforma Zoom em sua versão gratuita e com
possibilidade de registro por gravação de vídeos. Os temas das aulas e tópicos de discussão foram planejados

199
— IMPACTO NO ENSINO

para quatro semanas dentro dos meses de abril e maio de 2020, conforme a distribuição mostrada no Quadro
1.

Quadro 1: Divisão das atividades e propostas de discussão do tema Covid-19.

Data/horário Atividades / Plataforma Zoom Professores

13/04/2020 - Encontro 1: Características gerais do SARS-COV-2, diagnostico Profa Lucimar Milagres


laboratorial e considerações vacinais.
9:00h (Imunologia)

Auxílio chat: Marilza


- Integração com o conteúdo das disciplinas: Carvalho

Biologia do vírus, aspectos epidemiológicos e diagnóstico


laboratorial da Covid-19 e vacinas contra coronavírus.

20/04/2020 - Encontro 2: Imunopatologia Covid-19. Profa Luciana Rodrigues

9:00h - Integração com o conteúdo das disciplinas: (Patologia Geral)

Dinâmica do processo inflamatório, mecanismos da resposta


imune frente à infecção.
Auxílio chat: Sandra Boiça

27/04/2020 - Encontro 3: Mecanismos de lesão pelo SarsCoV-2. Profa Sandra Boiça

9:00h - Integração com o conteúdo das disciplinas: (Patologia Geral)

Correlação dos sinais, sintomas e dados laboratoriais. Por que Profa Carla Cazelli
ocorrem?
(Medicina Integral II)
Vulnerabilidade, apoio aos familiares e comunidades, manejo
clínico e fluxo assistencial para casos suspeitos e prováveis do
Covid-19 e orientação de medidas preventivas para a população. Auxílio chat: Profa Maria
Helena Ornellas e Profa
Marilza Carvalho
04/05/2020 - Encontro 4: Intervenções farmacológicas na Covid-19. Profa Sílvia Amaral

9:00h - Integração com o conteúdo das disciplinas: Profa Alda

Desenvolvimento de fármacos: estratégias e ensaios pré-clínicos Auxílio chat: Profa Thaís


e clínicos. Amadeu/ Profa Carla Cazelli

Aspectos da Covid-19 abordados


A partir da definição dos temas de cada encontro, os professores selecionaram artigos de referência para
serem enviados em formato PDF previamente aos alunos e assim as aulas poderiam ter uma base para a
discussão e dúvidas. A principal estratégia utilizada foi a elaboração de aulas teóricas e compartilhamento de
diapositivos, conforme ilustrado na Figura 2.

200
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 2: Diapositivos representativos das aulas do “curso Covid-19 – MA” a partir de capturas de tela nos encontros:

A) Imunologia, B e C) Patologia Geral, e D) Parasitologia.

No primeiro encontro foram apresentadas aos alunos, a estrutura viral, as características antigênicas, a
classificação dos diferentes tipos de coronavírus dentro da família Coronaviridae e as hipóteses de origem
animal do vírus. Um breve histórico dos estudos e surtos prévios de coronavírus foram abordados, como o
deflagrado pelo SARS-COV em 2002-2003 iniciado na China, o surto de MERS-COV em 2012 na Arábia
Saudita e finalmente o SARS-COV2 em 2019, originado na China, mas que diferente dos demais evoluiu
para a atual pandemia.8-10
Os dados epidemiológicos apresentados à época foram os mesmos descritos acima na Figura 1 e no tópico
“Situação epidemiológica da Covid-19 no Brasil em abril de 2020”.
Discutimos os métodos de diagnóstico laboratorial da Covid-19 indicados pelo Ministério da Saúde, tais
como o ensaio quantitativo denominado RT-qPCR para pesquisa de material genético do vírus, principalmente
a partir de swabs de nasofaringe e o teste sorológico para detecção de anticorpos IgG e IgM específicos11.
Apresentamos dados de parâmetros laboratoriais de pacientes com Covid-19 descritos em Wuhan, China12,
onde a pandemia foi inicialmente identificada. Enfim, pontuamos algumas perspectivas e plataformas de
vacinas desenvolvidas contra SARS-CoV e MERS-CoV que poderiam servir de ponto de partida para o
desenvolvimento de vacinas contra o SARS-Cov-2.10
Nos dois encontros subsequentes foram abordados os mecanismos fisiopatológicos da doença conhecidos
até aquele momento, tais como a função fisiológica clássica da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2)
apresentando-se agora como o receptor para a entrada do vírus na célula humana13 e a participação da serino-
protease transmembrana tipo II (TMPRSS) nesse processo, células-alvo para o vírus14, a segurança de anti-
hipertensivos atuantes no sistema renina-angiotensina-aldosterona como drogas seguras (após um período de
grande insegurança sobre seu uso)15, aspectos da resposta imune celular (balanço de células da imunidade inata e

201
adaptativa, produção de mediadores inflamatórios) e humoral (cinética e relevância da produção de anticorpos
— IMPACTO NO ENSINO

específicos contra o SARS-CoV-2), assim como as consequências da imunopatologia e sua associação com os
quadros apresentados (sinais e sintomas relatados com maior frequência)16 e desfechos relacionados à gravidade
da doença17-18. A influência das comorbidades associadas à maior chance de adoecimento ou mortalidade na
interação do vírus com os seres humanos foi ainda abordada, bem como o muito que ainda tínhamos (e ainda
temos) de aprender sobre a doença.
Fazendo um elo com o adoecer, foi abordado a influência de condicionantes e situações que ligariam a
atenção primária em saúde (APS) e a medicina de família e comunidade a prevenção e enfrentamento da
Covid-19, a partir de caso clínico discutido com a turma. Essa aproximação da equipe se deu a partir de
perguntas norteadoras para a identificação dos pontos de vulnerabilidade da família, observando as condições
domiciliares, que não garantiam o isolamento entre os acometidos e as pessoas que coabitavam a residência, bem
como as condições domiciliares de saneamento, que não eram adequadas, em especial quanto ao fornecimento
da água, que era feito de forma irregular, levando à dificuldade de higienização. A família estudada também
poderia ser considerada de risco para complicação da Covid-19 pela presença de comorbidades nos seus
membros, tais como o diabetes mellitus, hipertensão arterial e síndrome de Down (e dificuldade para o uso
de máscaras, por exemplo). Além disso, no caso estudado, alguns familiares não respeitavam o isolamento e
não usavam máscara. Nesse sentido, a equipe de saúde da família tinha que orientar o isolamento domiciliar.
Seguindo o caminho da abordagem familiar, a turma de alunos foi orientada a refletir sobre o manejo clínico
e fluxo assistencial para casos suspeitos e prováveis da Covid-19 e a entender como as equipes de saúde da
APS devem exercer o seu importante papel na organização de medidas individuais e populacionais para o
enfrentamento da pandemia19.
Finalizamos as atividades com o assunto “Intervenções Farmacológicas na Covid-19”. Naquele momento
da pandemia, este assunto já era um dos mais debatidos na literatura. Um grande número de trabalhos descrevia
a atividade in vitro e também alguns ensaios clínicos com vários fármacos. Nosso objetivo foi mostrar as
estratégias usadas para o desenvolvimento de fármacos e o que estava sendo feito no contexto da Covid-19.
Neste sentido, abordamos a estratégia definida como reposicionamento de fármacos, onde um fármaco já
utilizado na clínica é testado para tratamento de uma outra doença20. Discutimos, também, sobre as etapas dos
estudos pré-clínicos e clínicos e trouxemos os dados disponíveis na literatura acerca dos principais fármacos
(incluindo os possíveis mecanismos de ação) que estavam sendo testados para Covid-19, com destaque para os
antiparasitários usados no tratamento da malária (cloroquina/hidroxicloroquina) e de parasitoses intestinais e
ácaros (ivermectina). Com embasamento técnico-científico necessário para entendimento dos dados, tivemos
uma discussão muito rica sobre o tema21-23. Estudos clínicos posteriores não mostraram evidências da utilidade
dos fármacos citados, tanto na prevenção quanto no tratamento da Covid-19.

Reflexão sobre a experiência


Lançado um olhar distante sobre a experiência aqui relatada e como todos se estruturaram para aquele curso
de quatro semanas, revela-se a ousadia e o compromisso dos docentes e discentes com o ensino, aprendizagem
e no decorrer do tempo, com a prestação de serviço à comunidade intra e extramuros. De fato, estudar e
facilitar a discussão com estudantes a respeito de uma nova doença infecciosa de alta transmissibilidade, de

202
— IMPACTO NO ENSINO

elevados índices de óbito, e com características pandêmicas foi bastante desafiador. Os dados epidemiológicos
acompanhados diariamente e noticiados por todos os veículos de comunicação, apresentavam uma correlação
positiva com o número de publicações científicas. A cada dia novas descobertas sobre a Covid-19 eram
divulgadas por meio de artigos em revistas científicas ou lançados os chamados preprints – documentos
científicos não revisados por pares. Estar atualizado no conteúdo a ser abordado com os alunos nunca foi tão
desafiador e complexo, ainda que ao mesmo tempo estimulante.
Outro ponto interessante e, talvez, central a se ressaltar foi o desafio adicional da utilização da tecnológica
de ensino remoto, um desafio para todos, corpo docente e discente. A barreira para o uso de plataformas de
videoconferência ficou evidente. Agendar sala virtual, divulgá-la, compartilhar conteúdo de maneira digital,
limitação do tempo nos ambientes virtuais não pagos, estratégias de interação on-line (uso de chat, microfone,
câmera, compartilhamento de tela e diapositivos) e possibilidade de gravação das aulas constituíram alguns
elementos com os quais nos deparamos. Uma parte importante do corpo docente da disciplina conhecia
muito pouco ou nada sobre as plataformas de ensino à distância. Naquele momento, tanto a UERJ quanto a
FCM ainda não haviam definido se, como e/ou quando o ensino remoto seria implementado. Não tínhamos
ideia de qual plataforma seria utilizada para a continuação das atividades acadêmicas letivas. Havia múltiplas
opções, algumas mais familiares e outras nem tanto, mas todas muito novas para a nossa realidade. Comum e
certo era a nossa vontade e ansiedade de estar com os alunos, transmitindo os principais aspectos da pandemia
que julgávamos necessários para a “bagagem” deles a fim de enfrentar a revolução científica que estava por vir.
É necessário, também, registrar a dificuldade de acesso à internet vivenciada por parte dos alunos e
professores, bem como a falta de laptops, tablets e/ou celulares com pacotes de dados de internet suficientes para
tal fim. Em todos os encontros foi observada uma média de 80-85% de participação dos alunos. Posteriormente
a estas primeiras atividades, houve o compartilhamento de tablets entre os discentes adquiridos pela FCM
utilizando recursos financeiros diversos (ressalta-se aqui a participação de Alumni FCM-UERJ – entidade
que congrega ex-alunos da FCM e do Hospital Universitário Pedro Ernesto [HUPE/UERJ]), organização do
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) para estruturação da comunicação virtual com os alunos e depositário
do material com os conteúdos a serem trabalhados, a definição de uma plataforma para as atividades on-line, a
qual permitisse a gravação das atividades síncronas durante o ensino remoto e sua disponibilização. Decorrido
pouco mais de um ano desta situação, inicialmente caótica e incerta, nossa reflexão permite-nos reconhecer a
coragem, a motivação e a resiliência dos professores e alunos nesta caminhada – importantes aprendizados em
nosso contínuo desenvolvimento pessoal.
Para os alunos, a adaptação da disciplina a partir do “curso Covid-19 – Mecanismos de adoecimento”
foi fundamental para a obtenção de um conhecimento científico inédito, promovendo a capacitação destes
para que melhor pudessem cuidar de si, de seus familiares e da comunidade. Ainda, o caráter dinâmico da
instituição, percebido com o ajuste do curso ao que estava acontecendo no mundo, fez com que o elo dos
alunos com a faculdade fosse reforçado. Ao contrário de tornar-se algo discrepante da realidade em que todos
mergulhávamos, a faculdade mostrava-se ainda mais importante ao preparar futuros médicos para o novo
mundo que viria.
Em setembro de 2020, as aulas retornaram, estruturadas pelo PAE (Período Acadêmico Emergencial) e
pela Coordenação de Graduação da FCM, na pessoa do Prof. Ricardo Bedirian, que contribuiu de maneira

203
— IMPACTO NO ENSINO

competente, organizada, humana e zelosa para o prosseguimento do ensino médico na vigência da pandemia.
Ponderando que o calendário acadêmico caminha para toda a Universidade e que essas dificuldades foram
enfrentadas por milhares de alunos e professores, podemos dimensionar o desafio enfrentado por toda a
comunidade acadêmica. Com a exceção dos últimos anos dos diferentes cursos, inclusive o da Medicina, que
seguiram calendários próprios, inclusive mantendo atividades práticas, com o intuito de minimizar atrasos na
formatura, toda a UERJ caminha em conjunto nos anos iniciais dos diferentes cursos e campi. No entanto,
continuamos, em fase de recuperação dos seis meses de atraso do calendário acadêmico.
Por fim, ao avaliar a inclusão das aulas sobre Covid-19 em Mecanismos de Adoecimento, considerando: i)
como tudo e todos se estruturaram; ii) que a duração foi de quatro semanas; iii) que a disciplina foi organizada
em condições precárias e sem suporte técnico estruturado; e, ainda iv) tendo como alvo uma nova pandemia,
desafiadora até os dias atuais; devemos perceber e enaltecer a coragem e a união do grupo.

Considerações Finais

A reformulação de currículos acadêmicos perpassa por diversos entraves. Com frequência, são realizados
ajustes na carga horária, nos dias e horários, a reavaliação do conteúdo oferecido, bem como a implementação
de novas metodologias de ensino. Realizar esses ajustes na vigência de uma pandemia certamente constitui
uma tarefa ainda mais laboriosa.
Neste sentido, a disciplina de Mecanismos de Adoecimento, juntamente com a turma 2024, realizaram
tarefa inovadora, radical e instigante ao propor discussões sobre a Covid-19 a partir de novos conhecimentos que
chegavam a cada dia por meio de plataformas de publicação científica, associados, ainda, ao acompanhamento
da implementação de novas políticas sociais, de saúde e educação. Finalmente, neste curto período, a disciplina
já vislumbrava e colocava em prática por meios digitais, a chamada “educação disruptiva” – a qual se propõe a
romper com o estabelecido e melhorar o existente.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos aos alunos da turma 2024 pela receptividade, participação e apoio à
proposta da disciplina MA. Ao Prof. Dr. Ricardo Bedirian, coordenador de graduação da FCM por seu apoio
e consentimento prévio para a implementação das atividades. Às demais professoras da disciplina de Patologia
Geral: Profa Christiane Leal e Profa Maria Helena Ornellas, às quais nos acompanharam nesta experiência.
Aos nossos familiares pela paciência e resiliência em abdicar de nossa presença e conforto, ainda que, em
home-office, para que pudéssemos dedicar também este tempo aos nossos queridos alunos.

Bibliografia

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Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União. 23

204
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206
— IMPACTO NO ENSINO

Ações da Monitoria da Disciplina de Patologia


Geral para o Curso Médico na pandemia

Kathleen Serrão Pena1; Maria Eduarda Morgado da Silva1; Pamela Fernandes Silva de Freitas1; Gleiciele Monteiro

Pereira1; Paulo Gustavo Aguiar de Oliveira1; Raissa Graciano de Veras1; Luciana Silva Rodrigues2; Maria Helena Faria

Ornellas de Souza2; Sandra R Boiça Silva2; Thaís Porto Amadeu2

Monitores do curso médico UERJ; 2Docentes da disciplina de Patologia Geral na Faculdade de Ciências Médicas UERJ
1

Descritores em português: monitoria, educação, medicina.

Descritores em inglês: teaching assistant, education, medicine.

Introdução

A monitoria é uma modalidade de ensino-aprendizagem e de formação acadêmica destinada aos alunos


regularmente matriculados na graduação. Por meio dela desperta-se o interesse do discente pela docência,
principalmente pelo desempenho de atividades relacionadas ao ensino. Ao monitor possibilita uma experiência
na vida acadêmica, além da revisão de conceitos prévios e prática de uma habilidade importante para a sua
prática profissional: a de esclarecer conceitos. Há ainda a proveitosa interação entre discentes de diferentes
períodos. Para os alunos, além de um momento para aprofundar e questionar conhecimentos, tem-se a chance
de discutir assuntos com alguém mais próximo em idade e experiências e que também serve de modelo e
estímulo no caminho do aperfeiçoamento e da colaboração.1-3
A Disciplina de Patologia Geral é integrante do ciclo básico do curso médico da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), inserida no segundo ano da graduação.
A monitoria é componente desta disciplina para o curso médico desde 1973, e mais recentemente, também
para os cursos da disciplina para a Odontologia e Enfermagem. Para isso, há um professor-preceptor ou
grupo de preceptores encarregados de compartilhar aspectos do processo do ensino-aprendizagem com os
monitores, tal como o planejamento das atividades a serem executadas ao longo do semestre e atualização do
conhecimento sobre os temas abordados. Em particular, na monitoria da disciplina de Patologia Geral para
o curso médico, os alunos-monitores são responsáveis pela condução da discussão dos artigos científicos e de
casos clínicos, sendo parte do processo de aprimoramento do conhecimento no trinômio professor-monitor-
aluno. Outra atuação da monitoria é o auxílio aos alunos na confecção de trabalhos de revisão científica sobre
um tema previamente definido e escolhido pelos discentes. Os monitores ajudam na busca bibliográfica, no
esclarecimento das dúvidas dos alunos sobre os temas e na organização da apresentação do trabalho escrito e
da apresentação oral para a turma. Todas as tarefas são sempre supervisionadas e orientadas pelos professores-
preceptores. A monitoria é o nosso motor a impulsionar o semestre vindouro. Enquanto empreendemos as
discussões com os monitores, revê-se o conteúdo e as atividades a serem realizadas e planejamos o próximo
semestre. Essa reflexão e elaboração do que se espera implementar no semestre vindouro é fundamental e

207
— IMPACTO NO ENSINO

ocorre de forma sistemática, graças à monitoria.


Este capítulo tem como objetivo relatar a experiência da monitoria da disciplina de patologia geral para
o curso de medicina no momento de transição para o ensino remoto, além de mostrar os resultados das
avaliações dos monitores e alunos sobre o desenvolvimento da monitoria remota.

Relato

A experiência do ensino remoto


Em 2020, por conta da pandemia de Covid-19, todas as atividades de ensino-aprendizagem da disciplina
de Patologia Geral tiveram de ser rapidamente adaptadas ao ensino remoto. As atividades de aulas teóricas,
debates, e as atividades da monitoria passaram a ser on-line via a plataforma Microsoft Teams, enquanto as outras
tarefas/atividades passaram a ocorrer de forma assíncrona pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA –
plataforma Moodle). Uma transição que gerou um grande aprendizado para todos, a quebra de paradigmas e
o acolhimento às inovações. Fomos rapidamente (e compulsoriamente) introduzidos ao uso de plataformas
on-line para aulas e sua gravação, à utilização do ambiente virtual pela plataforma Moodle, às dificuldades
da execução de debates on-line, aos desafios da avaliação on-line. Palestras sobre quaisquer dos temas eram
avidamente seguidas. Professores realizavam a interconsulta para compartilhar conhecimentos e ansiedades.
A possibilidade de termos convidados de diferentes locais do país e do mundo em tempo real na discussão de
temas diversos era um aspecto interessante e anteriormente pouco explorado nas nossas atividades.
Desta forma fomos embarcados nesse navio a cruzar mares revoltos, sete professores e vinte e seis
monitores, nas modalidades de monitores bolsistas e voluntários. E chegamos ao destino. O primeiro semestre
letivo foi interrompido em março de 2020 e retornou em setembro do mesmo ano. A expectativa de retorno
às atividades presenciais não se concretizou para as disciplinas básicas, exceto por algumas atividades práticas,
em pequenos grupos, em algumas destas disciplinas.
Nossa disciplina permaneceu completamente on-line desde então. A monitoria, com a discussão de artigos
e casos clínicos, foi realizada com os alunos do terceiro período do segundo ano do curso de Medicina, entre
setembro e novembro de 2020, uma vez na semana, no horário de 17h às 18h. Este horário foi estipulado pela
coordenação de graduação para não interferir com as atividades dos monitores, em um semestre mais curto
por conta do tempo para adaptação do Plano Acadêmico Emergencial (PAE). Buscamos então, ao final do
período, documentar as percepções dos alunos e monitores sobre as atividades de monitoria no ensino remoto.

Avaliação da monitoria durante o ensino remoto


Ao final do primeiro semestre letivo remoto de 2020, os docentes da disciplina realizaram um estudo
descritivo baseado nas respostas obtidas pelos alunos-monitores e discentes da disciplina, enviadas por meio
de dois formulários eletrônicos construídos na plataforma Google Forms.
Um formulário contendo dezoito (18) afirmações (questionário 1) foi direcionado por meio de link para
os monitores e foi respondido pela integralidade destes. Outro formulário (questionário 2), contendo dez (10)

208
— IMPACTO NO ENSINO

afirmações, foi enviado aos alunos que cursaram a disciplina no primeiro período de 2020. A escala de verificação
de Likert[4] com seu formato típico de cinco itens (discordo totalmente, discordo parcialmente, não discordo/
não concordo, concordo parcialmente e concordo totalmente) foi usada para a mensuração da concordância
ou não com as afirmações (Quadro 1). Essa escala é uma maneira de levantar e mensurar a percepção dos
respondentes e o seu nível de concordância ou discordância em relação a algum tópico. Portanto, consegue-se
avaliar, de maneira real e mais precisa os pontos positivos e negativos do objeto avaliado, que no nosso caso
era a atuação da monitoria on-line durante a pandemia. Nos dois questionários elaboramos afirmativas que
abordassem opiniões favoráveis e contrárias, inclusive para avaliar se houve um preenchimento automático ou
pouco cuidadoso do formulário. Especialmente as afirmativas para os alunos que tendiam para uma avaliação
negativa das atividades, tentando facilitar a declaração dos eventuais problemas.
No quadro 1 mostrado a seguir encontram-se as afirmativas usadas para compor os questionários 1 e 2
enviados, respectivamente, aos monitores-alunos e alunos da turma, os quais deveriam se posicionar com seu
grau de concordância ou discordância.

Quadro 1: Afirmativas apresentadas nos questionários 1 (para os monitores-alunos) e 2 (para os alunos da turma) e

julgadas por eles de acordo com o grau de concordância ou discordância.

Afirmativas do questionário 1 Afirmativas do questionário 2

(para os monitores-alunos) (para os alunos da turma)

1. Preparar as atividades da monitoria foi útil 1. As atividades de monitoria foram pouco


à ampliação do meu conhecimento. úteis à ampliação do meu conhecimento.

2. As atividades de monitoria foram bem 2. As atividades de monitoria não foram


planejadas. bem planejadas e ficaram confusas.

3. As dúvidas e questionamentos dos


3. As atividades de monitoria remota foram
alunos na atividade da monitoria não
estressantes pela dificuldade de conexão.
foram respondidos pelos monitores.

4. Os monitores pouco sabiam sobre


4. Senti-me inibido pelo fato das atividades
os temas discutidos na atividade da
serem gravadas.
monitoria.

5. Consegui responder satisfatoriamente as


5. O horário da monitoria (ao final da
perguntas/dúvidas dos alunos nas atividades
tarde) foi desgastante.
da monitoria.

6. O horário da monitoria (ao final da tarde) 6. Participei pouco das atividades


foi desgastante. propostas na monitoria.

7. Minha vida particular neste semestre


7. Minha vida particular neste semestre
favoreceu a minha dedicação às atividades
favoreceu a minha dedicação aos estudos.
propostas pela disciplina na monitoria.

209
— IMPACTO NO ENSINO

8. É mais difícil prestar atenção 8. Procurei a monitoria para tirar dúvidas


adequadamente e interagir com os alunos ou para me ajudar em outras atividades
quando as atividades são remotas. oferecidas pela disciplina.

9. Creio que consegui um desempenho 9. O tempo estimado para a monitoria foi


melhor nas atividades remotas (on-line). ideal para as atividades propostas.

10. Minha vida particular neste semestre


prejudicou a minha dedicação aos estudos. 10. Apresentei dificuldades para me
Minhas atividades como monitor foram comunicar os monitores quando precisei.
igualmente prejudicadas.

11. Foi interessante “estar do outro lado”, ou


seja, estar no lugar do professor.

12. Os alunos não participaram muito nas


atividades da monitoria.

13. Acho o tempo estimado para o


desenvolvimento das atividades da monitoria
foi o ideal.

14. Não consegui me organizar


adequadamente para as atividades remotas da
monitoria.

15. Gostaria de continuar como monitor, em


outras disciplinas, mesmo que as atividades
continuem a ser remotas.

16. Acredito que as atividades remotas


possam ser incorporadas no planejamento
e cronograma mesmo quando as atividades
presenciais voltarem a ser permitidas.

17. As atividades de monitoria não valem


presença ou nota e, mesmo assim, a
frequência e participação foi muito boa.

Opcional

18. As atividades da monitoria remota foram


melhores do que as presenciais.

O questionário 1, direcionado ao aluno-monitor, obteve um total de 26 respostas, refletindo 100% de


resposta dos monitores. Neste grupo encontram-se os 23 monitores que terminaram a integralidade do período
de monitoria (segundo semestre de 2019, duas semanas presenciais em março de 2020 e posteriormente o
semestre retomado no segundo semestre de 2020) e há ainda respostas de três monitores que, por motivos
diversos, não terminaram todo o período de monitoria.
No questionário 1, das dezoito (18) afirmativas apenas cinco (5) apresentaram mais de 60% de concordância

210
— IMPACTO NO ENSINO

total e as mesmas afirmações não apresentaram discordância parcial, são elas: “Acredito que as atividades remotas possam
ser incorporadas no planejamento e cronograma mesmo quando as atividades presenciais voltarem a ser permitidas”; “Acho o
tempo estimado para o desenvolvimento das atividades da monitoria foi o ideal”; “Foi interessante “estar do outro lado”, ou
seja, estar no lugar do professor” e “Preparar as atividades da monitoria foi útil à ampliação do meu conhecimento” (Figura
1). Enquanto, apenas duas (2) afirmativas do questionário não apresentaram concordância total, são elas: “O horário
da monitoria (ao final da tarde) foi desgastante” e “Não consegui me organizar adequadamente para as atividades remotas
da monitoria” (Figura 1). Verificamos que três (3) afirmações obtiveram cerca de 30% de respostas na graduação
nem concordo e nem discordo, são elas: “As atividades da monitoria remota foram melhores do que as presenciais” (38%);
“Creio que consegui um desempenho melhor nas atividades remotas (on-line)” (35%) e “Minha vida particular neste semestre
favoreceu a minha dedicação às atividades propostas pela disciplina na monitoria” (31%) (Figura 1). Apenas a afirmativa “As
atividades da monitoria remota foram melhores do que as presenciais” não teve resposta no nível de concordância parcial.
Cinco (5) das afirmativas não apresentaram discordância total, são elas: “Gostaria de continuar como monitor, em outras
disciplinas, mesmo que as atividades continuem a ser remotas”; “Acredito que as atividades remotas possam ser incorporadas no
planejamento e cronograma mesmo quando as atividades presenciais voltarem a ser permitidas”; “Acho o tempo estimado para
o desenvolvimento das atividades da monitoria foi o ideal”; “Preparar as atividades da monitoria foi útil à ampliação do meu
conhecimento” e “As atividades de monitoria foram bem planejadas” (Figura 1).
As respostas ao questionário 1 revelaram que as atividades foram enriquecedoras no seu preparo e execução,
uma vez que as respostas “concordo totalmente” e “concordo parcialmente” foram obtidas em 95% das respostas
sobre o planejamento, o estudo para o preparo das atividades, a experiência de ser o responsável pela atividade,
sobre a possibilidade de incorporação das atividades remotas mesclando com atividades presenciais (Figura 1).
Entretanto, houve discordância quando a pergunta versava sobre a participação dos alunos. Aproximadamente 50%
dos monitores concordaram e 40% discordaram sobre o ambiente on-line facilitar a atenção nas atividades (Figura
1). Além disso, 20% sentiram estresse por conta das dificuldades na acessibilidade à internet e 20% sentiram-se
inibidos por saberem que as atividades estavam sendo gravadas (Figura 1). Apenas 5% da monitoria concordou
com a afirmativa de que estas atividades se mostraram melhores no formato on-line em relação ao presencial
(Figura 1). Além disso, percebeu-se que os monitores gostaram do horário da atividade ao final da tarde, já que 88%
discordaram (parcialmente + totalmente) que o horário da monitoria tenha sido desgastante (Figura 1).

211
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 1: Gráfico do percentual de respostas nos níveis de concordância ou discordância das afirmativas do questionário

1, aplicado aos monitores-alunos, sobre as atividades de monitoria on-line da disciplina de Patologia Geral ocorrida

durante a pandemia de Covid-19. As cores nas barras do gráfico representam: azul escuro: concordo totalmente; azul

claro: concordo parcialmente; cinza: nem concordo nem discordo; laranja: discordo parcialmente; vermelho: discordo

totalmente.

Em relação ao questionário 2, de um total de 106 alunos, 94 responderam ao questionário, um percentual


de respostas de 88,7% (Figura 2). Logo se percebe um impacto negativo no horário da atividade (Figura 2).
Segundo a percepção dos alunos, a monitoria on-line ao final de um dia de atividade remota foi exaustiva
para 63% dos alunos (Figura 2). Em especial, o dia da semana no qual ocorria a atividade pode ter sido
especialmente desafiador por conta da disciplina do turno da tarde utilizar amplamente o horário disponível
antes da monitoria (Figura 2). No mais, julgaram os monitores preparados e com conhecimento para executá-
las (97%) e que estas foram bem planejadas (79%) e úteis para a maioria dos alunos (66%) (Figura 2).
No questionário 2, das dez (10) afirmativas apenas a afirmativa “O horário da monitoria (ao final da tarde) foi
desgastante” apresentou mais de 60% de concordância total. Enquanto as afirmações “Os monitores pouco sabiam
sobre os temas discutidos na atividade da monitoria” e “Apresentei dificuldades para me comunicar os monitores quando
precisei” apresentaram 67% e 60%, respectivamente, de discordância total (Figura 2). Somente a afirmativa
“Os monitores pouco sabiam sobre os temas discutidos na atividade da monitoria” não apresentou concordância
total e somente a afirmativa “O horário da monitoria (ao final da tarde) foi desgastante” não apresentou
discordância total e apenas 1% de concordância parcial (Figura 2). No grau nem concordo nem discordo percebe-
se que somente três (3) afirmativas apresentaram, respectivamente, 30%, 20% e 21% de respostas. São elas,
respectivamente: “Procurei a monitoria para tirar dúvidas ou para me ajudar em outras atividades oferecidas
pela disciplina”, “Minha vida particular neste semestre favoreceu a minha dedicação aos estudos” e “Participei pouco
das atividades propostas na monitoria” (Figura 2).
Em resumo, obteve-se elevada concordância dos monitores asseverando que as atividades foram bem planejadas, que
serviram para ampliar o conhecimento, que foi enriquecedor “estar do outro lado” por ser o responsável pela condução da
atividade. Julgaram o tempo das atividades adequado e concordam com a incorporação remota mesmo após o retorno
ao ensino presencial. Em relação aos alunos, a duração da atividade foi ideal, os monitores estavam bem preparados,

212
porém o horário na qual ocorria a atividade foi estafante.
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 2: Gráfico do percentual de respostas nos níveis de concordância ou discordância das afirmativas do questionário

2, aplicado aos alunos do segundo ano da faculdade de medicina, sobre as atividades de monitoria on-line da disciplina

de Patologia Geral ocorrida durante a pandemia de Covid-19. As cores nas barras do gráfico representam: azul

escuro: concordo totalmente; azul claro: concordo parcialmente; cinza: nem concordo nem discordo; laranja: discordo

parcialmente; vermelho: discordo totalmente.

Considerações Finais

Este capítulo teve como proposta relatar a experiência da monitoria da disciplina de Patologia Geral para
o curso médico no ensino remoto mediante a pandemia de Covid-19. Com esse relato pode-se mostrar as
principais percepções sobre a monitoria no formato remoto pelos próprios monitores-alunos e pelos alunos
do segundo ano que cursaram a disciplina, algo inédito vivenciado tanto pela disciplina/professores e pelos
alunos envolvidos.
A monitoria é um aspecto ímpar do processo ensino-aprendizagem que oferece uma experiência
de crescimento. Para o professor oferece a oportunidade de empreender a análise do curso ofertado, das
metodologias empregadas, do assunto a ser discutido. Para o monitor, a prática para se tornar um facilitador
na propagação do conhecimento, de aprofundamento teórico, da aquisição de habilidades didáticas, além do
contato com outros alunos.
Nosso estudo apresenta algumas limitações, tal como a restrição das respostas por questionário, não
disponibilizando a possibilidade para a abordagem de outros aspectos além dos previamente definidos com
as afirmativas.
A partir da avaliação da percepção dos alunos por meio dos questionários aplicados, foi possível
identificar que as atividades foram satisfatórias para alunos e monitores, porém salta aos olhos a disparidade
da conveniência e do horário no qual as tarefas foram desenvolvidas. Os alunos tiveram importante crítica ao

213
horário da monitoria ao final da tarde, já sobrecarregados pelas atividades do dia. Já este foi um dos pontos
— IMPACTO NO ENSINO

de grande aprovação pelos monitores, talvez pelo fato de poderem se dedicar às suas próprias atividades
educacionais ao longo do dia e à monitoria em um horário mais livre.
Para as atividades de discussão, percebe-se que a atividade presencial é mais rica e proveitosa. Há
algumas características do ambiente on-line geradoras de estresse como a dependência de bom acesso de
internet, disponibilidade ou não de equipamentos digitais, a gravação da atividade. Entretanto, uma avaliação
dos autores é a de que o ensino on-line, paradoxalmente, aproximou alunos e professores. E é possível que
isto tenha ocorrido pela novidade, pelo desafio mútuo e pelos métodos de ensino-aprendizagem que se
centralizaram no estudante.
Consideramos que a monitoria no ensino remoto emergencial foi bem-sucedida e continua sendo um
exemplo de aprendizagem colaborativa. Compatibilizar as atividades de monitoria em um horário satisfatório
será o desafio vindouro, bem como o retorno para algumas atividades presenciais.
.

Agradecimentos

Agradecemos a toda equipe de monitores e professores da disciplina de Patologia Geral que participaram
deste trabalho: Adriel Dias Marinho da Silva1, Alessandra Krykhtine P. Poschinger1, Caio Jacques Alpino
Oliveira1, Crissia Pitanga Malta1, Ester Santos Carmo1, Giovanna Mainardi Navas1, Isabel Maria Santos
Lacerda1, Jamir Davidson Gonçalves1, Julia Anesi Saavedra Granato Ferreira1, Juliana Magalhães Aguiar
Cardoso1, Karina Ferreira Vaz1, Lorena Paiva dos Reis Lima1, Louise Ferreira Nascimento Costa1, Luciana
Souza de Carvalho1, Nathan Walter Leichbacher1, Renata Panucci Mansur1, William Alves dos Santos1,
Marilza M. Ribeiro Carvalho2, Danuza Esquenazi2, Christiane Leal2 (1- Monitores do curso médico; 2 -
Docentes da disciplina de Patologia Geral).

Bibliografia

1. Silva AR, Barros JF, Teles LF. Aprendizagem colaborativa on-line: uma experiência em monitoria no
programa de pós-graduação em ciências da saúde. Rev Enferm UFPE on line. 2017; 11(2):749-57.
2. Cunha FR Jr. Atividades de monitoria: uma possibilidade para o desenvolvimento da sala de aula. Educ.
Pesqui. 2017; 43 (3): 681-694.
3. Belone JCS, Pereira JCN, Lima AGT, Araújo PMOA. A monitoria acadêmica como intervenção
teórico prática para estudantes do ensino técnico em enfermagem. Braz. J. of Develop. 2020; 6 (11):
86993-87004.
4. Likert, R. A Technique for the Measurement of Attitudes. Archives of Psychology, 1932;140: 1-55.

214
— IMPACTO NO ENSINO

Cuidado, trabalho em equipe e desenvolvimento


docente: interrelações necessárias para a adaptação
das disciplinas de Medicina Integral ao momento da
pandemia da Covid-19

Ana Cláudia Santos Chazan1; Carla de Moura Cazelli2; Rosimere de Jesus Teixeira3;

Denise Herdy Afonso4; Thais Yamamoto5

Professora Adjunta, Coordenadora da Disciplina Medicina Integral I; 2Professora Assistente, Coordenadora da Disciplina
1

Medicina Integral II; 3Professora Adjunta, Coordenadora da . Disciplina Medicina Integral III; 4Professora Assistente,

Coordenadora Geral Disciplinas Medicina Integral I, II e III; 5Professora Assistente, Coordenadora. Disciplina de Medicina

Integral II Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, Faculdade de Ciências Médicas

Descritores em português: Educação de graduação medicina; Medicina de família e comunidade; Covid-19; Capacitação de

professores; Educação à distância.

Descritores em inglês: Undergraduate medical education; Family practice; Covid-19; Teacher training; Education; Distance.

Introdução

As disciplinas de Medicina Integral I, II e III da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do


Estado do Rio de Janeiro (FCM UERJ), foram criadas em 2002 no contexto das Diretrizes Curriculares
Nacionais de 2001 (DCN 2001). Estas Diretrizes tinham como norte a formação de médicos capazes de
“atuar eticamente no processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção (...) com responsabilidade
social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano”. Elas apontavam
também para a necessidade do estudante “saber cuidar da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar
como cidadão e como médico”. Em síntese, as DCN 2001 nos provocaram a promover a cultura do cuidado
no ambiente escolar, de modo que as relações estabelecidas entre educadores e educandos nestes moldes
pudessem servir de modelo para as relações entre os futuros profissionais e as pessoas que buscam melhorar
a sua saúde¹
A escolha da disciplina de medicina integral (existente no internato desde 1976) para atender às orientações
relativas ao ensino da Atenção Primária à Saúde (APS) decorreu do envolvimento e da experiência acadêmica
de seu corpo docente. Estes professores defendiam, há décadas, mudanças curriculares como a desospitalização
do ensino, a formação generalista e o compromisso da escola médica com a saúde pública².
Importante destacar que cada uma destas disciplinas apresenta uma ênfase na abordagem educacional,
a saber: MI I – abordagem comunitária, MI II – abordagem familiar e MI III – abordagem da pessoa.
Essas disciplinas, inseridas nos primeiros anos da graduação, quando o ciclo básico é eminentemente teórico,
propiciaram a inserção precoce do estudante nos cenários da prática médica e o conhecimento dos fundamentos

215
— IMPACTO NO ENSINO

da organização da atenção à saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS), da medicina de família, da comunidade e
da medicina ambulatorial³.
A implantação das disciplinas foi fator decisivo na consolidação de práticas junto à graduação da FCM
UERJ e, consequentemente, na criação do 1º Departamento de Medicina de Família do Brasil, Departamento
de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, DMIF (https://www.dmifc.org/). O corpo docente do DMIF,
tendo como referências o trabalho de Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia⁴ e de Leonardo Boff em seu
livro Saber Cuidar: ética do Humano, compaixão pela Terra⁵ explicita em sua identidade que valores como
compromisso com a justiça social, a democracia e o cuidado, permeiam suas ações educacionais para formar
profissionais atentos a sua saúde integral e conscientes acerca do seu papel social frente às iniquidades em
Saúde.
A materialização de um currículo orientado para as necessidades da população tem se dado a partir da
experiência de integração-ensino-serviço-comunidade na APS. A parceria com o Programa de Residência
de Medicina de Família (PRMFC) da UERJ e com as equipes das Unidades Básicas Saúde (UBS) onde os
residentes e preceptores atuam tem permitido a inserção dos estudantes no território que, de forma colaborativa,
tem contribuído para o desenvolvimento de projetos de intervenção com as equipes, comunidades e famílias.
A medicina integral sempre contribuiu para a compreensão da saúde e adoecimento como processos
dinâmicos, dependentes da inter-relação de fatores de ordem biológica, psicológica, sociocultural e espiritual
e, portanto, singulares. A partir deste pressuposto, buscou-se estimular a reflexão crítica e o reconhecimento
da importância estratégica da qualidade da relação médico-paciente para o acolhimento e o vínculo, essenciais
para o cuidado médico resolutivo e competente⁶.
O cuidado permeia o planejamento das disciplinas, a escolha das estratégias didáticas, avaliação da
aprendizagem dos educandos, as interações com os nossos parceiros da disciplina e dos cenários onde atuamos.
Faz parte do nosso trabalho portanto a adequação dos nossos planos de curso de acordo com o contexto
sanitário da cidade, como ocorrido por ocasião das epidemias de dengue, Zika-vírus ou Chikungunya.
Em março de 2020, contudo, a pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) trouxe desafios
sem precedentes para as nossas vidas. A ameaça de adoecimento repentino por um vírus de rápida propagação
e a possibilidade da morte em grande escala nos levou a mudar radicalmente nossas rotinas e formas de
nos relacionarmos. O distanciamento social foi recomendado pela Organização Mundial de Saúde como
forma de conter a disseminação do vírus e os governos estaduais estabeleceram decretos para regulamentar o
funcionamento dos serviços essenciais, sendo todos conclamados a mobilizar recursos para contribuir com a
melhor adaptação coletiva a esse novo contexto social, de modo a aliviar o sofrimento dos mais necessitados.
Este capítulo buscou relatar uma síntese das percepções das coordenadoras das disciplinas de Medicina
Integral, com ênfase no processo de cuidado que permeou/permeia nosso trabalho na graduação durante a
pandemia e as reflexões sobre a relação entre cuidado, trabalho colaborativo e o desenvolvimento pedagógico
necessários para sustentar as adaptações curriculares neste contexto. Entendendo que todo ponto de vista é a
vista de um ponto, pretendemos com este ensaio contribuir para o debate sobre o cuidado na formação médica.
Para o alcance deste objetivo fizemos a revisão de documentos relacionados ao planejamento das disciplinas,
registros de reuniões virtuais para gestão e reorganização dos processos educacionais e a identificação das
percepções das coordenadoras sobre o vivido por elas.

216
— IMPACTO NO ENSINO

Relato

Percepções sobre as ações da Direção da Faculdade


Com a pandemia, observou-se uma ampliação do fluxo e do alcance das informações relacionadas à tomada
de decisões institucionais, o que veio ao encontro das necessidades da comunidade acadêmica por uma certa
continência aos sentimentos de insegurança e incerteza. Percebeu-se também a atuação do Centro Acadêmico
Sir Alexander Fleming (CASAF) e dos representantes das turmas para obter o diagnóstico atualizado de
vulnerabilidade psicossocial dos estudantes e o compartilhamento dessas informações para nortear a tomada
de decisões pela Direção da FCM. Ressaltamos também a divulgação do Edital Auxílio Inclusão Digital:
Pacote de Dados da UERJ e a compra e doações de tablets para os discentes com apoio de docentes e ex-
alunos (Alumni FCM-UERJ).
Quando foi autorizado o retorno às aulas na modalidade de ensino remoto emergencial, a Direção da
FCM por meio das ações da Coordenação de Graduação e do Programa de Desenvolvimento Docente (PDD)
promoveu encontros virtuais com especialistas em Educação Médica para o compartilhamento de experiências
bem-sucedidas de educação e avaliação a distância. Em um desses encontros vivenciamos a experiência de sala
de aula invertida, estratégia educacional escolhida e recomendada pela Coordenação de Graduação ao corpo
docente durante o período emergencial. Para tanto fomos orientados como acessar o Ambiente Virtual de
Aprendizagem da FCM plataforma Moodle e o Microsoft Teams, escolhidas respectivamente para os encontros
assíncronos e síncronos com os estudantes e recebemos tutoriais para gravação de vídeo aulas, fundamental
para o preparo de material para a sala de aula invertida.
A Coordenação de Graduação realizou reuniões síncronas com os docentes das disciplinas de Medicina
Integral e criou grupos de whatsapp para os coordenadores das disciplinas de cada ano letivo como forma de
facilitar a veiculação de informações e sanar dúvidas.
Uma medida importante e cuidadosa da coordenação de graduação foi solicitar ao corpo docente que
organizasse atividades extracurriculares para os alunos para que estes não ficassem completamente distanciados
do processo educativo enquanto não havia previsão de retorno as aulas, diminuindo assim o estresse vivenciado
por todos.
Destacamos também a iniciativa da Coordenação de Graduação, em parceria com o Programa de Apoio
Psicopedagógico aos Estudantes (PAPE) e estudantes da turma 2025 para a concretização do projeto “grupo
de reflexão on-line” voltada para o primeiro ano, do qual três docentes do DMIF participaram. Nesse espaço,
as angústias e frustrações dos participantes relacionadas à implementação do ensino remoto antes mesmo que
tivessem constituído vínculo com os colegas e com a faculdade, puderam ser expressas e melhor elaboradas
contribuído de certa forma para a sua motivação em relação à vida acadêmica7.
Por fim, observou-se também a participação da Coordenação de Graduação e do PAPE nas atividades
promovidas pela ABEM – Associação Brasileira de Educação Médica, que se intensificaram durante a pandemia
buscando maior aproximação e identificação das necessidades das escolas, educadores e educandos associados.

217
— IMPACTO NO ENSINO

Planejamento e reestruturação das disciplinas de medicina integral


A coordenação geral de disciplinas do DMIF foi essencial para dar continente, orientação, alinhamento
e coerência ao trabalho das coordenações de cada disciplina que, em distintos momentos, foram mobilizadas
para conduzirem o necessário processo de replanejamento para adaptação das disciplinas ao ensino remoto
emergencial. Cada coordenação, guardadas suas características pessoais e suas circunstâncias, não trabalhou
solitariamente. Chamaram, ouviram, questionaram, apoiaram e construíram, junto com os demais docentes
envolvidos em cada disciplina, o melhor caminho possível. A presença da coordenação geral em todas as
etapas da reelaboração das disciplinas apoiando as equipes e, especialmente sua expertise na configuração
e no uso da plataforma moodle foram fundamentais na construção do ambiente virtual de aprendizagem
(AVA) das disciplinas enquanto uma etapa estratégica e complexa, cujos produtos foram salas de aula virtuais
acolhedoras, organizadas, participativas e elucidativas para os docentes e alunos.
A estrutura da sala de aula invertida foi reorganizada da seguinte forma:
• pré aula: os alunos deveriam assistir a vídeo aula produzida pelos professores e fazer a leitura de um
texto de referência. Eventualmente havia vídeos curtos complementares (acessados na biblioteca de
cada aula, no AVA).
• aula: a partir da participação no fórum de atividades construído para cada aula: Após o estudo do
material indicado os alunos tinham prazo para responderem no AVA a alguma pergunta disparadora.
A participação em cada fórum valia 0,5 ponto, num total de 7 pontos. O feedback era dado pelos
professores individualmente ou em linhas gerais respeitado o estilo de cada docente antes do encontro
síncrono.
• pós aula, correspondendo ao encontro síncrono: ocorria no Microsoft teams e era gravada para que os
alunos ausentes pudessem acessar e participar. Momento para tirar as dúvidas e aprofundar a discussão
iniciada no fórum. A presença não era obrigatória, mas desejada e incentivada pelos professores.
Momento também de escuta empática e suporte aos alunos. Muita emoção!
A avaliação formativa a partir da contribuição individual nos fóruns foi complementada na MI II e III
por uma avaliação objetiva de múltipla escolha onde os principais aspectos de cada aula foram abordados e o
tempo de resposta para cada resposta calculado levando-se em conta eventuais problemas de acesso à internet,
minimizando o estresse dos alunos. Na MI I os alunos fizeram projetos de Educação em Saúde.
Os desafios e oportunidades de aprendizado específicos de cada disciplina serão apresentados a seguir.

Disciplina de Medicina Integral II – Abordagem Familiar


Quando as aulas do primeiro semestre foram suspensas em 13/03/2020, a turma 2024 tinha tido quinze
dias de aula presencial. De acordo com a solicitação da coordenação da graduação, em menos de um mês os
docentes da disciplina de MI II, organizaram atividades extracurriculares on-line síncronas, no Microsoft teams,
baseadas na leitura do livro - O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe8, que relata a história de famílias,
tema central desta disciplina.
Os encontros começaram no dia 07/04/2020, mantendo-se as turmas na mesma organização (A, B, C e

218
— IMPACTO NO ENSINO

D) por dia da semana (terças-feiras ou quintas pela manhã) e vinculadas às mesmas duplas de professores do
curso presencial. A frequência foi semanal, ocorrendo das 09:30 às 11h até o mês de julho de 2020. Trabalhou-
se conceitos relativos à abordagem familiar, como resiliência, vulnerabilidade, fatores de risco e proteção
familiares, conceitos de visita domiciliar, violência intrafamiliar, violência contra a mulher e homofobia, além
da experiência de utilização do familiograma e ecomapa relacionados aos personagens envolvidos na trama
do livro (Figura 1).

Figura 1: Eco Mapa do personagem Crisóstomo, 40 anos, pescador, construído pelo Prof. Daniel Puig.

Ainda que não fossem obrigatórios, esses encontros tiveram bom quórum. Além da continuidade do
envolvimento com a temática da disciplina, num momento de medo e desorganização de suas vidas pessoais
e familiares, os professores foram presentes na vida dos alunos. Promoveram um espaço de segurança para o
compartilhamento dos desafios, dores e esperanças relacionados a pandemia e suporte para a elaboração das
emoções vivenciadas em meio ao contexto de luto nacional nos âmbitos social, político e econômico. Por fim, os
participantes eram incentivados a trazer notícias dos ausentes, de modo a tecermos a rede de cuidado nas turmas.
Em agosto de 2020 foram iniciadas as reuniões de planejamento da disciplina MI II prevista para iniciar
em setembro. O desafio foi transformar uma disciplina com encontros práticos nas unidades básicas de saúde
em uma disciplina completamente remota, mantendo o compromisso com acolhimento, a busca ativa e a
aprendizagem dos alunos.
Como a turma 2024 havia tido a disciplina de abordagem comunitária (MI I) presencial, isso foi um
facilitador pois os estudantes traziam na bagagem uma certa compreensão prática do cenário da APS. Além
disso, como os professores de cada turma continuaram os mesmos, o vínculo e as relações de cuidado com as
turmas foram preservados.
A coordenação da disciplina de MI II buscou apoio para a construção com os pares, tendo como ponto
de partida a revisão por todos os docentes dos objetivos de aprendizagem essenciais da disciplina. O cuidado
com os alunos se materializou com o envio prévio de um questionário para identificarmos problemas de

219
— IMPACTO NO ENSINO

acesso as aulas virtuais, inscrição no Edital Auxílio Inclusão Digital: Pacote de Dados da UERJ, adequação do
ambiente de estudo em casa, questões relacionadas a saúde mental e perdas de parentes ou pessoas próximas
decorrentes da pandemia.
Seguem alguns exemplos de análise das 115 respostas recebidas da turma 2024 (Figuras 2 e 3):

Figura 2: Respostas da turma 2024 a pergunta relacionada a infraestrutura doméstica para os estudos.

Figura. 3: Respostas dos alunos referentes a pergunta relacionada a motivação.

Estas e outras respostas foram importantes para que nos preparássemos para receber a turma 2024, na
certeza de que os desafios pedagógicos seriam distintos dos conhecidos por nós em sala de aula presencial e
de que a motivação para o retorno trazia sentimentos de intensa sobrecarga emocional.
A questão da acessibilidade a internet de boa qualidade (tipo banda larga) ou privacidade no ambiente
domiciliar para participar dos encontros síncronos foi e continua sendo um desafio para as interações nos
momentos síncronos. Em virtude da pandemia, muitos alunos voltaram para as suas casas no interior dos
estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, onde as qualidades da internet eram variáveis e mesmo

220
— IMPACTO NO ENSINO

na cidade do Rio de Janeiro, em vários bairros, tivemos dificuldade dessa comunicação. Já a privacidade era
um problema geral, pois cada domicílio tinha sua rotina com vários participantes precisando usar um espaço
comum. Também havia a divisão do uso do computador, que era para muitas pessoas nas casas. Dessa forma,
muitos usaram seu celular, com câmeras fechadas, para gastar menos na transferência de dados. Isso fez e faz
com que nossa comunicação se dê sem conseguirmos ver os alunos durante as discussões.

Disciplina de Medicina Integral 1 – Abordagem Comunitária


A experiência em anos anteriores como docentes da disciplina de MI I e a experiência prévia com o AVA
na disciplina de MI II trouxe mais serenidade e segurança ao processo de adaptação desta disciplina para 60%
da carga horária habitual. Houve empenho de todos no diálogo e na inclusão de dois docentes que não haviam
participado da MI II, de modo que o consenso dos objetivos essenciais e a educação permanente sobre os
conceitos trabalhados na disciplina fluíram bem, assim como a divisão das tarefas de preparação de videoaulas,
seleção de textos de referência e planejamento das atividades dos fóruns.
A turma foi dividida em subgrupos (A, B, C e D), sendo os encontros síncronos semanais às terças ou
quintas feiras pela manhã, das 09:30 às 11h, cada subgrupo vinculado a uma dupla de professores.
Os maiores desafios enfrentados nesta disciplina foram a interação virtual com estudantes com os quais
não tínhamos tido contato prévio e a comunicação, para eles, sobre a impossibilidade de atividades práticas no
território. Nesse sentido, o acolhimento da turma no AVA, foi planejado com cuidado na tentativa de trazer
calor para os encontros síncronos e “quebrar o gelo”. Elaborou-se um vídeo de boas-vindas pela coordenação
da disciplina, os docentes atualizaram seu perfil com foto e disponibilizou-se no AVA, com a antecedência de
uma semana, a ementa e o cronograma. Além disso, pelo whatsapp foi enviado um formulário para captarmos
as percepções de domínio dos estudantes sobre os temas que seriam trabalhados na disciplina e sobre os
fatores que estavam afetando sua saúde positiva ou negativamente durante a pandemia (Figuras 4 e 5).

Figura 4: Fatores que afetam positivamente a saúde dos alunos da turma 2025.

221
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 5: Fatores que afetam negativamente a saúde dos alunos da turma 2025.

No “check in” do primeiro encontro síncrono, ao perguntarmos sobre como estavam chegando, as palavras
que ganharam destaque foram “vergonha” por um lado e “animados” por outro em função dos conteúdos que
seriam abordados na disciplina.
Como facilitador para a interação professores-alunos destacamos também o fato de duas docentes da
disciplina e cerca de um quarto de discentes da turma 2025 terem participado do projeto de mentoria on-line
coordenado pelo PAPE como mencionado acima o que possibilitou a desinibição dos alunos que haviam
participado do projeto.
Como forma de compensar a ausência de prática no território das UBS, planejamos a aproximação com
o território a partir do Facebook de cada UBS e de um encontro virtual com os residentes de MFC e demais
membros da equipe da UBS referência para cada turma. Como facilitador para essa atividade apontamos o
fato de três docentes da disciplina estarem à época envolvidas com o canal teórico de abordagem comunitária
para os residentes, orientando-os no diagnóstico comunitário dos territórios onde atuam e que serviram de
referência para os alunos, além de prepará-los para a interação com as turmas.
Ao final da disciplina, as questões para avaliação da percepção de domínio dos estudantes sobre os conceitos
trabalhados na disciplina foram respondidas e comparadas com a avaliação pré, com ganho significativo na
aprendizagem sobre todos os conceitos.
Selecionamos algumas respostas representativas das percepções dos estudantes sobre a disciplina:

Que bom...
Pudemos ter mais contato; refletimos sobre tantas coisas; foi um espaço de troca.
A comunicação com os professores, o método de fórum aliado aos materiais da semana e os trabalhos em grupo.
Entender um pouco mais sobre a MFC, expandir o conhecimento acerca do conceito de saúde e poder ouvir as
experiências dos colegas de turma.
Pude perceber a importância da atenção primária e o quanto ela é indispensável pra promover uma saúde mais
justa em um país tão desigual que vivemos.
Escrever toda semana embora achasse um pouco desgastante, pela minha dificuldade de expressão, achei que
contribuiu para entender o conteúdo.

222
— IMPACTO NO ENSINO

O trabalho final foi importante para entender a importância da educação em saúde

Que pena...
Que não estivemos juntos presencialmente.
Apesar de ter adorado o modelo proposto dos fóruns, leituras pré aula e discussões síncronas, em alguns momentos
sentia que, para responder ao fórum de maneira completa e amparada no estudo dos materiais prévios ficava um pouco
cansativo e corrido, sobretudo em momentos mais críticos do período quando tínhamos muitas provas e trabalhos
acumulados.
Lamento não ter visitado as Clínicas da Família, mas entendo a dificuldade e os riscos que isso envolveria no
momento :(

Que tal...
(...) Eu acho que qualquer disciplina pode melhorar muito a forma como leva o período se houver essa comunicação
com as outras. Não vejo problemas em MI, mas qualquer coisinha vira um peso, por causa do desequilíbrio de tarefas
em outras disciplinas - talvez com a conversa e o combinado entre as disciplinas, a gente tivesse um peso menor.

Disciplina de Medicina Integral III – Abordagem da Pessoa


A coordenação da disciplina de MI III, não tinha vivenciado a experiência no AVA com a MI II e da
mesma forma aceitou o desafio da adaptação da disciplina, buscando rever os objetivos essenciais, acolhendo
as necessidades de mudança e buscando a colaboração dos demais docentes de acordo com suas competências
e possibilidades, sendo alguns novos na disciplina.
Esta disciplina visa à introdução aos conceitos relacionados à integralidade do cuidado e à abordagem
centrada na pessoa e sua metodologia é essencialmente de atividades práticas como o atendimento ambulatorial
de pacientes, observação de consultas do ambulatório de Medicina Integral (AMI) e de outras especialidades,
entrevistas a pacientes de sala de espera e enfermaria, e visita a hospital de emergência para enfatizar as
diferenças entre estes cenários de atendimento. Além disso, todo o conteúdo programático era apresentado
sob a forma de seminários preparados pelos próprios alunos e mediado pelos professores, ou seja, não havia
aula teórica. Também não havia provas, mas sim um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) realizado em
pequenos grupos após entrevista com um paciente sobre o “Modelo explicativo do adoecimento de uma pessoa
com doença crônica”. Com a pandemia, houve a necessidade de se reinventar e readaptar a uma metodologia
remota, onde basicamente foi mantido apenas o conteúdo programático.
A experiência prévia, contudo, na coordenação da disciplina trouxe segurança para a reelaboração dos
planos de aulas. No final de 2020, foi elaborado um instrumento de orientação para os docentes para o
preparo das aulas e atividades dos fóruns, inclusive com sugestões de casos clínicos, vídeos-aulas e referências
bibliográficas. Os temas abordados foram: Acolhimento e Classificação de Risco, Comunicação e Técnica
de Entrevista, Medicina Centrada na Pessoa/Diagnóstico Clínico, Adesão ao Tratamento/Prescrição de

223
— IMPACTO NO ENSINO

Medicamentos, Prevenção Quaternária/Polifarmácia. Pela primeira vez, aproveitando o momento que


estávamos vivendo, foi acrescentada a discussão da Telemedicina e a Classificação de Risco de Covid-19.
Cada professor ficou responsável pela elaboração de um tema o que facilitou o trabalho docente à medida que
estes estavam comprometidos também com o M1, o ambulatório de Medicina Integral e a pós-graduação.
Houve a necessidade de alterar o cronograma pelo menos três vezes devido à situação da pandemia, uma
vez que a disciplina é orientada pelas atividades de prática ambulatorial e visita aos pacientes internados no
HUPE e/ou emergência hospitalar. As orientações da coordenação de graduação quanto à realização ou não
de atividades presenciais mudaram, portanto, ao longo do período.
As atividades remotas começaram em fevereiro de 2021, mantendo-se as turmas na mesma organização
(A, B, C e D) por dia da semana (quarta-feira ou quintas pela tarde) e vinculadas a um professor. A frequência
das aulas era semanal e ocorreram das 13:30 às 17:00 h até o mês de maio de 2021. A FCM chegou a
liberar as atividades práticas presenciais para começar em março de 2021. Então, foram organizados pequenos
grupos fixos de 4-5 alunos, no máximo 2 grupos/dia que seriam distribuídos em salas de atendimentos com a
presença de 1 paciente, 1-2 alunos e apoio de um residente ou professor, com orientação para o cumprimento
das medidas de segurança como uso de máscara, lavagem das mãos, ambientes ventilados, etc. Mas, a atividade
presencial ocorreu apenas por uma semana e por fim foram suspensas devido ao aumento de internações e
mortes por Covid-19.
Ao final do curso foi enviado um questionário de avaliação que foi preenchido por 76/109 alunos. A
maioria dos alunos considerou que a compreensão dos conceitos abordados foi de boa a muito boa, sendo
o conceito de Medicina Centrada na Pessoa o mais bem avaliado (99%) e o de Prevenção Quaternária o de
menor avaliação (77,5%). Os alunos responderam estar satisfeitos mais com o conteúdo (93,5%) do que com
a metodologia (85,6%), e também mais satisfeitos com o desempenho dos professores (96,1%) do que com o
desempenho individual (80,3%).

Aspectos da Covid-19 abordados por cada disciplina


Durante a Pandemia a disciplina MI II fez uma abordagem com os alunos procurando identificar como
eles estavam lidando com a Covid-19, antes de iniciar a discussão dos temas programados para os encontros
e apoiá-los individualmente frente às dificuldades vivenciadas. Procurávamos compartilhar referências que
informassem sobre a Covid-19 e explicações possíveis da pandemia, principalmente do que ocorria em
2020. Temas como violência doméstica e familiar, em especial violência contra a mulher e contra as crianças
habitualmente abordados na disciplina ganharam ainda maior destaque durante a pandemia.
A disciplina de MI I, problematizou com os estudantes as relações entre classe social, gênero e raça/cor e as
condições de vida e saúde da população bem como a vulnerabilidade à Covid-19. Refletiu-se sobre cidadania e
direitos humanos, assim como o papel do Estado e das redes comunitárias no combate à desigualdade social e
mais especificamente no controle da pandemia. A história do SUS, suas diretrizes e princípios, a organização
da APS no modelo da Estratégia da Saúde da Família e seus atributos foram apresentados com ênfase na
abordagem comunitária, na promoção à saúde e na educação popular em saúde. Para finalizar, o tema da

224
responsabilidade social da escola médica ganhou significado na medida em que os alunos foram provocados a
— IMPACTO NO ENSINO

produzirem vídeos educativos sobre a Covid-19 para a população, que o fizeram com criatividade e respaldo
científico. Tudo isso num ambiente de ensino-aprendizagem seguro onde opiniões divergentes tiveram
possibilidade de expressão e cuidado, onde a escuta empática para as necessidades pedagógicas dos estudantes
prevaleceu.
A disciplina de MI III teve a oportunidade de abordar o tema Covid-19 em vários momentos do curso.
Primeiro, foi discutido o tema da Telemedicina durante a Pandemia através do vídeo: “Telemedicina: aspectos
ético-legais, formação e remuneração médica” apresentado no canal do Youtube do Telessaúde da UERJ como
parte da Jornada Acadêmica Digital, em comemoração aos 85 anos da nossa FCM da UERJ, que aconteceu
em 2020. Também sugerimos a leitura do ensaio intitulado Desafios e oportunidades para a Telessaúde em
tempos da pandemia pela Covid-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto brasileiro9. Desta
maneira, foi estimulada a reflexão sobre as possibilidades do uso da Telessaúde para auxiliar no combate à
Covid-19 e problematizados os desafios para a sua aplicação no contexto do enfrentamento da pandemia.
Num segundo momento, foi apresentado um Caso Clínico de Covid-19 em situação de emergência na
UBS para discutir sobre o acolhimento em domicílio. Foram problematizados vários aspectos da entrevista
clínica, como desenvolver uma escuta ativa com postura acolhedora; a rotina de acolhimento da UBS; além
das orientações sobre a higiene pessoal, cuidados preventivos, identificação dos fatores de riscos e de como
conduzir a situação por meio de telemonitoramento ou com ligações dos agentes comunitários de saúde
(ACS), ofertando apoio e suporte para o cuidado. Durante a abordagem do tema Medicina Centrada na
Pessoa, foi discutido como o método clínico centrado na pessoa pode ser aplicado na comunicação de notícias
difíceis ou lidando com incertezas, como por exemplo, na abordagem do paciente com Covid-19. Na aula de
Adesão/Prescrição de Medicamentos, foram discutidas as novas normas decretadas pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) validando o uso dos receituários eletrônicos com assinatura digital em todo o
território nacional desde o início da pandemia e das novas regras temporárias sobre o uso dos medicamentos
de controle especial. Por último, foi problematizada a importância do conceito de Prevenção Quaternária
na hora da decisão terapêutica lembrando que a escolha de qualquer medicamento deve ser baseada em
evidências científicas, sendo assim, o momento foi bastante propício para a discussão sobre o que se sabia
sobre a Covid-19, a ausência de tratamento precoce ou profilático e o riscos/benefícios para o uso do Kit-
Covid-19.

Aprendizado pedagógico com a pandemia da Covid-19


Para além dos ganhos individuais sobre o uso das tecnologias e ferramentas para o ensino remoto,
reforçamos a certeza de que o planejamento educacional é essencial, que sua construção coletiva é estratégica
para que ganhe vida além do papel. Refletimos também que, por vezes, ampliamos demais nossas expectativas
em relação aos objetivos de aprendizagem em uma disciplina específica pela falta de interação com as demais
disciplinas e desconhecimento do currículo como um todo e “por dentro”.
Quanto à avaliação, a pandemia reforçou que é indispensável acompanharmos a aprendizagem individual
dos alunos, e trouxe a oportunidade de, institucionalmente, valorizarmos a avaliação formativa e processual como
mais importante que a avaliação somativa final. Nesse sentido, ressaltamos a importância da compreensão do

225
— IMPACTO NO ENSINO

feedback, como uma via de mão dupla. Ou seja, além de darmos o feedback aos alunos, pelo seu desempenho,
precisamos estar abertos a percepção discente sobre os processos educativos, uma vez que nem sempre o
empenho no preparo dos planos de curso e das aulas se traduzem em participação entusiasmada nos fóruns
ou em presença nos momentos síncronos.
Considerando esses desafios, mantivemos no AVA nossos contratos de convivência pactuando com os
alunos, o que é preciso para que o ambiente de ensino-aprendizagem seja seguro e de responsabilidade de
todos, incluindo-se aí o exercício da comunicação não violenta e a justificativa das ausências.
Por fim, percebeu-se que a sala de aula invertida, somada às atividades e debates nos fóruns no AVA nos
possibilitaram, conhecer mais e melhor nossos alunos de forma individual durante a pandemia do que antes
e nos revelar questões que os estudantes têm sobre os conteúdos que não eram explicitadas no presencial, seja
pelo limite de tempo, pela timidez de participação ou pela dificuldade de mediação dos docentes.

Aprendizado sobre o trabalho em equipe


O limite de tempo e a tolerância para as reuniões virtuais de planejamento levaram às equipes de
docentes a terem maior foco nas tarefas e a usarem de forma mais eficiente o tempo disponível para as
interações, minimizando alguns dissensos que surgiam em reuniões presenciais. O uso do whatsapp e do AVA
possibilitaram uma melhora no trabalho pedagógico da equipe de docentes na medida em que compartilhamos
nossos desafios e potencialidades na interação com as turmas e podíamos ler e acompanhar as postagens de
todos nos fóruns.

Considerações Finais

Cada disciplina teve desafios específicos a serem enfrentados em função do momento da pandemia e
contou com aspectos facilitadores também diferenciados. O período inicial, enfrentado pela disciplina de MI
II foi o mais desafiante dado que, além das questões técnicas e acadêmicas tivemos que cuidar de si, uns dos
outros e de nossos familiares, num contexto de completa incerteza e luto.
A experiência e o protagonismo das coordenações ajudaram a nortear o aprendizado e a motivação dos
demais docentes na pandemia. A carga de trabalho, ainda que em muito aumentada, pode ser aliviada pela
divisão equânime entre todos tornando possível o ensino-aprendizagem de conteúdos importantes para os
futuros médicos, independente da especialidade que trilharão depois.
A despeito dos ganhos identificados nesta experiência de ensino a distância, a decisão por manter parte das
atividades no ambiente virtual deve ser orientada pelo cuidado de não sobrecarregar os alunos e, especialmente,
pautada numa maior interação com as outras disciplinas.
No âmbito da gestão institucional fica a experiência exitosa da construção colaborativa e mediada pela
comunicação atenta, propositiva e direcionada às necessidades de educadores e educandos.

226
— IMPACTO NO ENSINO

Agradecimentos

Agradecemos aos docentes Andrea Augusta Castro, Cesar Favoreto, Cláudia Ramos, Daniel Puig, Débora
Teixeira, Rafael Cangemi, Marcele Paiva, Mariana Scardua e Nelson Robson pela resiliência e construção
coletiva e a todos os discentes pela generosidade com que acolheram nossos desafios pedagógicos e pela
contribuição que sempre levam ao aprimoramento de nossas práticas.

Bibliografia

1. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares


Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Resolução CNNE/CES nº 4, de 7 de novembro de
2001; Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1, p. 38.
2. Favoreto, CAO. Abordagem comunitária e ensino médico: análise da experiência do DMIF-FCM-
UERJ. Revista HUPE, Rio de Janeiro, 2016;15(3):271-277.
3. Itikawa, FA, Afonso, DH, Rodrigues, RD, Guimarães, MAM. Implantação de Uma Nova Disciplina à
Luz das Diretrizes Curriculares no Curso de Graduação em Medicina da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Rev Bras Educ Med, 2008; 32 (3): 324-332.
4. Freire, P. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
1996. 92p.
5. Boff, L. Saber cuidar – Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ. Vozes; 1999. 8ª edição.
199p.
6. Chazan, ACS, Silva, HGV, Cazelli, CM, Neto, AO, Castro, AA. Por que estudar família na graduação
médica? Relato dos 13 anos de experiência da medicina integral. Revista HUPE, Rio de Janeiro,
2016;15(3):278-285.
7. Serra, ST, Bteshe, M, Bedirian, R, Belz, DS, Franco, CF, Oliveira, LSS. Implantação de mentoria on-
line em uma faculdade de medicina durante a pandemia da Covid-19. Rev Bras Educ Med, 2021; 45
(sup.1):e-127.
8. Mãe, Valter Hugo [1972 -] O filho de mil homens. São Paulo: Cosac Naify, 2013 - ISBN: 978-85-405-
0433-2
9. Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, Paiva CCN, Ribeiro GR, Santos DL, e cols. Desafios e
oportunidades para a telessaúde em tempos da pandemia pela Covid-19: uma reflexão sobre os espaços
e iniciatiavas sobre o contexto brasileiro. Cad. Saude Pública 2020; 36:(5)e00088920.

227
— IMPACTO NO ENSINO

Desafios do ensino de Bioética em programas


de Pós-graduação Stricto sensu da Faculdade de
Ciências Médicas no contexto da pandemia de
Covid-19: relato de experiência

Tatiana Tavares da Silva1; Marilena Cordeiro Dias Vilella Corrêa2

1
Professora Associada da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Coordenadora e Docente na disciplina de Bioética

nos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Ciências Médicas (PGCM), Fisiopatologia e Ciências Cirúrgicas (PG

Fisiocirurgia) e Docente colaboradora no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Telemedicina e Telessaúde (PGTT) da

FCM UERJ; 2 Professora Associada e Docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do o Instituto de Medicina

Social Hésio Cordeiro (IMSHC) UERJ e Coordenadora da disciplina de Bioética no Programa de Pós-Graduação stricto sensu

em Telemedicina e Telessaúde (PGTT) da FCM UERJ

Descritores em português: Bioética; ética em pesquisa; biotecnologia; Covid-19.

Descritores em inglês: Bioethics; vulnerability; ethics, research; biothecnology; Covid-19.

Introdução

A pandemia provocada pela Covid-19 trouxe uma série de situações, relativas ao ensino na área biomédica,
que demandam uma discussão e análise sob o prisma da Bioética. Devido às restrições impostas pela pandemia,
a forma tradicional, presencial, do ensino da disciplina de Bioética para os Programas de pós-graduação
Ciências Médicas e Fisiocirurgia, necessitou passar por mudanças em curto espaço de tempo e um novo
modelo precisou ser adotado. Simultaneamente, com a proposta da criação da disciplina para o Mestrado
Profissional de Telemedicina e Telessaúde, do Programa de pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde da
FCM, ainda se sobrepôs o desafio de fazê-lo na forma de educação à distância(EAD).
A partir de junho de 2020, foi elaborada e colocada em prática, a disciplina de Bioética, com duas turmas
consecutivas no Programa de Telemedicina e Telessaúde (2020.2 e 2021.1), congregando alunos de diferentes
áreas de formação, compartilhando a disciplina com alunos de pós-graduação dos programas em Ciências
Médicas e em Fisiocirurgia.
Relatar essa experiência, quanto às mudanças na forma de ensino de uma disciplina que tradicionalmente
é ensinada na forma presencial para um modelo de EAD, dentro de uma conjuntura de pandemia, é o objetivo
deste trabalho.

228
— IMPACTO NO ENSINO

Relato

Transformações no ensino com a pandemia Covid-19


Um marco dessa pandemia foi a aceleração do processo de introdução de tecnologias em vários campos
da área biomédica. No entanto, ao mesmo tempo que essa tecnologia trouxe um grande desenvolvimento
na manipulação de quantidade expressiva de dados, auxiliando na pesquisa e tratamento, assim como na
determinação de marcadores e prognósticos, uma atenção se torna necessária: o cuidado com a guarda de
dados dos pacientes em um contexto de doença infecciosa e altamente transmissível.1,2,3
Essas características aumentam o risco de estigmatização de pacientes (indivíduos e grupos). Cuidados ao
emitir fotos e dados de evolução em redes sociais por parte de integrantes da área da saúde são fundamentais, pois
com o intuito até mesmo de auxiliar, em tempo mais rápido, a busca de informações, podem ser gerados danos
pessoais, morais, que após a pandemia poderão ser mais notados. Portanto, o uso da tecnologia para aproximação,
tanto no sentido da ampliação da humanização e do cuidado com o paciente, deve ser com responsabilidade.
A inteligência artificial que cresceu nesse contexto, e que é de extrema valia no auxílio a pesquisadores,
na manipulação de um volume de dados crescente (como na área radiológica, em pacientes com Covid-19,
também trabalha com dados obtidos de pacientes com implicações éticas no seu manuseio.4
Nesta situação, questões éticas envolvidas na coleta de dados de pacientes deverão sempre serem lembradas.
Assim, princípios do chamado “principialismo bioético”5,6 - corrente da Bioética de fácil aplicação em situações
clínicas - se tornam aplicáveis e estão acessíveis mesmo para profissionais de saúde não especializados em
Bioética. O princípio da autonomia enfatiza o respeito às decisões informadas do paciente não apenas em
intervenções clínicas: ele está ciente do uso que poderia ser feito de seus dados para assistência e pesquisas? 5
Casos de situação de vulnerabilidade, como crianças ou aqueles que possam ter exposição da integridade
física, psíquica ou moral, devem ser identificados e protegidos. Portanto, o controle ao acesso a prontuários
médicos se torna mandatório, devido ao risco de estigmatização e dano pessoal moral, exposição familiar ou
pessoal, dano na esfera profissional, seguro de saúde, entre outros exemplos.5
Simultaneamente aos desdobramentos da pandemia na esfera de assistência, o foco voltado para pesquisa
clínica foi extremamente abordado em vários canais da mídia e grupos de conversas, devido à busca incessante
de tratamentos para a doença, como o desenvolvimento de vacinas em curto espaço de tempo. Incertezas
quanto à segurança das vacinas, desconhecimento de questões éticas referentes ao desenvolvimento de
protocolos clínicos, de normas nacionais e internacionais referentes ao tema, do que é experimental ou não,
são observadas em diversos segmentos da nossa sociedade. Assim sendo, dentro dos objetivos da disciplina
de Bioética, cabe trazer um arcabouço teórico, com conhecimentos de vários campos das áreas humanas
e sociais, para que o aluno de pós-graduação tenha a capacidade de desenvolver análise crítica frente às
questões éticas inseridas na prática e desenvolvimento de novas tecnologias para aplicação na área biomédica.
Em especial dentro do campo de telemedicina e telessaúde, além das questões envolvidas na elaboração e
disponibilização de técnicas e ferramentas, é fundamental saber que questões intrínsecas relativas à guarda
dos dados, privacidade, segurança pessoal (paciente) e institucional, são pertinentes a quem cria, disponibiliza
e utiliza o arsenal disponível em telemedicina.

229
— IMPACTO NO ENSINO

A pandemia que está em curso impulsionou o rápido desenvolvimento e aplicação de telemedicina, em


seus diversos campos de atuação: educação, diagnóstico e tratamento, pesquisa, planejamento e organização
em diferentes áreas do saber.7 O trabalho envolve a abordagem de questões éticas presentes em todas as fases
do processo de pesquisa, desde a criação do projeto, elaboração, participação de pacientes nos projetos de
pesquisa, até a fase de escrita e publicação (abrangendo plágio/fraude em pesquisa).8
Tópicos que são desenvolvidos com os alunos englobam: desenvolvimento de pesquisa clínica em humanos
e na fase pré-clínica (experimentação animal);9,-13 situações concretas de biotecnologia emergente, no campo
da pesquisa, como intervenções genéticas;14 transgênicos (animais não humanos em pesquisa e alimentos
transgênicos); conflito de interesses no eixo pesquisador/paciente/indústria15 e o impacto na prática médica a
partir das novas tecnologias geradas. Estas, por sua vez, têm grande influência nas políticas públicas adotadas
em saúde.16 Portanto, o objetivo da disciplina está focado no desenvolvimento da análise crítica do aluno de
pós-graduação na percepção de conflitos éticos no desenvolvimento de pesquisa e aplicação de biotecnologias
e dos demais conflitos que permeiam sua atividade como pesquisador.
Devido ao fato de a maioria dos alunos chegarem aos cursos de pós-graduação na área biomédica
sem conhecimentos de bioética, necessita-se formular uma disciplina que cresça progressivamente, dos
conhecimentos básicos até os mais avançados, envolvendo o aluno em conceitos novos, provenientes de outras
áreas do conhecimento, para que ela possa argumentar de forma mais embasada frente aos conflitos éticos
que apareçam, fugindo de uma argumentação dentro da moralidade comum, de conceitos e princípios básicos
da sociedade. Exige-se uma didática para atingir tal objetivo. As biotecnologias não são neutras16 sua criação,
desenvolvimento e comercialização estão sujeitos a influências de mercado, políticas e sociais, assim como os
pacientes que irão se beneficiar destes avanços estão envolvidos nesse mesmo círculo de influências. A prática
profissional sofre impacto dessas influências também. E a geração de tecnologias impacta na conduta médica,
levando à determinação de condutas e práticas legitimadas na forma de diretrizes que, por sua vez, têm como
base trabalhos científicos publicados. Ressaltam-se, portanto, a importância e a responsabilidade moral de
pesquisadores na geração de conhecimento e publicações que terão impacto direto sobre a vida e qualidade
de vida de pessoas.
Conceitos desenvolvidos por Foucault17 sobre biopolítica e biopoder estão bem atuais, onde a influência
do Estado sobre os corpos e vidas são evidentes e perpassam, por vezes de forma silenciosa, a elaboração
de políticas de saúde, dependendo das ideologias vigentes. A Bioética vai além de seguir códigos de ética
profissional, que representa uma vertente deontológica da especialidade.5
A Bioética é uma especialidade desenvolvida desde anos 1970, pelo Professor Van Ressealer Potter,18 com
o intuito de valorizar a ciência, criando uma combinação da biologia com recursos humanísticos, estabelecendo
uma ponte, que ele descreveria na sua obra ‘Bioética: Uma ponte para o futuro’. Pesquisador da área de
oncologia, ele presenciou conflitos éticos na prática profissional e em pesquisas, e assim elaborou uma visão
reflexiva e analítica sobre questões relativas à ética da vida e relacional, com meio ambiente e animais não
humanos.
Mesmo com a elaboração de documentos internacionais que norteiam a prática de pesquisa clínica,
assim como resoluções nacionais (no Brasil, a Resolução no. 466/2013, do Conselho Nacional de Saúde),19 as
digressões nesses campos são ainda presentes e atuais.

230
— IMPACTO NO ENSINO

Também se torna fundamental ressaltar, para os alunos, a situação de vulnerabilidade social,15,20,21 em


que estão inseridos os pacientes, sujeitos de pesquisa que fazem parte de seus projetos. Esses indivíduos
são dependentes de uma estrutura de saúde deficitária no nosso País, e participar de um projeto pode ser
uma porta de entrada para um sistema ao qual ele teria direito, independentemente de aceitar participar de
qualquer outra atividade que não seja assistencial. Portanto, o respeito aos que estão doando seus corpos em
vida para participar de protocolos deve estar sempre presente.22

Incorporação de tecnologias pelo docente


Durante a migração para nova forma de ensino à distância, a adaptação e o domínio de novas formas
de tecnologias educacionais se tornaram também um desafio para os docentes. Uma nova didática se tornou
necessária. Por conseguinte, juntos, docentes e discentes, vão descobrindo a melhor forma de se aproximarem.
Em uma disciplina que se baseia na discussão, no desenvolvimento de argumentação, mesclaram-se gravação
de aulas (forma assíncrona), fórum escrito e aulas síncronas. Avaliações escritas para analisar argumentação
e desenvolvimento de conceitos, análise de artigos referentes a temas das aulas, que foram disponibilizados
aos alunos na biblioteca virtual da disciplina. E avaliação oral em aula síncrona, com debate acrescido de
participação de convidados especialistas.
Esse processo de elaboração da disciplina durante a pandemia foi uma oportunidade de trabalhar com
outros Institutos da Universidade, como o Instituto de Medicina Social Hésio Cordeiro, com participação de
docente e aluna de Doutorado de Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva em atividade síncrona, em
conjunto com os docentes.
Além da avaliação da disciplina que o curso de Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde,
via coordenação, utiliza, com questionário aos alunos sobre diversos itens relativos a técnicas de ensino das
disciplinas, a disciplina de Bioética elaborou como uma das atividades finais um trabalho escrito em que os
alunos correlacionaram seus projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado, com os conhecimentos
de Bioética adquiridos em aula e material didático distribuído. Como docente, foi recompensador observar,
em todos os relatos, que os alunos tiveram uma percepção positiva em relação ao que apreenderam, havendo
inclusive ajustes de metodologias, não do ponto de vista técnico, mas ético, aumentando os cuidados com
proteção de dados - por exemplo, dos pacientes incluídos, assim como outros referem reflexões e novos olhares
sobre pontos não percebidos anteriormente.
Foi notória a solicitação de mais atividades em contato, mesmo que virtualmente, com os docentes,
síncronas, que permitissem uma discussão. Portanto, o contato do discente com o professor não se apaga com
o uso das tecnologias. Poderíamos aferir que se complementam e tornam diferente o exercício didático.

Considerações Finais

O relato da experiência de criação de disciplina de ensino de Bioética na forma de ensino à distância


propiciou uma experiência docente enriquecedora, mostrando as possibilidades das diferentes formas de

231
geração e disponibilização de conhecimento de uma área que contém temáticas atuais e importantes no
— IMPACTO NO ENSINO

momento atual. A Bioética está sendo muito necessária neste momento de pandemia, e a formação de novos
pesquisadores, com conhecimento mais ampliado dos temas pertinentes ao desenvolvimento de uma ciência
responsável, não poderia ficar fora dessa grade curricular. A reinvenção do modo de ensinar se mostrou útil,
contribuindo para um desenvolvimento científico acoplado a um desenvolvimento moral.

Bibliografia

1. World Health Organization. Guidance for Managing Ethical Issues in Infectious Disease Outbreaks.
Geneva: WHO; 2016.
2. Sorokin P, et al. Datos en tiempos de pandemia: la urgencia de um nuevo pacto. Reflexiones desde
América Latine y Caribe. Ver Bio y Der. 2020;50:221-237.
3. Brasil. Lei no 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Brasília: Gabinete Civil; 2018. [cited 15 out. 2021]. Available from: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>.
4. Comissão Europeia. Livro Branco sobre inteligência artificial: uma abordagem europeia virada para a
excelência e a confiança. Bruxelas: Comissão Europeia; 2020.
5. Beauchamp T, Childress J. Principles of Biomedical Ethics. New York: Oxford University Press; 2013.
6. Beauchamp T, Walters L, Kahn J, Mastroianni A. Contemporary Issues in Bioethics. 8. ed. Boston:
Cengage Learning; 2014.
7. Nuffield Council on Bioethics. The collection, linking and use of data in biomedical research and health
care: ethical issues. A guide to the report. London: Nuffield Council on Bioethics; Feb. 2015. [cited 15
out. 2021]. Available from: <https://www.nuffieldbioethics.org/wp-content/uploads/biodata-a-guide-
to-the-reportpdf.pdf>.
8. Fapesp. Código de Boas Práticas Científicas. São Paulo: Fapesp; 2014 [cited 15 out. 2021]. Available
from: <https://fapesp.br/boaspraticas/>.
9. Singer P. Vida Ética. Rio de Janeiro: Ediouro; 2002.
10.Singer P. Ética Prática. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2002.
11.Peggs K. Transgenic Animals, Biomedical Experiments, and ‘Progress’. Journal of Animal Ethics.
2013:3(1):41-56.
12.Silva TT, Corrêa MCDV. Ética na experimentação animal. Limites e controvérsias de uma Prática.
Alemanha: Novas Edições Acadêmicas; 2016 out.
13.Silva TT, Corrêa MCDV. Inovação biomédica e ética: técnicas substitutivas na experimentação animal.
Rev. bioét. (impr.). 2020;28(4):674-82.
14.Nuffield Council on Bioethics. Genome Editing: an ethical review. London: Nuffield Council on
Bioethics; 2016.
15.Garrafa V. Helsinki 2008: redução de proteção e maximização de interesses privados. Revista da
Associação Médica Brasileira. 2009:55(5):497-520.
16.Lock M, Nguyen V-K. An Anthropology of Biomedicine. New Jersey: Wiley-Blackwell; 2010.

232
— IMPACTO NO ENSINO

17.Foucault M. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes; 2004.


18.Potter V. bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016.
19.Brasil. Ministério da Saúde. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e
normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Conselho Nacional de
Saúde; 2012. [cited 15 out. 2021]. Available from: <bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/
res0466_12_12_2012.html>.
20.Hossne WS, Vieira S. Fraude em ciência: onde estamos? Rev. bioét. (impr.). 2007;15(1):39-47.
21.Schramm FR, Rego S, Braz M, Palacios M. Bioética: riscos e proteção. Rio de Janeiro: UFRJ; Fiocruz;
2009.
22.Nuffield Council on Bioethics. Human bodies: donation for medicine and research. A guide to the
report. London: Nuffield Council on Bioethics; Oct. 2011.

233
— IMPACTO NO ENSINO

Desafios do Programa de Desenvolvimento


Docente da Faculdade de Ciências Médicas UERJ na
implementação do Ensino Remoto Emergencial na
pandemia de Covid-19: um relato de experiência

Thaís Porto Amadeu1; Alexandra Monteiro2; Mario Fritsch Toros Neves3

Professora Adjunta, Departamento de Patologia e Laboratórios. Coordenadora do Programa de Desenvolvimento Docente.


1

Faculdade de Ciências Médicas da UERJ; 2 Professora Titular, Departamento de Medicina Interna. Coordenadora Adjunta

do Programa de Desenvolvimento Docente. Vice-Diretora da Faculdade de Ciências Médicas UERJ; 3Professor Titular,

Departamento de Clínica Médica. Diretor da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.

Descritores em português: Docente de Medicina; Capacitação de Professores; Técnicas educativas

Descritores em inglês: Professor of Medicine, Teacher Training, Educational techniques.

Introdução

O Programa de Desenvolvimento Docente (PDD), inicialmente denominado como “Seminários de


Aprimoramento Curricular” foi instituído na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 2012, com o objetivo inicial de promover seminários com temas de
interesse voltados para a educação médica, tais como: ferramentas internas e externas de avaliação, mérito
acadêmico, avaliação formativa no internato e integração ensino, serviço e comunidade. Posteriormente, em
2017, foi ampliado e intitulado como “Programa de Desenvolvimento Docente (PROD.DOC)” promovendo,
além dos seminários expositivos, oficinas temáticas com foco em aulas para grandes grupos, no preparo
de questões de múltipla escolha, na avaliação e no feedback, privilegiando sempre a utilização de processos
formativos, que culminaram também na incorporação do OSCE (do inglês Objective Structured Clinical
Examination, em português Exame Clínico Objetivo Estruturado) no Internato como um dos treinamentos
de avaliação e aprimoramento curricular, considerando a ampliação do internato para dois anos.
A organização curricular na FCM UERJ deve privilegiar o uso de metodologias ativas de ensino e a
utilização de ferramentas de avaliação formativas, centradas no aluno, que contemplem as necessidades
da comunidade e a diversidade social. Ademais, as inovações no campo da educação médica e os avanços
expressivos nos processos de ensino-aprendizagem tornaram cada vez mais relevantes a reflexão permanente
da prática docente.
Nesse sentido, em 2020, o Programa de Desenvolvimento Docente, por meio de uma coordenação geral,
uma coordenação adjunta e, mais recentemente, de uma comissão de assessoramento, assumiu uma nova
gestão. O PDD visa o desenvolvimento, a atualização e a capacitação permanente do corpo docente da FCM,

234
por meio de uma programação contínua de atividades teóricas e práticas como palestras, oficinas e cursos no
— IMPACTO NO ENSINO

campo da educação médica e nos processos de ensino-aprendizagem inovadores, privilegiando a participação


coletiva e colaborativa. Além disso, tem como proposta estimular nos docentes o desenvolvimento de
estratégicas inovadoras para o ensino e aprendizagem do corpo discente e apoiar a capacitação docente na
inter-relação com as atividades de ensino, pesquisa, extensão e pós-graduação pela FCM UERJ.
Por outro lado, a pandemia pelo Coronavírus SARS-CoV-2, apontou como problema emergencial para
o desenvolvimento docente, a necessidade de habilidades digitais, desde a utilização de plataformas on-line
até o uso de novas estratégias de ensino-aprendizagem. Nesse novo contexto, os quatro pilares da educação
(aprender a conhecer, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver) que definem os aprendizados
essenciais no desenvolvimento ficaram sobressalentes1. No entanto, os grandes desafios impostos durante esta
trajetória, paradoxalmente, serviram como forma de grande motivação para a comunidade docente-discente.
Este capítulo, portanto, tem como objetivo relatar as experiências do PDD da FCM durante a implementação
do ensino remoto emergencial na pandemia por meio de ações promovidas para capacitação docente.

Relato
Relato descritivo do processo de capacitação docente na transição para o ensino remoto emergencial
decorrente da pandemia de Covid-19, na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), no período de março de 2020 até outubro de 2021
Na UERJ, o marco determinante foi a publicação do Ato Executivo Administrativo (AEDA) nº013/2020
autorizando o ensino remoto emergencial. No curso de Medicina, onde se valoriza a aprendizagem na prática,
em ação e na beira dos leitos e menos aulas teóricas e livros, a epidemia demandou o replanejamento docente
incluindo novas metodologias no processo de ensino-aprendizagem.

Plataforma de teleconferência
No período de março de 2020 até julho de 2020 o corpo docente teve acesso à solução de teleconferência
Cisco WEBEX a partir de uma cortesia por parte da Vice-Direção da FCM. Neste período foram realizadas
reuniões com as coordenações, ou representantes das disciplinas, para a apresentação do plano de ação para
a comunicação e interação remota docente-discente. Em julho, houve a interrupção desta cortesia, sendo
adotada a solução da Microsoft TEAMS para esta atividade, com o apoio do Departamento de Informática
do HUPE. Na primeira etapa, foi realizada a capacitação da equipe gestora central da FCM, na sequência,
novamente com os coordenadores das disciplinas, ou representantes, e, posteriormente e individualmente com
os docentes com o apoio exclusivo do PDD.

Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)


A FCM, como o apoio do Telessaúde UERJ, já dispunha de um ambiente virtual de aprendizagem
dedicado desde 2018, embora totalmente subutilizado. A instalação da pandemia e a implementação do ensino
remoto emergencial induziram e motivaram o corpo docente em sua totalidade a adotar o AVA como meio

235
de organização dos conteúdos das disciplinas, para avaliação, bem como para a interação docente-discente
— IMPACTO NO ENSINO

através dos fóruns e/ou outras atividades síncronas. A Vice-direção teve papel fundamental na implementação
do treinamento que foi, capilarizado e consolidado pelo PDD.

Capacitação docente teórica


Neste novo cenário, no período de julho a outubro de 2020, foram promovidos pelo PDD dois (2) ciclos
de webinários intitulados “Ensino Remoto e a Pandemia” e “Interatividade no Ensino Remoto”. Esses ciclos
se basearam em quatro pilares considerados essenciais naquele momento: o planejar, o executar, o avaliar e o
engajar. Professores da UERJ e de outras instituições com grande experiência na área de educação/educação
médica foram convidados para liderar debates com os docentes, abordando tais pilares. No total foram realizados
10 eventos na forma de webinários para reflexão e capacitação docente quanto ao planejamento, avaliação no
ensino remoto, o uso das plataformas digitais escolhidas para as atividades síncronas (Microsoft Teams) e
assíncronas (AVA), estratégias ou ferramentas possíveis de serem usadas para motivação, engajamento e maior
desempenho discente no ensino remoto (Quadro 1). Vale ressaltar também que o PDD atuou junto à Coordenação
da Graduação da FCM no preparo de um espaço dedicado aos alunos, dentro de Programas Especiais no AVA
FCM, intitulado “Ambientação do Aluno ao Ambiente Virtual de Aprendizagem FCM UERJ”.

Quadro 1 – Ciclos de atividades desenvolvidas pelo Programa de Desenvolvimento Docente (PDD) da Faculdade de

Ciências Médicas (FCM) na transição para o ensino remoto emergencial entre os meses de Julho a Outubro de 2020.

CICLO DE PROFESSORES
MESES ATIVIDADES: WEBINÁRIOS
ATIVIDADES CONVIDADOS
Raquel Marques
1. Como Planejar o Ensino Remoto
Villard
Ruy Guilherme
2. Como Avaliar o Ensino Remoto
Silveira de Souza
3. Hands on no Microsoft Teams para Christiane Leal
atividades síncronas Correa
Julho a
Ensino Remoto 4. Uso de Portfólios para Casos Clínicos Raquel Marques
Agosto de
e a Pandemia no ensino remoto Villard
2020
5. Como Elaborar Questões de Múltipla Ruy Guilherme
Escolha Silveira de Souza
6. Avaliação do Estudante para o Ensino Valdes Roberto
Remoto Bollela
7. Como Ajustar o Plano de Curso para Paulo Marcondes
o Ensino Remoto Carvalho Junior
8. Experiência da FM/USP no
Milton de Arruda
engajamento discente e docente para o
Martins
Interatividade Setembro ensino remoto
no Ensino e Outubro 9. Comunicação e Avaliação por meio
Vera Lúcia Garcia
Remoto de 2020 de Fóruns
10. Estratégias Colaborativas para o Mário Luis
Ensino Médico Ribeiro Cesaretti

Fonte: Próprio autor.

236
— IMPACTO NO ENSINO

Em 2021, infelizmente, o contexto da pandemia não mudou e até piorou, e com isso iniciamos mais um
semestre de incertezas e a manutenção do ensino remoto. No início do primeiro semestre letivo remoto de 2021
(correspondente ao período 2020.2 da UERJ), a coordenação do PDD elaborou dois formulários eletrônicos
construídos na plataforma Google Forms. Tais questionários foram aplicados ao corpo docente e discente da
FCM, para que pudéssemos ter conhecimento sobre quais seriam as maiores dúvidas e dificuldades no uso
das ferramentas e/ou plataformas disponibilizadas pela FCM para o ensino remoto, bem como sugestões de
temas e apontamento de demandas específicas e gerais para o desenvolvimento/aprimoramento docente. Com
as respostas de 65 docentes e 115 estudantes percebeu-se então a necessidade de promover um novo ciclo de
eventos mais focado nas ferramentas e/ou estratégias que poderiam ser melhor utilizadas pelos professores
no ensino on-line. Pensando nisso, o PDD trouxe algumas novidades na tentativa de tornar mais ampla a
participação docente nas atividades promovidas.
O ciclo de atividades do PDD em 2021, intitulado “Da Teoria à Prática”, teve seu início no final de abril
deste ano. Para isso, além das atividades no formato de webinários foram planejados uma roda de conversa, a
elaboração de oficinas e de um minicurso. Até o presente momento já aconteceram dez (10) atividades e mais
duas (3) ainda estão programadas para serem realizadas até início de novembro. Estas ações práticas do PDD
vêm acontecendo mensalmente e são decorrentes das demandas apresentadas principalmente pelo corpo de
professores da FCM por meio da avaliação dos questionários aplicados no início do primeiro semestre letivo
deste ano. A listagem com as atividades programadas para 2021 está descrita no quadro 2.
A educação digital e on-line já é uma realidade. A pandemia, que atingiu a todos de forma inesperada,
levou à necessidade de adaptações e trouxe o remoto e o digital como estratégias para todas as áreas. Por isso,
quando falamos de educação, é inevitável a adaptação para um novo formato. Contudo, isso envolve mais que
tecnologia, sendo necessário desenvolver novas habilidades, competências e o domínio de novas estratégias e
ferramentas, ou seja, novas formas de SER, de APRENDER, e de FAZER. Entendendo que as habilidades
digitais são reconhecidamente importantes demandas para a Sociedade Digital do Século XXI, o PDD
abriu em maio e setembro de 2021, respectivamente, a primeira e a segunda turma do curso de capacitação
de facilitadores digitais (CAP-FAD). Uma capacitação estará sempre voltada para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias a determinada ação ou trabalho. Este curso de capacitação de
facilitadores digitais do PDD foi elaborado inicialmente para docentes da FCM que desejavam aprimorar a
sua atuação como multiplicadores digitais não somente à comunidade interna, mas também externamente à
UERJ. A primeira turma teve apenas cinco inscritos, enquanto a segunda turma obteve doze inscrições. No
entanto, efetivamente dos inscritos, poucos participaram de todas as atividades propostas. No CAP-FAD
são realizados treinamentos específicos para o uso de recursos, atividades e/ou ferramentas nas plataformas
digitais disponíveis na FCM (AVA e Teams). A primeira turma foi composta por 2 docentes e 1 discente,
enquanto a segunda turma do CAP-FAD está sendo composta efetivamente por 3 docentes. O curso de
capacitação de facilitadores se deteve basicamente à ambientação do AVA e Teams, além dos treinamentos no
uso e configurações dos recursos/atividades de questionários, fóruns, livro de notas, relatório de frequência,
por exemplo. A partir deste curso de capacitação já foram oferecidas duas oficinas Hands on (Como elaborar
um questionário no AVA@FCM? e Como elaborar um fórum no AVA?) ministradas por dois docentes que
fizeram parte da primeira turma do CAP-FAD (Quadro 2).

237
— IMPACTO NO ENSINO

Quadro 2 – Atividades desenvolvidas pelo Programa de Desenvolvimento Docente da Faculdade de Ciências Médicas

(FCM) entre os meses de Abril a Novembro de 2021. As atividades programadas foram subdivididas em: roda de

conversa, webinários, oficinas e minicurso.

CICLO DE
MESES ATIVIDADES CONVIDADOS
ATIVIDADES
Profs. Rodolfo Acatauassú,
1. Roda de conversa: Eloisa Grossman e Penha
Lições Aprendidas e Barradas
Próximos passos no Ensino
Remoto Alunas: Mariana Regazzi e
Beatriz Garcia
2. Webinar: Feedback
Profa Marcia Taborda
Digital: como eu faço?
Abril a Julho
de 2021 3. Oficina: Fórum - da Profa Denise Herdy e
teoria à prática. Profa Lia Silveira
4. Webinar: Jogos Serios
e Gamificação: Relato de
Profa Alana de Oliveira
Experiência na área da
saúde.
5. Oficina Hands on: Como
Profa Mariana Teixeira
elaborar um questionário
Konder
no AVA@FCM?
6.Webinar:Curricularização
Profa Joana Bastos e Prof.
da Extensão: experiência
Rodolfo Pacagnella
na UNICAMP
6. Oficina Hands on Como
Ciclo da Teoria elaborar um fórum no Prof. Frederico Mota
à Prática AVA?
7. Oficina Elaboração de Profa Andrea Augusta
Quiz: Novas ferramentas Castro
para o ensino remoto Aluna: Paula Félix
8. Webinar: Perspectivas
de transformação na ação
docente para o processo de
Agosto a internacionalização. Ações Cristina Russi
Novembro de e Iniciativas da Diretoria de
2021 Cooperação Internacional
UERJ
9. MedCast: Oficina para
PodCasts na Educação Roberto Maranhão
Médica
10. Oficina de treinamento
da ferramenta WIKI no Munique Valério
AVA
11. Webinar: Inovação e
Empreendedorismo: novas Marinilza Bruno de
demandas para a formação Carvalho
do médico
12. Minicurso de Design
Luiz Felipe D´Elia Bizarro
Thinking

Fonte: Próprio autor.

238
— IMPACTO NO ENSINO

O PDD sempre esteve disponível para o auxílio e atendimento personalizado aos professores da FCM,
principalmente por meio da comunicação via e-mail. Quando necessário, agenda-se um encontro síncrono
com o docente para algum esclarecimento sobre o uso das plataformas disponibilizadas pela FCM. Até o
presente momento já auxiliamos em torno de 27 professores que apresentaram dúvidas e/ou dificuldades
referentes ao uso dessas plataformas digitais. Além disso, professores facilitadores também já prestaram pelo
menos um suporte a outros docentes que, por sua vez, é o principal objetivo da capacitação de facilitadores.
Todos os eventos síncronos realizados pela Plataforma Teams foram gravados e todas as informações/
gravações referentes às atividades promovidas se encontram disponíveis para os professores da FCM no
ambiente do PDD (em Programas Especiais) no AVA da FCM (Figura 1).

Figura 1 – Organização dos ciclos de atividades no ambiente do Programa de Desenvolvimento Docente (PDD) na

plataforma Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (A – C), nos quais ficam depositadas todas as gravações dos eventos síncronos e

materiais de apoio para o aprimoramento docente. (D-E) Imagens de duas atividades síncronas promovidas pelo PDD.

(D) Oficina Fórum: da teoria à prática e (E) Webinar sobre Feedback Digital, ambos promovidos no mês de maio de 2021.

Fonte: AVA FCM. Acesso disponível em https://ead.fcm.uerj.br/

Reflexão sobre a capacitação docente emergencial


O engajamento e a motivação docente foram muito nítidos principalmente no início da transição
para o ensino remoto. Com a grande participação nas discussões, os professores buscaram se apropriar de

239
— IMPACTO NO ENSINO

metodologias ativas remotas e de meios digitais para o ensino-aprendizagem Muitos se tornaram alunos,
procurando as atividades para sua capacitação assim como propondo temas específicos. Um aspecto bastante
debatido foi o replanejamento do plano didático-pedagógico da disciplina. Por outro lado, observamos que no
processo agudo da implementação do ensino-remoto emergencial a adesão docente ao PDD foi muito acima
da expectativa se modificando conforme o corpo docente adquiria habilidade digital para o ensino remoto.
Outro ponto importante, é que as ações promovidas pelo PDD provocaram uma mudança de percepção
por grande parte dos professores sobre o ensino on-line e as possibilidades pedagógicas de aplicação das
tecnologias digitais. Apesar de terem vários pontos a serem aprimorados, tais como, uma melhor acessibilidade
à internet, o tempo de duração das aulas, a carga horária exigida pelas disciplinas, os tipos de avaliação
realizados, e o maior engajamento/desempenho de nossos alunos, estas experiências promoveram reflexões
sobre apropriação das interfaces tecnológicas e a sua interação com a prática pedagógica. Isso permitiu o
maior debate sobre a formação docente no ensino médico, aumentando a possibilidade de inserção dessas
ferramentas digitais inclusive no ensino presencial.
Por meio das palestras promovidas, nas quais tivemos a oportunidade de escutar relatos e experiências
vividas de outras instituições, ficou muito evidente que a nossa experiência é muito semelhante à de outros
grupos. Além disso, ficou clara a relevância das concepções sobre a docência universitária e, sobretudo, sobre a
educação médica. O ensino médico passou a ser mais amplamente debatido, assim como, os projetos político-
pedagógicos dos cursos e o papel dos componentes curriculares na formação dos estudantes de medicina.
Ao buscar apoio, percorrer novas práticas, colaborar, expor dificuldades, compartilhar experiências, o
ensino e a aprendizagem ganharam um papel de destaque. Configura-se, desta maneira, o grande esforço
nesse tempo de grande enfrentamento individual e coletivo como oportunidade para significativas mudanças
futuras. Torna-se relevante e necessário, portanto, o acompanhamento, a avaliação das ações desenvolvidas, o
alcance futuro dessas ações e o planejamento de novas estratégias, visando à valorização docente e do ensino
médico.

Considerações Finais

O PDD enfrentou este grande desafio, se organizando para dar suporte à capacitação docente às novas
competências digitais necessárias (capacidade de compreender e utilizar os recursos tecnológicos de informação
e comunicação) aos alunos e professores para o ensino remoto. Maior ainda foi o desafio enfrentado para que
a compreensão de tais necessidades fosse amplamente discutida, refletida e de fato implantada. Sabíamos que
não seria simples e fácil, pois muitas adversidades estavam sendo (e continuam sendo) enfrentadas pelo corpo
docente e discente, de forma coletiva e individual, em graus diferenciados.
Apesar desse contexto, foi nítido, principalmente no início das atividades propostas pelo PDD, o
engajamento por parte do corpo docente na busca pelo aprendizado de novos métodos de ensino e de novas
ferramentas digitais. Isso permitiu a construção do planejamento de retorno às atividades remotas para agosto/
setembro de 2020 (2020.1) e do planejamento dos semestres seguintes ainda no formato digital (2020.2 e
2021.1). Contudo, o maior desafio continua sendo modificar a cultura de educação, que embora traçada em

240
novos formatos, mantém suas características tradicionais, permanecendo com os mesmos moldes das aulas
— IMPACTO NO ENSINO

presenciais, com relação ao tempo de aula e os recursos metodológicos utilizados. Algo relevante a se destacar
foi o compartilhamento de experiências com as reuniões on-line entre docentes de diferentes instituições, que
por meio da troca, possibilitaram a construção de espaços de reflexão sobre as vivências e as resoluções de
problemas encontrados, sendo fundamental o apoio uns aos outros nesse momento atípico.
Foram muitas mudanças num período curto de tempo e ainda por cima no meio de uma pandemia,
na qual nos vimos vulneráveis e nos sentimos muitas vezes incapazes de exercer nossas atividades plenas.
Sabemos que ainda não alcançamos o ideal, pois a compreensão sobre o uso das tecnologias digitais e da
sua utilização como novas estratégias educacionais é um longo e desafiador processo, mas acreditamos que
avançamos bastante nesses últimos meses. Com todo esse processo pudemos refletir sobre as novas demandas
digitais do Século XXI e instigar os docentes a terem plena consciência de seu papel como de fato mediadores
do processo de ensino-aprendizagem. Apesar do envolvimento dos professores, mesmo aqueles que nunca
haviam participado em eventos sobre educação médica, precisamos abranger um percentual maior do corpo
docente e trazer novas discussões e reflexões. Sem dúvida estaremos prontos para os próximos desafios no que
diz respeito ao ensino médico “pós-pandemia”.

Agradecimentos

Agradecemos a todos as coordenações, ao corpo docente e discente e aos colaboradores por todo apoio
e engajamento e, sobretudo, pela resiliência e superação no enfrentamento do isolamento e, posteriormente,
distanciamento social sem, contudo, fragilizar a qualidade e o compromisso com o ensino-aprendizagem nos
cursos de graduação e de pós-graduação da FCM UERJ. A toda equipe do Telessaúde UERJ pelo suporte no
AVA FCM e, em especial à Munique Valério por todo apoio e treinamento no curso de Facilitadores Digitais
organizado pelo PDD.

Bibliografia

1. Programa de Desenvolvimento Docente FCM UERJ. Acesso disponível em http://www.fcm.uerj.br/


index.php/pdd/. . Acessado em 15/9/2021.
2. Ambiente Virtual de Aprendizagem FCM UERJ. Acesso disponível em https://ead.fcm.uerj.br/.
Acessado em 15/9/2021.
3. Telessaúde UERJ. Acesso disponível em www.telessaude.uerj.br. Acessado em 15/9/2021.
4. Delors J, Al-Mufti I, Amagi I, Carneiro R, Chung F, Geremek B, et al. Educação: um tesouro a descobrir.
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UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação. 1998. 288 p. Disponível em: http://scholar.google.
com/

241
— IMPACTO NO ENSINO

Desafios na pandemia e a comissão de


acompanhamento das atividades presenciais práticas
Ricardo Bedirian¹; Sandra Regina Boiça da Silva²; Paula Florence Sampaio³; Adriel Fester Duarte4;

Elisa Barbosa Louzada4; Eveline Candeco Derzi Pinheiro4; Larissa Parada Leite4; Pedro Cesar Ribeiro4

Professor Adjunto de Clínica Médica e Coordenador de Graduação da FCM-UERJ; 2Professora Associada na Disciplina de Patologia
1

Geral da FCM/UERJ; 3Professora Adjunta de Pediatria da FCM/UERJ; 4Estudante de Graduação em Medicina da FCM/UERJ

Descritores em português: Educação médica; Covid-19; Vigilância epidemiológica; Planejamento; Gestão; Biossegurança.

Descritores em inglês: medical education, Covid-19, Epidemiologic surveillance, Planning, Management, Biosafety.

Introdução

Com a chegada da pandemia da Covid-19 no Brasil, diversos foram os desafios que surgiram para a
Universidade. Além das incertezas, perdas e necessidade de isolamento social, a universidade se viu diante de
grandes impasses, dentre eles, pensar, idealizar e colocar em prática novas maneiras de se ensinar medicina e
manter, apesar do distanciamento, a comunidade acadêmica unida e ativa.
O tempo em que as atividades acadêmicas permaneceram suspensas, apesar de ter suscitado muitas
incertezas entre os discentes, foi um tempo necessário para que a FCM compreendesse o cenário e pudesse
planejar como seria o retorno, de forma segura e mantendo qualidade. A princípio de maneira inédita, com
muito esforço de todos, foi instaurado o ensino remoto emergencial, no qual os departamentos se organizaram
para oferecer um ensino de qualidade, na tentativa de minimizar os prejuízos à formação dos alunos. Em
seguida, surgiu a necessidade de se pensar o modelo de retorno ao ensino presencial, visto que as atividades
práticas são insubstituíveis na formação médica. E este retorno foi gradual, em séries, iniciando pelo internato,
seguindo-se dos anos subsequentes.
Imaginava-se um período breve de pandemia. Mas esta não foi a realidade. Mês após mês havia
aumento do número de pessoas que necessitavam de internação e o número de óbitos era alarmante. E com
o prolongamento da pandemia e a retomada do calendário acadêmico pela Universidade desde setembro de
2020, as preocupações acerca da formação de um curso essencialmente dependente da prática como a medicina
foram aumentando. O internato médico havia sido interrompido por cerca de três meses em 2020, mas houve
consenso de que deveria ser retomado. O grande problema persistia na formação do pré-internato. Como
nossos alunos poderiam prosseguir o curso com qualidade? Desse modo o Conselho Departamental aprovou
a realização de atividades práticas pelas turmas do pré-internato, desde que em pequenos grupos e medidas
de distanciamento e proteção individual. Esta decisão foi encaminhada à Pró-Reitoria de Graduação (PR1)
no Plano de Trabalho da FCM para o Período Acadêmico Emergencial, sendo aprovada, após ponderações
e questionamentos sobre as medidas a serem adotadas para garantir segurança. O primeiro e o segundo ano
do curso médico permaneceram num primeiro momento em atividades remotas. Os demais começavam sua
saga pelo retorno.

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— IMPACTO NO ENSINO

Em fevereiro de 2021 o cenário epidemiológico parecia bastante favorável e as atividades acadêmicas


foram retomadas em 22 de fevereiro. Porém no início de março houve um recrudescimento de casos que
preocupou bastante a comunidade acadêmica. Ante as incertezas quanto ao surgimento de uma nova ‘onda’
de casos e as preocupações quanto à segurança das atividades, a Direção da FCM decidiu instituir em 11
de março de 2021 uma Comissão de Acompanhamento de Atividades Práticas Presenciais, composta por
docentes e discentes, objetivando reunir-se periodicamente para avaliar o painel epidemiológico e monitorar
as atividades da Graduação da FCM.
A Comissão para Avaliação das Atividades Práticas surgiu dessa angústia e da necessidade de amparo
mútuo docente e discente. Um espaço para docentes e representantes das turmas exporem suas realidades e
percepções. E “capilarizar”, através de comunicados escritos e conversas com seus pares, as dificuldades, mas
também as boas-novas e assim tentar-se um caminho conjunto.

Relato

A Comissão foi inicialmente composta por doze membros, sendo dois representantes discentes de cada
uma das séries que teria retomada das atividades presenciais, as quais na ocasião de sua instalação em 10 de
março de 2021, eram 2°, 3° e 4° anos, visto que o 6° ano havia formado, o 5° ano estava no internato e o 1°
ano não tinha planejamento de práticas naquele momento. Além disso, também compunham a comissão seis
docentes, sendo eles o coordenador de graduação, dois docentes do 4° ano (uma da Pediatria e um de Doenças
infecciosas e parasitárias), uma docente do 3° ano (ginecologista) e duas docentes do 2° ano (uma da Patologia
Geral e uma da Psicologia Médica). A partir do dia 4 de maio de 2021, também passaram a fazer parte dois
representantes discentes 1º ano e dois docentes (um professor de anatomia e uma professora de medicina
integral, familiar e comunitária) a fim de que a comissão começasse a avaliar as possibilidades de início de
práticas para esta turma.
As reuniões ocorreram por videoconferência, de início semanalmente. Após um mês as reuniões passaram
a ser quinzenais e no terceiro mês passaram a ser mensais e após o recesso de julho e, com a melhora da situação
epidemiológica, os encontros passaram a ocorrer ‘sob demanda’. Ao final de cada reunião era elaborado um
relatório que era enviado à Direção da FCM, a qual deliberava quais seriam as medidas adotadas, as coletivas
e as individuais de cada uma das turmas, e emitia uma nota à comunidade acadêmica.
No início de cada reunião eram apresentados os indicadores epidemiológicos atualizados. Em seguida,
era dada a palavra aos representantes discentes, que expunham o panorama das atividades práticas de cada
turma e o monitoramento de casos sintomáticos e contactantes. Os professores expunham sua avaliação sobre
o transcorrer das atividades práticas, quanto à segurança dos alunos e da equipe de cada serviço em que os
discentes estavam acompanhando naquele momento, assim quanto aos indicadores epidemiológicos. Por fim,
o grupo colocava em votação a manutenção de atividades presenciais e recomendações adicionais, tais como
restrições de turnos. As questões psicológicas também eram abordadas, porque tanto a suspensão, quanto o
retorno às atividades impuseram sofrimento psíquico.
Os indicadores epidemiológicos foram extraídos das plataformas oficiais Painel Covid-19 da Secretaria
Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro1 e Monitora Covid-19 da FIOCRUZ2. Os dados baixados

243
— IMPACTO NO ENSINO

alimentavam uma planilha a partir da qual eram gerados gráficos, que facilitavam a visualização da situação
epidemiológica do Estado, e em especial da capital, do Rio de Janeiro. Um dos indicadores que foi mais utilizado
era o de números de pedidos de internação via SISREG (figura 1), em virtude de ser o que possuía menor
retardo para atualização (24 horas). Os números derivados de notificações de casos e óbitos apresentavam
atraso de atualização que muitas vezes chegava até duas semanas, dificultando a análise de tendência da
curva epidemiológica, sendo avaliada a tendência por dia do evento (figura 2). Outro indicador avaliado
foi a capacidade da rede hospitalar, através da taxa de ocupação de leitos, que apesar de ser um indicador
criticado por alguns especialistas tinha poder de alerta para suspensão de atividades quando a capacidade
estava próxima do ‘esgotamento’.

Figura 1: Média móvel (14 dias) dos pedidos de internações diários por Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro.

Elaborado a partir dos dados disponíveis em: https://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/Covid-19.html#

244
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 2: Total de casos e óbitos por semana epidemiológica, ajustados por data da ocorrência. À esquerda a escala

dos casos e à direita a escala dos óbitos. Elaborado a partir dos dados disponíveis em: https://painel.saude.rj.gov.br/

monitoramento/Covid-19.html#

Para viabilizar o retorno seguro, era necessário conhecer o perfil de risco dos nossos alunos. Foi aplicado um
questionário epidemiológico antes do início das aulas e os alunos foram classificados quanto ao risco pessoal,
familiar e comunitário, com base nos critérios abaixo descritos, elaborados com base nas evidências científicas 3-4.

Risco muito baixo


• Sem fator de risco pessoal;
• Sem contato domiciliar de risco;
• Mobilidade a pé, de bicicleta ou carro;
• E/ou vacinação, independente dos critérios acima.

Risco baixo:
• Sem fator de risco pessoal;
• Sem contato domiciliar de risco;
• Mobilidade de baixo risco;
• Ou independente dos fatores acima, já teve Covid-19, confirmada por sorologia.

Risco moderado:
• Risco pessoal OU
• Contato domiciliar OU
• Mobilidade de risco moderado.

245
— IMPACTO NO ENSINO

Risco elevado
• Risco pessoal E familiar OU
• Risco pessoal E mobilidade de risco moderado OU
• Risco familiar E mobilidade de risco moderado OU
• Risco mobilidade elevado.

Risco muito elevado:


• Risco pessoal E familiar E mobilidade de risco moderado ou elevado;
• Risco pessoal OU familiar E mobilidade de risco elevado.

Na figura 3 é apresentado o perfil dos nossos alunos pré-internato no primeiro semestre de 2021 com
base nesta classificação. Os dados das turmas do 2°, 3° e 4° anos foram coletados em fevereiro e os dados da
turma do 1° ano (2025) foram coletados em abril, em virtude dessa turma não ter inicialmente proposta de
atividades práticas. Cabe ressaltar que essa classificação é dinâmica, visto que ao longo dos meses subsequentes
vários alunos foram reclassificados para risco mais baixo em virtude da vacinação de seus contactantes
familiares e deles próprios. Com base nesta classificação a Coordenação de Graduação forneceu informações
personalizadas para cada grupo, tendo contatado individualmente todos os alunos com risco elevado ou muito
elevado e orientado. Cabe destacar, que sempre foi dada a opção de adiamento das atividades práticas a quem
não se sentisse seguro para tal, com garantia de reposição sem perda do calendário da respectiva turma.

Figura 3: Classificação de risco das turmas de pré-internato da FCM-UERJ.

Com o retorno às práticas intra-hospitalares, tornou-se necessária a criação de um esquema de monitorização


de possíveis casos de contaminação por Covid-19 entre os alunos. Os alunos receberam orientações sobre o
que fazer caso apresentassem sintomas durante os rodízios de atividades práticas. Foi estabelecido um fluxo
interno de notificação e monitoramento dos casos, através dos representantes para os professores e para a
Coordenação de Graduação. Os alunos de cada turma eram orientados a comunicar aos seus representantes
quando se tornassem sintomáticos ou quando tivessem contato com casos suspeitos ou confirmados. Para
facilitar o acompanhamento geral dos casos possíveis, foi criado um arquivo online único, que era alimentado

246
— IMPACTO NO ENSINO

pelos representantes das turmas, contendo duas planilhas: estudantes sintomáticos e estudantes contactantes
assintomáticos. Em cada planilha eram lançadas informações como: data do início dos sintomas (ou data
do contato suspeito), datas de início e de fim do isolamento, resultado do teste e serviço onde estava tendo
atividades práticas5-7.
Desta forma, todo novo caso suspeito era informado para o respectivo representante da turma que fazia
parte da comissão, e este preenchia uma tabela com os dados sintomáticos e contactantes, além de notificar
a coordenação da faculdade. O representante tinha um importante papel de intermediário e transmissor das
informações necessárias para que os alunos sintomáticos agendassem a testagem oferecida pela Policlínica
Piquet Carneiro(PPC), através do preenchimento de um documento online, além das recomendações de
afastamento das atividades e pesquisa dos contactantes. Todos sintomáticos foram encaminhados para
testagem na PPC-UERJ. Contactantes assintomáticos também foram testados, visando encurtar o tempo de
quarentena destes, caso não apresentassem positividade ao teste5-7.
Cada turma possuía um professor de referência para orientação e toda a vez que a planilha era alimentada,
o coordenador de graduação era notificado pelos alunos e/ou professores. Orientações específicas eram
passadas aos alunos do grupo no qual houvesse surgido o caso, a fim de definir se haveria necessidade de
quarentena e suspensão de atividades daquele grupo. Os representantes de turma eram ainda ratificadores das
recomendações de afastamento das atividades e pesquisa dos contactantes.
Com esse esquema de monitoramento, a comissão pode promover uma vigilância que expressava
as demandas em relação à segurança do aluno no cenário de práticas. Cabe aqui ressaltar que uma das
diretrizes do plano de retomada das atividades presenciais era a divisão dos alunos em pequenos grupos, a
não intercambialidade de componentes entre os grupos e a limitação dos cenários por semana, a fim de não
causar grandes impactos quando houvesse surgimento de casos em um determinado grupo. Dessa forma, as
atividades conseguiram prosseguir com mínimo impacto para a turma quando surgiam os casos, que sempre
foram isolados5-7.
As questões psicológicas também eram abordadas, porque tanto a suspensão, quanto o retorno às
atividades, impuseram sofrimento psíquico. A presença de uma Professora de Psicologia Médica na Comissão
foi fundamental, visto que a pandemia e isolamento social tiveram impactos diretos na saúde mental humana
e ainda há de se estudar muito sobre as possíveis sequelas que este período causou à humanidade. Tanto em
reuniões, quanto através de formulários de avaliação, uma das questões mais relevantes que emergiu, foi sobre
os impactos psicológicos trazidos pela pandemia, pelo isolamento, pela suspensão das práticas, pelo medo de
adoecer, pelo medo de não ter uma formação médica adequada, realizados com alunos. O curso de medicina
almeja formar indivíduos que terão por princípio a promoção de saúde e cuidar daqueles que padecem, porém,
por diversas questões, discentes tendem a deixar sua saúde de lado para suprir as demandas, muitas vezes
inalcançáveis do curso. À luz desta realidade aditiva - pandemia e curso de medicina - a vulnerabilidade
psicossocial dos estudantes tornou-se maior, contribuindo para um conjunto de sentimentos e atitudes que
corroboram para o adoecimento físico-mental, muitas vezes silencioso, daqueles que estudam para cuidar.
Em vista disso, a comissão teve um papel importante nesta lógica patológica, ao passo que analogamente ao
ofício da medicina, o qual, às vezes, o melhor remédio é a atenção e escuta, este grupo foi capaz de aliviar
expectativas e tentar garantir que as necessidades de estudantes e professores fossem atendidas para fosse

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— IMPACTO NO ENSINO

amenizada o inevitável adoecimento coletivo.

Os desafios enfrentados
Logo na primeira reunião, em março de 2021, a comissão recomendou a suspensão das atividades
presenciais do 2° ano, o que trouxe um grande impacto sobre esta turma, que iniciava o curso de Clínica e
Propedêutica Médica I. Neste dia foi indicada também a restrição de turnos, visando reduzir a exposição das
turmas do 3° e do 4° anos. Logo na semana seguinte houve piora dos indicadores e a comissão recomendou
a suspensão de todas as atividades presenciais do pré-internato, retomando atividades apenas remotas. Na
semana seguinte, a prefeitura do Município do Rio de Janeiro anunciou que instituiria uma semana de feriado
na tentativa de reduzir o número de casos de contaminação, que estavam em ascensão naquela circunstância.
O desafio então seria decidir o momento, não o ideal, mas com menor risco possível, para retomada das
atividades presenciais, o que ocorreu primeiro para o 4° ano na segunda quinzena de abril e apenas em maio
para o 3° ano.
Dentre todos os casos confirmados de Covid-19 entre os alunos neste período de monitoramento, apenas
um foi de moderada gravidade, conduzido de modo ambulatorial, tele monitorado diariamente por dois
professores, tendo recuperação completa. Os demais casos foram todos leves.
No cronograma do curso do 4° ano, houve necessidade de suspensão de atividades por 10 dias em três
rodízios por conta de casos sintomáticos entre alunos. Em nenhum momento do acompanhamento foi
comprovada transmissão interna de casos, todos os alunos que positivaram para Covid-19 tinham história
epidemiológica suspeita externa a HUPE ou PPC e o único caso de colegas do mesmo grupo que positivaram
na mesma época foram de duas pessoas que tiveram contato próximo na residência de uma delas. Também não
foi reportado nenhum caso de familiar que tenha se tornado sintomático após contato com aluno sintomático.
Já o oposto ocorreu em vários casos, de parentes sintomáticos que precederam o início de sintomas de alunos.
Uma das questões mais complexas no gerenciamento do retorno presencial foi a disponibilidade de
vacinação. Após quase um ano de pandemia sem tratamento específico ou imunização disponível, quando
da chegada das primeiras vacinas, os ânimos mudaram e houve uma verdadeira corrida pelo “lugar na fila”
de vacinação. Com número escasso de doses para a comunidade acadêmica, a gestão da Universidade teve
que estabelecer, em parceria com as diretrizes da Secretaria Municipal de Saúde do Município, uma lista de
prioridades, a fim de alcançar primeiro aqueles que estavam em situação de maior exposição. Os primeiros
alunos a serem vacinados foram os internos e os alunos que já estavam no plantão geral. Com o aumento da
disponibilidade de vacinas, quase todos os alunos conseguiram receber ao menos a primeira dose até julho de
2021. O que se pode registrar aqui, em relação ao acompanhamento da comissão, é que foi nítida a redução de
ocorrências de casos suspeitos e confirmados após vacinação, mesmo após primeira dose.
Outro ponto muito sensível percebido nas reuniões da comissão foi quanto ao transporte e alimentação dos
alunos. Isto ocorreu porque o “Passe Livre Universitário” (cartão para acesso aos transportes públicos) deixou
de ser recarregado e o Restaurante Universitário parou de funcionar durante a pandemia. Apesar de reiterados
pedidos e negociações, com a intermediação da PR4 (Pró-Reitoria de Políticas e Assistência Estudantis)
junto à Secretaria de Transportes (SMTR) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, não houve sucesso no

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— IMPACTO NO ENSINO

restabelecimento da recarga do “Passe Livre Universitário”, nem mesmo para os internos em estágio curricular
prático, conforme resposta da SMTR no ofício 607/2021 de 12 de maio de 2021 enviado à Reitoria da UERJ
e à PR4. Já quanto à alimentação, conseguimos com o apoio da PR4 o fornecimento de 50 refeições por dia
para os alunos. Fora isso, a Alumni – Associação de Ex-alunos da FCM – contribuiu em diversos momentos
com refeições para viabilizar a realização de atividades práticas, contabilizando mais de 800 refeições de março
de 2020 a outubro de 2021. Infelizmente, por questões burocráticas junto à FETRANSPOR, a Alumni não
conseguiu viabilizar recarga ou compra de novos cartões para transporte público.

Materiais produzidos pela Comissão


Em um primeiro momento, a comissão elaborou algumas figuras informativas do tipo “Como eu faço”
(figuras 4-6) para orientar os alunos quanto à identificação de sintomas e as condutas cabíveis na presença
deles; estas eram veiculadas através de aplicativos de mensagens, e-mail e redes sociais. Foi também elaborado
um manual instrutivo, direcionado aos alunos, contendo informações técnicas e orientações de conduta
durante a pandemia. Um diferencial deste manual foi a abordagem das reações psicológicas, que muitas vezes
levam a erros de avaliação, principalmente por conta de negação, e que levam a exposição, acarretando em
risco pessoal e dos colegas.
Cabe destacar que a Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias, a Comissão de Segurança do
Paciente, e Coordenação de Graduação e a Comissão de Controle de Infecções Hospitalares do HUPE, já
haviam promovido alguns eventos de orientação e treinamento dos alunos, que foram gravados, tendo sido
incluídos no Manual Instrutivo os endereços URL dos vídeos instrutivos.

Figura 4: Material informativo direcionado aos alunos da FCM.

249
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 5: Material informativo direcionado aos alunos da FCM.

Figura 6: Material informativo direcionado aos alunos da FCM.

Considerações Finais

A Comissão mostrou-se uma instância fundamental para o acompanhamento das atividades práticas,
dando respaldo e orientação à retomada das atividades práticas presenciais da FCM além de tornar-se um
espaço de diálogo aberto entre diferentes partes e gestão participativa. Houve valorização de todas as demandas
e todos os aspectos, biológicos, psicológicos e sociais.
A comunicação mais próxima entre discentes e docentes, que compunham a comissão, durante as reuniões
permitiu uma melhor elaboração das decisões, por considerar as duas perspectivas.
Mesmo com todas as adversidades experimentadas, o que os alunos conseguiram ver foi uma faculdade
aberta ao diálogo, e a construção de ações que acomodassem as suas demandas. A Comissão de Retorno
às Atividades Práticas é um claro exemplo de integração do corpo docente e discente que representa a
Universidade que os recém-chegados esperavam, suprindo de certa forma, suas expectativas.
Uma percepção da comissão é a de que a pandemia e o ensino remoto, paradoxalmente, trouxeram
maior aproximação entre alunos e professores, seja pela solidariedade e pela discussão de como aconteceriam
as atividades práticas ou pela facilidade que as videoconferências trouxeram. Essa aproximação reduziu as

250
— IMPACTO NO ENSINO

inseguranças dos alunos quanto às perspectivas futuras das práticas, tanto a curto quanto em longo prazo,
pelo diálogo constante entre professores e alunos. Além disso, os representantes dos alunos tiveram voz ativa
na comissão, em pé de igualdade com os docentes nas votações. No Conselho Departamental já possuímos
representatividade estudantil, mas as questões que são levadas a este são debatidas e construídas em separado,
de modo que este cenário construído pela Comissão trouxe uma reflexão sobre a importância do diálogo e das
elaborações em conjunto nas decisões para a Universidade e respaldo às decisões da Direção da FCM e do
Conselho Departamental.
Algumas questões ainda carecem de resposta a partir dessa experiência. Qual será o destino dessa comissão?
Até quando será necessária? Talvez esta comissão específica tenha fim quando as atividades presenciais puderem
ser plenamente retomadas, mas seria fundamental manter um espaço permanente para discussão de questões
de interesse da comunidade acadêmica, incluindo docentes, discentes e também técnico-administrativos. A
visão e contribuição de todos são de fundamental importância na formação dos alunos, na manutenção da
qualidade do curso e porque não dizer, da preservação da universidade pública, gratuita e autônoma.

Agradecimentos:

Agradecemos a todos os componentes da Comissão de Acompanhamento das Atividades Presenciais:


Adriel Fester Duarte, Elisa Barbosa Louzada, Eveline Candeco Derzi Pinheiro, Jonathan William Lopes,
Larissa Parada Leite, Profª. Leila Soares Brollo, Luiz Fernando Resemini, Prof. Marcio Boia, Prof. Marco
Aurelio Passos, Mariana Soares da Cal, Profª. Paula Florence Sampaio, Pedro Cesar Ribeiro, Prof. Ricardo
Bedirian, Profª. Sandra Regina Boiça da Silva, Profª. Sandra Pereira e Profª. Thais Yamamoto.
Agradecemos à Alumi – Associação de Ex-alunos da FCM, na figura de seu diretor, Walter Gouvea, pelo
apoio alimentar que viabilizou a realização de atividades práticas a muitos de nossos alunos.
Agradecemos a toda equipe da CCIH-HUPE, em especial ao Prof. Marcos Junqueira do Lago, aos
Enfermeiros Augusto Cesar Costa Ferreira e Glória Regina Gomes da Silva, que nos auxiliaram em diversos
momentos, em treinamentos, no esclarecimento de dúvidas e em decisões sobre isolamentos.
Agradecemos à Professora Luana Ferreira de Almeida, Coordenadora do Núcleo de Segurança do
Paciente do HUPE, que sempre respondeu nossas questões com prontidão e colocou-se à disposição para o
treinamento no uso de equipamentos de proteção individual.
Agradecemos por fim, à gestão da Policlínica Piquet Carneiro, especialmente ao Prof. Rogério Lopes
Rufino Alves, pela estruturação do serviço de testagem e pelo auxílio ao acompanhamento clínico do único
caso moderado entre alunos.

Bibliografia

1. Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro. Painel de Monitoramento da Secretaria Estadual de Saúde do


Rio de Janeiro. 2021. Disponível em: https://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/Covid-19.html#.
[último acesso em: 16/10/2021].
2. Fiocruz. Monitora Covid-19. 2021. Disponível em: https://bigdata-Covid-19.icict.fiocruz.br/. [último

251
— IMPACTO NO ENSINO

acesso em: 16/10/2021].


3. Olwenyi OA, Dyavar SR, Acharya A, Podany AT, Fletcher CV, Ng CL et al. Immuno-epidemiology
and pathophysiology of coronavirus disease 2019 (Covid-19). J Mol Med (Berl). 98(10): 1369–83; 2020.
https://doi.org/10.1007/s00109-020-01961-4.
4. UpToDate. Coronavirus disease 2019 (Covid-19). 2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/
landing/Covid-19?source=promobox. [último acesso em: 16/10/2021].
5. Associação Paulista de Medicina do Trabalho. Critérios para retorno ao trabalho pós afastamento
pela Covid-19: avaliando estratégias e gerenciando riscos. 2021. https://apmtsp.org.br/criterios-para-
retorno-ao-trabalho-pos-afastamento-pela-Covid-19-avaliando-estrategias-e-gerenciando-riscos/#
[último acesso em: 12/07/2021].
6. Centers for Diseases Control and Prevention. Guidance for Businesses and Employers Responding
to Coronavirus. Disease 2019 (Covid-19). https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/community/
guidance-business-response.html. [último acesso em: 12/07/2021].
7. Fiocruz. Protocolo de Liberação de Casos de Covid-19. 2021. Disponível em: https://rblh.fiocruz.br/
sites/rblh.fiocruz.br/files/usuario/80/47._protocolo_liberacao_de_casos_com_Covid-19.pdf . [último
acesso em: 12/07/2021].

252
— IMPACTO NO ENSINO

Disciplina de Pediatria em ensino remoto -


Pandemia 2020/2021

Marise Elia de Marsillac ¹; Eloisa Grossman²; Maria Cristina Kuschnir2

1
Professora Adjunta de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ);
2
Professora Associada de Medicina de Adolescentes (NESA), FCM/UERJ.

Descritores em português: disciplina de pediatria; educação médica, ensino presencial, ensino à distância; instrução por

computador; Covid-19

Descritores em inglês: pediatric course; medical education; education distance; computer assisted instruction; Covid-19

Introdução

A arte de se reinventar
A Andragogia (ensino de adultos) está baseada em alguns princípios: a necessidade dos adultos em saber a
finalidade, o “porque” de certos conteúdos e aprendizagens, a facilidade dos adultos em aprender pela experiência,
a percepção dos adultos sobre a aprendizagem como resolução de problemas, a motivação para aprender é
maior se for interna (necessidade individual), e se o conteúdo a ser aprendido ser de aplicação imediata e os
adultos trazem uma bagagem de experiências que podem contribuir para sua própria aprendizagem. Logo,
trazer os alunos para a discussão de seu próprio aprendizado é parte importante da arte de ensiná-los.
As crises pelas quais passamos nos últimos anos, econômica e depois a pandêmica, nos obrigou a repensar o
ensino da medicina e também nos obrigou a aprender a ensinar de um modo que não estávamos acostumados.
Quem iria nos ensinar? Utilizamos modelos de Ensino à Distância que já existiam, mas eles não foram
suficientes. Precisávamos criar (arte e ciência) novas formas de aproximação com esses alunos adultos, para que
nossa possibilidade de ensinar fosse possível. Tivemos que nos reinventar. Difícil tarefa, ainda cheia de falhas.
Nesta fase aprendemos com nós mesmos e com os nossos alunos uma vez que eles e nós trazemos
uma bagagem que podem contribuir com o nosso próprio aprendizado. A Medicina é também arte. Arte
de criar situações, modos de atuar e tratar cada indivíduo que chega, de acordo com sua história de vida
e história de sua doença, que são próprias. Ensinar é também arte. Não existe qualquer possibilidade de
ensinar de forma mecanizada, destituída da possiblidade de se adaptar àquele momento vivido. Cria-se
enquanto se ensina.
No Departamento de Pediatria não foi diferente. Começamos com: “E agora, como vamos fazer?”
Precisamos criar e contar com a participação de toda a equipe. O momento era de nervosismo e diante
do desconhecido a primeira reação é de afastamento: “não sei fazer isso”, “não sei entrar nas plataformas”.
Precisamos então pensar nas habilidades de cada docente e individualizar a sua participação. Este foi o primeiro
passo. Entender a heterogeneidade da equipe. Motivar, lembrando que todos nós estávamos passando também

253
— IMPACTO NO ENSINO

pela pandemia, com nossos medos e nossas perdas. Mas o momento era de criar, fazer surgir uma proposta de
ensino, a melhor possível, em tempo curto. E assim fizemos.

Como fizemos
Em 02 de março de 2020, a equipe de professores do Departamento de Pediatria iniciou a Disciplina de
Pediatria para turma 2020.1.1 do quarto ano de medicina, contendo 43 aulas teóricas e 24 aulas práticas. O
término previsto seria em 13 de abril de 2020. Já havia ocorrido redução prévia do programa teórico-prático
da Disciplina em virtude do regime de recuperação de calendário escolar, após 2 anos de crise econômica
na Universidade. No cronograma original eram ministradas 56 aulas teóricas e 28 aulas práticas em horário
integral durante aproximadamente 2 meses.
Em 16 de março, foi suspenso calendário acadêmico em virtude da quarentena exigida pelo aumento do
número de casos de Covid-19. Haveria grande pressão nos sistemas público e privado de saúde caso houvesse
maior número de casos.
Durante o ano letivo regular da Disciplina de Pediatria eram recebidas no Departamento de Pediatria
quatro turmas de 25 alunos em média, cada turma permanecendo 7 semanas. A turma 2020.1.1 era a primeira
turma de um ano definitivamente conturbado.
Alunos e professores foram liberados para seus domicílios sem prazo para retorno de aulas presenciais.
Professores médicos permaneceram nas atividades ambulatoriais e hospitalares.

Relato
Naquele final de mês de março de 2020, sem previsão de reinício de atividade formal e, ao mesmo tempo,
sem prever que ficaríamos mais de um ano lutando sem sucesso contra o Covid-19, a coordenação da disciplina
de Pediatria se associou ao grupo de alunos representantes da turma do 4 ano/2020 para que houvesse alguma
dinâmica extraclasse até retorno das aulas às instalações da Faculdade de Ciências Médicas. Naquele momento,
foi utilizada a plataforma Zoom on-line para aulas de 30 minutos de alguns temas pediátricos, tentando
manter o grupo unido, atento e estimulado. Também foi organizada uma sequência de temas teóricos que
poderiam ser enviados como arquivos de vídeo para livre acesso dos estudantes, utilizando pela primeira vez
ferramentas já existentes de ensino on-line à distância. O programa restante não poderia ainda ser ministrado
pois muitos alunos não possuíam acesso à plataformas digitais, não sendo ainda autorizada a sua continuação.
Havia também a limitação da disponibilidade de internet.
Entre março e maio, aulas teóricas, anteriormente programadas para ensino presencial, foram dadas pelos
professores de Pediatria, sem cobrança de frequência, mantendo o mesmo formato de aula expositiva. Em
meados de maio, os alunos estavam desanimados e desinteressados. Foram trocados os temas para aqueles
escolhidos em enquete feita entre a turma. Novamente sem obrigatoriedade, somente para estímulo do grupo.
Em julho de 2020, a universidade autorizou o uso de plataforma digital para ensino remoto das disciplinas,
com início previsto para 03 de agosto de 2020. Iniciávamos, então, a jornada para adaptação do currículo
vigente a essa nova maneira de dar aulas e se relacionar com os alunos. Depois de 4 meses de experiências
em plataformas gratuitas, a maior parte de alunos e professores, mesmo sem embasamento teórico, já havia

254
— IMPACTO NO ENSINO

notado que a metodologia de ensino presencial não poderia ser transcrita inteiramente para o ensino on-line.
Nesse momento, a Coordenação de Graduação da Faculdade de Ciências Médicas orientou todos os
coordenadores de Disciplina da Faculdade de Ciências Médicas, que se reunissem e organizassem um novo
Programa. Não haveria aulas práticas até que houvesse segurança sanitária.
Aulas on-line para desenvolvimento docente na área de ensino remoto foram oferecidas aos docentes
para execução da transição digital, mas não foram suficientes para treinamento geral em tão curto tempo.
Não havia técnico de informática disponível para programação digital dos Programas. Os professores foram
introduzidos na Plataforma Digital da FCM (AVA) e orientados a utilizar durante tal período o Microsoft
Teams para aulas on-line.
Foi então criado, pela Coordenadora da Disciplina de Pediatria, o Grupo Currículo Retrofit, agrupando
aqueles professores com experiências em ensino médico e tecnologia digital. Participaram inicialmente da
criação do novo currículo de Pediatria para Ensino Remoto as professoras Marise Elia de Marsillac, Eloisa
Grossman, Maria Cristina Kuschnir, Luciana Borges, Elaine da Fonseca Garcez, Anna Teresa Soares de
Moura, Maura Calixto e Paula Florence.
Para preparação do novo programa foram utilizadas referências bibliográficas fornecidas pelos professores
do grupo, que continham informações de como utilizar as ferramentas de ensino à distância para o ensino
remoto de Pediatria. Os artigos incluíam como preparar aulas on-line, como avaliar os alunos, como valorizar
as informações. A estratégia utilizada foi a de utilizar a experiência dos professores já habilitados em atividades
on-line para que fossem enumerados os objetivos educacionais principais de cada tema, facilitando assim a
redução do tempo de duração de cada aula sem a perda de conteúdo educacionais indispensáveis.
Para que o programa permanecesse em equilíbrio, as novas atividades programadas seriam divididas em
três grupos com mesma carga horária: aulas assíncronas com sala de aula invertida, aulas síncronas seguidas
de discussão e discussões síncronas de casos clínicos. Todas as atividades seriam gravadas e permaneceriam
disponíveis para acesso permanente dos alunos. Foram reduzidos os muitos temas em virtude das poucas horas
disponíveis para ministrá-los. Estariam disponíveis para ensino on-line 24 períodos de aula (12 dias úteis,
com período matutino e vespertino). Os alunos que estavam na Disciplina de Pediatria em março de 2020 se
juntaram ao segundo grupo do ano, totalizando quase 50 alunos que assistiriam juntos à nova Disciplina de
Pediatria. Todos os temas deveriam ser colocados na plataforma digital da FCM com objetivos educacionais
e bibliografia de cada tema. As avaliações também seriam realizadas na modalidade on-line.
Os 43 temas originais da disciplina de Pediatria foram agrupados para totalizarem 26 aulas e 10 casos
clínicos. As aulas assíncronas deveriam ser gravadas previamente e disponibilizadas para corpo discente
junto com atividades de busca como perguntas problematizadoras relacionadas ao tema, complementando o
conhecimento adquirido. Tal gravação deveria ter duração máxima de 40 minutos. Este foi o primeiro grande
obstáculo. Professores de ensino presencial aprenderem a sintetizar suas aulas para aquilo que seria o mais
importante, o que faria diferença para aquisição do conhecimento disponível nos livros teóricos. Grande
aprendizado entender que a atenção da plateia em atividades remotas seria bem menor quando não houvesse
interação com telespectador.
A discussão relacionada ao tema de aula no modelo assíncrono (ou gravado) seria programada on-line com
professores e alunos 48 horas após e utilizava o método Sala de Aula invertida, onde os alunos apresentavam

255
— IMPACTO NO ENSINO

on-line o resultado de suas buscas e havia discussão entre todos. Tal atividade tinha previsão de duração de
uma hora.
As aulas dialogadas ou síncronas seriam dadas on-line, ao vivo, pelo professor com participação da turma
com perguntas interativas durante a atividade e utilizando a plataforma digital Teams. Deveriam também
durar, no máximo, 60 minutos.
A estratégia de utilização de casos clínicos permitiu discussões simultâneas de vários temas abrangidos
ou não pelas aulas dialogadas ou gravadas. Dezessete temas foram agrupados em onze casos clínicos, para que
todo o programa pudesse ser discutido em algum momento do período teórico. As discussões dos casos seriam
ao vivo, utilizando a Plataforma Zoom on-line com toda a turma e 3 professores. Os casos clínicos foram
preparados pelos professores escalados e lançados na Plataforma AVA- FCM 24 horas antes da discussão. Um
professor seria responsável pelo relato do caso e os outros dois gerenciariam as discussões e chats dos alunos.
Outra alternativa utilizada foi a gravação de áudio-textos ou Podcasts. Os textos gravados teriam a duração
máximo de 10 minutos e poderiam ser utilizados como material didático / referencial teórico a ser enviado para
aulas síncronas assim como utilizado como resumo das discussões principais ocorridas durante os casos clínicos.
Para dúvidas dos alunos, foram criados três fóruns de discussão na Plataforma AVA da FCM. Cada fórum
englobava um grupo de temas. Durante o período da disciplina, os professores poderiam interagir com os alunos.
Qualquer intercorrência ou modificação do programa passou a ser digitada no quadro de avisos da
Disciplina de Pediatria no AVA- FCM.
Como o período disponível para disciplina era bem reduzido, para facilitar a fixação do conteúdo, as
avaliações foram feitas de 4 em 4 temas, com 2 perguntas de cada assunto. Foram oferecidas 8 avaliações
em metodologia de múltipla escolha, onde 3 notas poderiam ser descartadas, diminuindo a vulnerabilidade
do sistema. Com este descarte, alunos que não conseguissem participar de alguma avaliação por questões
técnicas não seriam prejudicados. As questões foram feitas sobre temas das aulas assíncronas, nos dez minutos
anteriores ao início da discussão do tema em sala de aula invertida.
O projeto foi executado conforme a organização prévia da equipe. O programa foi repetido com poucos
ajustes para a turma seguinte (terceira e quarta turmas de 2020 que também foram fundidas, totalizando mais
50 alunos). As turmas obtiveram aprovação nas avaliações teóricas on-line.
Em outubro de 2020, com a diminuição de casos e internação por Covid-19 no Rio de Janeiro, foram
iniciadas as tratativas para reinício de aula prática nas dependências do hospital, fato não concretizado pela
nova piora epidemiológica. A solução encontrada para não ocorrer paralisação do curso de medicina foi iniciar
o programa de aula teórica dos alunos da turma que fariam a Disciplina de Pediatria em 2021.
Vale ressaltar que os alunos do quarto ano permaneceram sem atividade prática em Pediatria entre março
e dezembro de 2020. As atividades práticas do corpo discente da faculdade de medicina ficaram restritas aos
internos, que participavam em 2020 do Plantão Geral da Clínica Médica do HUPE. Tal participação nestes
plantões era opcional durante o quarto ano de Faculdade e obrigatória após início do internato médico. Não
havia rodízio nos ambientes pediátricos durante esse plantão geral.
Em janeiro de 2021, os alunos do quarto ano 2020 que estavam escalados para participação no estágio
prático do Plantão Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto e, portanto, já estariam em convívio com
as técnicas de proteção individual anti-Covid, foram convidados a frequentar os ambientes ocupados pela

256
— IMPACTO NO ENSINO

Pediatria no hospital, com apoio da Coordenação Geral da Graduação e Chefia dos Plantões Gerais. O início
da atividade prática da Disciplina de Pediatria ainda estava sem previsão. Quanto ao conhecimento teórico, já
havia sido finalizado o programa há quase quatro meses. Seria uma oportunidade de reintrodução dos alunos
no ambiente pediátrico, mantendo a segurança sanitária.
Durante os plantões, foi realizado rodízio entre os interessados para que realizassem atividade prática
pediátrica nas enfermarias e berçário, supervisionados pelos médicos pediatras de plantão. E assim lentamente
os alunos foram sendo treinados e reingressaram nas atividades práticas pediátricas após liberação do setor
de epidemiologia do hospital. Em julho de 2021, os antigos alunos do quarto ano encerraram a grade de
programação teórico-prática iniciada em março de 2020.

Considerações Finais

No decorrer daquele primeiro ano de pandemia, aprendemos que o ensino remoto era possível no curso
médico, mas que adaptações de atividades teóricas não substituíam o ensino prático presencial. Até hoje,
outubro de 2021, o ensino prático não retornou totalmente, ainda com limitação de número de alunos e
profissionais por cenário de atividade.

Pontos positivos

O momento de crise determinou a urgência de participação de todos, em busca de alternativas. Cada


professor, naquele momento, contribuiu com aquilo que se sentia preparado para desenvolver. Aos poucos,
através de orientações compartilhadas e trocas virtuais, os professores foram se capacitando com as ferramentas
de interação e descobrindo, de forma criativa, aquilo que melhor funcionava.
Houve uma grande parceria com os alunos, inseguros por um lado e ávidos por aprender, por outro.
Através dessa constante troca, foi possível aperfeiçoar os modelos sugeridos.

Pontos negativos

Houve uma grande carência de apoio administrativo, o que dificultou sobremaneira a adaptação do curso.
Houve dificuldades decorrentes da ausência ou precariedade de infraestrutura de home office, com banda
larga da Internet disponível, além da falta de domínio de recursos e competências digitais para ensinar ou
aprender no ensino digital.
Face às desigualdades de acesso às plataformas digitais, de acordo com a orientação da Universidade,
foi adotada a frequência integral durante o período da suspensão de atividades presenciais. Essa medida,
reconhecida pelos professores como justa, causou, entretanto, uma dificuldade de lidar com essa nova forma
de acompanhamento dos estudantes. Além disso, vários estudantes não se sentiam à vontade para “abrir as
janelinhas” e fazer seus questionamentos oralmente, preferindo a utilização dos chats.
A avaliação dos alunos foi outro aspecto que suscitou muitos questionamentos.

257
— IMPACTO NO ENSINO

A experiência no ensino remoto aponta para a possibilidade de composição de um ensino mais híbrido
na disciplina de pediatria após a pandemia, que tire proveito das contribuições que os recursos digitais podem
trazer, com oferta de treinamento prático em maior número de horários.

Bibliografia

1. Apresentação de Webinar: Twelve tips to present an effective webinar (https://www.tandfon-line.com/


loi/imte20)
2. Como preparar aula para ensino on-line
20 Ferramentas digitais para educação online em formato de infográficos (THAÍS B. O. FRAGELLI )
3. Informações sobre Podcasts:
Twelve tips for creating a medical education podcast (https://www.tandfon-line.com/loi/imte20)
https://www.thelancet.com/the-lancet-voice
https://emergencymedicinecases.com/podcasts/best-case-ever/
https://www.cardionerds.com/
4. Avaliação
cmsfiles886261589822008Como_Avaliar_meus_alunos_na_quarentena
5. Moderação de cursos on-line
https://www.researchgate.net/publication/342924711_Moderacao_de_cursos_on-line

258
— IMPACTO NO ENSINO

Disciplina integradora Competência Narrativa na


Prática Médica

Eloisa Grossman1; Cesar Augusto Orazem Favoreto2; Mariana Bteshe3;

Julia Kleve Berg4; Maria Alice Dias Madureira5

1
Docente da Disciplina de Medicina de Adolescentes FCM/UERJ; 2Docente da Disciplina Medicina Integral, Familiar e

Comunitária FCM/UERJ; 3Docente da Disciplina Saúde Mental e Psicologia Médica FCM/UERJ; 4Docente da Disciplina

Clínica Médica FCM/UERJ; 5Aluna Bolsista do Programa de Monitoria da Disciplina Integradora Competência Narrativa na

Prática Médica

Descritores em português: Medicina narrativa; Educação médica; Estudantes de medicina; Competência clínica; Epidemia por

novo Coronavírus (2019-nCoV).

Descritores em inglês: Narrative medicine; Medical education; Students, Medical; Clinical competence; 2019-New coronavirus epidemic.

Introdução

Há numerosas publicações sobre os argumentos que justificam atualizações no projeto político-


pedagógico e currículo da escola médica tradicional. A formação na área da saúde ampliou o foco do cuidado
anteriormente direcionado às condições agudas, para abarcar as condições crônicas de adoecimento. Os locais
de aprendizagem prática, que privilegiavam o hospital, passaram a abranger os espaços comunitários, em
especial o cenário da Atenção Primária. A centralidade do aluno substituiu a centralidade do professor e as
novas tecnologias implicaram em mudanças nas formas de cuidar, ensinar e pesquisar.
Impelidos por essa necessidade, explicitada nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014, em 2018
participamos da discussão e implementação de um novo projeto político-pedagógico e de uma nova versão
do currículo da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A
disciplina integradora Competência Narrativa na Prática Médica foi incluída na grade curricular do curso, no
quarto semestre, inserida no eixo das Humanidades médicas. Bleakly1 (2015) assevera que a ciência ensinada
nas escolas médicas não promove a integração transversal das disciplinas, papel a ser desempenhado através da
aquisição de competências humanísticas. Cientes da importância da semiologia na construção do raciocínio
clínico e preocupados quanto à progressiva desvalorização da sua importância, bem como, com a dificuldade
crescente dos alunos em integrar diferentes conhecimentos estudados de forma fragmentada, um grupo de
professores e estudantes, através de diálogo franco de aprendizagem mútua, desenharam a disciplina. Nela
não são apresentados roteiros ou guias; aos estudantes são oferecidas ferramentas que visam contribuir
para melhorar a capacidade de ouvir e observar de forma atenta informações - verbais, escritas e imagens,
para construir histórias e transformá-las em narrativas médicas, imprescindíveis para a discussão dos casos
particulares e para o levantamento de hipóteses diagnósticas.

259
Histórias só existem quando são contadas. Narrar é uma das manifestações da nossa humanidade, uma
— IMPACTO NO ENSINO

das formas pelas quais procuramos sentido para a nossa existência e ensaiamos respostas para as nossas
perplexidades2. As pessoas que procuram cuidados médicos necessitam compartilhar suas experiências,
percepções, dúvidas e medos. Para que isso aconteça, precisam se sentir seguras e perceber que há um ouvinte
interessado nas várias lembranças simultâneas que vêm à tona, muitas vezes em desordem. Essa relação de
afeto, proximidade e lealdade é diametralmente oposta a uma pretensa neutralidade, que ganha eco em alguns
discursos sobre a prática profissional do médico. A partir do vínculo de confiança construído, é possível
selecionar, combinar, fazer arranjos, dando para o disperso uma sintaxe. Por outro lado, é fundamental que
através de um processo de autoconhecimento, não sejam abafadas com o slogan da igualdade a grande força
política das diferenças - das diferenças que importam e que constituem as pessoas e das diferenças que foram
forjadas e as excluem de direitos e de acesso, relativas a raças, grupos, gêneros e orientações de vontades,
desejos e gostos3.
Inspirados em experiências anteriormente desenvolvidas em outras escolas e na sua própria, para alcançar
os objetivos de aprendizagem anteriormente apontados foi proposto o enredamento da arte na formação
de estudantes de medicina, através da utilização de narrativas literárias, fragmentos de filmes e artes visuais.
Apostamos no potencial da arte em promover reflexão, interpretação e imaginação; em facilitar a autoconsciência;
em estimular o envolvimento afetivo e em auxiliar a lidar com a ambiguidade e a compreensão mais sutil e
profunda4. Tomando por empréstimo as palavras de Starobinski5 (2015), estabelecemos, de princípio, que a
abordagem humanista não é nem concorrente nem substituta da medicina científica e dos meios que ela dispõe.
Aproximamos o saber científico e as evidências às artes, em especial a literatura, em prol do entendimento dos
complexos processos de adoecimento.
A disciplina foi oferecida pela primeira vez em 2019. Os objetivos de aprendizagem definidos foram:
compreender a importância da competência narrativa na prática médica, discutir as diferentes formas narrativas
envolvidas no cuidado em saúde, perceber a contribuição das artes para a formação e atuação profissionais e
potencializar o aprendizado e integrar as disciplinas do semestre. Na ocasião, ela foi composta de 16 encontros,
nos quais a turma era dividida em dois grupos de 50 alunos (nas atividades de apresentações teóricas seguidas
de debate) ou quatro grupos de 25, para as oficinas. Os temas discutidos foram: narrativas e formação de
estudantes de medicina, narrativas das imagens, narrativas do cuidado, narrativas em primeira pessoa: a voz
do paciente, empatia e prática clínica, narrativas e competência cultural. As oficinas foram realizadas com a
utilização de textos literários, cenas de filmes, pinturas, pequenos vídeos gravados por professores versando
sobre casos acompanhados por eles e júri simulado. Além disso, os estudantes desenvolveram resenhas de
livros designados no primeiro dia de aula.
A pandemia da Covid-19 determinou a busca de soluções num momento de tantas incertezas. Em poucos
meses, a disciplina foi reconfigurada para o ensino remoto, utilizando-se o ambiente virtual de aprendizagem
- Moodle da FCM para o desenvolvimento de atividades assíncronas e a ferramenta Microsoft Teams para
as síncronas.
Em paralelo, uma das professoras da disciplina se associou a professores de duas escolas médicas públicas no
Brasil - Universidade Estadual Paulista/Botucatu e Universidade Federal de São Carlos. O grupo desenvolveu
um curso orientado para o desenvolvimento da competência narrativa e das capacidades humanistas para o
ambiente virtual de aprendizagem. Impulsionados pelo contexto desafiante que a pandemia de Covid-19 impôs

260
— IMPACTO NO ENSINO

a todos, esse curso foi oferecido como experiência-piloto a estudantes de medicina, professores universitários,
e estudantes de pós-graduação, abarcando representantes da nossa escola nas três categorias.
Para o desafio de adaptar a nossa disciplina à modalidade remota, os professores e a monitora da disciplina
uniram as duas experiências: a disciplina presencial oferecida em 2019 e o curso de extensão citado acima.

Relato

Narrativas e encontros
O desafio de docentes e discentes na vivência remota da disciplina de Competência Narrativa na Prática
Médica talvez possa ser sintetizado na palavra “encontro”.
Naqueles meses da pandemia vivíamos o tempo do desencontro, do distanciamento, da falta de perspectivas
de um tempo futuro. Nossos referenciais de ensinar ou aprender se desmanchavam nos números de casos e
mortes noticiados diariamente. Não víamos a superfície daquele mar de incertezas, tristezas e solidão que
vivíamos.
Diante deste cenário tínhamos o desafio de continuar caminhando, de não largar as mãos uns dos outros,
fossem as mãos dos nossos colegas docentes ou de nossos, ainda desconhecidos, alunas/os. Nossas experiências
de ensino remoto eram tímidas, corríamos para nos apropriar das ferramentas, nomenclaturas, plataformas e
dinâmicas pedagógicas, pois tínhamos à frente o desafio de desenvolver um processo de ensino-aprendizagem
sobre competência narrativa para os alunas/os do 4o semestre da medicina. Um tema que é implicado,
justamente, com a comunicação, escuta e observação intersubjetiva. Como iríamos promover encontros e
aprendizado através de leituras, escritos, feedbacks e conversas virtuais síncronas e assíncronas? Seria possível?
Seria possível convidar alunas/os, ávidos pelo contato à beira do leito, em consultórios ou nas enfermarias
do hospital, a se deslocarem imaginariamente para estes cenários e refletirem sobre estes encontros e, por
conseguinte, nas narrativas que são produzidas e vivenciadas?
Seria possível imaginar este outro, fosse o aluno/a ou o/a paciente, a quem precisávamos nos aproximar
remotamente e sermos capazes de observá-la/o, escutá-lo/a? E, por fim, interpretar os significados que
construíam sobre a narrativa, forma de expressar e escutar que nos constitui como humanos, que dá vida
e sentimento ao processo de adoecimento (próprio ou de quem cuidamos), do entendimento de diferentes
formas de linguagem usadas nas relações que estabelecemos com o nosso mundo interior e exterior?
A experiência mostrou que sim, foi possível; Pudemos nos encontrar!
Foram encontros incentivados pelo desejo de romper o isolamento, de recuperar sentimentos adormecidos
de encontros antes vividos presencialmente, de desenvolver uma imaginação criativa e empática com as histórias.
Por sua vez, encontros mediados pelas narrativas produzidas pelos discentes e pelos feedbacks realizados pelos
docentes, pelas oficinas que estimulavam a interpretação e a escrita reflexiva a partir de motivações textuais e
imagéticas
Foram encontros, ainda que virtuais, num espaço relativamente novo para todos, que demandava
disposição, flexibilidade e abertura para lidar com aquilo que era inesperado. E, assim, nos deparamos desde
falhas concretas das tecnologias de informação e comunicação até com as interrogações individuais e coletivas

261
— IMPACTO NO ENSINO

sobre a nossa função como professores para o processo de ensino-aprendizagem, num momento tão inusitado.
Qual o objetivo dos feedbacks das narrativas produzidas? E, mais, como redigir esses comentários? E foram
justamente os encontros (síncronos e assíncronos) que nos mostraram os caminhos possíveis para cada um.
Vale ressaltar que os encontros/desencontros também se deram entre os quatro professores. A comunicação,
quase que diária via Whatsapp, se constituiu como um espaço importante de trocas, acolhimento, dúvidas,
questionamentos e negociações. Nenhum encontro se dá sem imperfeições, ruídos ou falhas. O exercício de
se encontrar e se desencontrar também foi uma forma de refletirmos como professores e com os alunas/os
sobre as contingências próprias ao existir humano, ao processo de adoecimento e de sofrimento e da prática
do cuidado.
As avaliações dos alunos refletiram o sentimento de encontro. Expressaram a importância de encontrar-
se consigo mesmo, seus sentimentos e habilidades interpretativas, e com as narrativas de seus colegas que
estavam tão distantes naquele momento.
O curso para alguns alunos representou o acolhimento neste momento de pandemia. “Foi um respiro no
meio do caos e como um refrigério para mim nesse período” ou uma forma de se encontrar com novas dimensões
e perspectivas de aprendizado “uma oportunidade de fugir um pouco das matérias mais técnicas e se aventurar numa
coisa mais lúdica e literária”.
Envolver os sentimentos, buscar e refletir sobre a própria memória afetiva, como substrato para uma
construção narrativa que, inexoravelmente integra o passado, presente e futuro, assim como os fatos e seus
significados, foi uma experiência tensa para muitos dos participantes. Eles expressaram este desconforto no
registro de suas impressões sobre a disciplina de rememorar “momentos difíceis foi ruim ou de que tiveram
assuntos (como o de processo de adoecimento) que foram muito custosos para serem escritos”.
Percebiam que sentimentos que imaginavam no passado ainda estão presentes e tiveram a percepção que
ficarão no futuro como quando se confrontaram com experiências de adoecer e viver que “me fizeram revisitar
sentimentos que eu já tinha superado e que me deixaram inquieta novamente”. Contudo, a experiência de narrar
também possibilitou a ressignificação das situações e sentimentos “as narrativas a serem escritas como válvulas
para eventos que estavam concomitantemente ocorrendo na minha vida ou só não me senti bem compartilhando, mas
escrever foi lindo, muito fluido e libertador”.
Se o ensino remoto trouxe barreiras, o sigilo e a privacidade que proporcionou abriu espaço para se
colocarem sem medo de julgamentos, morais ou sociais, muito frequente nos espaços escolares, um sentimento
de liberdade como “eu me sentia livre para escrever meus sentimentos e minhas perspectivas sem a preocupação
quanto ao julgamento”.
Nas aulas síncronas, os alunos também relataram este encontro com um sentimento de vulnerabilidade
e medo, despertados após a escrita das narrativas, mas num espaço protegido e de cuidado, no qual poderiam
se expor sem serem “julgados”. Tal questionamento trouxe à tona o velho debate sobre a suposta neutralidade
médica e do necessário afastamento dos próprios sentimentos para serem “bons médicos” e deu espaço para
uma reflexão sobre a importância do cuidado de si, reconhecimento dos próprios limites, a importância dos
encontros e desencontros, os papéis das falhas.
Foram também encontros consigo mesmo e com as narrativas e experiências dos colegas “ouvindo os textos
dos meus amigos, eu me sentia novamente mais próxima deles e com a arte percebi que tudo na vida é literário, os

262
— IMPACTO NO ENSINO

pacientes, suas vidas, suas histórias e nossa relação”.


O curso representou a descoberta e o prazer da escrita reflexiva “gostei muito de elaborar os textos” ou a
redescoberta desta capacidade amortecida pelas cobranças objetivantes da vida e do ensino médico, pois foi
uma “disciplina mais leve e que me lembrasse do prazer pela escrita e ter um espaço para escrever e praticar minha
reflexão, autonomia e criatividade”. Houve alunos que se sentiram valorizados em seus padrões de comunicação
e expressão, “eu escrevo textos autorais desde que me entendo por gente. Sempre foi a minha forma de externalizar
coisas que eu não era capaz de exprimir em palavras” e fortalecidos pelo aprendizado. “Queria poder praticar mais
minha habilidade de escrita”.

Desencontros e novos encontros


O lúdico foi o ponto de partida do desenvolvimento de ensino da competência narrativa neste curso e
buscou-se integrá-lo com o saber e fazer da prática médica. No início da pandemia, no entanto, o conceito
de prática precisou ser ressignificado radicalmente e, entre tantos outros desafios, nos deparamos com a
tarefa de desvencilhar a noção de prática como uma atividade eminentemente presencial. No novo e brutal
cenário, a preponderância do sentimento habitual de empolgação relativo aos aprendizados dessa fase da
formação dos nossos estudantes no ambiente hospitalar e nos ambulatórios foi visivelmente substituída, ou
pelo menos, fortemente permeada, por um sentimento de insuficiência. Apesar de todos os alunos terem tido
a oportunidade de experimentar a realização remota de entrevistas, demoraram mais do que o habitual para
se sentirem imersos ou competentes nesta habilidade.
A concomitância da disciplina de Competência Narrativa na Prática Médica com o momento do curso
em que os alunos estão aprendendo, nas aulas de Clínica Médica e de Medicina Centrada na Pessoa (realizada
nos ambulatórios), a formular entrevistas centradas no paciente e, mais especificamente, anamneses, sempre
nos pareceu muito oportuna e potente no sentido de possibilitar experiências a serem problematizadas nas
narrativas construídas pelos alunos no curso de Competência Narrativa, espaço tão novo e peculiar na trajetória
acadêmica dos nosso alunos.
A ideia de que o estudo e prática de medicina são inexoravelmente entrelaçados com a competência
narrativa pode soar bastante abstrata para grande parte das pessoas. Explicar para alunos do quarto ou quinto
período que quando falamos, por exemplo, em interpretação de exames de imagens também estamos falando
sobre narrativas pode ser bastante desafiador já que o ensino e a prática médica são majoritariamente calcados
na perspectiva do paradigma biomédico6, onde, além do cuidado ser ancorado na fragmentação e mecanização
do corpo humano, a valorização das ciências naturais e de sua pretensa neutralidade é um pilar estruturante
do estilo de pensamento médico7.
Nesse sentido, a anamnese, instrumento reconhecido (ainda que tantas vezes só teoricamente) como
fundamental para a prática médica é, em nossa visão, uma aliada. Mais facilmente visualizada como uma
narrativa (no próprio jargão médico, refere-se muito à anamnese como “a história” do paciente) é utilizada
como material de discussão em momentos iniciais da nossa disciplina para inserção da dimensão hermenêutica
da medicina - e da vida - que nos esforçamos em engendrar.
Assim, embora as discussões sobre anamnese nessa edição do curso de narrativas tenham sido produtivas,

263
— IMPACTO NO ENSINO

a suposta excelência da anamnese como evidenciadora do caráter estruturante da competência narrativa para
o profissional médico não fluiu da mesma forma.
Apesar de serem minoria, alguns alunos relataram uma importante questão sobre a relação do aprendizado
da Competência Narrativa com o saber tecnobiomédico. A proposta de uma disciplina integradora com os
conhecimentos e vivências das outras do mesmo período (Semiologia, Medicina Ambulatorial, Psicologia
Médica e Farmacologia) foi muito prejudicada pela pandemia e o ensino completamente virtual.
Esta situação trouxe uma frustração que se estendeu ao curso, representada pela expectativa de desenvolver
um saber técnico biomédico, mais diretamente envolvido com a semiologia como quando avaliaram que
“estudaríamos como transformar os sintomas relatados pelo paciente em um dado clínico de fato” ou quando
valorizaram apenas a parte do curso mais diretamente relacionada à semiologia, “eu pensei que a disciplina fosse
me ensinar como fazer anamnese de forma melhor, [...] poderíamos ter feito oficinas de anamneses”.
Para outros alunos, contudo, esta relação entre a Competência Narrativa e o aprendizado da prática
médica foi compreendida de modo diferente. “Não imaginava que a literatura e a medicina tinham tantas coisas
em comum”. A maioria dos depoimentos faziam uma forte relação entre o aprendizado sobre a narrativa e o
saber-fazer médico, “consegui a partir dela, conectar essa prática com a prática da academia em medicina”. Talvez
estes enxergassem que o agir médico vai muito além do roteiro da anamnese ou das manobras semiológicas,
ao entenderem que “cada experiência de adoecimento é única e também possui diferentes perspectivas para cada
pessoa envolvida” e de que a prática médica necessita de muitos outros recursos para transformar as técnicas
em uma ação de cuidado “foi possível a partir desse exercício treinar a empatia para entendermos o processo de
adoecimento a partir do ponto de vista do paciente e de suas reais necessidades e, assim, conectar o aprendizado médico
à história” como uma necessidade “fundamental para melhor entendimento das subjetividades do ser humano e,
consequentemente, para melhor exercer a prática médica”.
Foram encontros que, como toda ação humana e construção social, são constituídos através da diversidade
de visões, experiências e motivações. A semente desta diversidade é o próprio objeto epistêmico e pedagógico da
introdução da narrativa no contexto do ensino e das práticas de cuidado em saúde como define a/o aluna/o: “Pra
mim isso seria a medicina narrativa, uma tentativa de olhar as narrativas individuais como uma ferramenta de cuidado”.

Considerações Finais

O que aprendemos com a experiência


Podemos afirmar, com nenhum receio de errar, que a leitura e a escrita são valiosas para o autoconhecimento
e para afirmar a singularidade das pessoas, quer sejam alunos, professores ou pacientes.
Em outros tempos, nem tão remotos, convivemos com nossos colegas e alunos diariamente nas salas
de aula, nas enfermarias, nos ambulatórios, nos corredores, no Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming
(Casaf ). Tínhamos todas as facilidades para efetivamente nos conhecermos. Será que conseguimos?
A experiência de uma disciplina remota, de forma paradoxal, nos permitiu uma aproximação com os
nossos alunos. Apesar de separados geograficamente, foi possível estimular um diálogo fecundo. Voltando aos
pilares da Medicina narrativa definidos por Rita Charon8 (2006), avaliamos que a disciplina em sua modalidade

264
— IMPACTO NO ENSINO

remota cumpriu o papel de estimular o desenvolvimento da atenção, da representação e da criação de vínculo.


Indubitavelmente as vivências práticas dos alunos a partir do contato próximo com os pacientes e familiares
fez muita falta para a integração proposta na disciplina. Esperamos que a próxima oferta da disciplina possa
acontecer em situação distinta, permitindo que os alunos possam expressar as descobertas, os medos e as
dúvidas que surgem a partir dos encontros com as pessoas.
Mas, por ora, podemos arriscar dizer que a sensibilidade exacerbada pela conjuntura talvez tenha sido,
dessa vez, a nossa maior fresta para envolvê-los. Interessante notar que, pela avaliação dos alunos, a disciplina
teve uma função do que eles chamaram, diversas vezes, de ‘escape’. E, terminamos com a sensação de que
alunos, professores e a própria disciplina foram, ao longo do semestre, conseguindo aproveitar melhor os
espaços e as brechas descobertas e inventadas.

Bibliografia

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265
— IMPACTO NO ENSINO

Ensino híbrido na Faculdade de Ciências Médicas


em meio à pandemia de Covid-19 no Brasil: situação
atual, desafios e perspectivas

Sariane Marçal de Jesus1; Beatriz Cunta Gonçalves1; Laura Soares Vilas Boas1; Maria Luisa Rangel de Vasconcellos

Guerra1; Júlia Chaves Cordovil1; Juliana Furtado de Matos1; Amanda Guerra Rosina1; Fernanda Martins Pereira2;

Layla Vitória de Souza Bernardino1; Bruna Zangerolame de Carvalho1.

1
Estudante de Graduação de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
2
Docente da disciplina de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Descritores em português: Ensino on-line; Educação Médica; Covid-19


Descritores em inglês: Distance Learning; Medical Education; Covid-19

Introdução

Um novo coronavírus, ainda não verificado em humanos, foi identificado por autoridades da República
Popular da China em 7 de janeiro de 2020, após a Organização Mundial da Saúde (OMS) receber o alerta de
diversos casos de pneumonia notificados na cidade de Wuhan em dezembro de 2019. Rapidamente, esse vírus
foi disseminado pelo mundo, sendo a doença provocada por ele – nomeada “Covid-19” em 11 de fevereiro de
2020 – reconhecida como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, o mais alto nível de
alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional1.
Já em 11 de março de 2020, a OMS confirmou à mídia, por meio de seu Diretor Geral, a caracterização
do antes surto de Covid-19 como uma pandemia, a primeira causada por um coronavírus. Tal declaração foi
corroborada com um cenário epidemiológico, à época, de aproximadamente 118 mil casos em 114 países, e
cerca de 4 mil óbitos2. Diversos países, na tentativa de traçar como escopo a redução máxima da transmissão
e do número de casos da doença, implementaram medidas públicas de testagem em massa, proibição de
aglomerações, isolamento social, quarentena de infectados, e, mesmo, a restrição máxima de circulação prevista
no lockdown completo. Todo esforço em diminuir a transmissão comunitária e a propagação do vírus visavam
à minimização de impactos e à tentativa de um controle epidemiológico necessário para reorganização de
recursos financeiros, sanitários e médicos, sistematização de protocolos e implementação de políticas a partir
de comitês técnicos especializados2,3.
Nesse contexto, até o dia 18 de outubro de 2021, foram confirmados cerca de 219 milhões de casos de
Covid-19 e 4,55 milhões de óbitos causados pela infecção pelo SARS-CoV-2, ao passo em que 2,84 bilhões
de pessoas já receberam a imunização completa com as vacinas desenvolvidas contra o novo coronavírus.
Na atual conjuntura brasileira, contam-se 106 milhões de indivíduos completamente vacinados – 50% da
população –, e um somatório de 21,6 milhões de casos confirmados, além de 603 mil óbitos registrados em
função da doença recém-identificada4,5.
As consequências, repercussões e impactos da pandemia foram cristalizados mundialmente em todos

266
— IMPACTO NO ENSINO

os possíveis âmbitos: social, educacional, econômico, político, infraestrutural, sanitário e humanitário. A esfera
educacional, cujo funcionamento prevê a reunião de discentes, docentes, equipe pedagógica e administrativa
em espaços de aprendizado, desde o ensino infantil ao ambiente científico universitário, também foi uma
das esferas afetadas pelas medidas restritivas emplacadas no controle da doença3,6. Em recorte específico
para educação em saúde médica, o impacto negativo relacionado à suspensão de atividades – autorizada pela
Portaria Nº 544, publicada pelo Ministério da Educação em 16 de junho de 2020 – é permeado por um
contexto dicotômico envolvendo o escopo da formação médica, que inclui a obtenção de conhecimentos
teóricos, técnicos e humanos a serem oferecidos à população como serviço competente aos pacientes e também
o reconhecimento de que atividades práticas acadêmicas envolvendo rodízios em unidades de atendimento
à população representa, no contexto de crise, como a pandemia, um risco iminente de os estudantes atuarem
como vetores de transmissão do vírus, contribuindo para sua propagação6.
Em vista da situação inédita, as instituições educacionais sofreram adaptações, invenções e
transformações na metodologia pedagógica de ensino impostas a elas, de caráter inicialmente emergencial,
mas a ser implementado com o fim de garantir a continuidade da formação médica dos alunos3,6.
Sob essa ótica, o objetivo deste capítulo o consiste em demonstrar as perspectivas de discentes, em distintas
fases da formação médica, no que tange à implementação do ensino híbrido – aulas remotas na plataforma Microsoft
Teams®, ensino à distância no Ambiente Virtual de Aprendizagem da FCM UERJ e aulas práticas no Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE) durante o primeiro e segundo semestre do ano de 2021.

Métodos

Desenho do Estudo
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, sobre a vivência de estudantes do curso
de Medicina da UERJ durante o retorno das atividades curriculares sob o regime híbrido – divididas entre o
ambiente virtual e o presencial. O relato foi elaborado sob a visão de discentes do terceiro ano da graduação
e, para a complementação do trabalho, foram colhidas as perspectivas de outros alunos, do primeiro ao sexto
ano do curso de Medicina, por meio da ferramenta de gerenciamento de pesquisa Google Forms.
O formulário continha sete itens e, por intermédio deles, os alunos foram questionados sobre a
funcionalidade do regime híbrido, a organização e a metodologia dos departamentos, a comunicação entre os
departamentos, a conciliação entre o deslocamento até a faculdade e as aulas on-line e as perspectivas gerais
sobre o modelo implantado. Apenas a primeira pergunta – “Acredita que o regime híbrido foi funcional?” –
tinha caráter objetivo, e esperava-se que o discente escolhesse uma das alternativas disponíveis: “Sim”, “Não”,
“Poderia ter sido melhor”, “Poderia ter sido pior”. As demais perguntas permitiam respostas em forma de
texto livre.

267
— IMPACTO NO ENSINO

Quadro 1. Perguntas presentes no questionário utilizado no trabalho.

PERGUNTAS

1. Acredita que o regime híbrido foi funcional?


2. Por que você selecionou a opção anterior?
3. Qual sua opinião em relação à organização dos departamentos? Houve uma metodologia
seguida e respeitada por todos os professores?
4. Qual sua opinião em relação à comunicação entre os departamentos? Houve conflitos de
horários durante o regime híbrido?
5. Como foi o deslocamento até a faculdade? E como isso impactou a rotina das aulas on-line?
6. Como você melhoraria esses problemas que você apontou?
7. Qual sua perspectiva geral sobre o ensino híbrido? Como ele te favoreceu/prejudicou?

Todos os participantes preencheram o questionário de forma voluntária e autorizaram a utilização de suas respostas
no presente artigo, por meio da confirmação de uma caixa de seleção que precedia o questionário. As respostas foram
organizadas em uma planilha do software Microsoft Excel®, de onde foram extraídos os relatos, sendo alguns reproduzidos
na íntegra neste estudo e outros transcritos para a elaboração da discussão. Assim, foi possível obter um levantamento
entre os discentes a respeito da eficiência e/ou prejuízo da implantação do modelo de ensino híbrido na FCM.
Somado a isso, foi realizado um breve estudo de revisão de literatura para fundamentação teórica sobre
o tema, a partir do levantamento bibliográfico nas bases de dados Scielo, Lilacs e PubMed, utilizando-se os
descritores “Distance Learning”, “Medical Education” e “Covid-19”, em inglês e em português, buscando-se
estudos dos anos de 2020 e 2021. Posteriormente, foram excluídos os trabalhos não relacionados ao assunto
abordado no presente artigo.

Desenvolvimento do Estudo
As atividades presenciais do curso de Medicina da UERJ foram interrompidas em março de 2020 devido
à pandemia causada pela Covid-19. Em razão do cenário epidemiológico mundial e, em especial, da cidade do
Rio de Janeiro, a estrutura organizacional e pedagógica da FCM precisou submeter-se a mudanças importantes
com o objetivo de adaptar-se à nova realidade existente.
A retomada das aulas teóricas para os primeiros anos da graduação – primeiro ao terceiro ano – iniciou-
se em setembro de 2021, após o replanejamento dos conteúdos de cada disciplina e discussões entre a
coordenação de graduação e docentes da universidade, a fim de adequá-los à nova metodologia de ensino
on-line. A implementação do Período Acadêmico Emergencial – o nome fornecido ao novo calendário
acadêmico durante a pandemia e aprovado pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da UERJ
– no curso de Medicina foi possível pela reorganização do Ambiente Virtual de Aprendizagem da FCM e
pela utilização da Plataforma Microsoft Teams®. Ambas as ferramentas, em conjunto, facilitaram o reinício
das atividades acadêmicas, ao passo que permitiram não somente encontros síncronos, mas também atuaram
como repositório de materiais, de aulas e de outras tarefas assíncronas, além de possibilitarem a avaliação

268
— IMPACTO NO ENSINO

do desempenho acadêmico dos discentes. Cabe pontuar, ainda, a importância dos Programas de Auxílio e
Suporte Digital nesse período, os quais forneceram chips com franquia de serviços de dados móveis e tablets,
respectivamente, de modo a proporcionar as condições técnicas para as atividades remotas aos estudantes em
situação de vulnerabilidade socioeconômica.
A partir do segundo semestre de 2021, com uma melhora do cenário epidemiológico da cidade do Rio de
Janeiro, os estudantes foram reinseridos, gradualmente, às atividades presenciais. Do primeiro ao sexto ano da
graduação em Medicina, as disciplinas estão se adaptando ao modelo híbrido de ensino – cuja realização só foi
possível devido à vacinação da maior parte dos alunos e professores, visando ao máximo à segurança de todos no
retorno das atividades práticas. Na turma do terceiro ano, uma solução encontrada pela disciplina de Clínica Médica
II foi a divisão dos grupos - habitualmente com composição entre 12 e 14 integrantes - pela metade, intercalando
suas atividades de modo a evitar aglomerações nos serviços do HUPE. Outras disciplinas como Radiologia II,
Pediatria I e Saúde do Idoso também propuseram atividades práticas, porém com frequência reduzida e dividindo
os alunos em grupos menores, cada um deles contendo entre 3 e 4 participantes.
Diante desse cenário, com intuito de apurar a visão dos alunos em relação ao ensino emergencial proposto
pela UERJ, a pesquisa realizada através do Google Forms apresentava como questionamento a funcionalidade
do sistema híbrido, a organização e a conciliação dos departamentos e o deslocamento dos alunos até a FCM
e seus serviços, dando ênfase nos impactos observados na rotina de estudos.

Resultados

Dos 59 participantes, 5 (8,4%) estão no primeiro ano de graduação, 26 (44,06%) no segundo ano, 15
(25,4%) no terceiro, 9 (15,2%) no quarto, 2 (3,3%) no quinto, 2 (3,3%) no sexto ano.
A amostra analisada inclui estudantes de medicina da UERJ, sendo que 15 (25,4%) estudantes consideram o ensino
híbrido funcional, 5 (8,4%) o consideram disfuncional, 38 (64,4%) acreditam que poderia ter sido melhor e 1 (1,6%)
acredita que poderia ter sido pior.
Todos os alunos do primeiro ano do curso médico que participaram do questionário acreditam que o
sistema híbrido poderia ter sido melhor, de modo que a maioria considerou como ponto negativo a falta
de organização dos departamentos. Dentre os 26 alunos do segundo ano de medicina da UERJ, 4 (15,3%)
consideraram o ensino híbrido funcional, uma vez que possibilitou a realização de atividades práticas e a
flexibilização das aulas, e 22 (84,6%) acreditam que poderia ter sido melhor, os quais consideraram como
pontos negativos a desorganização da coordenação das disciplinas, o desacordo entre os horários de atividades
estabelecidas pelos departamentos, as poucas aulas práticas disponíveis, a falta de aparelhos, internet e os
gastos com passagens devido à permanência do bloqueio do Bilhete Único Universitário.
Dentre os 15 alunos do terceiro ano de graduação de medicina que participaram da pesquisa, 3 (20%)
consideraram que o sistema híbrido funciona, pois permite maior flexibilização para acessar as aulas. Já 9 (60%)
alunos acreditam que o ensino poderia ter sido melhor, uma vez que julgam a maioria dos departamentos
desorganizados, pouca quantidade de práticas e uma sobrecarga de material para estudo e atividades a
serem realizadas. Outros 2 (13,3%) alunos consideraram que o ensino emergencial não funciona, devido à
desorganização dos departamentos e falta de interação entre professor e aluno. Ademais, 1 (6,6%) participante

269
considerou que poderia ter sido pior, uma vez que o sistema híbrido permitiu que os alunos tivessem acesso
— IMPACTO NO ENSINO

às aulas sem perda do ano letivo.


Houve 9 participantes do quarto ano, dos quais 3 (33,3%) consideram o ensino híbrido funcional, pois
levam em conta que é a melhor opção e que foi adaptável. Já 5 (55,5%) deles avaliam que o mesmo poderia ter
sido melhor, alegando desorganização dos departamentos e pouca quantidade de práticas. Por fim, 1 (1,1%)
participante considerou não ser funcional.

Figura 1. Percentual de respostas referentes à primeira pergunta do questionário: “Acredita que o regime híbrido foi

funcional?”. Fonte: elaborado pelas autoras.

Dentre 2 participantes que cursam o quinto ano de graduação, 1 (50%) avaliou como funcional e 1 (50%) como
poderia ser melhor. Este, por sua vez, atribui como pontos negativos a quantidade reduzida de atividades práticas e a
dificuldade no acesso às aulas por instabilidade da internet.
Do sexto ano da graduação, 2 alunos participaram, dos quais 1 (50%) considerou funcional, o avaliando
de maneira satisfatória e 1 (50%) alegou que poderia ser melhor, por considerar necessário ter mais práticas.
Quanto ao deslocamento, 55 participantes (93,2%) responderam, sendo que 30 (54,5%) o consideraram
sem grandes impactos na rotina das aulas on-line. Já 25 (45,4%) avaliaram como ruim, sendo que as principais
insatisfações são o conflito entre os horários de aula, levando à ausência em algumas aulas on-line devido ao
tempo com o deslocamento, e os gastos com tarifas do transporte público.
Na visão geral, há preocupação quanto à defasagem acadêmica, visto que nem todas as aulas práticas não
ministradas entre março de 2020 e o final do primeiro semestre de 2021 – período anterior à implementação
da metodologia híbrida – serão repostas aos alunos.
Ademais, outra preocupação de discentes de distintas fases da formação médica é a dificuldade em conciliar
as demandas do ensino híbrido. Ao passo em que determinadas cadeiras permanecem disponibilizando suas
tarefas síncronas e assíncronas de modo virtual, outras reivindicam a participação presencial do estudante.
Nesse sentido, visando à manutenção das atividades acadêmicas inseridas na grade horária proposta pela
faculdade, emergem conflitos entre as disciplinas, os quais são agravados por fatores como a demora do

270
— IMPACTO NO ENSINO

deslocamento do universitário dependente de transporte público e a insuficiência de dados móveis de internet


para compensar o conteúdo administrado durante esse trajeto.
As problemáticas pontuadas, então, ultrapassam a realidade do terceiro ano da graduação e estão presentes
também em outras etapas do curso. Tais situações foram evidenciadas pelos depoimentos de alunos dos ciclos
básico, clínico e internato, quando questionados sobre suas opiniões acerca do regime híbrido de ensino.

Visão de alunos cursando o ciclo básico


“As coisas seriam piores sem o regime híbrido, mas não posso afirmar que ele funciona muito
bem. As poucas aulas presenciais que tenho são bem corridas e acho que os departamentos
precisavam se organizar melhor para aproveitar o pouco tempo (...). Sem falar que já perdi
atividades síncronas porque precisava pegar o ônibus para as práticas de anatomia.”
- Aluna do 1º ano.

“Se todos os professores cumprissem com a obrigação de gravar as aulas síncronas, eu ficaria
mais tranquila de não conseguir acessar o material enquanto estou no transporte público,
apesar de não ser ideal e precisar usar um horário fora da grade curricular para isso. Mas essa
não é a realidade, e não pude assistir a algumas aulas que perdi.”
- Aluna do 2º ano.

Visão de alunos cursando o ciclo clínico


“Muitos departamentos tentaram transportar a metodologia de um ensino presencial para a
plataforma on-line e isso deixou a desejar. A aplicação de um modelo de sala de aula invertida
com um volume extenso de bibliografias, testes semanais e aulas gravadas extensas por vezes
ultrapassam o tempo proposto para as atividades, geram sobrecarga e contribuem para o
aumento do estado ansioso dos alunos.”
- Aluna do 3º ano.

“Acredito que o regime híbrido foi funcional para algumas matérias, mas em alguns casos não
houve equilíbrio entre aulas teóricas e práticas. Como moro perto, consigo me organizar em
relação aos horários, mas para quem mora longe é bem complicado, porque muitas vezes não
dá tempo de chegar em casa para assistir às aulas e às atividades síncronas on-line”.
- Aluna do 4º ano.

“Acho que o bom do híbrido foi justamente a parte teórica ser em casa, e irmos ao hospital
apenas para a prática (...). Conseguia ver as aulas teóricas no meu tempo em casa e aplicava
na prática, quando era só on-line foi péssimo porque não aprendia nem entendia nada, não
conseguia tirar dúvidas (...).”
- Aluna do 4º ano.

271
— IMPACTO NO ENSINO

Visão de alunos cursando o internato


“Funcional, porém muito pesado. As aulas assíncronas não tinham a interação professor-aluno
e, por isso, os professores acabavam falando de forma robotizada, o que dificultava manter
a atenção. Também tinha o fato de alguns professores gravarem aulas muito grandes, o que
acabava sendo maçante. (...) O nosso cronograma teve interposição de aulas teóricas síncronas
e práticas presenciais, sendo impossível estar nas duas ao mesmo tempo. Os problemas foram
levados à faculdade, porém nada foi feito para melhorar.”
- Aluno do 5º ano.
“Acho que favorece em aulas teóricas, diminuindo a necessidade de translado, visto que muitos
alunos moram longe da faculdade. Me prejudicou no sentido de ter tido menos prática, meu
ensino ficou raso.”
- Aluna do 6º ano.

Ademais, foram coletadas sugestões dos discentes em relação a possíveis melhorias ao ensino híbrido.
Dentre os 59 participantes, 17 (28,8%) mencionaram uma melhor comunicação entre os departamentos e a
coordenação de graduação, e entre esses e os alunos. Outros 7 (11,8%) sugeriram o aumento da frequência
de aulas práticas e presenciais para a melhor qualidade do ensino. Além disso, 2 (3%) estudantes sugeriram
a determinação de dias exclusivos para as aulas presenciais, e 2 (3%) pontuaram não haver possibilidade de
melhorias. Por fim, houve respostas que sugeriram que os departamentos não ultrapassassem a carga horária
estipulada pela FCM com a soma das atividades virtuais e presenciais, e que a faculdade fornecesse um espaço
para os alunos assistirem a algumas aulas síncronas no mesmo dia em que houver atividades práticas.

“Devia haver uma orientação centralizada de como fazer aulas síncronas virtuais, a partir
das melhores práticas estudadas por quem está dando essa orientação (que deveria valer
pra todas as disciplinas).(...). Além disso, a organização dos nossos horários deveria ter sido
monitorada a cada semana, para não permitir sobreposição de horários de maneira alguma,
e não sermos obrigados a dar prioridade a alguma em detrimento da outra. Já houve caso
em que fomos orientados a dar prioridade a aulas virtuais em detrimento das nossas aulas
práticas, mesmo quando considerávamos as práticas mais proveitosas.
- Aluna do 5º ano.

“Disponibilidade de salas dentro da FCM para ver as aulas on-line para alunos que tivessem
pela faculdade. Aulas on-line com horários pré-estabelecidos com professores do departamento.”
- Aluna do 5º ano.

Mais respeito, empatia e que alguns departamentos/professores ouçam mais os alunos e levem
o que falamos mais em consideração. Nunca ficará 100% bom para todos, mas um diálogo
amigável para chegar a um consenso é a base da convivência harmônica.
- Aluno do 2º ano.

272
— IMPACTO NO ENSINO

Discussão
O ensino híbrido, uma realidade já existente nos cursos de ensino à distância, tornou-se uma alternativa
à paralisação das atividades educacionais presenciais, visto que possibilita a aprendizagem em tempos e
locais diferentes7. Santos e colaboradores8 realizaram uma revisão de literatura para buscar quais estratégias
pedagógicas foram implementadas na educação médica durante a pandemia de Covid-19 em diversos lugares
do mundo, e todos os estudos analisados descrevem o ensino remoto como a única estratégia pedagógica viável
nesse cenário. Contudo, cabe ressaltar que a produção científica analisada concentrava-se em países de alta renda,
e que os autores dessa revisão apontam para possíveis percalços em relação às limitações e fragilidades dessa nova
alternativa de ensino sendo implementada em países com grandes desigualdades socioeconômicas, como é o caso
do Brasil, especialmente pelo caráter recente e emergencial da implementação do ensino remoto.8
Analisando o conteúdo das entrevistas, observa-se que grande parte dos depoimentos apresentaram queixas
quanto à organização das disciplinas em relação ao próprio conteúdo e, mesmo, quanto ao diálogo entre os
variados departamentos que constituem o curso de Medicina da UERJ. Foram pontuados mau aproveitamento
do tempo disponível para as atividades presenciais, conteúdo excessivo e ministrado de forma desorganizada
nas plataformas virtuais, conflito entre horários de atividades on-line e presenciais por comunicação ineficaz
entre diferentes departamentos da FCM e ausência de modificações efetivas na metodologia de ensino quando
solicitadas pelos estudantes.
Um estudo realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pontuou que uma das ferramentas
necessárias para o sucesso da implementação do ensino remoto emergencial foi escutar ativamente os alunos.
Essa estratégia efetivou-se por grupos do aplicativo WhatsApp e de mensagens eletrônicas, e também por
questionários frequentes elaborados pela FCM-Unicamp, buscando garantir o protagonismo dos alunos na
atuação, no que diz respeito ao ensino durante a pandemia9. Isso remete à discussão sobre como a implementação
desses instrumentos de diálogo entre discentes e docentes, principalmente diante de sugestões de melhoria
propostas pelos alunos do curso, pode tornar-se positivo para potencializar o aprendizado e a experiência da
graduação, mesmo em um contexto complexo como o atual9.
Em relação aos depoimentos que citam a distância como barreira para conciliar aulas on-line e presenciais,
é possível fazer uma análise a respeito desse quesito, e considera-se relevante que o grau de dificuldade desses
alunos participarem de ambas as modalidades é grande. Na maioria das aulas presenciais, é contabilizada a
presença dos alunos, utilizando-se a frequência como parte da nota. Dessa forma, há priorização no deslocamento
para participar dessas aulas, fazendo, então, com que haja baixa frequência nas aulas remotas. Assim, sem um
planejamento entre os departamentos de cada disciplina para promover um intervalo adequado entre as aulas ou
flexibilizar a frequência dos alunos nas atividades presenciais, acarretará na manutenção do problema.
As propostas relacionadas à determinação de dias exclusivos à ministração de aulas presenciais práticas
poderia ser uma solução diante do conflito de horários. Sob esse aspecto, os estudantes poderiam ficar
menos preocupados com o tempo demandado pelo tráfego e o conflito de horários, permitindo o melhor
aproveitamento possível dos momentos no HUPE. De fato, uma pesquisa realizada com graduandos de
40 escolas médicas no Reino Unido chegou à conclusão que a maioria dos alunos não considera o ensino à
distância aproveitável ou capaz de captar a sua atenção, assim como oferece menores oportunidades de tirar

273
— IMPACTO NO ENSINO

dúvidas10. Desse modo, o desenvolvimento de novas estratégias que reduzam os empecilhos para o máximo
aproveitamento dos discentes é muito importante, dado que esse mesmo estudo evidenciou a impossibilidade
da substituição do ensino presencial pelo on-line, segundo os alunos, principalmente para aqueles cursando o
ciclo clínico e o período de internato10.
A aplicação do ensino remoto relaciona-se também com a problemática da falta de dispositivos tecnológicos e
acesso à internet pelos discentes. A UERJ, através dos Programas de Auxílio e Suporte Digital, buscou identificar
quais estudantes tinham dificuldades de acesso às aulas remotas e conseguiu quebrar algumas barreiras tecnológicas
e financeiras ao conceder tablets e chips com acesso à internet para esses alunos. Apesar disso, ainda houve relatos,
por parte dos entrevistados, a respeito da instabilidade da internet através do chip e problemas com relação ao
suporte tecnológico, gerando prejuízos para assistir às aulas on-line, que são extensas em grande parte das vezes.
Em paralelo a isso, o retorno de algumas atividades presenciais ainda é visto como um problema para alguns alunos
que ainda não conseguiram a liberação de subsídios de transporte, como o passe livre estudantil, o que dificulta o
retorno para as atividades presenciais. De fato, o regime híbrido expõe as desigualdades sociais bilateralmente, o que
evidencia a necessidade de liberação de auxílio financeiro para estudantes, por parte dos órgãos superiores8.
Todo esse advento emergencial remoto e as abordagens trazidas nesta discussão acerca das vantagens
e desvantagens deste método influencia na saúde mental dos estudantes. Seymour-Walsh, Amy E e
colaboradores10 apontam que a falta de dissociação entre casa e trabalho/faculdade faz com que o ensino à
distância se torne pessoalmente invasivo, visto que o ambiente de descanso/lazer se transformou também
em um ambiente envolvido pela tensão das jornadas de estudo/trabalho. Assim sendo, é possível que haja
a potencialização da ansiedade do aluno, a qual já se encontra elevada devido a falhas de logística do corpo
docente ao repassar conteúdos e aplicar avaliações massivamente, segundo os entrevistados10.
Para mais, a saúde mental também é impactada pelas incertezas dos estudantes em relação à própria
formação, como mencionado por alguns alunos, e mesmo pela preocupação relacionada a futuros programas
de estágio e estudo, como para os concursos de residência. As interrupções, ou mesmo, a redução das atividades
da graduação, de pesquisa, e de estágios atrasam a graduação e prejudicam a competitividade no ambiente de
trabalho. Somado a isso, as frequentes dificuldades socioeconômicas e materiais dos estudantes alimentam
a ansiedade e aumentam a vulnerabilidade desse grupo a problemas de saúde mental, mesmo que alguns
indivíduos não tivessem antecedente psiquiátrico prévio11.

Considerações Finais

No contexto da pandemia, a continuidade da educação médica com aulas práticas fez-se necessária, de
modo que o ensino híbrido mostrou ser uma via alternativa, paliativa e exequível, garantindo uma solução,
ainda que não ideal, para manter os processos de aprendizagem nessa situação inédita.
Apesar de esforços generalizados, os relatos do corpo discente colecionam queixas cujas interseções
ratificam certa dissociação entre departamentos, produzindo a superposição de aulas presenciais e remotas
de disciplinas distintas, além de não equacionar o tempo de deslocamento do estudante, as implicações do
transporte público, os entraves do acesso digital e diversas outras objeções infraestruturais ao funcionamento
pleno da modalidade híbrida.

274
— IMPACTO NO ENSINO

Sob a ótica acadêmica, no que compete ao conteúdo programático pertinente aos períodos do curso de
Medicina, cristaliza-se uma preocupação acerca da disponibilidade de recursos e de tempo hábil para evitar
maiores prejuízos pedagógicos.
Diante disso, ressalta-se a necessidade de uma efetiva comunicação entre os distintos componentes do
curso de Medicina. Nesse sentido, o diálogo entre os departamentos, a coordenação e a diretoria do curso
seria um caminho para superar as adversidades presentes no novo modelo de ensino. Por fim, o reforço dos
canais de escuta ativa dos discentes e, mesmo, a criação de novas ferramentas para esse objetivo seria uma
etapa promissora para maior valorização das sugestões desse grupo, além de permitir a identificação de reais
empecilhos para o melhor aproveitamento da graduação.

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12.Our World in Data. Coronavirus (Covid-19) Cases [Internet]. 2020 [citado em 2021 Out 18]. Disponível
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13.Gomes VTS, Rodrigues RO, Gomes RNS, Gomes MS, Viana LVM, e Silva FS. A Pandemia da
Covid-19: Repercussões do Ensino Remoto na Formação Médica. Rev bras educ med, 44 (4): e114.
14.Magalhães AJA, Rocha MHA, Santos SC, Dantas CB, Manso GJMC, Ferreira MDA. O Ensino da
Anamnese Assistido por Tecnologias Digitais durante a Pandemia da Covid-19 no Brasil. Rev bras educ
med. 2020, 44 (sup.1); e0163.
15.Santos BM, Cordeiro MEC, Schneider IJC, Roger FC. Educação Médica durante a Pandemia da
Covid-19: uma Revisão de Escopo. Rev bras educ med. 2020, 44 (sup. 1): e0139.
16.Appenzeller S, Menezes FH, dos Santos GG, Padilha RF, Graça HS, Bragança JF. Novos Tempos,
Novos Desafios: Estratégias para Equidade de Acesso ao Ensino Remoto Emergencial. Rev bras educ
med. 2020, 44 (sup.1): e0155.
17.Seymour-Walsh AE, Bell A, Weber A, Smith T. Adapting to a new reality: Covid-19 coronavirus and
online education in the health professions. Rural Remote Health. 2020;20(2):6000.
18.Rodrigues BB, Cardoso RRJ, Peres CHR, Marques Fábio Ferreira. Aprendendo com o Imprevisível:
Saúde Mental dos Universitários e Educação Médica na Pandemia de Covid-19. Rev bras educ med.
2020, 44 (sup. 1): e149.

275
— IMPACTO NO ENSINO

Experiência das Disciplinas de Metodologia


Científica I e II no ensino remoto

Sergio Miranda Freire1; Denizar Vianna Araújo1; Rômulo Cristovão de Souza2; Carlos Augusto Moreira de Sousa2;

Lincoln Faria da Silva2

1
Professor Titular, Disciplinas de Metodologia Científica I e II da Faculdade de Ciências Médicas;
2
Professor Adjunto, Disciplinas de Metodologia Científica I e II da Faculdade de Ciências Médicas

Descritores em português: Educação à Distância, Estudos Epidemiológicos, Estudos Clínicos como Assunto; Medidas de

Associação, Exposição, Risco ou Desfecho; Bioestatística; Ferramenta de Busca; Aprendizagem.

Descritores em inglês: Education, Distance; Epidemiologic Studies; Clinical Studies as Topic; Measures of Association, Exposure, Risk or

Outcome; Biostatistics; Search Engine; Learning.

Introdução

A pandemia causada pelo novo agente da família coronavírus (SARS-CoV-2) impôs várias restrições
à Sociedade tais como a suspensão de atividades presenciais em vários segmentos, inclusive na educação.
As aulas presenciais, em todas as instituições e níveis, foram suspensas e surgiu a necessidade de adaptar tal
modalidade de aula ao formato remoto com o uso de plataformas e ferramentas computacionais. Este relato
apresenta a experiência do Departamento de Tecnologia da Informação e Educação em Saúde (DTIES) na
oferta das disciplinas de Metodologia Científica I e II para o curso de graduação em Medicina da Faculdade
de Ciências Médicas (FCM), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Antecedentes
O DTIES já vem utilizando o Moodle1 desde 2013 na disciplina de Informática Médica do curso de
graduação da Medicina, que fazia parte do antigo currículo do curso de Medicina. O Moodle é uma plataforma
de aprendizagem de código aberto projetada para fornecer a educadores, administradores e alunos um único
sistema robusto, seguro e integrado para criar ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) personalizados.
Apesar de o curso de Informática Médica ter sido oferecido de maneira presencial, o DTIES utilizava
o Moodle como repositório de arquivos de apresentações, textos didáticos e científicos, exercícios on-line e
off-line e até exames que eram realizados em um laboratório de informática com 18 computadores. Como os
alunos do curso de Medicina eram agrupados em turmas de no máximo 18 alunos e as aulas de informática
médica eram oferecidas a cada turma em horários diferentes, era possível manter a relação de 1 computador
por aluno.

276
— IMPACTO NO ENSINO

Situação antes de 2020


A partir de 2018, o DTIES tem sido responsável pelas disciplinas obrigatórias de Metodologia Científica
I e II, que fazem parte, respectivamente, do primeiro e segundo ano do novo currículo do curso de graduação de
Medicina. Cada turma possui um total de aproximadamente 105 alunos. Nessa nova reforma, a turma inteira
ocupa um único horário da grade curricular, de modo que a utilização do laboratório de computadores tem de
ser realizada em esquema de rodízio. As disciplinas de Metodologia Científica I e II são multidisciplinares,
envolvendo conteúdo das áreas de Epidemiologia Clínica, Bioestatística e Informática Biomédica. Ambas
as disciplinas possuem uma carga horária de 30 horas, que é um tempo reduzido para abordar o conteúdo
proposto na reforma curricular.
Já em 2018, parte do conteúdo dos cursos de Metodologia Científica I e II foi incluído em um livro
eletrônico, Bioestatística Básica2, que ainda está em elaboração, com a inclusão de links para cerca de 24
aplicativos, desenvolvidos por meio do pacote shiny do R3 pelo Prof. Sergio Miranda Freire, que ilustram
diversos conceitos de bioestatística. Como primeiro exemplo, a Figura 1 mostra a tela do aplicativo que ilustra o
conceito de curva ROC 4. A aplicação mostra o efeito sobre a sensibilidade e a especificidade quando variamos
o ponto de corte de uma variável de teste contínua. Ao marcarmos a caixa de seleção “Exibir Sensibilidade
e Especificidade”, o ponto (azul) correspondente aos valores de sensibilidade e especificidade definidos pelo
ponto de corte selecionado será mostrado no gráfico da curva ROC na parte inferior.

Figura 1: aplicativo desenvolvido por meio do pacote shiny do R que ilustra o conceito de curva ROC.

A Figura 2 mostra outro exemplo de aplicativo que auxilia na compreensão do conceito de intervalo de
confiança5. Essa aplicação calcula e exibe intervalos de confiança para a média de uma distribuição normal, a
partir de um certo número de amostras extraídas dessa distribuição. Os parâmetros da distribuição normal,
bem como o nível de confiança, o tamanho de cada amostra e o número de amostras são especificados pelo

277
— IMPACTO NO ENSINO

usuário. O painel principal é atualizado sempre que o usuário pressiona o botão “Reamostrar” (mais intervalos
de confiança são exibidos) ou “Limpar” (limpa a tela).

Figura 2: aplicativo desenvolvido por meio do pacote shiny do R que ilustra o conceito de intervalo de confiança.

Um outro aplicativo que ilustra o conceito de função densidade de probabilidade é apresentado em [6].
Tanto o livro eletrônico quanto os aplicativos são acessíveis via WEB. O livro eletrônico também pode ser
baixado no formato pdf e, portanto, pode ser impresso, caso seja de interesse.

Relato
Em 2020, o DTIES contava com 3 professores ativos no departamento, com formação básica nas áreas
de enfermagem, engenharia eletrônica e medicina. Com a interrupção do semestre letivo em março de 2020
por conta da pandemia de Covid-19, houve várias reuniões entre o coordenador de graduação do curso de
Medicina e os coordenadores de disciplinas relacionadas ao planejamento de ações para retomar em regime
remoto as aulas do curso de Medicina. Com a mesma intenção, os professores do DTIES também se reuniram
ao longo do primeiro semestre de 2020 para planejar os cursos de Metodologia I e II em regime remoto.
A transição para o uso do Moodle como ambiente virtual de aprendizagem não era um desafio para o
nosso departamento, devido à nossa experiência anterior com esse ambiente. Entretanto, deveríamos adequar
a apresentação do conteúdo ao modo não presencial e repensar a forma de avaliação.

Proposta
A partir das reuniões internas do departamento, foram planejadas as seguintes ações:

278
— IMPACTO NO ENSINO

1) gravação de parte do conteúdo das duas disciplinas em forma de vídeos de curta ou média duração (com
tempo máximo em torno de 15 minutos). Nesse sentido, o conteúdo do e-book, que era utilizado nas duas
disciplinas, também foi gravado em vídeos, de modo a oferecer a possibilidade de o aluno escolher a forma de
acessar o conteúdo. Dessa forma, as funcionalidades dos aplicativos podem ser exibidas no vídeo, como numa
aula presencial, o que não é possível via e-book. Mesmo com a explicação de como o aplicativo funciona no
texto, o uso do aplicativo em tempo real torna muito mais claras as suas funcionalidades e transmite de forma
mais eficientes os conceitos nele abordados;
2) estímulo ao uso do fórum disponível no Moodle para colocação de dúvidas e discussão por parte dos alunos;
3) aulas síncronas, intercaladas com aulas assíncronas, sendo as aulas síncronas reservadas para os conteúdos
que não estavam disponíveis na forma de texto e/ou vídeos. Mesmo nas aulas assíncronas, os professores
estavam presentes nos horários alocados para as aulas para atender às demandas dos alunos;
4) em vez de dividirmos as turmas em grupos e cada professor ficar com um grupo de alunos, o DTIES
decidiu que os três docentes estariam presentes simultaneamente em todas as aulas síncronas e assíncronas.
Isso permitiria uma maior integração do conteúdo multidisciplinar e divisão de tarefas no ambiente virtual,
por exemplo, enquanto um professor apresentasse algum tema, outro verificaria a área de chat e encaminharia
as perguntas quando fosse conveniente;
5) gravação das aulas, tanto síncronas quanto assíncronas e sua disponibilização no ambiente definido
para tal;
6) a avaliação seria realizada por meio de exercícios em grupo voltados a cada tema dos cursos e baseados
em artigos científicos sempre que possível;
7) disponibilidade dos professores para responder às dúvidas dos alunos, tanto nos horários das aulas
síncronas quanto àquelas colocadas no fórum ou até enviadas para o e-mail dos professores;
8) apresentação de um programa e cronograma do curso para os alunos, dividido em temas com um
roteiro sugerido de estudo para cada tema.

Implementação

Gravação dos vídeos


Os vídeos foram preparados, gravados e editados na própria residência dos professores, sem recursos
sofisticados de gravação e todas as atividades, desde a preparação da apresentação do conteúdo a ser gravado,
a gravação e a edição foram realizadas pelos próprios professores.
O software utilizado para as gravações e edições foi o Active Presenter para Windows, versão 8, gratuita.7
Para cada tema, foi preparada uma apresentação por meio do Libre Office, versão 6.4.7.2 [8], que era
utilizada nos vídeos e disponibilizada para os alunos. Todo o material utilizado nos vídeos, bem como no livro
eletrônico são de acesso livre e as fontes são referenciadas sempre que utilizadas. Os vídeos e o livro eletrônico
estão disponíveis sob a licença Creative Commons BY-NC, podendo ser utilizado livremente para fins não
comerciais, desde que a fonte seja referenciada.
O processo de preparação, gravação e edição dos vídeos é bastante demorado. A gravação de um vídeo de

279
— IMPACTO NO ENSINO

10 minutos demanda pelo menos o triplo do tempo do vídeo, devido a pausas decorrentes de ruídos externos,
correções de eventuais erros encontrados na apresentação, repetição de uma ou outra narração, etc. O processo
de edição é ainda mais demorado, que inclui o corte dos trechos de vídeo que deveriam ser eliminados,
colocação de elementos extras no vídeo, como legendas e/ou figuras, eventuais regravações de trechos do
vídeo, etc. Um vídeo gravado com 30 minutos no total demandava um tempo de edição em torno de 4 a 5
horas.
Os vídeos foram disponibilizados em um canal do YouTube, criado pelo professor Sergio Miranda Freire
especialmente para este fim (https://www.youtube.com/channel/UC3nImNF81_GV3rz8GH47FBg). Os
vídeos foram organizados em playlists no YouTube, de acordo com os temas abordados. A Tabela I apresenta
os temas desenvolvidos em cada disciplina, o número de vídeos gravados, tempo total de vídeos para cada
tema e tempo médio dos vídeos em cada disciplina.

Tabela I: Temas, quantidade e tempos de vídeos de cada tema.

Tema Total de vídeos Tempo total


Metodologia Científica I
Desenhos de estudos 6 01:05:58
Variáveis em estudos clínicos 4 00:42:15
Busca bibliográfica 9 02:02:47
Tabulação de dados 2 00:29:42
Medidas de tendência central e
7 01:11:57
dispersão
Visualização de dados 10 01:40:48
Total 07:13:27
Tempo médio de cada vídeo 00:11:24
Metodologia Científica II
Medidas de associação 9 01:46:15
Introdução à inferência estatística 7 02:22:02
Avaliação crítica de ensaios
4 00:37:40
controlados randomizados
Métricas para avaliação de testes
6 01:01:56
diagnósticos
Avaliação de testes diagnósticos -
8 01:49:31
Curva ROC
Avaliação crítica de estudos de
4 00:48:23
avaliação de testes diagnósticos
Total 07:25:47
Tempo médio de cada vídeo 00:11:43

280
— IMPACTO NO ENSINO

No início de cada curso, foi criado um arquivo com a programação do curso, contendo os temas que
seriam abordados, sendo esse arquivo disponibilizado no AVA. Cada tema consistia dos seguintes itens:

• título do tema;
• objetivos principais
• objetivos secundários
• atividades
• roteiro de estudo
• forma de avaliação

O Quadro I mostra a versão atual do conteúdo do tema Medidas de Associação, da disciplina de Metodologia
Científica II.

281
— IMPACTO NO ENSINO

Quadro I: Como o conteúdo do tema Medidas de Associação é apresentado aos alunos.

Tema 2: Medidas de Associação

Objetivo principal

Interpretar as medidas de associação: diferença absoluta de riscos, número necessário para tratar, risco relativo,
diferença relativa do risco, razão de chances.

Objetivos complementares
1) Interpretar o risco como probabilidade condicional;

2) entender situações em que a razão de chances é utilizada como medida de associação, especialmente em estudos
de caso-controle;

3) interpretar os intervalos de confiança das medidas de associação, a significância estatística e a significância clínica
dos resultados;

4) obter as medidas de associação a partir de um conjunto de dados em um software estatístico.

Atividades

Atividade assíncrona no dia 02/08/2021

Vídeos e/ou texto sobre medidas de associação em ensaios clínicos controlados e estudos de caso-controle.

Atividade síncrona no Microsoft Teams no dia 09/08/2021

Os professores estarão on-line para responder às dúvidas sobre este tema e sobre o exercício a ser realizado por cada
grupo.

Roteiro sugerido de estudo


Material principal
vídeos
Introdução às medidas de associação: https://youtu.be/bk0fAbPtv2E
Diferença absoluta de riscos e Número necessário para tratar: https://youtu.be/beRrn7vlBTA
Risco Relativo e Diferença Relativa de Riscos: https://youtu.be/KkNLE8oY8ew
Razão de Chances: https://youtu.be/q6HC648MbEA
texto
Bioestatística Básica – Capítulo 8 – Medidas de associação – seções 8.1, 8.2
http://www.lampada.uerj.br/arquivosdb/_book/medidasAssociacao.html

Material de apoio
vídeos
1) Introdução à probabilidade – parte I: https://youtu.be/70Vq5E8v5o8
2) Introdução à probabilidade – parte II: https://youtu.be/rlU4BTfY4S0

282
— IMPACTO NO ENSINO

texto
Bioestatística Básica – Capítulo 7 – Probabilidade, seções 7.1-7.5:
http://www.lampada.uerj.br/arquivosdb/_book/probabilidades.html

Material complementar
vídeos:
1) Medidas de associação no R – parte I: https://youtu.be/Uym7nSTMajU
2) Medidas de associação no R – parte II: https://youtu.be/-DcQJNiuW0k
3) Medidas de associação no R – parte III: https://youtu.be/trN0tGwikPQ
texto:
Bioestatística Básica – Capítulo 8 – Medidas de associação – seção 8.3:
http://www.lampada.uerj.br/arquivosdb/_book/medidasAssociacao.html#maR

Avaliação
Interpretação de resultados apresentados em artigos. Atividade em grupo.

No roteiro sugerido de estudo, foram colocados os textos a serem lidos e/ou vídeos a serem visualizados
com o respectivo link para o YouTube e na ordem que devem ser visualizados. Em alguns temas, como esse,
também foram separados os vídeos que eram essenciais para a compreensão do tema, daqueles que eram
complementares ou de apoio. Os vídeos complementares dão um suporte teórico para os conceitos apresentados
nos vídeos essenciais. Os vídeos de apoio mostram como aplicar os conceitos em um pacote estatístico; no
caso, o DTIES tem utilizado o R. A Figura 3 mostra como o conteúdo desse tema foi organizado no AVA.
As aulas síncronas foram gravadas a partir do ambiente Teams9, disponível a partir de acordo entre a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Microsoft.
Também foi disponibilizado um cronograma das aulas, com o tempo de duração dos vídeos, de tal
forma que os alunos tivessem uma clara ideia da dimensão e distribuição do conteúdo durante o período.
As avaliações ao final de cada tema foram realizadas na forma de exercícios em grupo com um prazo
de pelo menos duas semanas para a submissão no AVA. Comentários sobre a resolução dos exercícios foram
registrados, juntamente com a nota atribuída.

283
— IMPACTO NO ENSINO

Figura 3: Organização do tema Medidas de Associação no AVA para o ano de 2021.

No ano de 2020, a proposta apresentada na seção anterior não pôde ser implementada na íntegra, uma
vez que não houve tempo hábil para produzir todos os vídeos indicados na Tabela I. Desse modo, os temas de
busca bibliográfica, leitura crítica de ensaios controlados randomizados, leitura crítica de estudos de avaliação
de testes diagnósticos, fontes de informação e uso de planilha eletrônicas, foram apresentados por meio de
aulas síncronas, nos horários alocados para as respectivas disciplinas.

Resultados

Vamos nesta seção apresentar um conjunto de resultados qualitativos que observamos na oferta das
disciplinas de metodologia científica I e II, comparando-os com nossa experiência nos anos anteriores, em
regime presencial. Consideraremos os seguintes tópicos:
1. nível das perguntas dos alunos;
2. participação nas aulas síncronas e “assíncronas”;
3. uso do fórum para esclarecimento de dúvidas e discussão de questões de interesse;
4. material disponibilizado indefinidamente;
5. avaliações dos alunos;
6. alterações para o ano de 2021;
7. outras experiências.

284
— IMPACTO NO ENSINO

Nível das discussões nas aulas remotas e participação nas aulas síncronas e
assíncronas
Observamos um aumento quantitativo e qualitativo das questões levantadas pelos alunos nas aulas
remotas, considerando tanto as aulas que foram exclusivamente síncronas, quanto aquelas cujos materiais
estavam disponíveis na forma de vídeos e/ou e-book, mas os professores estavam disponíveis on-line nos
horários alocados semanalmente para as duas disciplinas. Nas aulas síncronas, cujos conteúdos não estavam
disponíveis em vídeos, sempre houve uma presença significativa de alunos, em geral, com pelo menos 70%.
Nas outras aulas, sempre havia alunos que entravam na sala para solicitar algum esclarecimento.

Uso do fórum para esclarecimento de dúvidas e discussão de questões de


interesse
Mesmo usando o Ambiente Virtual de Aprendizagem por vários anos no regime presencial, nunca
utilizamos o fórum para interagir com os alunos. No regime remoto, nós abrimos um fórum para cada tema
oferecido e os alunos fizeram uso deste recurso, mais em alguns temas do que em outros. Novamente o nível
das questões apresentadas pelos alunos nos surpreendeu positivamente.
Tanto quanto ou até mais, os alunos usaram o correio eletrônico como modo de esclarecer dúvidas,
principalmente relativas aos exercícios.

Material disponibilizado indefinidamente


Apesar de parte do conteúdo das duas disciplinas estarem disponíveis sob a forma de livro eletrônico
e apresentações, a gravação de vídeos proporciona uma outra forma de transmissão de informações, com
conteúdo mais dinâmico do que o permitido por um texto ou slides de apresentações. Isso nos permitiu
reduzir o número de aulas síncronas no ano de 2020 e praticamente eliminá-las no ano de 2021. Não fizemos
uma estatística, mas pelo número de visualizações dos vídeos e pela colocação de alguns alunos, acreditamos
que a visualização dos vídeos foi o principal meio para os alunos terem o primeiro contato com o conteúdo de
cada tema, quando disponíveis.

Avaliação dos alunos


No último dia de aula, usamos a aula on-line para realizar uma avaliação do curso em conjunto com os
alunos. Apresentamos abaixo algumas das reações dos alunos, relacionadas à organização da disciplina, vídeos,
fórum, disponibilidade dos professores e forma de avaliação:

“Queria agradecer pelo curso, foi de muito aprendizado. Minha leitura e análise crítica de
artigos científicos melhorou significativamente. Gostaria de agradecer a todos os professores.”

285
— IMPACTO NO ENSINO

“A disciplina foi extremamente organizada, gostaria de agradecer a disponibilidade na


preparação do conteúdo em si, de aula e vídeos, também em sanar nossas dúvidas via fórum,
etc. Muito obrigada!”

“Achei a disciplina bem organizada, os vídeos são excelentes. Queria agradecer também a
disponibilidade e a boa vontade dos professores em sempre tirar nossas dúvidas!”

“Acho que o único problema foi a falta de tempo, que limitou as possibilidades da disciplina”

“Também gostei, foi bom ter as aulas gravadas pra gente assistir e as aulas síncronas pra
dúvidas. Muito obrigada!”

“Gostei muito das aulas gravadas e da possibilidade de tirar dúvidas pelo AVA, foi mais fácil
processar a informação e entender a matéria.”

“Por ele falar da prática clínica ficou mais interessante!”

“As aulas gravadas estavam ótimas”

“Eu gostei muito do curso, ensinou a avaliar os artigos e os resultados! Os vídeos ajudaram
bastante também”.

“O fórum ajudou muito mesmo, obrigada.”

“Gostaria de agradecer pela paciência e disponibilidade em ajudar em nossas dúvidas além da


avaliação em grupo de trabalho e não provas.”

“Essa matéria é muito difícil e mesmo sem monitor vcs sempre estiveram dispostos para sanar
dúvidas!!!”

“Professores, parabéns pelo curso e pela disponibilidade!”

“Muito obrigada pela disponibilidade, professores!!”

“Acredito que o aproveitamento EAD foi bom pq conseguimos realizar os trabalhos debatendo
e tirando dúvidas!!! e isso é muito importante para assimilar o conteúdo”

“Acho que, num modo geral, a gente aprende melhor em conjunto... Com troca de conhecimento”

“Sim, senti que aprofundamos o conhecimento nos ajudando em grupo!”

Alterações para o ano de 2021


Em 2020, na avaliação intermediária do curso de Metodologia Científica II, houve diversos comentários
de alunos, reclamando sobre o tempo das aulas síncronas que, em alguns casos, ultrapassaram a duração
normalmente prevista. Inicialmente havíamos previsto que haveria duas avaliações individuais ao longo do
curso e quatro exercícios a serem realizados em grupo. Os alunos também reclamaram do excesso de avaliações.
Nós reagimos a esses questionamentos, limitando o tempo das aulas síncronas na metade seguinte do
curso, e gravando vídeos sobre os temas que ainda não estavam disponíveis em forma de vídeos para o ano de

286
— IMPACTO NO ENSINO

2021, tanto para a disciplina de metodologia científica I quanto para a disciplina de metodologia científica
II. Em relação à forma de avaliação, eliminamos as avaliações individuais, mantendo somente a avaliação em
grupo. Aproveitando as questões colocadas pelos alunos via fórum ou por e-mail no ano de 2020, elaboramos
arquivos sob a forma de perguntas mais frequentes, organizados por temas, e os disponibilizamos para as
turmas do ano de 2021.

Outras experiências
Além das disciplinas do curso de graduação da Medicina, a abordagem aqui proposta foi utilizada nas
disciplinas Introdução à análise exploratória de dados usando o R, Bioestatística Básica, e Gerenciamento da
Pesquisa Clínica com o software REDCap, oferecidas pelo professor Sergio Miranda Freire no curso de Pós-
Graduação em Ciências Médicas.

Autovaliação
Numa avaliação sucinta, nós consideramos que fomos bem sucedidos em planejar dois cursos de maneira
remota para duas turmas de mais de 100 alunos com recursos escassos, tanto em termos humanos, quanto em
termos materiais.
Diante do exposto nas seções anteriores, algumas questões que consideramos relevantes para serem
discutidas no tocante a essa experiência de ensino remoto são: 1) como ter um ensino mais personalizado nos
cursos de metodologia científica I e II; 2) combinação ensino presencial/ensino remoto; 3) avaliação do curso
por parte dos alunos.

Ensino mais personalizado


A decisão de oferecer as aulas síncronas para as turmas inteiras, com a presença dos três professores
atuantes no DTIES em 2020, proporcionou uma experiência inédita de compartilharmos um conteúdo
multidisciplinar simultaneamente em aula, o que não acontecia nas aulas presenciais, onde ora cada professor
apresentava um tema para parte da turma, em sistema de rodízio, ora um professor assumia o curso inteiro
para um subgrupo da turma.
Por outro lado, os encontros on-line com a turma inteira e a avaliação exclusivamente baseada em atividades
em grupo dificultam a percepção de eventuais dificuldades de assimilação do conteúdo por parte de grupos
específicos de alunos. Apesar de alguns alunos enfatizarem que as atividades em grupo contribuem para
uma melhor assimilação do conteúdo, avaliações individuais podem identificar indivíduos que não possuem
o mesmo desempenho do grupo e que itens não foram bem compreendidos. Mesmo que dividíssemos cada
turma por três professores, teríamos mais de 30 alunos por turma, o que ainda é um número grande de alunos
para acompanhar, especialmente no tempo mais reduzido da carga horária do curso em 2020.
Com o afastamento do professor Denizar Vianna para assumir a Pró-Reitoria de Saúde da UERJ, e a
admissão de 2 novos professores no primeiro semestre de 2021, o DTIES atualmente conta com 4 professores

287
— IMPACTO NO ENSINO

ativos. Com isso, preferimos manter a decisão de incluir os 4 professores nas aulas on-line para permitir a
adaptação dos novos professores ao regime didático que estamos adotando nas disciplinas.
Em relação à avaliação individual dos alunos, estamos planejando para os próximos períodos a elaboração
de um banco de questões, disponibilizadas no Moodle, de modo que, ao fazer a avaliação, um certo número
de questões seria alocado de maneira aleatória para cada aluno. Essa avaliação individual complementaria a
avaliação em grupo.

Combinação ensino presencial/ensino remoto


Essas experiências de ensino remoto trouxeram lições que irão afetar a forma como o processo ensino-
aprendizagem será gerenciado no futuro próximo com o retorno das aulas presenciais. O DTIES vinha desde
2018, com a entrada em vigor da reforma curricular, aperfeiçoando o conteúdo e a forma como eram ofertadas
as disciplinas de Metodologia Científica I e II, os quais também tiveram que ser adaptados ao ensino remoto
e à carga horária mais reduzida para Metodologia Científica I em 2020 e 2021, e para Metodologia Científica
II em 2020.
A produção de vídeos, composição de aulas síncronas e assíncronas, o uso do fórum e mesmo correio
eletrônico, atividades de avaliação baseada em artigos científicos, além de um maior tempo dedicado às
dúvidas nas aulas síncronas, cremos, produziram resultados melhores que os anteriormente obtidos no regime
presencial, em termos da qualidade e quantidade das intervenções dos alunos, e qualidade dos exercícios
realizados. Essas ações devem ser mantidas por ocasião da volta ao regime presencial, em especial a redução da
transmissão de conteúdo em sala de aula, reservando os encontros presenciais principalmente para discussão e
atividades em grupo. Consideramos também a eventual participação de mais de um professor em sala de aula
como algo positivo em disciplinas com conteúdo multidisciplinar, como as do DTIES.
A produção de vídeos de curta duração, cada um com um conteúdo específico, mostrou-se uma forma
excelente de transmitir o conteúdo, já que o material fica disponível para que o aluno assista quando puder
e quantas vezes quiser, além de facilitar a identificação do vídeo que contém o conteúdo desejado. Porém,
a produção dos vídeos foi um tanto improvisada nesse período, visando a atender a uma necessidade
“emergencial”. Seria desejável que a produção futura de vídeos tenha um suporte mais profissional, em termos
de equipamentos apropriados, suporte pedagógico, apresentação, gravação e edição do conteúdo [10,11].

Avaliação do curso por parte dos alunos


No ano de 2020, foi realizada uma avaliação bastante informal das disciplinas por parte dos alunos.
O DTIES se baseou nos resultados da avaliação realizada pela coordenação de graduação, mais ou menos
no meio de cada disciplina, e em um encontro on-line com os alunos no último dia previsto no calendário
para a respectiva disciplina. Para este ano, planejamos montar um questionário de avaliação no Moodle e
disponibilizá-lo para os alunos o preencherem on-line de forma anônima. Esperamos dessa forma ter uma
visão mais abrangente da percepção do curso por parte de cada turma.

288
— IMPACTO NO ENSINO

Considerações Finais

Apesar dos desafios, a experiência do ensino remoto no DTIES produziu bons resultados, tanto em
termos de uma maior efetividade na transmissão do conteúdo das disciplinas de metodologia científica I e II,
quanto no aperfeiçoamento da forma como as disciplinas foram gerenciadas, e, apesar do componente remoto,
os professores tiveram uma interação possivelmente maior com os alunos do que no regime presencial. O
legado do material didático produzido irá certamente ser aproveitado em cursos futuros tanto em nível de
graduação quanto de pós-graduação.

Bibliografia

8. Moodle Pty Ltd. Moodle. 2021. Disponível em https://moodle.org/?lang=pt_br.


9. Freire SM. Bioestatística básica. [livro on-line]. Rio de Janeiro: DTIES; 2021. Disponível em http://
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10.RStudio Inc. Shiny. 2020. Disponível em https://shiny.rstudio.com/.
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289
— IMPACTO NO ENSINO

Impacto da pandemia do Coronavírus no Internato


em Medicina de Família e Comunidade da Faculdade
de Ciências Médicas no período de 2020- 2021:
relato de experiência

Henyse Gomes Valente da Silva1; Nelson Robson Mendes de Souza2; Garcia Alejandro Vergara Figueroa3; Roberta

Guimarães Macedo de Oliveira4

Professora Voluntária do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas FCM
1

UERJ; 2Professor Adjunto do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas

FCM UERJ; 3Preceptor da Residência em Medicina da Família e Comunidade da FCM UERJ; 4Acadêmica de Medicina da UERJ

Descritores em português: Internato medicina; Medicina de família e comunidade; Atenção primária a saúde; Covid-19.

Descritores em inglês: Medical internship; Family and community medicine; Primary health care; Covid-19.

Introdução

A Covid-19, doença infectocontagiosa causada por uma variante do coronavírus, o SARS-Cov-2, teve
seus primeiros casos relatados em Wuhan, província chinesa, no final de 2019, e em um curto espaço de tempo
se disseminou pelo mundo tornando-se a primeira pandemia de século XXI.1
No Brasil, a declaração de transmissão comunitária foi feita em março de 2020, quando foi registrada
a primeira morte pela doença e decretado o isolamento social para reduzir o contato interpessoal e a
transmissibilidade da doença. Desta forma o Brasil realizava as primeiras medidas de controle da pandemia
que em outubro de 2021 chegaria a um número de 600 mil brasileiros a perderem a vida. 2-3
As universidades brasileiras, em especial as que envolviam cursos de saúde, tiveram que se adaptar à nova
realidade. Na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o
Departamento de Medicina Integral e Comunitária (DMIFC) tentando minimizar o prejuízo de seus alunos,
definiu uma estratégia de ensino do internato nas clínicas de família (CF), e facultou aos seus professores
definir a modalidade de supervisão a ser adotada: on-line ou presencial.
Nos primeiros cinco meses, de março até julho, toda atividade presencial foi suspensa e a programação
adaptada para ser on-line.
A partir de agosto os internos voltaram para os estágios presenciais nas CF onde as estratégias de funcionamento
eram definidas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Alguns professores voltaram a supervisão in loco e
outros mantiveram a via remota, baseado na presença de terem ou não fatores de riscos para a Covid-19.4
As estratégias, percepções e ajustes do aprendizado do internato em Medicina de família e Comunidade
(MFC) nas CF durante a pandemia serão descritas neste capítulo, sob o ponto de vista dos docentes,
supervisores e dos alunos, no período de 2020 a 2021.

290
— IMPACTO NO ENSINO

Relato

Método:
Local de origem do relato: Disciplina Medicina de Família e Comunidade da FCM e Unidades Básicas
de Saúde do município do Rio de Janeiro, vinculadas ao programa de Residência em Medicina de Família e
Comunidade da FCM UERJ.
Trata-se de um estudo transversal realizado durante a pandemia da Covid-19, os anos de 2020-2021.
Em relação a experiência acadêmica e dos profissionais que atuavam nas clínicas de família foi feito um
relato descritivo no qual se levantou dados sobre o funcionamento das CF do Município do Rio de Janeiro
onde a alunos da FCM/UERJ atuam e as experiências práticas adotadas pelo DMIF para ajustar o internato
em MFC durante a pandemia da Covid-19. 5
O relato descritivo foi dividido em duas etapas. A primeira etapa descreve como surgiu a modalidade
de estágio internato em MFC, as atividades desenvolvidas pelos alunos nas unidades conveniadas com a
Universidade do Estado do Rio de janeiro, segundo a Área de Planejamento (AP), o tempo dedicado a esta
tarefa, como é feito o controle deste aprendizado e os profissionais/supervisores envolvidos neste processo.
Na segunda etapa foram apresentadas as estratégias adotadas para manter a qualidade na formação
acadêmica do interno em medicina da FCM/UERJ em Atenção primária à saúde durante a pandemia.
Como é de costume os professores arguirem os alunos que fazem internato (todos os internos fazem um
período de treinamento ambulatorial com professores ou preceptores do DMIFC) sobre a experiência que
tiveram na CF, mais uma vez esta impressão foi relatada pelos internos, de forma mais intensificada nesse
período, através de uma orientação geral. Trouxemos esse relato dos internos para a esse artigo.

Resultados

Entendendo como funciona o Internato em MFC - ETAPA 1


O internato em Medicina de Família e Comunidade (MFC) nas CF teve início em 2014, baseado nas
Diretrizes Curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina (DCN- Resolução CNE/CES nº
116 de 05.06.2014) que definiram que o médico devesse ter uma formação generalista, humanista, crítica e
reflexiva, devendo estar capacitado a atuar no processo de saúde-doença, em seus diferentes níveis de atenção.6
Ressaltava-se que esta formação deveria contemplar ações de promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social
e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano, sempre pautado em
princípios éticos.
Segundo o próprio MEC, 35% da carga horária (CH) total do curso de medicina deveria ser desenvolvida
em atividades práticas na modalidade de estágios curriculares supervisionados, sendo que pelo menos um
terço em atenção Básica (predominantemente em Medicina Geral de Família e Comunidade) e em Serviços
de Urgência e Emergência do Sistema Único de Saúde (SUS), respeitando-se o mínimo de dois anos deste

291
— IMPACTO NO ENSINO

internato/estágio. O restante do tempo de estágio (70%-setenta por cento) deveriam incluir as outras áreas
médicas.
O início desta atividade dentro do curso de Medicina da FCM/UERJ possibilitou a inserção precoce dos
alunos em atividades práticas relevantes na atenção primária como o atendimento multidisciplinar domiciliar,
o acompanhamento de pacientes crônicos e seus familiares, reuniões de equipe, cuidado em saúde nas diversas
fases da vida como infância, adolescência, durante a gestação e na terceira idade, sempre envolvendo a família
e a comunidade, assim como no acompanhamento das pessoas na sua finitude de vida e ajudando as famílias
a passar pelo momento da perda ou de doença grave com desfecho de morte.
Esta complementação de atividade no internato de medicina permitiu um cenário bem diferente da
prática tradicional intra-hospitalar, onde passou a ser possível observar e participar do cuidado em saúde sob
uma nova perspectiva, em diferentes cenários.7
O Internato ocorre nas áreas programáticas AP 1.1, 2.2 e 3.3 (Figura 1). AP 1.1 funciona na Região
administrativa (RA) do bairro do Rio Comprido- unidade Catumbi; AP 2.2: na Região administrativa (RA)
dos bairros da Tijuca- unidades: Praça da Bandeira, Tijuca e Alto da Boa Vista e do bairro de Vila Isabel, na
unidade Vila Isabel e Andaraí. AP 3.3, o internato funciona na Região Administrativa de Irajá, no bairro de
Vila Kosmos. Estas áreas programáticas contêm a unidades de APS onde a UERJ tem convênio com a SMS
e é o local onde os residentes do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ
realizam parte de seu aprendizado.8

Figura 1: Áreas programáticas das regiões administrativas da cidade do Rio de janeiro onde funcionam unidades de

APS.

A estratégia usada foi colocar os internos em unidades que tivessem residência médica em Medicina de
Família e Comunidade da UERJ. Nesses locais há preceptores selecionados e treinados pela coordenação da
residência, via acordo com a SMS. Assim, conseguiríamos um sinergismo de ações e aprendizado. Observe
que essas unidades não são exclusivas de internos da UERJ, recebendo acadêmicos bolsistas e internos de
outras localidades.
Estas unidades de APS podem ser de dois tipos: Centros Municipais de Saúde (modelo mais antigo e
tradicional de APS), e Clínicas da Família que são unidades novas, com arquitetura diferente e composta
somente com equipes de saúde da família e de almas com NASF. Estas unidades contam com gerenciamento
e administração pela SMS, e com parte do corpo clínico não médica é diretamente vinculada a SMS e a parte

292
— IMPACTO NO ENSINO

médica, na sua maioria, é o PRMFC/UERJ.


São elas: AP 1.1- CF Sergio Vieira de Mello, CF Salles Neto; AP 2.2- Vila Isabel- CF Maria Augusta
Estrela, na Tijuca- CMS Hélio Pellegrino, CF Odalea Firmino Dutra, CMS Heitor Beltrão; AP 3.3- CF
Ana Maria Conceição dos Santos Correia.
A Unidade de Saúde da Família é composta de equipes formadas por um Médico de Família e Comunidade
ou por um médico sem formação específica na MFC, um Enfermeiros, um técnico ou auxiliar de Enfermagem
e Agentes Comunitários de Saúde.9-10
Deve-se considerar que em algumas equipes, muitos médicos são de outras especialidades que muitas vezes
tem a APS como uma fonte de vida e não como um projeto profissional. Muitos deles são de especialidades
cirúrgicas, anestesia, ou não fizeram residência e fizeram pós-graduação em alguma área não afins da APS.
Além dos profissionais que compõem a equipe básica, Dentistas, Auxiliar de Saúde Bucal, Técnicos de
Saúde Bucal fazem parte de uma equipe mais ampla, além de profissionais de outras especialidades como
nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais que compõem os Núcleos de Apoio à Saúde da
Família (NASF).11
Nas unidades acadêmicas da UERJ, há preceptores com residência em MFC, selecionados pela coordenação
de residência, via acordo com a SMS e residentes em MFC, sob supervisão destes preceptores. Além disso, há
um professor do DMIFC com um turno nas unidades onde há internos. O papel desse professor é estimular
trocas de saberes entre internos, residentes, preceptores, professores etc, buscando que o ambiente seja propício
e profícuo ao aprendizado.
Deve ser observado que essas unidades não são exclusivas de internos da UERJ, recebendo acadêmicos
bolsistas e internos de outras unidades acadêmicas. Nas unidades onde o PRMFC/UERJ tem residência a
composição da equipe é realizada por dois residentes.
O internato em medicina de família e comunidade dentro das clínicas de família tem a duração de um
mês, com carga horária total de 96 horas, correspondendo a 24 horas semanais nos quais são feitas diversas
atividades características à atenção primária em saúde, sempre supervisionados por professores/preceptores
que buscam interagir e coordenar o processo de aprendizado com as equipes locais.
São atividades dos internos, com duração de pelo menos um turno de 6 horas:
1. Participar do acolhimento das pessoas junto com os agentes comunitários de saúde;
2. Vivenciar e colaborar com os técnicos de enfermagem e/ou médicos na sala procedimentos e na sala de
curativos;
3. Colaborar na imunização, em diferentes fases da vida;
4. Conhecer o trabalho da saúde oral, como atua a equipe composta por técnicos e dentistas;
5. Entender como funciona a gestão de uma CF. O gestor explica todas as etapas do processo administrativo,
as planilhas utilizadas, como são tabulados os dados, a programação anual de saúde (PAS) e como é feito
o relatório anual de gestão (RAG);
6. Visitar a farmácia supervisionada por um farmacêutico ou técnico em farmácia que explica como é feita
a dispensação e o controle do estoque dos medicamentos. Aponta falhas frequentes na prescrição médica
que interferem no trabalho deste setor assim como no cuidado das pessoas;
7. Aprender a usar o prontuário eletrônico. É demonstrado a importância da introdução e atualização de

293
— IMPACTO NO ENSINO

dados de cada paciente no prontuário, do SISREG, de como usar a tecnologia para encaminhamento às
outras especialidades, vaga zero.
8. Entender a importância de os indicadores de saúde;
9. Participar de consultas individuais ou familiares bem como consultas de puericultura e com gestantes de
baixo risco. Nesta atividade aprendem como fazer busca ativa dos pacientes faltosos.
10. Participar do trabalho em equipe com vários profissionais de áreas diferentes da saúde e com os agentes
de saúde, que não são técnicos de saúde, apesar de alguns serem técnicos por terem feito a formação
específica na Fiocruz.

Outras atividades muito específicas da atuação da APS ganham destaque especial, por serem experiências
que os alunos só tiveram conhecimento durante as disciplinas de medicina integral, no segundo ano de
medicina. Estas atividades têm uma carga horária maior, sendo feitas em pelo menos 4 turnos de 6 horas
cada, são elas:
1. Visitas familiares, sempre acompanhados pelo agente comunitário de saúde e um médico e/ou enfermeiro;
2. Reuniões de equipe, onde são apresentados os casos da semana e definidas estratégias para resolução dos
problemas;
3. Participação nos diferentes grupos especiais como por exemplo grupo de doenças crônicas, de tabagismo
e nas principais linhas de cuidados que muitas vezes também são contempladas por grupos;
4. Conhecer o trabalho do NASF, núcleo de apoio em saúde na família, e as atividades desenvolvidas por
especialidade como psicologia, psiquiatria, nutrição, serviço social, preparador físico em conjunto com as
equipes onde tem residentes do PRMFC/UERJ;
5. Conhecer e vivenciar o programa de saúde nas escolas. São apresentadas algumas campanhas em saúde
e como a APS pode colaborar na educação em saúde para os escolares nas diversas fases da vida.

Como foi a adaptação do internato em MFC nas Clínicas da Família durante


a maior parte da epidemia —ETAPA 2 - Impacto no processo operacional
padrão.
Dentro de um cenário muito complexo vivenciado por 3 anos de uma gestão municipal que não priorizava
a APS e que apresentava graves problemas de gestão, a pandemia veio a se tornar um dos maiores desafios
enfrentados por todos os profissionais de saúde, em especial para os profissionais da APS, uma vez que este
cenário se tornou uma das principais portas de entrada dentro do sistema de saúde.
A reestruturação da APS na atual gestão municipal de saúde do Rio de Janeiro motivou as equipes a não
medir esforços neste novo desafio. Deste esforço as equipes de saúde, e em particular as equipes de residência
da UERJ na APS, produziram um trabalho reconhecido pela OPAS/OMS pelas iniciativas de enfrentamento
à pandemia.12
Os desafios foram enormes e todos estavam diante de uma doença nova onde não se sabia sua complexidade
nem sua duração, havendo inclusive a possibilidade de transformação para uma endemia, além de todo o

294
sofrimento que esta pandemia viria a acarretar à população e as equipes de saúde.13
— IMPACTO NO ENSINO

À princípio a universidade foi favorável a parada de suas atividades, apesar de alguns professores serem
contrários à tal medida. Entretanto, era consenso que participar daquele momento ímpar possibilitaria
aos alunos do curso de medicina experimentarem um cenário nunca visto e a presença de um professor
possibilitaria esclarecimentos de informações muitas vezes distorcidas que eram fornecidas por diferentes
fontes leigas e não leigas.
Existiam informações discordantes sobre a abordagem da nova doença, inclusive discordantes dentro da
própria comunidade acadêmica. Era importante considerar que vários alunos faziam e ainda fazem estágios
em outras unidades, fato que poderia colocar em risco pacientes, ética profissional e aprendizado fora das
bases técnico-científicas mais adequadas. Assim, como as condutas dos preceptores, professores do DMIFC
e, portanto, dos residentes eram pautadas nas evidências técnico-científicas mais apropriada, com filtro das
informações que chegavam, a presença dos internos nesse cenário evitaria essa diversidade de condutas
médicas, muitas baseadas em Fake News, boatos e hipóteses não comprovadas.
A presença do professor, aumentava a possibilidade para debater a realidade, orientar o cuidado e a rotina a ser
implementada, tomando os cuidados com a ética, dados científicos, e políticas de saúde públicas mais apropriado.
Era uma preocupação como a APS poderia colaborar no cenário da pandemia e como assegurar o cuidado
não só dos pacientes como dos próprios alunos e profissionais da saúde.14
No DMIFC o papel do professor- orientador foi influenciado não só pelas circunstâncias de
transmissibilidade da doença como também pela saúde de cada um, uma vez que muitos apresentavam
comorbidades que poderiam impossibilitar o cuidado direto aos portadores da doença. Baseado nesta
perspectiva, algumas supervisões foram feitas on-line. Aqueles que não tinham riscos pessoais mantiveram a
supervisão presencial.15
Nos primeiros meses de 2020, de março a julho, as atividades presenciais foram suspensas e os internos
foram treinados on-line sobre cuidados de proteção, uso de equipamentos de proteção individuais (EPI) e
sobre a própria doença, nova para todos.16
Neste momento eles participaram de monitoramento telefônico, para orientar os doentes crônicos, sobre
os cuidados com a pandemia em relação a sua doença de base, uso de medicações (o prazo para recebimento das
medicações foi ampliado de três para seis meses), etc. No ápice da pandemia, os pacientes crônicos, que era um
grupo de alto risco para doença grave e morte, estavam impossibilitados de serem atendidos presencialmente,
pela superlotação de paciente sintomáticos respiratórios e risco de infecção pelo SARS-Cov-2.17
A partir de agosto as atividades presenciais voltaram com muitas incertezas, mas sempre seguindo as
determinações da secretaria municipal de saúde. Para o aprendizado dos internos não foi bom pois as unidades
estavam muito fechadas, só atendendo casos emergenciais, com consultas rápidas, sendo foco de atendimento
a síndrome gripal. Em geral, os internos não participaram desta atividade, apesar de alguns pedirem para fazê-
lo o que ocorria com supervisão e portando EPIs.
Houve muita reclamação dos alunos. Não havia abordagem centrada na pessoa só na doença, mimetizando
a abordagem tradicional hospitalar. À medida que o tempo foi passando, a sala de síndrome gripal foi
esvaziando e a clínica voltou a sua rotina do novo normal. Mesmo com a epidemia se acalmando, voltando
as visitas domiciliares, muitos internos não quiseram participar das visitas domiciliares por receio de serem
contaminados.

295
— IMPACTO NO ENSINO

Uma atividade que gostaram de fazer e se engajaram bastante foi na distribuição de mantimentos para
população, muitos gostaram desta rede de apoio.
Outra atividade que participaram ativamente foi na vacinação. Eles também auxiliaram na tabulação de
dados da vacinação e registro no prontuário eletrônico das pessoas imunizadas.
Foram muito poucos os casos de alunos e residentes que se afastaram de suas atividades por Covid-19
leve ou positivos assintomáticos. Aqueles que o fizeram justificaram esta necessidade para cuidar de familiares
ou por algum componente de transtorno mental. Não houve óbitos nos profissionais da equipe. Entretanto, o
número de faltas e reclamações dos alunos foi maior do que nos anos anteriores.
A impressão das equipes que receberam os internos foi de que eles estavam ansiosos por aprender, num
ritmo mais intenso do que o habitual e que o entrosamento com as equipes multidisciplinares foi bastante
satisfatório e produtivo para o processo de aprendizagem.
Acompanhar o diagnóstico, o tratamento, a evolução e o pós-Covid-19, com suas sequelas, tem sido uma
experiência única para todos os profissionais envolvidos nesta missão, o que não poderia deixar de ser para o
interno que mesmo em um curto intervalo de tempo, pode participar desta nova realidade. Acreditamos que a
contribuição na formação dos alunos foi fundamental para o desenvolvimento de um espírito crítico reflexivo
frente à pandemia e ao desafio de se tornar profissional de saúde dentro de um novo contexto mundial.18-19

O impacto da Covid-19 segundo a percepção de alguns internos - Impacto


no processo operacional padrão:
A percepção dos alunos é que o estágio nas clínicas da família, neste período, mesmo com limitações, foi
importante. Entretanto, como é uma atividade de rodízio, com duração de apenas um mês, aqueles que teriam
atividades em MFC nos primeiros meses da Covid-19, em 2020, tiveram o estágio bastante prejudicado e
bem diferente daqueles cuja prática foi em 2021, tendo sido uma de suas reclamações.20
Apontaram também que a falta de comunicação e relação interpessoal trouxe prejuízo não só na
aprendizagem como na saúde mental causando ansiedade, medo, estresse e isolamento.
Esses sentimentos não foram exclusivos dos internos. Muitos outros profissionais da saúde relataram como
aprenderam sobre saúde mental uma vez que a população está adoecida mentalmente. Tem sido um período
de muitas incertezas, perdas e medos. Ter o médico como escuta ativa, conduta acolhedora e cuidadora, em
todos os sentidos dessa palavra, para essa população faz toda a diferença.
Relataram também sobre a importância de vivenciar e aprender sobre um cuidado mais amplo, onde os
profissionais de saúde buscam na comunidade braços de ajuda para muitas famílias em situação de risco social,
insuficiência alimentar e abusos.
Uma experiência enriquecedora para todos que participaram, foi a vacinação. Se sentiram parte do processo
e felizes por colaborarem com a prevenção da pandemia da Covid-19, eles se descrevem como fazendo parte
dessa história tão triste, mas real e que pode ser superada com imunização.

296
— IMPACTO NO ENSINO

Considerações Finais

O Internato nas Clínicas de Família é um cenário fundamental para o aluno desenvolver um espírito
crítico reflexivo de como as prevalências locais influenciam na solicitação e interpretação de exames, na
tomada de decisões que levam o aluno a entrar em contato com tecnologias apropriadas para atender as reais
necessidades da população.
A grande maioria dos médicos formados acabaram sendo absorvidos pela atenção primária à saúde
(APS), aprendem a conhecer e saber usar as tecnologias apropriadas para esse nível de atendimento, evitando
muitas iatrogênicas (prevenção Quaternária), gastos desnecessários em exames, intervenções e internações,
que ocorreriam se fossem usadas as tecnologias aprendidas no cenário hospitalar.
Durante a epidemia, foi importante para os alunos terem a mediação de preceptores, professores e
residentes MFC, adequadamente orientados e passando as informações corretas num processo de mediação
com as angústias, incertezas de lidar com uma doença nova, com informações novas chegando a cada momento
e num ambiente com Fake News, hipóteses usadas como verdades, xenofobismo, perdas de familiares etc.
Além disso, foi possível vivenciar estratégias, de como lhe lidar com as situações que surgiram e surgem
nesta pandemia, treinar a habilidade de comunicação no esclarecimento de dúvidas e orientações em relação
a vacina, EPI etc, além, de enfrentar a angústia, desânimo e sofrimento vivenciados por todos.
Todo este processo relatado reforça a necessidade de uma carga horária maior do que as 96 horas atuais
dentro do internato de MFC da UERJ, para que de fato os alunos possam se apropriar deste novo processo
de aprendizado.

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299
— IMPACTO NO ENSINO

Interiorização do Internato em Medicina, uma


iniciativa do Departamento de Medicina Integral,
Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências
Médicas UERJ: relato de experiência de uma
oportunidade de fixação de médicos em cidades do
interior do Rio de Janeiro
Rafael Cangemi Reis1; Nelson Robson Mendes de Souza2; Maria Inez Paula Anderson2;

Cesar Augusto Orazem Favoreto2; Daniel Storti Netto Puig2; Rodrigo Felipe da Silva Oliveira3; Filipe Ribeiro Peixoto4,

Gabriel Torres de Castro Innocencio 4, Ricardo Bedirian5

1
Professor assistente Departamento de Medicina de Família e Comunidade FCM UERJ; *2Professor adjunto Departamento

de Medicina de Família e Comunidade FCM UERJ; !3Aluno cursando o Internato, graduação em Medicina na Faculdade de

Ciências Médicas UERJ; 4Residente no Programa de Medicina de Família e Comunidade FCM UERJ; 5 Professor Adjunto

Departamento de Clínica Médica FCM UERJ

Descritores em português: Atenção Primária à Saúde; Internato e Residência; Medicina de Família e Comunidade.

Descritores em inglês: Primary Health Care; Internship and Residency; Family and Community Medicine.

Introdução

No Brasil, a oferta dos cursos de graduação, pós-graduação e residência em Medicina é muito


concentrada nas capitais e grandes cidades, principalmente das regiões mais ricas do país. Essa concentração
ocorre independentemente das necessidades e demandas da população brasileira, propiciando a fixação de
profissionais mais próxima ao centro de formação deles. A falta de políticas públicas que visem a oferta de
cursos de graduação e pós-graduação distantes dos grandes centros urbanos gera concentração excessiva de
médicos em alguns locais, com ausência completa deles na maior parte do território nacional. Paradoxalmente,
a formação desses profissionais não está baseada nas necessidades do país e em suas múltiplas características
epidemiológicas, sociais e tecnológicas. A formação médica encontra-se cada vez mais voltada para modelos
de atenção centrados em intervenções médicas e tecnológicas, em vez de modelos orientados para o cuidado e
as necessidades da população.1 2 3 Apesar do papel do Estado para a distribuição de recursos e credenciamento
de faculdades de medicina e programas de residência médica, as várias estratégias de fixação e formação dos
médicos voltadas para as necessidades do país não tiveram muito sucesso.2
O contato dos estudantes com a Atenção Primária à Saúde (APS) é importante porque permite ao futuro
profissional conhecer de forma mais objetiva os diferentes fatores e etapas do processo saúde-adoecimento,
podendo acompanhar e exercitar o cuidado em saúde, nos níveis da promoção e educação, mas também de
assistência e reabilitação em saúde. Permite, ainda, o contato com e o aprendizado sobre tecnologias leves

300
— IMPACTO NO ENSINO

em saúde, que são aquelas relativas às relações interpessoais, como acolhimento, vínculo, autonomização,
responsabilização e gestão como forma de governar processos de trabalho. 4-5
Ao longo do tempo, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem causado mudanças nas práticas de saúde e nos
modelos de atenção. A ênfase dada na incorporação da Saúde da Família como estratégia para reestruturar os
sistemas locais de saúde, em particular a Atenção Primária, indica que o eixo das ações não se limita à doença,
mas incorpora as dimensões da promoção e educação em saúde. A reorganização dos sistemas locais de saúde
tendo como eixo a APS propõe uma mudança de paradigma na lógica do modelo de atenção e formação em
saúde. Para que essas mudanças sejam efetivas, porém, é preciso que sejam acompanhadas de transformações
no campo da formação graduada e do desenvolvimento profissional. As Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) para o ensino médico organizadas pelo Ministério da Educação, e as iniciativas do Ministério da
Saúde — como o Pró Saúde, PET SAÚDE, Programa e Valorização da Atenção Básica (PROVAB), Programa
Mais Médicos e Pró-Residência — apontam para essas modificações no processo de ensino/aprendizagem
no âmbito da graduação e residência em saúde, bem como no provento de médicos para áreas carentes e com
grande vulnerabilidade social. 6-10
Essas diretrizes e iniciativas ministeriais levam tanto a maior aproximação dos alunos dos cenários de práticas
e quanto a um relacionamento mais estreito com a gestão dos serviços de saúde e com as práticas profissionais.
Este deslocamento de cenários e situações de aprendizagem são importantes para a desospitalização do ensino,
junto à valorização da formação graduada de acordo com os princípios da APS. Também contribuem para o
desenvolvimento de competências e atitudes necessárias para a formação de profissionais que nela atuem. As
mudanças do currículo médico promovidas pelas DCN para os cursos de graduação de 2001, reforçadas em
2014, promoveram o desenvolvimento de estratégias para enfrentar os desafios na formação médica voltada
para o SUS com foco nas necessidades da população brasileira, valorizando a APS. 7-10
Nesse sentido, a interiorização do campo de estágio do internato vem ao encontro da necessidade crescente
da formação de recursos humanos para o SUS e para a atuação na APS. O processo de interiorização do
ensino promove a imersão do aluno na realidade cultural, social e institucional de um município de menor
porte, diferente daquela das grandes cidades. Representa, portanto, a presença do aluno em um cenário onde
há uma maior proximidade física e relacional com a gestão local dos serviços de saúde, com os territórios e
as comunidades com grande diversidade socioeconômica e cultural. Além disso, a interiorização do ensino
também promove o deslocamento de professores e estudantes das escolas para os serviços locais de saúde,
fazendo com que tenham a oportunidade de vivenciar a realidade dos serviços de APS, das equipes de
saúde e da gestão dos sistemas locais de saúde. Desse modo, podem compreender a importância de estarem
participando, não como espectadores, mas como protagonistas do processo de consolidação do SUS. 6-7
A proposta de interiorização pretende que, além de proporcionar um espaço curricular de aprendizado na
modalidade ensino/serviço, possa contribuir como elemento na reorganização dos serviços de saúde, na participação
da universidade na educação permanente de profissionais de saúde e um espaço de pesquisa em serviço.7
O desenvolvimento do ensino/aprendizado em cenários de atenção básica permitirá que o aluno do
internato de medicina se identifique como membro de uma equipe de saúde e, consequentemente, realize
ações de saúde que integrem as dimensões de promoção, prevenção, assistência e reabilitação voltadas a uma
população adscrita.7

301
— IMPACTO NO ENSINO

A inserção dos alunos nesses cenários e em modelos de atenção como o da Estratégia Saúde da Família
(ESF) permite, portanto, que avancemos no desenvolvimento de estratégias pedagógicas de ensino/
aprendizagem em serviço, como as preconizadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da
Educação (MEC) e, ao mesmo tempo, apoiando a Faculdade de Ciências Médicas da UERJ com a formação
e a educação permanente, tal qual preconizado pelo Ministério da Saúde.
Tão importante quanto o local de formação e adequação dessa formação às necessidades locais, outros
fatores se destacam para fixação do profissional médico no interior: remuneração, mercado de trabalho,
qualidade de vida na região, infraestrutura da cidade e dos serviços de saúde, treinamento em qualificação
profissional etc. Assim, a interiorização do internato e da residência médica podem provocar mudanças na
lógica de pensar e estruturar os serviços de saúde, promovendo várias inciativas em direção a tornar atraente
a fixação dos alunos e residentes. 11- 12

Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Medicina Integral,


Familiar e Comunitária (DMIFC) e interiorização do Internato
Na FCM/UERJ, desde a década de 80, ocorreram diversas experiências de interiorização de ensino/serviço
para alunos do último ano de graduação médica (internato). A primeira iniciativa implementada, denominada
Internato Rural, foi instituída no norte fluminense, sendo posteriormente deslocada para o sul fluminense no
Munícipio de Resende. Em ambas as situações, o projeto durou cinco anos.13 14 O contexto de implantação se
deu com as Ações Integradas de Saúde na região norte do estado do Rio de Janeiro. Essa proposta articulava
o Instituto de Medicina Social e a Disciplina de Medicina Integral da FCM com o Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em sua iniciativa de descentralização da gestão e
desenvolvimento de serviços e recursos humanos nos Municípios. Tal estratégia já pavimentou a constituição
do SUS, que seria criado posteriormente.13 A experiência foi baseada na iniciativa pioneira do Internato Rural
da UFMG, inédita no Brasil, realizada no norte de Minas Gerais, tendo como base os princípios da APS
propostos por Alma Ata, nas críticas ao ensino médico e nas propostas de reforma sanitária que se discutiam
naquele período. 13,15
Participavam desse internato alunos da FCM/UERJ e de outras escolas do estado do Rio de Janeiro, de modo
opcional e por um período de dois meses ficavam sediados nos municípios onde atuavam em centros de saúde.13
Em 2004, ocorreu a uma nova proposta de implantação do Internato Rural na FCM/UERJ. Foi uma
inciativa dos alunos de graduação que envolveu o Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária
(DMIFC) da FCM/UERJ e as disciplinas de Psicologia Médica e de Pediatria pela FCM, em parceria com a
Secretaria de Saúde do Município de São Pedro da Aldeia (RJ).1 O treinamento em serviço se estruturou em
um novo contexto da política de saúde e de mudanças propostas para o ensino médico derivadas das DCN
(2001), da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e da ESF. O cenário de atuação foi a Unidade de
Saúde da Família e, como ação, o desenvolvimento do ensino-aprendizagem a partir dos fundamentos da ESF.
7- 8, 16-17

Nesta iniciativa, foi usado o termo Internato Extramuros porque o foco não era apenas o contexto rural,

1 Relato de um dos autores.

302
— IMPACTO NO ENSINO

mas a experiência em sistemas locais de municípios menores, a interiorização e a consolidação da ESF como
um campo de aprendizagem do discente de medicina.2
O cenário de formação em São Pedro da Aldeia foi a Unidade de Saúde da Família Campo Redondo
que contava com uma equipe completa (médico, enfermeira, técnico e agentes comunitários de saúde). A
supervisão direta dos internos era do médico (um profissional que tinha vínculo profissional com a UERJ) e
da enfermeira. Os alunos residiam em uma casa alugada pela prefeitura onde ficavam durante toda a semana.3
Os objetivos compreendiam a vivência dos alunos do trabalho das equipes de Saúde da Família e a
inserção desses alunos em um modelo de atenção cujo foco eram as ações preconizadas pela ESF.16 4 Outro
aspecto da participação dos alunos e professores foi contribuir diretamente com a educação permanente dos
profissionais da rede de serviços, buscando sua qualificação. 17
A experiência durou dois anos. Nela, constatou-se: a) a importância da imersão dos alunos em uma
realidade política, socioeconômica, cultural, epidemiológica e de recursos tecnológicos diversa daquela vivida
nos grandes centros e na universidade; b) a forte integração dos alunos com a equipe e; c) a criação de
vínculos dos estudantes com a comunidade.13 Apesar dos resultados proveitosos, paulatinamente houve perda
do interesse dos alunos em participarem do internato, que não era obrigatório. 5
No ano de 2008, houve nova experiência do Internato Extramuros, no município de Angra dos Reis. O
projeto foi viabilizado pela presença no município de uma ex-aluna que havia participado do internato em
São Pedro da Aldeia, e que tinha sido residente de Medicina de Família no DMIFC. Dele participaram três
duplas de internos de medicina da UERJ e alunos de enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UERJ.
O projeto foi pensando a partir do interesse demostrado pela Fundação Municipal de Saúde de Angra dos
Reis, que propunha o desenvolvimento de um treinamento de alunos de graduação das áreas de medicina,
enfermagem e odontologia, na modalidade integração ensino-serviço na ESF. Os estudantes de medicina
eram do internato, já os da Faculdade de Enfermagem eram alunos de extensão. A descontinuidade do projeto
teve os mesmos motivos da ocorrida em São Pedro da Aldeia.6
Em 2020, houve nova tentativa de implementar o Internato no Município de Resende, mas não foi
adiante em decorrência da pandemia pela Covid-19 e por outras razões relacionadas à política municipal.7
Houve mais experiências de outras faculdades da UERJ na área de saúde, como a Faculdade de Odontologia,
relacionadas às atividades extramuros, curriculares e de caráter obrigatório, das quais os alunos do último
período optavam por participar. Vários Municípios foram cenários dessas atividades práticas, dentre os quais
se destacam: Resende, Altamira, Itaocara, Natividade, Varre-e-Sai. A iniciativa foi extinta com a implantação
do Currículo Novo.18 8 Tais experiências reforçam o potencial da UERJ para contribuir com a formação na
área da saúde no Estado do Rio de Janeiro.

2 Relato de um dos autores.


3 Relato de um dos autores.
4 Relato de um dos autores.
5 Relato de um dos autores.
6 Relato de um dos autores.
7 Relato de um dos autores.
8 Relato de um dos autores.

303
— IMPACTO NO ENSINO

A interiorização da Residência em Medicina de Família e Comunidade no


Estado do Rio de Janeiro
O DMIFC sempre teve vocação para o pioneirismo, com atuação na área de ensino-aprendizagem em
serviço, mesmo antes de se tornar um departamento, em abril de 2006.
Institucionalmente, a criação das disciplinas da Medicina Integral (MI) deriva do Ambulatório de Medicina
Integral (AMI) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE). Esse ambulatório já existia desde 1967, mas
foi dimensionado a ser como é hoje em 1974. O AMI deu origem ao Programa de Residência de Medicina
Integral em 1976, denominado Residência em Medicina Geral Comunitária (MGC) em 1981. Já em 2002,
adotou o nome atual, Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC).19, 20 21 22
Nesse período, ocorreram vários projetos voltados para os residentes, entre os quais se encontram: a)
Projeto Austin, localidade Nova Iguaçu-RJ, campo de atuação da residência de Medicina Integral e de
Medicina Preventiva e Social, período de 1978 a 1983; b) ambulatório comunitário do Morro do Borel,
localidade bairro Tijuca- RJ, período de 1992 a 1998; c) Centro Municipal de Saúde Bicuíba, localidade bairro
Lins de Vasconcelos-RJ; e d) o projeto Saúde na Vila, que atendia moradores de Vila Isabel-RJ por meio de
visitas domiciliares para o acompanhamento dos residentes de Medicina de Família e Comunidade. Até que,
em 2009, é iniciada a reforma da APS na cidade do Rio de Janeiro, possibilitando expansão do treinamento
da residência médica para as unidades da rede pública do Município do Rio de Janeiro. 20 21 22
O início da parceria ocorreu em 2011, por meio de convênio com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio
de Janeiro (SMS-RJ), sendo a Clínica da Família Sergio Vieira de Mello a primeira unidade do município com
programa de residência. Gradualmente, houve ampliação do número de Clínicas da Família com a expansão
de vagas de residência médica. Como política de incentivo foi implementada pela SMS-RJ o pagamento de
bolsa complementar ao residente e contratação de preceptores como política de fixação de profissionais na
APS carioca. Nesse mesmo contexto, em 2014, os internos da FCM/UERJ passaram a frequentar as unidades
de APS com o PRMFC da UERJ, cumprindo o internato obrigatório em APS. Com a expansão da rede de
APS e a inserção cada vez maior de alunos nos cenários de ensino-aprendizagem, o interesse pelo PRMFC
aumentou. Com isso, ocorreu um aumento do número de vagas, fazendo dele o maior programa de residência
médica da FCM/UERJ e o segundo maior do país.21 22 9
Por toda a história e experiência do DMIFC nos campos de formação da graduação, residência médica
e pós-graduação, houve algumas iniciativas por parte da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro (SES-RJ) para o processo de interiorização do PRMFC. As primeiras tentativas ocorreram no ano
de 2016, porém a implementação e a implantação só ocorreram em 2020, sendo iniciadas nos municípios
de Búzios, Três Rios e Piraí. Em 2021, foram ampliadas para Maricá, Mesquita e há possibilidade de serem
estendidas a Cabo Frio. 10
Importante salientar que a interiorização do PRMFC e toda a infraestrutura que ele desenvolve nas
unidades possibilitam um novo e mais qualificado cenário de integração ensino-serviço. Forma uma nova
cultura organizacional e qualifica as práticas de atenção e de ensino na ESF dos Municípios onde o PRMFC
atua. Dessa forma, cria-se um espaço mais perene para o desenvolvimento e perpetuação do internato
9 Relato de um dos autores.

304
10 Relato de um dos autores.
— IMPACTO NO ENSINO

extramuros e interiorizado na FCM/UERJ e superam-se as barreiras encontradas nas experiências anteriores


de interiorização.

Internato Rural, uma nova iniciativa de internato no interior — relato de caso


A estrutura organizacional e pedagógica do PRMFC, no interior do estado, possibilitou a transformação
de unidades de APS em unidades com perfil docente-assistencial por meio da contratação de preceptores,
supervisores e residentes, criando um cenário propício para receber alunos da graduação em medicina e
retomar as iniciativas de interiorização do internato médico, conforme já ocorre de maneira exitosa na cidade
do Rio de Janeiro.
Ajudou na implementação a pesquisa realizada pelas coordenações do internato e da graduação quanto
ao interesse no Internato Rural desde 2019. De um total de 97 alunos, 19 manifestaram interesse, mas desde
o início o problema apontado por esses alunos dizia respeito à moradia, ao transporte e à alimentação.
Com o avanço da pandemia em 2020, essa estratégia foi esquecida e o próprio projeto do Internato Rural,
adiado. Durante o ano de 2021, retomamos as conversas entre a FCM e o DMIFC para implementação do internato.
A nova iniciativa de implementação do Internato Rural na FCM foi através das atividades do PRMFC
do DMIFC, de início pensada como uma disciplina eletiva do internato para se tornar, futuramente, um
estágio obrigatório dos alunos nos Municípios em que vem sendo desenvolvida a residência de MFC. A
duração do estágio seria de dois meses e seguiria uma semana padrão que deveria ser adaptada a cada local de
atuação, seguindo o que é preconizado na formação no contexto do SUS, da MFC e da APS.
Por meio de um edital de extensão para bolsas de Internato Rural da UERJ, lançado em 2021, o DMIFC
construiu junto a FCM um projeto para retomada do Internato Rural nos Municípios onde estavam
implementados o PRMFC da UERJ. Foi aprovada uma bolsa por mês, oferecida aos alunos do 5º ano como
opção de internato eletivo. Foram estabelecidas parcerias e firmado convênio com os Municípios envolvidos.
Em 2021, tivemos dois alunos que optaram pelo rodízio eletivo no Internato Rural, sendo que um dele já
cumpriu o estágio no Município de Três Rios. A outra aluna adiou o rodízio no município de Piraí, por
questões que envolveram logística relacionadas ao transporte e estadia. Para o ano de 2022, há perspectiva de
três novos alunos realizando o rodízio do Internato Rural.
A preparação da ida dos internos para esse novo cenário de ensino, onde vivenciariam uma nova realidade
epidemiológica, socioeconômica e cultural, foi cercada de todo os cuidados. A pandemia de Covid-19, ainda
era um sério problema e todas as diretrizes para proteção dos alunos e pacientes foram formuladas com base
nos melhores dados científicos disponíveis.23 24
Essas ações eram uma maneira de reforçar o enfrentamento à pandemia de Covid-19, agora no interior
do estado, robustecendo para a comunidade local os princípios corretos de enfrentamento da pandemia.
Isso foi facilitado pela postura cuidadosa em esclarecer dúvidas, combater Fake News e orientar as
informações que deveriam ser repassadas às pessoas que procuravam atendimento tanto nas disciplinas da
graduação quanto no internato, esferas nas quais o DMIFC atuava.

305
— IMPACTO NO ENSINO

Primeiras impressões em relação à Interiorização do Internato


Nossa expectativa da sinergia entre interno e residente em um novo cenário de atuação se confirmou,
evidenciando a potência dessa associação, e se mostrou útil na melhoria da qualificação de todos os envolvidos,
principalmente diante da pandemia de Covid-19. Os relatos abaixo mostram que a experiência do Internato
Rural representou aprendizado e crescimento profissional para os alunos, equipes e residentes envolvidos.

“Sou aluno da Faculdade de Medicina da UERJ. Optei por fazer o Internato Rural, tendo
sido escolhido como uma das minhas matérias eletivas durante o quinto ano. Minha escolha
foi baseada na proposta dos professores da UERJ em conhecer a realidade de uma população
fora da cidade do Rio de Janeiro. Minha predileção foi pela cidade de Três Rios-RJ, na
Clínica da Família José da Silva. Em meu primeiro contato com a equipe da clínica, pude
perceber o grande empenho da equipe, tanto de preceptores quanto de residentes, tanto na
recepção hospitaleira quanto na disposição em integrar o aluno ao serviço. No decorrer
dos dias, tive a oportunidade de participar ativamente das consultas, que tinham sempre
com uma visão holística, integrando aspectos biológicos, sociais e psicológicos, preceitos que
norteiam a especialidade em Medicina da Família. Tal visão mais integral do paciente foi
uma experiência nova para mim, talvez por estar acostumado com um território que possui
uma demanda maior de pacientes e, frequentemente, não ser possível abordar várias vertentes
em uma mesma consulta. Além disso, consegui participar de visitas domiciliares, conhecendo
melhor o território no qual a Clínica da Família atua. Também foi possível conhecer projetos
interdisciplinares, como o projeto com musicoterapia proposto por um dos residentes, para
melhor atender o paciente. Embora Três Rios não seja tão geograficamente distante da
capital, há particularidades no território que é de grande proveito vivenciar. Certamente foi
um período de grande aprendizado que irei carregar por toda a carreira médica” (Rodrigo
Felipe da Silva Oliveira).

“Através de contatos semanais na clínica da Família José da Silva, situada na cidade de Três
Rios, o acadêmico cursando o 8º período de medicina na UERJ pôde participar de forma ativa
junto ao residente do 2º ano de MFC/UERJ nas consultas ambulatoriais, aproveitando seu
momento de formação para aplicar a semiologia médica na prática clínica. O residente pôde
orientar o acadêmico, ressaltando a importância da medicina centrada na pessoa, vendo o
paciente como ser humano integral inserido na comunidade, com seus costumes e cultura local
sendo respeitados. Houve momentos de troca de conhecimentos teórico-práticos sendo que
ambos os indivíduos se beneficiaram. Um dos casos de uma paciente complexa do ponto de
vista de saúde mental e distúrbios de personalidade foram adequadamente manejados, tendo
a paciente se beneficiado da escuta ativa e atitude interessada do médico residente que exerceu
o atendimento em ajudá-la em suas demandas. Nesta experiência, foi relatada ao acadêmico
a dificuldade de comunicação da paciente com os agentes comunitários de saúde, mas a

306
criação do vínculo médico-paciente se mostrou relevante para que o acadêmico compreendesse
— IMPACTO NO ENSINO

a importância da longitudinalidade e paciência com determinadas pessoas. O acadêmico


pôde observar na visita domiciliar em seu último dia de estágio uma paciente DPOC
crônica em estágio avançado, dependente de oxigenioterapia domiciliar para caminhar em
casa. Sua família nos trouxe pela manhã o ECG que evidenciou fibrilação atrial de alta
resposta ventricular (...). O acadêmico pôde observar a dinâmica das visitas domiciliares e a
situação de gravidade de muitos pacientes domiciliados que necessitam da atenção da equipe
multiprofissional para melhor manejo de suas demandas” (Gabriel Innocencio, R2 MFC).

“Sou médico residente R1 em Medicina de Família e Comunidade (MFC) pela UERJ


lotado em Três Rios, na Unidade Básica de Saúde Barros Franco, como parte do projeto de
interiorização da residência de MFC. (...). Já na primeira semana, o acadêmico acompanhou
atendimentos agendados e de demanda espontânea, na maioria adultos, mas também consultas
de pré-natal e puericultura. Ao longo do estágio, fez visitas domiciliares e participou de uma
reunião de equipe. No início, apresentava postura mais observacional. Durante a consulta,
eu tentava demonstrar ao acadêmico achados de exame físico e explicar-lhe sucintamente
as hipóteses diagnósticas. Após o paciente deixar o consultório, rediscutíamos o caso a fim de
tentar tirar dúvidas e explicar melhor sobre os métodos de abordagem centrada na pessoa e
abordagem familiar aplicados. As dúvidas do acadêmico me instigavam a estudar os temas de
forma mais completa para que pudéssemos discutir no dia seguinte. Nas semanas posteriores,
já melhor ambientado, o acadêmico passou a se envolver cada vez mais com a consulta e a
colaborar com a entrevista, além de realizar o exame físico básico, como aferição rotineira
de pressão arterial e sinais vitais. Também opinava sobre as condutas. Na semana final de
estágio, já demonstrava intimidade com a equipe e uma boa noção de como conduzir casos
mais comuns em APS como Infecções de Vias Aéreas Superiores, hipertensão arterial, diabetes
mellitus não-complicado, além de ter se habituado com as rotinas de pré-natal e puericultura,
bem como aos conceitos de abordagem familiar” (Filipe Ribeiro Peixoto, R1 MFC).

Considerações Finais

As experiências de interiorização da formação em saúde da graduação e pós-graduação em medicina,


relatadas acima, ainda que mais ou menos exitosas, foram fundamentais para construir esse caminho e
demonstram a importância do processo de interiorização do ensino médico, além do protagonismo da UERJ
no estado do Rio de Janeiro. Isso se confirma no interesse, espontâneo, de 20% dos alunos da graduação que
querem o Internato Rural como parte do currículo do curso de medicina da FCM.
A experiência da associação do internato e da residência em Medicina de Família e Comunidade no
interior, com preceptoria e supervisão de qualidade, constitui importante mecanismo para uma formação
acadêmica/profissional adequada. Além de estimular a interiorização dos egressos de medicina e a fixação
de profissionais qualificados, apresenta a eles novo mercado de trabalho, junto a treinamento de suas

307
— IMPACTO NO ENSINO

habilidades, conhecimentos e atitudes em um cenário diferente do hospitalar, com enfoque em uma realidade
socioeconômico e cultural diversa. Também propicia que estudantes e residentes advindos de outras regiões do
estado regressem a suas cidades natais, podendo contribuir com o desenvolvimento e qualificação dos serviços
locais de saúde. Nesse sentido, o que ocorre é a promoção da cidadania. A ação sinérgica de residente e interno
também tem relevante papel na qualificação da APS local e na difusão das boas práticas de saúde pública,
sobretudo no enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Todas essas iniciativas reforçam o potencial e a responsabilidade que a universidade tem e deve ter em
contribuir com a formação qualificada e oportuna às necessidades de saúde da população, não só no Município
do Rio de Janeiro, mas em todo o estado.

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— IMPACTO NO ENSINO

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Physis Revista de Saúde Coletiva, 22(4): 1293-1311, 2012.
12.Van Stralen ACS et al. Percepção de médicos sobre fatores de atração e fixação em áreas remotas e
desassistidas: rotas da escassez. Physis Revista de Saúde Coletiva, 27 (1): 147-172, 2017.
13.FCM. Centro Biomédico UERJ. Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina, 2018. 7-12P.
Disponível em: http://www.fcm.uerj.br/wp-content/uploads/2020/02/Projeto-Pedag%C3%B3gico-
FCM-2018.pdf. Acessado em: 09 out. 2021.
14.ITEM 18 - UERJ Vídeo - Internato Rural de Resende. Casa de Oswaldo Cruz, sem data informada,
2021. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/uerj-video-internato-rural-de-resende.
Acessado em: 09 out. 2021.
15.Internato Rural. Faculdade de Medicina UFMG, sem data informada, 2021. Disponível em: https://
www.medicina.ufmg.br/internatorural/sobre-o-internato/. Acessado em: 09 out. 20121.
16.Figueiredo EM. A Estratégia Saúde da Família na Atenção Básica do SUS. Biblioteca Virtual Unifesp,
sem data informada, 2021. Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/
unidades_conteudos/unidade05/unidade05.pdf. Acessado em: 09 out. 2021.
17.Márcia Silveira Ney, Paulo Henrique de Almeida Rodrigues | Fatores críticos para a fixação do médico
na Estratégia Saúde da Família. Physis Revista de Saúde Coletiva 2012; 22(4): 1293-1311.
18.Oliveira FP et al. “Mais Médicos”: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface
2015; 19(54): 623-34.
19.Chazan ACS et al. Por que estudar família na graduação médica?. Relato dos 13 anos de experiência da
Medicina Integral. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, 15(3): 278-285, 2016.
20.Rodrigues RD, Anderson MIP. Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da UERJ
e seu Programa de Residência: 40 anos de História. DMIFC, Quem Somos, sem data informada, 2016.
Disponível em: https://www.dmifc.org/historico. Acessado em: 12 out. 2021.
21.Rodrigues RD. Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma
perspectiva histórica. Ver. Bras. Med. Fam. Comunidade; 2007, 3(11): 149-156.
22.Favoreto CAO. Abordagem comunitária e ensino médico: análise da experiência do DMIF-FCM/
UERJ. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, 2016; 15(3): 271-77.
23.OMS. Atualização Oficial Covid-19. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acessado em:
09 out. 2021.
24.CORONAVIRUS Covid-19. Vigilância em Saúde, sem data informada, 2021. Disponível em: https://
www.vs.saude.ms.gov.br/Geral/vigilancia-saude/vigilancia-epidemiologica/boletim-epidemiologico/
covid-19/. Acesso em: 09 out. 2021.

309
— IMPACTO NO ENSINO

O ensino da graduação durante a pandemia

Ricardo Bedirian¹; Sandra Regina Boiça da Silva²; Sandra Torres Serra³; Beatriz Garcia Lucio Silva4; Jonathan William

Lopes4; Luiz Fernando Resemini4; Mariana Soares da Cal4; Pedro Cesar Ribeiro4

Professor Adjunto de Clínica Médica e Coordenador de Graduação da FCM-UERJ; 2Professora Associada de Patologia Geral;
1

Psicóloga, Coordenadora do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da FCM; 4Estudante de Graduação da FCM UERJ
3

Descritores em português: ensino médico; ensino remoto; Covid-19-19; pandemia

Descritores em inglês: medical education; remote learning; Covid-19-19; pandemic

Introdução

Estas anotações têm por objetivo não só relatar a experiência de atravessar a tormenta da pandemia
conduzindo um curso de graduação em medicina, mas possibilitar que sejam extraídos do relato, conselhos
para coordenar em contexto adverso.
Quando se estruturou a nova gestão da FCM, no início de 2020, havia diversas preocupações e prioridades
e jamais se imaginaria que elas assumiriam, ao menos temporariamente, um lugar secundário. Assim como
um barco quando atravessa uma grande tormenta em alto mar, por vezes precisa desviar, ir mais devagar, mas
não pode esquecer o destino traçado inicialmente nem soçobrar ou deixar perecer a tripulação. Saber cuidar
da crise presente, sem perder o foco na construção do futuro, na preservação da instituição e de seu projeto
pedagógico e na manutenção da formação das pessoas talvez sejam a essência deste relato.
Com o advento da pandemia chegando ao Brasil em março de 2020, não havia qualquer literatura ou
especialista que pudesse ser consultado para orientar sobre o melhor caminho a seguir. A maioria parecia ter,
ao menos inicialmente, a esperança de que a suspensão de atividades se limitaria a algumas poucas semanas
e que poderíamos retomar a normalidade tendo que lidar apenas com o atraso do calendário acadêmico.
Nesse momento inicial a maior preocupação era a de prosseguir ou não com as atividades do internato, o qual
foi efetivamente suspenso por pouco tempo, tendo prosseguido na modalidade de voluntariado por alguns
meses e retomado em julho de 2020. O detalhamento deste processo é objeto de outro capítulo e iremos nos
debruçar aqui no ensino do pré-internato.
Neste momento lidávamos com o inesperado e a incerteza, que talvez sejam os piores desafios para a
maioria de nós, formados na área médica, tão acostumados com o paradigma científico da formação, não
estamos acostumados a lidar com ela) Um visionário, Edgar Morin, no ano 2000, escreveu em “Os Sete
Saberes Necessários à Educação do Futuro”,1 que seria necessário lidar com a incerteza e o inesperado:

“...quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever nossas teorias e ideias, em
vez de deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo.”
Edgard Morin

310
— IMPACTO NO ENSINO

Relato
Com o prolongamento e agravamento da pandemia e a convicção cada vez maior de que a suspensão de
atividades presenciais seria tão prolongada a ponto de causar um grave impacto na qualidade e no tempo de
formação, a questão necessitava de uma discussão mais ampla e fomos promovendo conversas com outros
cursos da área da saúde, em especial, a Faculdade de Enfermagem da UERJ, e com outras instituições públicas
do Rio de Janeiro. O debate acabou restringindo-se às instituições públicas porque devido às portarias
publicadas2,3, às deliberações das respectivas administrações e à maior disponibilidade de aplicar recursos no
ensino digital, as instituições privadas acabaram seguindo caminhos e estratégias que as públicas não teriam
como realizar, ao menos de início. Alguns debates foram promovidos pela Pró-reitoria de Graduação (PR1)
com os Centros Setoriais, no nosso caso, o Centro Biomédico.
Quais eram os desafios iniciais? Em primeiro lugar, a segurança das atividades presenciais. Todos estavam
atemorizados com o que ocorria na Europa, com o caos nos serviços de saúde e a elevada mortalidade. Não
havia tratamento eficaz nem vacina. De início, por mais incrível que pareça, não tínhamos sequer a certeza do
uso da máscara como um efetivo instrumento de prevenção.
Quando nos demos conta de que não seria possível retomar as atividades presenciais e contando com as
portarias do ministério da educação que autorizavam o ensino remoto e a AEDA n° 35/2020 da Reitoria,4
começamos a nos estruturar para o ensino remoto emergencial. A Pró-reitoria de graduação (PR1) foi bastante
feliz no sentido de promover a estruturação do ambiente virtual de aprendizagem, contando com uma equipe
de excelência no DAPI (Departamento de Desenvolvimento Acadêmico e Projetos de Inovação) e como o
apoio do Telessaúde UERJ.
Em um primeiro momento, estando o calendário acadêmico suspenso, seguimos a orientação da PR1 de
promover atividades extracurriculares envolvendo docentes e discentes, com o objetivo de manter o vínculo,
manter o estudo ativo e promover capacitação para a nova modalidade de ensino. Desafios múltiplos foram
enfrentados pelas universidades públicas tais como a questão do acesso adequado à internet, infraestrutura
acadêmica, com auxílio técnico-administrativo, plataformas digitais, hardwares para acesso e capacitação
docente e discente para o uso das novas ferramentas. Equidade sempre foi uma grande preocupação, ainda
mais em uma universidade pública pioneira no sistema de cotas.
A duração do período de suspensão das atividades era incerta. Algumas especulações mais otimistas
acreditavam no retorno em junho de 2020 enquanto outras mais pessimistas diziam que somente
retornaríamos em 2021. Eram também mal interpretadas as decisões de outras instituições por algumas
pessoas que defendiam a “suspensão do ano de 2020”. E como pano de fundo temos ainda um cenário político
extremamente adverso. Ante a incerteza da duração da suspensão das atividades e da data do reinício oficial
do calendário acadêmico e tendo realizado várias simulações de calendários, a Coordenação de Graduação da
FCM, constatou que haveria grande prejuízo da formação das turmas do pré-internato e iniciou conversas
com a PR1 e o Departamento de Administração Acadêmica.
Além da insegurança pela saúde e pelas vidas de indivíduos e seus familiares, havia muitos questionamentos:
como prosseguir o curso? Qual a viabilidade de ensino por plataformas digitais na nossa instituição? Como
poderemos garantir a acessibilidade dos nossos alunos por muitas horas online? Qual a disponibilidade discente

311
— IMPACTO NO ENSINO

de meios eletrônicos? Haverá ambiente adequado nas residências dos docentes e discentes para as atividades?
Como estimular e manter a atenção no ambiente on-line? Como efetuar a avaliação da aprendizagem? De
que maneira poderemos capacitar os professores para as atividades on-line? Qual a duração ideal do tempo
das atividades? Como adaptar o conteúdo adequado e a diversidade de estratégias de ensino aprendizagem
para facilitar a atenção?
Enquanto íamos conseguindo encontrar respostas, perfeitas ou não, para cada caso, outras surgiam. Como
proteger nossos alunos do internato? Eles precisam continuar, participar desse momento histórico e social.
Mas também precisam ser protegidos. Conseguiremos que eles pratiquem toda a carga horária necessária para
que se formem na data prevista? Precisam estar formados para poderem fazer as provas de residência. Mas
haverá provas de residência?
E os alunos dos anos iniciais? Alguns conheceram pessoalmente sua turma por duas semanas antes do
confinamento! O quanto terão do seu aprendizado prejudicado em relação às turmas anteriores? E os alunos
dos anos intermediários? Como vão aprender a fazer o exame físico? E aquele que aprendeu... do quanto se
lembrará? E a necessidade de vivências nos ambulatórios, nas atividades no hospital?
Qual caminho? No início o caminho foi o de amparar. Amparo mútuo. Reuniões on-line com as turmas
para mostrar o empenho na busca de resoluções. E a busca para difíceis perguntas:
“Não sou do Rio. Tenho um apartamento alugado. Será que esta situação vai durar muito? Devo entregar
meu apartamento e voltar para a minha cidade, morar com a minha família?” “Apenas tenho celular e com um
plano básico de internet. Como vou participar das atividades?”
Reuniões on-line foram realizadas com os professores das disciplinas por anos ou semestres de graduação.
E mais perguntas: adiar as práticas? Até quando? Provas não presenciais são confiáveis? E o problema da cola?
Como aprenderão a colher uma anamnese?
O curso de medicina da FCM possui um regime seriado, com uma etapa final de estágio curricular
obrigatório, o internato, o que reduz a flexibilidade para ajustes e cria um efeito sequencial de atrasos de uma
turma sobre as seguintes.
Agravando esta questão havia a sobreposição de grades curriculares pois, por conta da implantação do
novo currículo, tínhamos no pré-internato duas turmas do currículo antigo (versão 7) com previsão de apenas
um ano e meio de internato. Éramos a única faculdade do Estado do Rio do Janeiro ainda com o internato
menor do que dois anos, o que colocava nossos alunos em situação de maior vulnerabilidade. Considerando
tudo o que foi exposto e orientados pela própria PR1, levamos a questão ao Conselho Departamental da
FCM e aprovamos um calendário diferenciado para as duas últimas turmas do currículo antigo do curso de
medicina, permitindo que se garantisse a entrada no internato, seu cumprimento com um mínimo de tempo
considerado adequado (75% de dois anos, ou seja, cumprir um ano e meio, tendo por base as Diretrizes
Curriculares Nacionais5 e a autorização excepcional para antecipação de colação de grau durante a pandemia
aplicada aos cursos com dois anos de internato6) e sua conclusão sem atraso excessivo que impusesse a perda de
oportunidades aos alunos, em especial, nos concursos de residência médica. Essa proposta de calendário teve
que ser aprovada no Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão (CSEPE), contando para isso com
imenso apoio do Departamento de Administração Acadêmica (DAA), que encaminhou a nossa proposta.
Cabe dizer aqui que sempre defendemos que a FCM deva se adequar aos calendários da UERJ e que nosso

312
— IMPACTO NO ENSINO

curso não é melhor do que qualquer outro para gozar de privilégios, mas ante prejuízos que seriam claros, um
calendário diferenciado tornou-se plenamente justificável.
Com isso a turma denominada “2020” (ingressantes em 2015), que já vinha realizando atividades de
estágio curricular, colou grau em dezembro de 2020, a turma “2021” (ingressantes em 2016) colará grau em
janeiro de 2022 e a turma “2022” (ingressantes em 2017) possui previsão de colação de grau em dezembro
de 2022. Cabe ressaltar que as duas primeiras turmas atravessaram dois anos da sua formação na crise de
2016-2018, consequente à crise econômica do nosso Estado, com paralisações extensas e atrasos nos repasses
financeiros à Universidade. Para que este calendário fosse possível, a turma “2021” reiniciou o calendário
acadêmico em julho de 2020, a turma “2022” em agosto de 2020 e as demais turmas, pertencentes à nova
versão curricular (versão 8) reiniciaram em setembro de 2020, junto com o calendário da UERJ.
A equidade de acesso às plataformas digitais era uma preocupação de toda a UERJ e da FCM, aonde
o Centro Acadêmico Sir Alexandre Flemming (CASAF) promoveu, em parceria com a Coordenação de
Graduação, um mapeamento de vulnerabilidades, onde se pode constatar não só a necessidade de apoio
digital, mas também a insegurança alimentar e o risco à saúde mental. A recém criada Pró-Reitoria de Políticas
e Assistência Estudantis (PR4) promoveu a inscrição dos alunos para distribuição de aparelhos (tablets) e
cartões SIM para pacote de dados de internet. Entretanto, o calendário estava alinhado à proposta de início
de atividades em setembro de 2020 e tivemos que promover uma campanha de arrecadação de recursos em
parceria com a Alumni (Associação de Ex-Alunos da Faculdade de Ciências Médicas) além da organização
de algumas turmas antigas e egressos da FCM que doaram alguns tablets. Dentro das próprias turmas os
colegas se organizaram para empréstimo de tablets.
Com isso, não tivemos maiores problemas de recursos materiais para acesso digital, mas as outras
vulnerabilidades permaneciam presentes. Alguns alunos tiveram que assumir trabalhos para suprir renda
de suas famílias. Muitos tiveram piora da sua alimentação com o fechamento do restaurante universitário.
Outros tiveram prejuízo à saúde mental, contando com a atuação do Programa de Apoio Psicopedagógico ao
Estudante (PAPE). Tudo isso prejudicava o ensino remoto e precisava ser cuidado. Uma medida que aliviou
as dificuldades foi o auxílio financeiro adicional dado pela UERJ aos alunos provenientes do sistema de cotas.
Cabia então estruturar o ensino remoto e capacitar docentes e discentes. A Coordenação de Graduação
não possuía experiência em ensino remoto e a maioria do corpo docente e discente da FCM também não.
Tivemos que nos capacitar em curto espaço de tempo. Contamos com o apoio da DAPI, do PDD FCM
e também participamos de várias atividades promovidas por outras instituições, com destaque à Unicamp,
que mostrou extrema resiliência e agilidade na resolução dos desafios, e também eventos das instituições
públicas parceiras do Rio de Janeiro, em especial a UniRio, com a qual sempre cooperamos compartilhando
experiências e convites mútuos para eventos de capacitação docente em nossas instituições.
A implantação do novo currículo em 2018, que mexeu visceralmente com as disciplinas, iniciou um
processo de questionamento intensificado pela pandemia e o ensino remoto. A saída da zona de segurança
é uma constante com a qual convivemos nos últimos anos e que, de certo modo, facilitou o trabalho de
adaptação a uma nova realidade de ensino durante a pandemia. Porém, uma dificuldade era o fato de que a
pandemia atingiu o curso da FCM exatamente no meio da transição das duas versões curriculares. Tínhamos
três turmas da versão 7 e três turmas da versão 8 (novo currículo) no ano de 2020. Antes da pandemia, a maior

313
— IMPACTO NO ENSINO

preocupação da coordenação era estruturar o novo 3° ano médico. Com a pandemia a prioridade era ter ensino
médico de qualidade dentro das possibilidades que o ensino remoto propicia e na verdade surgiu uma nova
versão curricular para as seis turmas.
A proposta do Ensino Remoto Emergencial era estruturá-lo em três partes: 1. Pré-aula; 2. Aula; 3. Pós-
aula. A questão do uso do tempo originalmente destinado às disciplinas presenciais era crucial, porque não
poderia ser transposto apenas para as atividades de “aula”, visto que no ensino remoto o aluno possui maior
protagonismo e terá que trilhar as três etapas. Se estas não coubessem dentro da carga horária das disciplinas
isso imporia um excesso de atividades para os alunos e mais ainda, um tempo excessivo de tela, com todo o
desgaste psíquico e físico que isto causa. Este ajuste não foi fácil. A coordenação teve que ir intermediando,
convencendo as disciplinas do novo método, de que o foco era no processo e não no conteúdo, que o ‘encontro’
com os docentes deveria ser reservado para construções de conhecimento e não para repasses de conteúdo. A
pandemia promoveu uma grande revisão de todo o currículo, questionando as atividades na sua essencialidade
e promovendo maior diálogo e integração entre as disciplinas.
Era necessário “capilarizar” a capacitação e a proposta de estruturação do ensino remoto, que é totalmente
diferente daquela do ensino presencial. Foram promovidas reuniões periódicas com os grupos de docentes,
por série do curso. Isto foi um grande desafio para uma nova coordenação, que após 15 dias de empossada teve
que lidar com a suspensão do calendário e o distanciamento social, sem conhecer pessoalmente uma parcela
expressiva do corpo docente. Mas pouco a pouco, conversando, ouvindo a todos, orientando e cooperando,
estando presente fisicamente no HUPE e convivendo com os que estavam na linha de frente da assistência, a
Coordenação de Graduação foi conquistando o papel de liderança tão necessário nesse momento, tornando-
se referência na capacitação dos docentes e na estruturação do ambiente virtual.
A parceria com os alunos, em especial, com o Centro Acadêmico Sir Alexander Flemming (CASAF)
e os representantes de turma foi fundamental. Sempre dialogando, pactuando o que fosse possível dentro
das limitações do momento, dando protagonismo. Os representantes tornaram-se verdadeiros facilitadores
digitais, auxiliando não só os colegas, mas também os próprios professores. A Coordenação teve que lidar em
vários momentos com as insatisfações e frustrações dos alunos, muito justas, mas que nem sempre tinham
solução imediata e que algumas vezes não tinham a solução inicialmente desejada.
Tudo isso foi fator de muito estresse para nossos alunos. O PAPE vinha mantendo os atendimentos
individuais e promovendo “rodas de conversa”. Foi então que refletimos que seria importante não só
“apagar incêndios”, mas também resgatar projetos e propósitos que havíamos traçado no início da gestão,
pré-pandemia. As três prioridades da Coordenação de Graduação eram: 1. Saúde Mental; 2. Relações
Institucionais; 3. Melhora das metodologias de Avaliação. Na verdade, as três prioridades relacionam-se entre
si e cabia definir as estratégias. As duas estratégias pensadas no início da gestão eram: 1. Retomar o projeto
da mentoria; 2. Fomentar o desenvolvimento docente. Como dito no início, nossas prioridades haviam ficado,
temporariamente, em segundo plano, mas no segundo semestre de 2020, foram retomadas, tendo que se
adequar à nova realidade do distanciamento e do uso das mídias digitais. Foram então criados o Projeto dos
Grupos de Reflexão7 e o Programa de Desenvolvimento Docente. Os Grupos de Reflexão serviram de ponte
para a reestruturação do Projeto de Mentoria, que será abordado em um capítulo específico, assim como o
Programa de Desenvolvimento Docente.

314
— IMPACTO NO ENSINO

Com o ensino remoto em curso, promovemos avaliações deste por parte dos alunos, tanto através de
formulários online, avaliados de modo quantitativo e qualitativo, quanto por reuniões realizadas com as turmas.
Cada turma tem características próprias e os instrumentos de avaliação foram personalizados. Conduzir
reuniões com a turma inteira pode ser complexo e exaustivo, tendo ocorrido reuniões online com três horas de
duração. Algumas turmas optaram desse modo por realizar reuniões “internas” e encaminhar a questão através
de reunião dos representantes com a coordenação. Um outro desafio foi fazer a devolutiva das avaliações às
disciplinas, dentro de um contexto adverso e sem uma cultura de avaliação institucional, mas com muito
diálogo os problemas foram se equacionando.
Por parte dos alunos as maiores queixas eram quanto ao tempo excessivo de atividades síncronas e aulas
assíncronas, ao volume excessivo de textos para leitura. Muito disso decorreu da inexperiência do corpo
docente com o ensino remoto e caminha para se ajustar ao longo do tempo. Arriscamos afirmar que este
processo de reflexão sobre o conteúdo e sua abordagem promova uma melhora dos programas das disciplinas
após o retorno presencial, com foco maior no processo e não no conteúdo, além de metodologias mais ativas.
A avaliação do processo também foi realizada pelos professores, através de reuniões destes, organizados
por série, com a Coordenação de Graduação. Por parte dos docentes as maiores queixas eram a baixa frequência
em atividades síncronas e a falta de confiança nos métodos de avaliação online. Um temor recorrente era a
questão da “cola”. A avaliação foi objeto específico do Programa de Desenvolvimento Docente por duas
vezes. O ensino remoto parece ter aberto uma oportunidade para rever conceitos arraigados sobre avaliações
e migrar para um modelo de avaliação formativa, sem tanto temor da “cola”, mas colocando a avaliação como
peça da engrenagem do processo de ensino-aprendizagem. Sobre a baixa frequência em atividades síncronas,
há que se levar em conta as dificuldades de acesso e outras dificuldades sociais dos alunos, o que sempre foi
evocado pela coordenação nas conversas com os coordenadores de disciplinas. Fora isso, a PR1, ciente dessas
dificuldades sociais, recomendou que nenhum aluno fosse reprovado por falta durante o período acadêmico
emergencial.
Uma das questões mais difíceis foi a retomada de atividades presenciais práticas. No curso de medicina
as práticas são tão essenciais à formação que chegou a ser inconcebível um curso remoto e muitos professores
e alguns alunos chegaram a sugerir a suspensão do calendário até o final da pandemia. Porém essa proposta
mostrou-se inviável ante a duração prolongada da pandemia e a incerteza do seu controle. Vinha então à tona
a questão da segurança de docentes, discentes, técnicos e pacientes. Muitos debates ocorreram com a Pró-
reitoria de Graduação, com os gestores do Centro Biomédico, com o Núcleo Docente Estruturante (NDE)
da FCM, com os docentes por série do curso, e, por fim, no Conselho Departamental.
O retorno do internato já havia ocorrido desde julho de 2020, amparado por legislação federal e pelos Atos
Executivos da Reitoria4. Cabia então promover o retorno do pré-internato. As atividades práticas foram sendo
adiadas e as teóricas antecipadas, sendo até mesmo antecipadas teóricas de séries seguintes, quando possível. A
turma “2021” teve poucas práticas no ano de 2020, no período de pré-internato, sendo a maioria facultativas, à
exceção das atividades práticas da Disciplina de Cirurgia, que é a maior disciplina do último semestre do pré-
internato. A realização destas atividades teve o respaldo do NDE e do Conselho Departamental, assim como
todas as atividades que compuseram o plano de trabalho da Coordenação de Graduação durante o período
acadêmico emergencial. A turma “2021” iniciou seu internato médico em novembro de 2020.

315
— IMPACTO NO ENSINO

Já a turma “2022” teve que aguardar até o ano de 2021 para ter suas atividades práticas e por isso, teve
antecipação de todo o conteúdo teórico para o ano de 2020 e para os primeiros 3 meses de 2021. Em abril
de 2021, após aprovação do plano de trabalho da FCM pela PR-1 e da implantação de uma Comissão de
Acompanhamento de Atividades Práticas, as turmas “2022” e “2023” tiveram o início de atividades práticas. O
plano de trabalho previa todas as medidas de segurança e distanciamento, além de estabelecer estratégias de
redução de risco, com práticas em pequenos grupos, não intercambiáveis, criando “bolhas” que minimizavam o
contato entre alunos de grupos diferentes e facilitavam as estratégias de monitoramento e eventuais isolamentos.
Esta experiência é melhor descrita no capítulo da Comissão de Acompanhamento das Atividades Práticas.
A última turma a retomar as práticas em 2021, foi a turma “2025”, tendo a reposição de práticas do
ano anterior, nas disciplinas de Anatomia e Emergências Médicas, e após todos alunos já terem recebido ao
menos a primeira dose da vacina contra Covid-19. Em relação aos ingressantes em 2021, a turma “2026”,
iniciou o ensino na modalidade remota, em paralelo à sua vacinação e iniciou atividades práticas de Anatomia
e Emergências Médicas, em pequenos grupos, no mês de outubro de 2021.
Ao se falar no componente estrutural de uma faculdade é imperativo afirmar que esta apenas existe quando
o binômio discente e docente está presente e dialogando para além do espaço de uma sala de aula. Sabe-se que
o ensino superior ainda carrega em muitos espaços uma relação hierárquica, a qual alunos possuem sua voz
por muitas vezes suprimida e desconsiderada, fazendo com que haja um desbalanço no ideal de universidade.
Neste contexto, favoreceu-se uma maior eficiência de trabalho, na medida em que as decisões foram pensadas
e pactuadas entre alunos e professores, e foi aberto espaço de fala para todos opinarem acerca da lógica
completamente atípica que a Covid-19 causou para a educação.
A pandemia e o ensino remoto, paradoxalmente, trouxeram maior aproximação entre alunos e professores,
seja pela solidariedade entre ambos desde o início do ensino remoto, seja pelo diálogo permanente, construído
em parceria com os representantes de turma, ou pela entrada do processo ensino-aprendizagem no interior
das casas de todos. Alunos e professores devem sempre ser parceiros, não estão em lados opostos, mas do
mesmo lado, em prol da formação dos alunos e da qualidade do curso.
Houve uma revisão bilateral do processo de ensino-aprendizagem. Qual é o conteúdo fundamental?
Que outros recursos podem ser utilizados? Como acompanhar a evolução do aluno? Quais os melhores
métodos de avaliação? A prova pode ser online ou deve ser presencial? Foram estas algumas perguntas mais
frequentes entre os docentes. E os alunos se viram frente a uma série de dúvidas. O que será que estamos
perdendo em relação aos colegas de anos anteriores? Será que as atividades ocorridas neste período me
fornecerão conhecimento suficiente? Os alunos nunca foram tão atentos ao processo de sua própria formação,
ao desenrolar de cada disciplina da formação global de cada semestre. Coube à Coordenação de Graduação
compilar todas as dúvidas dos alunos e professores e pactuar as soluções. Certamente poderíamos ter ido mais
longe, mas já houve um ganho. A avaliação do processo deveria ser uma cultura permanente na instituição e
essa revisão permanente do processo deverá permanecer.
A pandemia auxiliou em uma reforma curricular de dentro para fora. Aluno e professor sentiram “a terra
tremer”, saíram de suas “zonas de conforto” e mudaram suas práticas. Qual será o futuro desse processo?
Acreditamos e desejamos que continue. A FCM UERJ sempre teve uma formação de excelência, mas as coisas
não precisam ficar como há cinquenta anos apenas por este motivo. O “gesso se quebrou” e há oportunidades

316
— IMPACTO NO ENSINO

a serem exploradas. A telemedicina, a teleconsulta, o telemonitoramento8 tão acaloradamente debatidas antes,


hoje se tornaram realidade abruptamente em uma faculdade que completava seus 85 anos. O futuro é crescer,
mantendo padrões e rompendo outros.
A pandemia nos humanizou. Não há quem não tenha se sentido fragilizado ou abalado em algum
momento durante esta pandemia. As relações institucionais, de um modo geral, melhoraram, na medida em
que estando todos “no mesmo barco” passamos a nos enxergar como pares, humanos. Temos que enxergar e
cuidar da dimensão humana que há em alunos, professores, técnicos, pacientes, familiares, gestores... Empatia
é questão urgente. Comunicação empática deve ser a regra.

Considerações Finais

A pandemia atingiu a FCM justamente no meio da transição entre duas versões curriculares e nos
“relembrou” que construção do curso deve ser cooperativa entre docentes e discentes, centrada no aluno
e que o currículo médico deve estar em constante reavaliação para se manter vivo, dinâmico, atual, sendo
constantemente avaliado por diferentes olhares. Devemos aproveitar essa oportunidade e consolidar
melhorias nos métodos de ensino, aprendizagem e avaliação (especialmente esta última). A gestão deve ser
participativa, as decisões compartilhadas, o diálogo constante. As relações institucionais devem ser cultivadas
para serem mais harmônicas, menos rígidas e hierarquizadas. Deve-se aproveitar a aproximação causada pela
pandemia e promover essa nova dinâmica de relação institucional e melhorar a comunicação. Além disso, o
cuidado com a saúde mental e as questões de equidade deve ser permanente.
No ano de escrita deste capítulo, comemora-se o centenário do mestre Paulo Freire, o que pode parecer
irônico tendo em vista que são períodos em que a educação mundial precisou se reinventar forçadamente por
conta de uma pandemia causada por uma simples cápsula com RNA e que nem ao certo os cientistas entram
em acordo da definição como ser vivo ou não. Apesar da aparente simplicidade e por alguns subestimado,
este vírus foi capaz de gerar avassaladoras mudanças e grandes perdas. Porém, como muito bem referida na
obra do pedagogo, é da natureza humana aprender e ensinar, e neste sentido, a pandemia escancarou fatos
os quais espera-se que sirvam de aprendizado para aqueles que estejam dispostos a evoluir. Como exemplo
de aprendizados tem-se a importância de um ambiente educacional, onde o binômio professor e estudante
esteja próximo e com uma relação produtiva; uma educação baseada em evidências científicas, para que não se
permita que a saúde seja influenciada e confundida com visões políticas e como o adoecimento médico é uma
realidade, e é necessário que desde o momento da graduação cuide-se de quem cuida.

Agradecimentos

Agradecemos em primeiro lugar a todos os alunos, sem os quais não seria possível concretizar o curso
durante a pandemia.
Agradecemos aos representantes de turma, Beatriz Garcia Lucio Silva, Luiz Fernando Resemini, Mariana
Soares da Cal, Jonathan William Lopes e Sara Regina Neto Pereira que nos auxiliaram a conduzir o ensino remoto.
Agradecemos às duas gestões do Centro Acadêmico Sir Alexander Flemming (CASAF) por todo apoio

317
— IMPACTO NO ENSINO

e proatividade durante a pandemia.


Agradecemos a todo o corpo docente da FCM pela compreensão, companheirismo e proatividade na
adaptação ao ensino remoto.
Agradecemos à Alumni, Associação de Ex-alunos da FCM, em especial ao seu diretor Dr. Walter Gouvea,
pelo subsídio financeiro às demandas para viabilização do curso.
Agradecemos a toda equipe do Telessaúde UERJ, em especial a Munique Valerio Santos, que tanto
apoiou a estruturação do ambiente virtual de aprendizagem.

Bibliografia

1. Morin E. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; 2000.
2. Ministério da Educação.Portaria Nº 345 de 19/03/2020.Dispõe sobre o ensino remoto; 2020.Disponível em:
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=19/03/2020&jornal=603&pagina=1.
3. Ministério da Educação. Portaria Nº 356 de 20/03/2020. Dispõe sobre a atuação dos alunos dos cursos
da área de saúde no combate à pandemia da Covid-19 (coronavírus); 2020. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20356-20-mec.htm.
4. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Reitoria. AEDA N° 35 de 29/07/2020. Dispõe Sobre
Atividades Remotas; 2020 Disponível em: https://www.uerj.br/wp-content/uploads/2020/07/AEDA-
35-Atividades-Remotas-e-Presencias-Decreto-47.176.pdf
5. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20/06/2014 - Institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Medicina; 2014. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=15874-rces003-14&category_slug=junho-2014-
pdf&Itemid=30192.
6. Ministério da Educação. Portaria Nº 383, de 09/04/2020. Dispõe sobre a antecipação da colação de
grau; 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-383-de-9-de-abril-
de-2020-252085696.
7. Serra ST, Bteshe M, Bedirian R, Belz DS, Franco CF, Oliveira LSS. Implantação de Mentoria On-Line
em uma Faculdade de Medicina Durante a Pandemia da Covid-19. Rev Bras Educ Med 2021; 45 (suppl
1): e127; Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.supl.1-20210193; [acessado 9 Agosto
2021].
8. Ministério da Saúde. Portaria Nº 467 de 23/03/2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário,
sobre as ações de Telemedicina; 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/
PRT/Portaria%20n%C2%BA%20467-20-ms.htm

318
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Promoção da
Saúde Mental
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

“Apesar de você”: sobre como a Covid-19


transformou o cuidado de pessoas que convivem
com fibrose cística

Sandra de Sousa Pereira 1; Mariana Gomes Johnson 2; Alexia Maitê da Silva Ferreira 3; Elizabeth de Andrade Marques
4
; Helena Medeiros Amaral Souza 5; Marcos César Santos de Castro 6; Mônica de Cássia Firmida 7; Mônica Muller

Taulois 8; Robson de Souza Leão 9; Vera Lucia Barros Abelenda 10

Professora Adjunta da Disciplina de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 2Aluna da Graduação do curso
1

de medicina/UERJ; 3 Aluna do curso de especialização em Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 4 Prof.

Associada de Microbiologia Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 5 Aluna do curso de especialização em Psicologia Médica

da Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 6 Médico pneumologista DO Hospital Universitário Pedro Ernesto; 7 Professora

Adjunta da disciplina de pneumologia Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 8 Médica Gastroenterologista cedida pela secretaria

Municipal de Saúde/RJ; 9 Professor Associado de Microbiologia Faculdade de Ciências Médicas/UERJ; 10 Fisioterapeuta

doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas-PGCM/FCM/UERJ

Descritores em português: Fibrose Cística; Assistência Centrada no Paciente; Saúde Mental; Covid-19

Descritores em inglês: Cystic Fibrosis; Patient-Centered Care; Mental Health; Covid-19

Introdução

A Fibrose Cística (FC) é uma doença de origem genética autossômica recessiva, ou seja, para ter a FC, é
preciso de um gene da doença vindo do pai e o outro da mãe. Acomete principalmente os sistemas respiratório
e gastrointestinal, com síndrome disabsortiva, desnutrição e perda de eletrólitos no suor. A principal causa
de morbimortalidade relacionada à FC é a doença pulmonar de caráter predominantemente obstrutivo, com
inflamação e infecções crônicas que provocam lesões estruturais e comprometimento da função respiratória,
podendo culminar em insuficiência respiratória e morte. 1 Os pacientes que convivem com a FC possuem
limitação do convívio social entre si, ficando afastados por causa das colonizações diferentes, manifestações
clínicas variadas e níveis de gravidade distintos. Esses fatores fazem com que o indivíduo sofra com questões
emocionais, pois precisa de cuidados especiais e muitas preocupações surgem, sendo uma delas a expectativa
média de vida ser mais baixa. Isso não só traz um importante impacto na saúde mental da pessoa, como
também na da família e dos amigos.2 Além disso, o fato de os pacientes não poderem conviver entre si, dificulta
uma interação muito importante para eles, visto que a identificação é um fator essencial para enfrentar as
dificuldades e os medos que a FC proporciona na vida de quem convive com ela. 3
Sendo uma doença bastante complexa, o cuidado com a FC requer estratégias que possibilitem uma
atenção integral ao indivíduo que convive com a FC. Estes possuem limitação do convívio social entre si, pois
precisam ser segregados, têm manifestações clínicas variadas, níveis de gravidade distintos, realidades sociais

320
e econômicas diversas, estruturas familiares peculiares. Isso requer que o paciente seja visto, não apenas como
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

alguém com FC, mas um ser humano com todas as suas peculiaridades e singularidades. Por isso, é importante
o cuidado não apenas em relação a eles, mas também à família, aos amigos e à equipe multiprofissional.
Entendemos que conviver com a FC, independente da forma e nível de convivência, requer atenção e cuidado.
A eclosão da Covid-19 trouxe um incremento importante às angústias e medos dos pacientes e familiares.
Sendo o acometimento pulmonar a principal característica da Covid-19 e, também, principal responsável
pela morbimortalidade relacionada à FC, o surgimento de quadros de ansiedade e de isolamento social ainda
maior foi uma situação recorrente. Durante o pico da epidemia em 2020, os pacientes foram atendidos através
de teleatendimento pela equipe do Centro de Referência da PPC, evitando o deslocamento e exposição
dos pacientes. Entretanto, mesmo após o retorno das atividades presenciais no ambulatório, boa parte dos
pacientes optou por manter as consultas de forma virtual por medo de exposição à Covid-19. Percebe-se
que, mais que a população em geral, as pessoas que convivem com a fibrose cística foram particularmente
impactadas pela pandemia.
Aqui merece destaque o trabalho da equipe multiprofissional que compõe o Centro de Referência de
Tratamento ao Adulto com Fibrose Cística da PPC. Mesmo com o avanço da pandemia, a equipe manteve o
atendimento ambulatorial, seja virtualmente, seja pela possibilidade de atendimento presencial. A equipe, no
auge da pandemia, priorizou os teleatendimentos. Entretanto, como os pneumologistas da equipe passaram a
atuar na linha de frente ao atendimento dos casos de Covid-19 na PPC, quem convive com FC teve acesso às
consultas presenciais durante todo o tempo.
Assim, além de toda complexidade que a clínica da FC traz, os profissionais se veem diante de problemas
de natureza diversa, muitas vezes estranhos ao seu cotidiano de trabalho: são situações sociais, econômicas,
emocionais, culturais que tornam o cuidado integral ao paciente ainda mais complexo. A pandemia trouxe
uma complexidade a mais para a equipe: lidar com os medos e angústias em relação à Covid-19. Foi necessária
uma integração ainda maior entre os profissionais, nos moldes como Peduzzi 4,5 conceitua ‘trabalho em equipe’
multiprofissional:

“Uma modalidade de trabalho coletivo que é construído por meio da relação recíproca, de dupla mão, entre as
múltiplas intervenções técnicas e a interação dos profissionais de diferentes áreas, configurando, através da comunicação,
a articulação das ações e a cooperação” Marina Peduzzi.

É neste cenário de grande complexidade para os indivíduos que convivem com a FC, que surge a pandemia
pela Covid-19, trazendo muitos impactos para a humanidade, obrigando a muitas reinvenções e adaptações.
Se, por um lado, a pandemia exigiu o isolamento social, por outro trouxe a necessidade de acolhimento às
angústias e medos que a situação suscitou. Por mais que esse momento histórico tenha trazido um impacto
enorme na vida cotidiana das pessoas, podemos elencar algumas oportunidades que essa situação trouxe.
Descobriu-se a possibilidade de novas formas de contato e interação usando meios virtuais; estreitaram-se
laços que, antes não eram viáveis (como é o caso da fibrose cística); a atenção à saúde mental ganhou destaque
e ocupou espaços que antes não tinha. 6,7, 8
Assim, uma possibilidade que a pandemia trouxe foi a introdução de atividades virtuais com os pacientes,
familiares e equipes profissionais que convivem com a FC. Foi neste cenário que o CONFIBRA - projeto de

321
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

extensão para pessoas que convivem com a Fibrose Cística (FC) – foi implantado.
Merece destaque o fato de que na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) situa-se o único centro
de referência para adultos com FC do RJ, com atividades na Policlínica Piquet Carneiro (PPC) e no Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE). É com essa população que o projeto CONFIBRA vem sendo realizado.

Relato
O CONFIBRA - Projeto De Cuidado Integral À Pessoa Que Convive Com Fibrose Cística – é um projeto
de extensão vinculado à Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, envolvendo as disciplinas de pneumologia
e de saúde mental e psicologia médica. Foi implementado em 2021, tendo como objetivo principal capacitar
a equipe de saúde e os alunos de graduação e pós-graduação na construção do cuidado integral à pessoa que
convive com Fibrose Cística.
Por envolver alunos da graduação e da pós-graduação, as equipes de saúde e os pacientes e por ser
implementado em um espaço universitário, o projeto possibilita a articulação entre ensino, pesquisa e extensão.
Ao propor espaços compartilhados de integração entre esses atores envolvidos, proporciona a aprendizagem de
tecnologias de cuidado, tanto para os alunos e profissionais como para os indivíduos que possuem a FC e suas
famílias, integrando o ensino e a extensão. Esta integração alimenta a realização de estudos, particularmente
sobre adesão ao tratamento e tecnologias de cuidado, retroalimentando assim a pesquisa a partir das ações
extensionistas e assistenciais.
A proposta do CONFIBRA se estrutura em 4 eixos, a saber:

1. Projeto terapêutico singular do cuidado compartilhado


2. Cuidado Integral ao Paciente que convive com Fibrose Cística
3. Cuidado Integral às famílias que convivem com Fibrose Cística
4. Acolhimento à equipe que convive com Fibrose Cística

Um dos grandes desafios para a implantação do projeto era como promover o encontro dos pacientes,
principalmente, pela impossibilidade de interação entre eles, devido ao risco de infecções bacterianas. Além
disso, havia a questão da distância, já que o Centro de Referência atende pessoas de diferentes municípios, o
que dificulta o deslocamento delas até à PPC.
O fato de o CONFIBRA ter-se iniciado já na pandemia, permitiu o planejamento de suas atividades
usando meios virtuais e facilitando a adesão aos grupos e rodas de conversa. Assim, foi possível implementar
as ações propostas pelo projeto:
• Grupo “Conexão de Fibra” – roda de conversa virtual onde todos têm a possibilidade de estabelecer
vínculos e conexões entre si. O grupo é tutorado pela equipe de saúde mental, onde o paciente encontra
acolhimento para suas dúvidas, angústias e dificuldades.
• Roda de Conversa “Papo de Cuidado”, onde o grupo pode eleger um tema específico para discussão
com um convidado. A roda de conversa foi pensada para acontecer virtualmente e com periodicidade
mensal.

322
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

• Rede de Fibra - Roda de conversa virtual bimestral com familiares, amigos e rede social dos pacientes,
criada para essas pessoas poderem trocar experiências e falar de seus sofrimentos e dificuldades.
• Assim, a pandemia nos apontou a possibilidade de fazer encontros no ambiente virtual, o que foi
positivo para a troca de experiências e de afeto.
Na prática, o Conexão de Fibra e o Papo de Cuidado tornaram-se uma atividade única, mensal, onde os
temas discutidos são propostos pelos próprios pacientes. Até o momento, os temas discutidos foram:

1. Que papo é esse de mutações?


2. Convivendo com a Fibrose Cística no Verão
3. Trocando Receitas e afetos
4. Que papo é esse de colonização?
5. Conversando sobre atividade física e fibrose cística
6. Vamos conversar sobre Vacinas?
7. Papo de música
8. Meditação

O tema “Papo de música” gerou uma lista de reprodução compartilhada no Spotify para que todos
contribuíssem com músicas de que gostam.
O tema “Vacinas” surgiu de medos e dúvidas quanto à eficácia e reações da vacina para a Covid-19.

O Rede de Fibra surgiu mais recentemente da mesma forma que o Conexão de Fibra, os temas são
sugeridos pelos participantes do grupo. Até agora foram discutidos:

1. Como dar autonomia no tratamento;


2. Atividade física para autocuidado;
3. Meditação.

Mais encontros aconteceram, mas não teve um tema definido; a conversa aconteceu diante das necessidades
e situações apresentadas pelos participantes.
Outros grupos propostos pelo projeto, mas ainda em fase de implantação, são o de transição dos pacientes
pediátricos para o centro de adultos, pois é uma grande mudança para eles, e o de cuidado com a equipe
profissional, pois foi observada também a importância de haver trocas entre a equipe, que muitas vezes se
apresenta angustiada com as perdas e transferências das pessoas que convivem com a FC. Essa percepção da
necessidade de um olhar mais atento à equipe surgiu de uma reunião para falar sobre o grupo “Transitar”,
quando algumas integrantes de uma equipe mostraram que também sentem a falta dos indivíduos que são
transferidos para o centro de adultos, além de outras questões de transferência e contratransferência abordadas
na mesma reunião. A proposta de trabalho com as equipes inspirou-se nos estudos de Balint 4
sobre o
acolhimento das angústias dos profissionais de saúde na relação com os pacientes.
Com a realização desses grupos, pôde-se observar alguns detalhes em cada grupo. O grupo de conversa
com os pacientes não é de fácil adesão, pois depende de temas atrativos e, muitas vezes, de não falar muito

323
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

sobre a doença, pois alguns sentem-se deprimidos com o assunto.


O grupo de familiares depende de uma divulgação maior e, também, da disponibilidade de tempo, mas
parece ser um ambiente bom para o desabafo com o convívio e com o cuidado com o parente que tem FC.
Os grupos de transição e da equipe mostraram como o cuidado não é só com a pessoa que tem fibrose
cística, mas sim com os profissionais, pois ambos sofrem com a transição, além de perceber a necessidade de
expressão da equipe, com as dificuldades enfrentadas no dia a dia no trabalho.
Além disso, cabe também destacar o impacto emocional que a pandemia trouxe. Por um lado, pode ser um
motivo para a baixa adesão em alguns grupos, como também pode ser um fator para adesão. Por mais que pareça
contraditório, cada pessoa reage de uma forma - uns buscam se isolar e outros buscam apoio e acolhimento.
Foi possível perceber que o tema Covid-19 aparecia em todas as discussões com os grupos mesmo não
tendo a pandemia como tema central. Se a Covid-19 trouxe grande repercussão para a saúde mental da
população em geral, para aqueles que convivem com a FC trouxe um impacto ainda maior – eles se viram
ainda mais ameaçados. Se já precisam conviver com os receios e medos das exacerbações específicas da FC,
agora precisam lidar com os riscos que a Covid-19 traz. O receio de agravamento das afecções pulmonares, a
necessidade de um afastamento social ainda maior e até mesmo o medo de uma possível reação à vacina para
a Covid-19 como possibilidade de trazer exacerbações da FC surgem recorrentemente nas discussões – não
só nas rodas de conversa, mas também nos grupos de WhatsApp que foram criados para ser mais um canal de
interação entre os sujeitos. É verdade também que essa preocupação e o aumento dos cuidados, assim como
o isolamento social, impactaram positivamente alguns deles, os quais relataram que ficaram um bom tempo
sem infecções novas, fato que não tinha acontecido antes da pandemia.
Assim, a pandemia da Covid-19 trouxe grandes consequências para os sujeitos que convivem com a FC,
mas também possibilitou uma maior criatividade nas propostas de integração entre eles. Hoje, pacientes que
antes não se conheciam, interagem entre si, se apoiam e se acolhem. Surge, assim, uma rede de apoio potente,
que contribui para uma maior adesão ao tratamento, um autocuidado e um cuidado compartilhado em relação
à saúde mental.

Considerações Finais

O CONFIBRA enxergou potencialidades em meio a tantas adversidades. Mesmo diante do momento


caótico e preocupante que a pandemia trouxe, o Centro de Referência ao tratamento de pessoas com FC
encontrou, através do CONFIBRA, estratégias para avançar na assistência integral ao paciente e sua família.
O CONFIBRA pôde aproveitar a possibilidade de usar os meios virtuais de comunicação para um
melhor cuidado e de forma integral com quem convive com a Fibrose Cística. Aproximou pessoas, mesmo
num momento de isolamento social. Acolheu as angústias e medos, além de fortalecer um vínculo entre os
pacientes e entre os familiares. Por isso, apesar de a pandemia pela Covid-19 ser extremamente preocupante
e trágica no mundo, algumas decisões para que as pessoas ainda tivessem uma assistência médica, como a
permissão de consultas virtuais, foram muito benéficas para a população e para esse projeto de extensão tão
importante e significativo na vida das pessoas que convivem com a FC.

324
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Bibliografia

1. DE CASTRO, Marcos César; FIRMIDA, Mônica de Cássia. O Tratamento na Fibrose Cística e suas
Complicações. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto (TÍTULO NÃO-CORRENTE), [S.l.],
v. 10, n. 4, dez. 2014. ISSN 1983-2567. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/
revistahupe/article/view/8882>. Acesso em: 24 out. 2021.
2. SANTOS, Lucinéri. As Representações Sociais da Fibrose Cística em Pacientes Adultos. Revista
Hospital Universitário Pedro Ernesto (TÍTULO NÃO-CORRENTE), [S.l.], v. 10, n. 4, dez. 2014.
ISSN 1983-2567. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistahupe/article/
view/8893>. Acesso em: 24 out. 2021.
3. PIMENTEL, EDC. Conhecendo o portador de fibrose cística: dificuldades e possibilidades. 2011. 74 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011.
4. Peduzzi M; Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia; Rev Saúde Pública 2001;35(1):103-9
5. Fortuna, et.al. (2005). O trabalho de equipe no programa de saúde da família: reflexões a partir de
conceitos do processo grupal e de grupos operativos. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 13(2),
262-268. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692005000200020
6. SCHMIDT, Beatriz et al. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo
coronavírus (COVID-19). Estudos de Psicologia (Campinas) [online]. 2020, v. 37 [Acessado 24
outubro 2021], e200063. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063>. Epub
18 maio 2020. ISSN 1982-0275. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063.
7. Barros-Delben P, Cruz RM, Trevisan KRR, Gai MJP, Carvalho RVC de ,Carlotto PAC, Alves RB,
Silvestre D, Renner CO, Silva AG da, Malloy-Diniz LF. Saúde mental em situação de emergência:
Covid-19. Debates em Psiquiatria [Internet]. 30º de junho de 2020 [citado 24º de outubro de
2021];10(2):18-2. Disponível em: https://revistardp.org.br/revista/article/view/38
8. LIMA, ROSSANO CABRAL Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos
na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2020, v. 30, n. 02 [Acessado 24 outubro
2021], e300214. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300214>. Epub 24 Jul 2020.
ISSN 1809-4481. https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300214. 9. BALINT, M. O médico, seu
paciente e a doença (título original: (1957) The doctor, the patient and his illness, trad. de Roberto de
Oliveira Musachio, 2ª. ed.). São Paulo: Atheneu. 2005. 291

325
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Construindo alternativas de cuidado no caos da


pandemia: mindfulness como oferta de autocuidado
e promoção à saúde

Débora Silva Teixeira1; Ana Luiza Barreira Lins2; Mateus Ornellas Grandine do Amaral3; Victor José Brasilino de

Sena4; Kali Vênus Gracie Alves5; Sandra Fortes6

1
Médica de Família e Comunidade, Professora Departamento de Medicina de Família e Comunidade FCM UERJ,

Pesquisadora no Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde LIPAPS FCM UERJ, Doutoranda

no Instituto de Medicina Social; 2


Aluna do curso de Medicina, bolsista Iniciação Científica FCM UERJ; 3 Aluno do curso de

Medicina, bolsista do projeto de Extensão FCM UERJ; 4 Aluno do curso de Medicina, voluntário de Iniciação Científica FCM

UERJ; 5 Vice-coordenadora do Núcleo de Saúde Mental e Psicologia da Policlínica Piquet Carneiro PPC UERJ, Pesquisadora

no Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde LIPAPS FCM UERJ; 6 Médica Psiquiatra, Professora

Associada Departamento de Especialidades Médicas FCM UERJ, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em

Atenção Primária à Saúde LIPAPS FCM UERJ.

Descritores em português: Mindfulness; Atenção Plena, Saúde Mental; Meditação; Atenção Primária; Promoção à Saúde

Descritores em inglês: Mindfulness; Mental Health; Meditation; Primary Care; Health Promotion

Introdução

As intervenções baseadas em Mindfulness são práticas meditativas, na maior parte das vezes ofertadas
em grupo, estudadas e comprovadas cientificamente, com resultados positivos nos mais diferentes campos
da saúde e da educação. Existe hoje evidência robusta no que se refere ao uso de Mindfulness como opção
terapêutica no cuidado de vários problemas de saúde como a depressão1 e a dor crônica 2,3
além de suporte
no estresse relacionado ao trabalho4 e ao ambiente universitário5. Como a palavra em inglês não tem uma
tradução literal, tem-se utilizado Atenção Plena ou Meditação de Atenção Plena como termos equivalentes,
ainda que a palavra em inglês tenha se incorporado ao vocabulário brasileiro.
No escopo deste projeto, as práticas são ofertadas no contexto da promoção de saúde de usuários do SUS
6,7
e para manejo do estresse de profissionais de saúde e estudantes 8, podendo a meditação ser inserida no rol
de práticas integrativas e complementares (PICs) do SUS, em consonância com a Portaria Nº 849, de 2017
da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares.9
Neste sentido, é importante localizar a prática de mindfulness como uma meditação laica, sem vinculação
a nenhuma tradição religiosa específica, ainda que tenha sido inspirada e baseada em práticas milenares de
tradições budistas.10,11 A partir desta perspectiva das práticas de mindfulness em um contexto laico, pode ser
definida como a habilidade de “dar-se conta da experiência presente com abertura e aceitação” segundo o autor
Christopher Germer.12

326
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Mindfulness abarca habilidades atencionais e componentes atitudinais, que são inatos aos seres humanos,
mas que podem ser cultivados com práticas regulares. Neste caminho foram criados inúmeros protocolos
com diferentes especificidades e públicos. Hoje as práticas de mindfulness se popularizaram e podem ser
encontradas em inúmeros contextos e incorporadas a sistemas de saúde, com destaque para o sistema nacional
de saúde inglês.13
No Brasil a atenção primária à saúde é reconhecidamente um cenário estratégico para a abordagem
de condições de saúde mental e sofrimento psíquico, que podem acometer até um terço das pessoas que
buscam atendimento.14 Uma rede de atenção primária qualificada é fundamental para a redução das lacunas
de cuidado em saúde mental, e intervenções psicossociais com abordagens coletivas tais como os grupos de
mindfulness tem um potencial para serem incorporadas pelas equipes de saúde da família.
Desde 2015 o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (LIPAPS) em
parceria com o Programa de Extensão Saberes e Práticas Criativas em Saúde (Procriar) da Faculdade de
Enfermagem da UERJ, desenvolve um projeto de pesquisa, ensino e extensão universitária denominado
“Avaliação da intervenção em meditação de Atenção Plena (Mindfulness) na Estratégia de Saúde da Família
(ESF) do Rio de Janeiro, contemplado com financiamento pelo CNPQ no edital nº 461045/2014-1.
Nesse projeto profissionais da UERJ e da Atenção Primária à Saúde (Estratégia de Saúde da Família e
Núcleos de Apoio Psicossocial) de diferentes áreas das cidades do Rio de Janeiro e Macaé foram capacitados
pelo projeto, em parceria com o Centro Mente Aberta da Unifesp, no protocolo MBHP (Mindfulness Based
Health Promotion) 15
para implantação de grupos em suas unidades. As atividades foram desenvolvidas em
unidades de atenção primária no SUS e na universidade, tanto em grupos fechados de quatro a oito semanas
quanto em oficinas, workshops e cursos breves. O público-alvo das intervenções tem variado desde usuários
do SUS, agentes comunitários de saúde, trabalhadores da rede de saúde, servidores da UERJ a estudantes
universitários.
Ao longo do projeto foi possível capacitar 25 profissionais de saúde de nível superior que atuam no
SUS, além de agregar outros profissionais em formação e estudantes interessados, de forma a criar-se uma
comunidade de práticas e trocas de saberes. Após a formação, estes profissionais continuam ofertando práticas
de mindfulness nas suas unidades.
Formou-se então o grupo Mindfulness Rio UERJ e foi estabelecido um encontro regular bimensal
denominado “Café com Atenção Plena” utilizando os espaços de práticas integrativas da Faculdade de
Enfermagem - a Sala Azul. Os encontros são abertos, gratuitos e podem ser acessados tanto por praticantes
experientes como iniciantes no assunto. Sempre acontecem nas manhãs de sábado. Funcionando como um
espaço de meditação, de troca de experiência e de debate, o encontro tem como objetivo ampliar, difundir
e fomentar o conhecimento sobre a aplicação das práticas de Mindfulness no contexto da saúde, trazendo
palestrantes experientes na área, com expertise em diferentes protocolos e com aplicação em contextos diversos
e possibilitando a socialização de praticantes, que tomam café da manhã e confraternizam juntos. O Café com
Atenção Plena possibilita que os espaços da universidade possam ser ocupados por grupos de profissionais,
estudantes, usuários do SUS e interessados no tema, cumprindo o papel extensionista do projeto.
A partir dos grupos desenvolvidos com os estudantes, entendemos que a oferta de práticas de mindfulness
na formação dos alunos de graduação da UERJ poderia representar uma estratégia de suporte psicossocial,

327
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

além de ampliar a compreensão dos processos saúde-doença e as estratégias de cuidado de si e de outros.16


Desta forma, em 2019 iniciamos de forma pioneira a oferta de uma disciplina eletiva para estudantes de
medicina e de enfermagem, ofertada por professoras da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), também
utilizando o espaço da Sala Azul da Faculdade de Enfermagem e com suporte e engajamento dos bolsistas de
extensão do projeto. A disciplina desde sua primeira turma tem tido uma procura expressiva dos estudantes,
acima inclusive da capacidade de oferta das professoras, indicando o interesse do corpo discente.
A fim de possibilitar a divulgação das atividades desenvolvidas e a comunicação com a comunidade,
organizamos um site, além de perfis em redes sociais (Instagram e Facebook) e vídeos no canal do YouTube do
Laboratório1. Além de uma memória dos encontros e eventos, essas experiências ajudaram, posteriormente,
manter o projeto vivo durante a pandemia.

Relato
No primeiro trimestre de 2020, em consequência da pandemia de Covid-19, por orientação geral da
reitoria e da FCM, as atividades presenciais e utilização dos espaços do campus da UERJ foram suspensas a
fim de evitar a circulação e a aglomeração de pessoas. Da mesma forma, aconteceram mudanças de processo de
trabalho das unidades básicas de saúde do SUS, neste momento envolvidas prioritariamente com diagnóstico
e atendimento dos casos suspeitos de síndrome gripal, suspendendo atividades coletivas e de educação em
saúde. Por isso, foi necessário adaptar as atividades do projeto para a modalidade remota.
Nas primeiras semanas de pandemia, ainda no mês de março de 2020, com a incerteza da duração e
gravidade da situação sanitária, todo o projeto ficou em suspenso até que fosse possível entender melhor
o que se passava. Após este impacto inicial e a constatação de que viveríamos um longo período de ajustes
e restrições, decidimos retomar nosso trabalho entendendo que as intervenções baseadas em mindfulness
poderiam contribuir no cenário desfavorável em que nos encontrávamos, mesmo que de forma remota.
O projeto então optou por contratar uma plataforma de reuniões virtuais para garantir que as atividades
pudessem acontecer na periodicidade e duração que fossem adequadas.
A primeira adaptação se deu com as reuniões semanais em que são realizadas discussões teóricas, além de
planejamento e avaliação das atividades executadas pela equipe, que inclui além das professoras da FCM uma
profissional servidora do Ministério da Saúde cedida para a UERJ, os estudantes de graduação de medicina,
uma bolsista que é nosso suporte administrativo, passando a ser realizada em formato de videoconferências.
A partir daí, trabalhamos para adaptar a nossa atividade em grupo, que era desenvolvida em caráter
presencial, para modalidade online. Apesar da nossa experiência restrita com a oferta de práticas online de
mindfulness, existe um acúmulo de pesquisa e de discussão destas ofertas 17, 18, 19 que nos deixou otimista com
essa perspectiva.
O Café com Atenção Plena passou por adaptação para atividades interativas on-line e participação de
palestrantes de diferentes locais do Brasil e do mundo, incluindo colaboradores do Rio de Janeiro, São Paulo,
Curitiba e até colaborações internacionais do Azerbaijão. Nossos palestrantes abarcam médicos, psicólogos,

1 Nosso perfil no Instagram está disponível em https://www.instagram.com/mindfulness.riouerj/ e nosso site

328
é o http://mindfulnessriouerj.com.br
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

enfermeiros, educadores físicos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas, indicando a potencialidade de


mindfulness como um campo transdisciplinar de cuidado e promoção à saúde. As redes sociais do projeto
foram utilizadas para difundir a nova versão da atividade. Reduzimos a duração do encontro para duas
horas, estruturamos orientações para nossos palestrantes de forma a facilitar a interatividade e divulgamos as
reuniões na plataforma digital e no YouTube. Ao total, foram realizados 10 eventos virtuais desde junho de
2020 até agosto de 2021, com temáticas que incluíram Mindfulness e Autocompaixão, Impactos da prática
de Mindfulness na saúde e na depressão, Mindfulness, Autocompaixão e estilos de apego, Mindfulness em
populações vulneráveis no SUS, Método de Mindfulness de Movimento baseado no Karatê, Gerenciamento
emocional em Mindfulness, Mindful Eating e a maneira como nos relacionamos com os alimentos, Compaixão
em ação, MeditAtividade: Exercício físico e Mindfulness para a promoção de saúde, Mindfulness para pacientes
com Câncer. A diversidade de temas indica a abrangência de mindfulness na saúde e aponta iniciativas exitosas
no SUS, ainda que circunscritas a alguns serviços.
Além disso, entendemos que a disciplina eletiva de Meditação de Atenção Plena para a graduação deveria
ser mantida, uma vez que a procura dos estudantes continuava e indicativos preliminares mostraram que o
corpo discente estava experimentando desgaste e estresse relacionado ao ensino remoto e às incertezas em
relação ao curso.
A manutenção da disciplina eletiva para os discentes na modalidade online mostrou que a partir das
discussões e das práticas em grupo, foi possível ampliar a perspectiva sobre as possibilidades de mindfulness
na saúde. A primeira turma eletiva na modalidade online, iniciada no segundo semestre de 2020, contou com
relatos constantes sobre melhoria no manejo do estresse e da ansiedade a partir das práticas de mindfulness, em
especial num momento em que a Pandemia mudou os processos de ensino aprendizagem e que os estudantes
demandavam ferramentas de autocuidado. Os estudantes também valorizaram aprender as relações das
práticas de mindfulness na neurofisiologia humana, com os principais efeitos nas áreas de regulação emocional
e nas estruturas cerebrais que estão ligadas a atenção, concentração e afetos positivos. Diante disso, em março
de 2021, foi iniciada a segunda turma totalmente online da disciplina eletiva de Práticas de Meditação de
Atenção Plena. Ao todo, 29 alunos, entre o segundo e quinto anos de Medicina, se inscreveram e apenas
uma pessoa não concluiu. O curso teve duração de 10 semanas e a plataforma utilizada foi a escolhida pela
universidade para o ensino remoto. No ambiente virtual de aprendizado, ficaram disponíveis textos de apoio,
material complementar em vídeo, áudios de meditação guiada, fórum para discussões e dúvidas e espaço
para compartilhamento dos diários de campo sobre as práticas, elaborados pelos alunos ao longo do curso.
As aulas síncronas foram realizadas semanalmente, iniciadas com uma prática breve, seguida por relatos de
experiências vividas na semana anterior e discussão do tema da sessão. Cada encontro é finalizado com uma
prática específica dos programas de Mindfulness e Promoção à Saúde, de forma que os estudantes possam
ter uma oportunidade de prática coletiva, ainda que à distância. Algumas das práticas de mindfulness que
são rotineiramente apresentadas aos estudantes incluem -mindfulness na respiração, escaneamento corporal,
práticas de mindfulness no movimento, prática da bondade amorosa, entre outras. Os estudantes são orientados
a praticar em casa durante a semana de intervalo entre as aulas. As atividades da disciplina apresentaram
impacto positivo segundo os relatos ao longo do curso e na avaliação final, cabendo também apontar os
desafios impostos pelo ensino remoto. Seguindo essa proposta, contando com apoio e incentivo do corpo

329
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

discente e docente, a terceira turma eletiva foi iniciada no segundo semestre de 2021.
A partir da constatação que a Pandemia trazia consigo uma carga significativa de sofrimento
emocional relacionado ao processo de adoecimento pelo vírus, medo, restrição de circulação, interrupção
de sonhos e projetos, luto por pessoas queridas, recessão econômica e uma sensação constante de incerteza e
vulnerabilidade, entendemos que seria importante oportunizar um espaço virtual para que as pessoas que não
estão necessariamente vinculadas à disciplina pudessem exercitar sua atenção no momento presente, regular
suas emoções e cultivar a tranquilidade e a calma. Nesse sentido, decidimos criar um espaço para que as
pessoas pudessem praticar mindfulness num ambiente seguro, gratuito e com instrutoras experientes.
Com isso foi reforçada a potência de Mindfulness como prática de cuidado e regulação emocional, e
decidimos que deveríamos ofertar espaços abertos de práticas online para a comunidade da UERJ e também
para o público em geral neste momento crítico da Pandemia. Desta forma, criamos o MeditaUERJ, em que
foi possível agregar profissionais, estudantes, instrutores de mindfulness e usuários do SUS de diferentes partes
do Brasil e do mundo
O Medita UERJ é um espaço virtual de práticas de mindfulness criado em abril de 2020, com atividades
que são realizadas semanalmente (sempre às quintas feiras, às 18h30) em uma plataforma de reuniões virtuais.
São reuniões abertas e gratuitas sem que haja necessidade de continuidade, deixando assim para a pessoa
decidir quando e de que maneira irá participar. Para garantir a interação, presença e privacidade, as reuniões
são sempre síncronas e não deixamos as gravações em nenhuma rede social aberta. Tais práticas são facilitadas
com a colaboração semanal dos membros do projeto Mindfulness Rio UERJ. Desde a sua criação já foram
mais de 70 encontros em que tivemos práticas de mindfulness em grupo, troca de relatos, compartilhamento de
sentimentos e dúvidas, com a participação de pessoas de todo o Brasil. A continuidade do MeditaUERJ segue
com apoio mútuo e colaborativo e possibilitou um espaço de conexão e integração para pessoas que estavam
fisicamente distantes, mas tinham em comum a necessidade de contato e presença.20
Além disso, perante a constatação da sobrecarga das equipes de saúde com a Pandemia 21, organizamos
cursos online com foco no desenvolvimento de Mindfulness e Autocompaixão, tanto para suporte dos
profissionais de saúde do SUS que atuam no estado do RJ quanto para profissionais de saúde da rede de Boa
Vista-Roraima.
O curso breve de autocompaixão é a versão em português, adaptada para profissionais do sistema único
de saúde do Brasil, da versão breve do curso de Mindful Self-Compassion que foi desenvolvida pelos autores
estadunidenses Kristin Neff e Christopher Germer.22
O curso foi elaborado a fim de desenvolver a autocompaixão para profissionais de saúde como ferramenta
de manejo de estresse relacionado ao trabalho. Além de ensinar estratégias para evitar a exaustão emocional e
o burnout, o curso também busca, através de práticas meditativas, ensinar como a autocompaixão pode ajudar
lidar de maneira mais efetiva com nossas emoções mais difíceis. Desta forma, tem como objetivo capacitar o
profissional para que este possa cuidar de si mesmo emocionalmente, enquanto cuida de outras pessoas que
estão enfrentando dificuldades - aumentando a autocompaixão no trabalho e na vida cotidiana.
Sua modalidade é totalmente online, com 6 dias de atividades síncronas e duração de 1 hora e 30 minutos
cada uma com intervalo de uma semana entre as sessões. Além disso, o curso propõe a realização de atividades
práticas em domicílio e a resenha de um capítulo dos dois livros de referência, totalizando 15 horas de

330
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

capacitação. São utilizadas atividades de metodologia ativa, tais como conversas a dois, discussão em pequeno
e grande grupos, práticas guiadas e apresentações com slides. Durante o curso, também são preenchidos
diários das práticas desenvolvidas nos períodos de dispersão entre as aulas.
No ano de 2020, duas turmas foram formadas, sendo, na primeira, 17 o número de matriculados e na
segunda, 12. Apesar das dificuldades estabelecidas pelo cenário atual da Covid-19, as turmas transcorreram bem.
Uma nova turma teve início em setembro de 2021 com 21 pessoas. Assim, o projeto avança em implementar
atividades que utilizem Mindfulness para o autocuidado de profissionais de saúde no contexto da pandemia.
Apesar de todas as dificuldades e limitações da pandemia, o projeto conseguiu desenvolver suas atividades
a contento. Pensando nisso, em 2021, foram abertas novas vagas para o Programa de Iniciação Científica
possibilitando que mais dois alunos possam participar e contribuir para o projeto.

Considerações Finais

A Pandemia por Covid-19 impactou a sociedade de inúmeras maneiras que extrapolam o adoecimento
em decorrência da infecção viral, com um aumento significativo do sofrimento emocional de profissionais de
saúde e estudantes universitários. Neste sentido, o isolamento social, sobrecarga de trabalho e incertezas quanto
ao cenário social dificultaram ainda mais as possibilidades de autocuidado e centramento dos estudantes e
profissionais. Este contexto traz implicações em saúde pública que necessitam de respostas imediatas, mas
também a médio e longo prazo, que possam ser replicadas e ganhem escalonamento. As intervenções baseadas
em mindfulness se encaixam nessa categoria e tem grande potencial.
Em setembro de 2020 o pesquisador Richard Norton publicou um editorial na revista Lancet, em que
resgatou o conceito de sindemia para refletir a respeito da situação sanitária da Covid-19 23 e seus impactos
na saúde das populações. Desde então, tem-se consolidado a compreensão de que os processos de saúde e
adoecimento em consequência da pandemia precisam de uma visão biopsicossocial, de forma que as estratégias
de enfrentamento sejam abrangentes e levem em consideração questões estruturais da sociedade, marcadores
sociais de diferença incluindo a saúde mental da população.
Experiências internacionais de sistemas públicos de saúde demonstram uma possibilidade real de
implementação de práticas da mindfulness como uma opção de cuidado e promoção à saúde. Para que possamos
estabelecer as práticas de mindfulness no SUS e no ambiente universitário, é relevante que um número maior
de estudantes e profissionais de saúde possam conhecer e vivenciar as práticas, experimentando os potenciais
benefícios para manejo do estresse e de outros sintomas ao mesmo tempo que possam conhecer as bases
científicas das intervenções.
É notório que a pandemia trouxe e continua trazendo imenso sofrimento, mas também tem sido uma
oportunidade de aprendizado e adaptação, e neste sentido nosso projeto conseguiu manter sua missão na
construção de espaços de prática, aprendizado e educação continuada sobre mindfulness e suas possibilidades
na saúde e na educação.
A extensão universitária se baseia na integração de conhecimento e experiência construídos a partir de
ensino e pesquisa com as necessidades da comunidade. Articulando protagonismo estudantil e participação

331
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

social, nosso projeto evidencia as potencialidades da extensão universitária na construção de inovações, na


articulação com a comunidade acadêmica e na busca de respostas para tempos tão desafiadores.

Bibliografia

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— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

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333
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Grupo de reflexão online para os estudantes do


primeiro ano: acolhimento humanizado em um
período conturbado

Gabriela Seigneur Barroso1; Théo Zajdenverg Herszage1; Marina Maria Muniz Biar1; João Pedro de Oliveira

Fernandes1; Lívia Sesana Spyker de Oliveira1; Daniela Santos Belz1; Carolina Figueira Franco1; Ana Cláudia Santos

Chazan2; Sandra Torres Serra3; Ricardo Bedirian4.

1
Estudante de Graduação da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ; 2 Professora do Departamento de Medicina Integral,

Familiar e Comunitária FCM UERJ; 3 Psicóloga, Coordenadora do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante – PAPE;
4
Professor do Departamento de Clínica Médica, Coordenador de Graduação FCM UERJ

Descritores em português: acolhimento; educação médica; mentoria; pandemia; saúde mental.

Descritores em inglês: user embracement; medical education; mentoring; pandemic; mental health.

Introdução

O novo coronavírus foi registrado pela primeira vez na cidade de Wuhan, na China, no início de dezembro
de 2019. Nomeado como SARS-CoV-2, o vírus rapidamente se disseminou pelo mundo, resultando em
Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em fevereiro de 2020.1 No mês seguinte, 11 de
março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia. No dia 13 do mesmo mês, o Ministério
da Saúde do Brasil regulamentou critérios de isolamento e quarentena a serem aplicados pelas autoridades
sanitárias.
Duas semanas antes da OMS declarar tratar-se de uma pandemia, a turma ingressante de 2020 do curso
de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
iniciava a sua semana de recepção. Sabe-se que o ingresso na universidade é uma experiência única, sendo
um momento de euforia, nervosismo e exposição a novos conhecimentos, e, tradicionalmente, a recepção dos
calouros é orquestrada pelos veteranos, a fim de integrá-los entre si e com a Universidade. Posteriormente a esse
período, deu-se o início da primeira semana de aula, que, infelizmente, foi a única que ocorreu presencialmente
para esta turma. Isso porque, no final de semana seguinte foram regulamentados, no Brasil, os critérios de
isolamento social, impossibilitando o prosseguimento das aulas presenciais e a maior integração dos calouros.
As atividades acadêmicas permaneceram suspensas durante aproximadamente 6 meses, quando, em
setembro de 2020, foi implementado, pela Pró-reitoria de Graduação, o Período Acadêmico Emergencial
(PAE). Dessa forma, o isolamento social, a vivência do contexto caótico de pandemia, a pausa inicial das
aulas, o começo do ensino remoto e a ausência de dinâmicas práticas geraram uma quebra de expectativas nos
estudantes, o que impactou significativamente na saúde mental. Com o prolongamento do isolamento social,
observou-se a necessidade de promoção de ações para dar suporte à comunidade acadêmica, e, ao longo de

334
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

três meses foram promovidas “rodas de conversa” entre alunos, e entre alunos e professores, facilitadas pelo
Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante (PAPE).
A partir desta atividade exitosa, surgiu a proposta de realizar uma atividade para ajudar a amenizar os
prejuízos do afastamento físico e acolher os calouros que não puderam experienciar a universidade, com a
implementação de Grupos de Reflexão Online. Após uma análise criteriosa acerca dos desafios e benefícios
que essa iniciativa pudesse apresentar, optou-se por iniciar o projeto de “Grupos de Reflexão Online” como um
piloto, visando a implementação futura de um projeto de mentoria online. Os objetivos dos grupos formados
seriam incentivar o diálogo entre alunos e professores; acolher angústias e ansiedades; e aproximar corpo
discente e docente, promovendo uma horizontalidade de relações.
O funcionamento dessa modalidade está pautado sobretudo na identificação e na criação de um senso de
comunidade entre os membros do grupo, o que é fundamental para que se desenvolva a confiança necessária
para o compartilhamento de experiências e vivências. Esses aspectos são considerados cruciais para o sucesso
da implementação, uma vez que o público alvo do projeto - calouros da FCM da UERJ - não tiverem a
oportunidade de construção de vínculos consequente do convívio diário, sendo necessário, assim, um estímulo
para que esse senso de pertencimento fosse construído. A preocupação e iniciativa de promover atividades
voltadas ao bem-estar dos estudantes durante o período de isolamento social partiu da coordenação de
graduação em parceria com o Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante (PAPE), e contou com a
participação do corpo docente, alunos do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF) e alunos da
turma 2025 para a sua implantação e desenvolvimento.
Este capítulo buscou relatar uma síntese das percepções dos estudantes voluntários do projeto que também
participaram dos grupos de reflexão. Para alcançar este objetivo, foi feita a revisão dos registros de reuniões
virtuais para o planejamento e avaliação do primeiro ano do projeto, bem como dos formulários de inscrição
e avaliação do projeto.

Relato
A observação empírica das fragilidades presentes no corpo discente da Universidade foi evidenciada a
partir de um formulário online elaborado pelo CASAF. Em agosto de 2020, o centro acadêmico elaborou
um questionário a respeito das vulnerabilidades decorrentes dessas novas dinâmicas, sendo este respondido
por 609 estudantes. Como resultado, foi possível dimensionar o impacto na saúde mental dos graduandos:
86,4% relataram sofrimento mental durante a pandemia, incluindo o desenvolvimento de transtornos, como
a depressão e a ansiedade. Cabe ressaltar, ainda, que o formulário evidenciou o primeiro ano da FCM-UERJ
como um grupo prioritário, uma vez que foi a turma que relatou maior dificuldade em lidar com os impactos
da pandemia. Atribuiu-se a sua maior vulnerabilidade aos vínculos pouco consolidados com os colegas da
turma e com o próprio ambiente acadêmico, visto que as aulas foram interrompidas com apenas uma semana
desde o início das atividades presenciais, em março de 2020.
A partir deste diagnóstico situacional, a turma do primeiro ano foi considerada alvo para o projeto de
mentoria, que já estava sendo discutido pela Coordenação de Graduação e o Programa de Apoio Psicopedagógico
ao Estudante (PAPE) desde o início de 2020. O intuito principal dessa atividade foi criar um espaço de

335
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

diálogo entre estudantes e professores, de modo a identificar desafios e proporcionar aos ingressantes uma
vivência da faculdade que fosse acolhedora, que pudesse impactar positivamente na saúde mental dos calouros.
Foi oferecida aos estudantes a possibilidade de participação na estruturação desse projeto, a partir de uma
colaboração inédita entre diversas esferas da faculdade - coordenação de graduação, CASAF e corpo discente
- o que fez com que o projeto implementado fosse, de fato, pensado na pluralidade do ambiente acadêmico.
Essa elaboração refletiu as novas dinâmicas decorrentes da pandemia: todo o processo de construção foi feito
online. A captação dos voluntários que estavam interessados em fazer parte da elaboração do projeto foi feita
por meio de um formulário via Google Forms®, no qual os estudantes interessados em organizar preencheram
seus dados de contato e responderam a algumas perguntas a respeito de suas motivações; como respostas,
cabe ressaltar a vontade de participar de algum projeto da faculdade e o interesse por projetos voltados para
a saúde mental, ambos aspectos destacados por calouras do primeiro ano. Pode-se perceber, já no processo de
estruturação, que o desejo de construir vínculos é uma característica marcante desse grupo, o que evidencia a
necessidade crescente de iniciativas voltadas para o mesmo.
Depois da seleção dos voluntários - que consistiram em três graduandas do primeiro ano, cujas motivações
eram fazer parte de algum projeto da faculdade, em especial voltado para a saúde mental - foi criado um
grupo no WhatsApp®, possibilitando o diálogo rápido e interativo entre os colaboradores do projeto. Toda
a implementação foi realizada a partir de reuniões por meio da plataforma Zoom®, nas quais as estudantes
e as psicólogas responsáveis pelo PAPE puderam se conhecer e trocar expectativas e ideias a respeito da
execução do projeto. O PAPE também teve um relevante papel na medida em que orientou as voluntárias
em relação ao funcionamento de Grupos de Reflexão e, no presente semestre, as tem orientado sobre as
Mentorias Online, dando o suporte necessário para que as graduandas compreendessem como esse projeto
funcionaria na prática e pudessem ter mais subsídios para a divulgação entre os colegas de turma. Além
disso, o PAPE foi responsável pela captação de professores interessados em participar e os preparou para a
tarefa por meio de discussão de artigos e problematização de dinâmicas coletivas simuladas com o intuito
de antecipar alguns desafios que poderiam surgir na prática. As estudantes, por outro lado, forneceram suas
percepções acerca das necessidades da turma 2025, e também tiveram um papel essencial no planejamento
do funcionamento das atividades. Posteriormente, com o projeto já estruturado, elas foram responsáveis por
entrar em contato com a turma, fazendo a divulgação e tendo um papel de suporte para eventuais dúvidas.
Percebe-se, dessa forma, a importância da construção coletiva na execução prática do projeto; todos os papéis
foram previamente delimitados, possibilitando otimização do tempo, visto que essa intervenção deveria ser
feita com certa urgência.
Assim, durante as reuniões do mês de agosto de 2020, foram estabelecidas duas frentes de ação de ação
das voluntárias, com prazos e metas definidas em conjunto para atingir o maior número de participantes
possível: divulgação e inscrição. Para a divulgação, o contato foi feito exclusivamente por meio das redes
sociais e pelo grupo de WhatsApp da turma. Essa dinâmica fez com que os integrantes do projeto pensassem
em “frases de impacto” que fossem de fácil compreensão e, ao mesmo tempo, instigassem a curiosidade do
público-alvo. Nesse sentido, foram utilizadas estratégias típicas do marketing digital para melhor divulgação.
O CASAF auxiliou com as mídias sociais, o que possibilitou a criação de flyers com apelo e identidade visual. É
interessante perceber que, nos semestres após o lançamento do projeto, essas peças foram feitas pelas próprias

336
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

voluntárias, mostrando como houve ganhos não apenas no âmbito da saúde mental e integração acadêmica,
mas também de habilidades técnicas. As frases escolhidas para a montagem das peças de divulgação eram
provocativas e questionavam estigmas que circundam a formação médica, propondo um convite à mudança,
como: “Por que se tornou normal imaginarmos o curso de Medicina pautado em relações autoritárias e com
pouca chance para o diálogo entre alunos e professores? Que tal mudarmos isso?” (Figura 1). Ao mesmo
tempo, também foram divulgadas peças que remontavam o objetivo de acolhimento dos grupos, como: “Um
espaço plural e aberto para receber as individualidades de cada um. Vamos construir uma Medicina UERJ
mais humana?” (Figura 2).

Figuras 1 e 2: Peças de divulgação do projeto produzidas pelas estagiárias e veiculadas nas mídias sociais do Grupo de

Trabalho de Saúde Mental do CASAF

Além disso, como estratégia de divulgação, também foi confeccionada uma imagem com as fotos e os
nomes dos professores que participariam do projeto como mentores, tornando a experiência o mais familiar
e acolhedora possível.
Por outro lado, a frente responsável pela inscrição dos participantes elaborou, com o PAPE, as informações
que seriam essenciais para o cadastro dos alunos interessados. Foi elaborado um formulário de inscrição
online, o qual foi entregue aos estudantes junto com a mídia de divulgação. Nele, além de informações básicas
de identificação dos calouros (nome, matrícula, celular e e-mail), também estavam presentes perguntas
motivadoras em relação ao projeto, como: “O que você espera de um Grupo de Reflexão?” e “Que assuntos
deseja tratar no Grupo de Reflexão?”. Essas respostas foram interessantes, não apenas para conhecer as
expectativas dos participantes, mas também para guiar a primeira reunião dos grupos.
Durante as reuniões de elaboração do projeto, um dos maiores desafios foi estabelecer um molde para o
projeto (número de encontro e tempo de duração dos mesmos) que não demandasse tanto da carga horária
dos estudantes, que é extremamente pesada; ao mesmo tempo, era necessário que as reuniões tivessem uma
duração razoável, o que tornaria o processo proveitoso em relação às trocas e possibilidades de diálogo. Além
disso, os docentes voluntários disponibilizaram uma grande variedade de horários para os grupos, a fim de
que fosse possível abarcar todos aqueles que estivessem interessados em participar. Estabeleceu-se, então, com
os docentes um norte a respeito da duração das reuniões: a orientação geral foi de que as reuniões durassem
em torno de 1 hora e meia, de modo a permitir a participação de todos. O número de encontros também foi
definido previamente, sendo 4 o número mínimo pensado para que os integrantes pudessem se conhecer e
estabelecer uma relação de mais intimidade.
O projeto Grupo de Reflexão Online foi realizado em plataformas virtuais, como Zoom®, Microsoft

337
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Teams® e Google Meet®, de acordo com a escolha dos grupos, e em duas etapas, a primeira de outubro a
dezembro de 2020 e a segunda, de abril de 2020 a junho de 2021. Desenvolveu-se em encontros quinzenais
de, aproximadamente, 2 horas de duração, um pouco maior do que a planejada inicialmente. No primeiro
ciclo do projeto, participaram 29 estudantes divididos em 7 grupos e, no segundo, 31 estudantes em 6 grupos
2
. O maior número de participantes por grupo possibilitou maior integração entre os indivíduos sem afetar a
qualidade das reuniões. É possível que a adesão dos alunos tenha sido motivada justamente pela facilidade que
essa nova dinâmica proporciona: maior flexibilidade de horários, diminuição do tempo com deslocamentos e
possibilidade de conexão em ambientes diversos. Além disso, em cada grupo havia um docente que mediava
as temáticas dos encontros. No entanto, é importante ressaltar que os estudantes participavam ativamente
da construção do diálogo no decorrer do encontro. Entre os assuntos discutidos, destacam-se: o cotidiano da
faculdade, as apreensões em relação ao Ensino Remoto, as ações de extensão e de pesquisa proporcionadas
pela escola médica, além da rotina e a vivência durante o isolamento social.
Para avaliar a percepção dos participantes do projeto sobre a experiência, constituiu-se um grupo de
trabalho formado por quatro estudantes e três docentes para a elaboração de um formulário com perguntas
objetivas e abertas, que foi respondido por todos. Alguns pontos foram observados: a maioria considerou a
experiência excelente e não excluiu a possibilidade de nova participação; o número e a duração dos encontros,
e o intervalo entre as reuniões foram considerados adequados, assim como as temáticas foram pertinentes
às necessidades de cada grupo; e a quantidade de integrantes foi vista como suficiente pelos estudantes,
mas alguns professores consideraram insuficiente. Além disso, cabe destacar a importância da iniciativa na
promoção da saúde mental dos participantes e na construção de vínculos. Estes aspectos foram observados
tanto entre estudantes, quanto entre discentes e docentes, o que demonstra uma relevante estratégia de
integração, muito valorizada pelos participantes. Ressalta-se, ainda, que os professores apontaram maior
compreensão sobre a dinâmica em grupos e desenvolvimento da empatia.3 Outro aspecto do projeto
que excedeu as expectativas foi a possibilidade de inserção dos estudantes em atividades extracurriculares
de extensão, de pesquisa e de ensino, como, por exemplo, na iniciativa de elaborar diversos trabalhos sobre o
Grupo de Reflexão Online. Foram submetidos dois trabalhos para o 7o Congresso Carioca e Capixaba de
Educação Médica (7o COCCEM) 3, um trabalho para o 59o Congresso Brasileiro de Educação Médica (59o
COBEM) 2, um trabalho para a Revista Brasileira de Educação Médica (RBEM) 4 e um trabalho para a o
evento “DENEM 35 anos” da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM). Destes,
os quatro primeiros foram aprovados, apresentados e publicados. Dessa forma, o projeto estimulou a produção
de conteúdo acadêmico, assim como fomentou o interesse científico por parte dos estudantes autores, além
da criação de novas iniciativas. Esta experiência evidencia a responsabilidade social da escola médica
intrínseca ao projeto, uma vez que houve, por parte da coordenação, um incentivo à construção conjunta, entre
discentes e docentes, de uma rede de acolhimento humanizado, na qual diversas questões pessoais, acadêmicas
e pedagógicas puderam ser discutidas.3 Além disso, neste momento excêntrico da pandemia, marcado por um
isolamento social e por diversas questões biopsicossociais, este diálogo possibilitado pelas reuniões acolhedoras
mostrou-se necessário como um pilar de apoio.
O ensino remoto apresenta diversas questões que dificultam o aprendizado e a integração da turma, o
que foi especialmente deletério para os estudantes ingressantes, pois estes ainda não conheciam o ambiente

338
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

diferente da faculdade, principalmente em relação a experiências acadêmicas e sociais. Nesse contexto, o


Grupo de Reflexão Online foi um importante espaço de integração, diálogo e inclusão, em que os estudantes
puderam falar sobre suas angústias e, em conjunto, reduzirem o sentimento de exclusão e desamparo do
momento. Ademais, como ocorreu um contato próximo com docentes, este fato possibilitou um melhor
conhecimento da faculdade e das suas peculiaridades, facilitando a relação entre discente e docente.
Observou-se, também, a diversidade dos integrantes do grupo, que incluíam estudantes de distintas
realidades de vida. Sob essa ótica, percebe-se que a pandemia afetou os ingressantes de formas muito diferentes,
o que varia conforme a dinâmica familiar e o estado de saúde mental prévio. Dessa forma, o projeto possibilitou
um amparo significativo, para que estes estudantes estivessem em condições de lidar com as diversas situações
de casa e do ensino.
Cabe ressaltar a situação particular dos que ingressaram após a chamada regular. A maioria dos reclassificados
somente conseguiu entrar depois do previsto, já na pandemia, e, de fato, muitos nem tiveram a oportunidade
de conhecer e frequentar a UERJ. Além de perder a semana de recepção e a primeira semana de aula, esses
estudantes foram impossibilitados de conhecer os outros membros da turma e criarem vínculos com os colegas
e com a instituição. Desse modo, o projeto possibilitou a integração dos mesmos com os demais estudantes
da turma, mostrando-se um ótimo instrumento de acolhimento. Outro ponto importante foi o contato
desses estudantes com os docentes no sentido de possibilitar uma melhor ambientação à faculdade.
Em relação a perspectiva dos docentes, o resultado também trouxe benefícios. Foi relatado que esta
experiência possibilitou um maior contato com colegas de outras áreas e departamentos da UERJ, bem como
favoreceu uma maior conexão com os discentes ingressantes. Tanto professores com mais tempo de docência,
quanto professores menos experientes destacaram o desenvolvimento da empatia, o maior contato com a
graduação, a vontade de aperfeiçoamento como educador e orientador, e aprimoramento da dinâmica em
grupos, que constituem aspectos importantes para seu desenvolvimento pessoal e profissional. Além disso,
foi ressaltado que o Grupo de Reflexão Online possibilitou a construção de um maior conhecimento sobre a
realidade e necessidade dos estudantes, de forma que pudessem adequar as aulas no sentido de se obter um
melhor rendimento nas atividades acadêmicas.
Importante destacar a atuação crucial dos professores para a iniciativa e desdobramento do Grupo de
Reflexão Online. A equipe de docentes mostrou-se essencial em sua elaboração e desenvolvimento, estando
disponível para atender as dúvidas dos estudantes, bem como para fornecer o conteúdo teórico necessário
para a estruturação do Projeto. Foram feitos, ao longo do período de planejamento, diversos encontros entre
docentes de diferentes disciplinas e as estudantes que atuaram na construção do Projeto, que incluíram reuniões
de capacitação e supervisão, simulação de situações que poderiam ocorrer nos grupos, leitura e discussão de
textos. Percebe-se, portanto, que houve um esforço conjunto de estudantes e equipe docente para crescimento
e suporte do Projeto, além de uma grande comunicação e colaboração entre professores de variadas áreas
acadêmicas.
Algumas adversidades foram encontradas pelos participantes, principalmente, em relação à dificuldade
para conciliar a participação no projeto com as exigências da faculdade por ser um curso de horário integral e
excessiva demanda. Ademais, é essencial acrescentar que foram relatados problemas de acesso, como quedas
de conexão e imprevistos 3.

339
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Durante o planejamento e o período de inscrições, tornou-se evidente como é difícil a implementação


de um projeto extra para graduandos que lidam constantemente com cobranças. Por mais que a necessidade
de um espaço de convivência e de troca de experiências fosse ressaltada por muitos estudantes, a perspectiva
de envolvimento em mais uma atividade pode parecer desanimadora. Desse modo, os esforços para divulgar
os benefícios que a participação nos grupos poderia trazer até mesmo para o desempenho acadêmico tiveram
que ser bastante estimulados. Por outro lado, as reuniões com grupos menores foram importantes para o
estabelecimento de vínculos mais intimistas, o que foi considerado um grande sucesso. Assim, o impacto no
bem-estar dos discentes teve repercussão: nos semestres seguintes à implantação, o número de interessados foi
crescente, e atualmente a atividade atende 55 estudantes.

Considerações Finais

A pandemia de Covid-19 afetou a dinâmica de iniciação no curso de Medicina da FCM UERJ. Essa
situação refletiu negativamente na saúde mental dos ingressantes. Nesse contexto, destaca-se a criação e o
papel do Grupo de Reflexão Online. O suporte oferecido construiu-se de forma ampla e diversificada, uma
vez que possibilitou desde a reflexão e conexão com colegas e professores até a inserção de estudantes na
produção de conhecimento acadêmico, participação em congressos e em atividades de extensão. Além disso,
o desenvolvimento deste projeto estabeleceu uma associação importante entre diferentes setores da faculdade
criando uma conexão saudável entre docentes, discentes e gestores.
O projeto trouxe uma série de consequências positivas, para além do que havia sido pautado a respeito da
saúde mental dos estudantes na sua elaboração inicial. Muitos estudantes relataram, além da possibilidade de
trocar com colegas e professores, diversas oportunidades que se abriram: participação de Projetos de Extensão
comandados pelos professores responsáveis pelos grupos; participação de Congressos e publicação de trabalhos
a respeito da vivência nos Grupos de Reflexão. Os professores, por outro lado, destacaram que a atividade foi
proveitosa por possibilitar a aproximação com colegas de departamentos diferentes, o que foi importante para
o aprimoramento das habilidades de trabalho em grupo, crucial na atualidade.
Nesse sentido, o projeto Grupo de Reflexão Online mostrou-se extremamente proveitoso para a
comunidade acadêmica da faculdade, tanto que está sendo expandido para um modelo de Mentoria, com um
número maior de participantes. Por fim, essa experiência tem sido bastante válida e pode ser recomendada
para outras universidades no Brasil.

Agradecimentos

Os estudantes autores deste texto agradecem a todos os docentes/orientadores envolvidos na construção


do capítulo. Todas as observações foram essenciais. O esforço e a dedicação de todos foi muito importante para
a escrita deste trabalho. Agradecimento especial aos seguintes orientadores: Penha Cristina Barradas Daltro
Santos, Mônica de Cássia Firmida, Ricardo Bedirian, Sandra Torres Serra, Ana Cláudia Santos Chazan e
Mariana Bteshe. Nossa imensa gratidão, também, aos outros professores voluntários: Carla Cazelli, Kallic

340
Fonseca, Rafael Cangemi e Luciana Rodrigues.
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Bibliografia

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AGG dos, Cunha EJO da, Aquino SHS de, Mesquita R da R, Souza CDF de. Covid-19 em Pacientes
Oncológicos: uma Revisão do Perfil Clínico-Epidemiológico. Rev. Bras. Cancerol. [Internet]. 1º de
junho de 2020 [citado 15º de outubro de 2021];66(TemaAtual):e-1046. Disponível em: https://rbc.inca.
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2. Biar MMM, Fernandes JPO, Herszage TZ, Barroso GS, Chazan ACS, Santos PCBD, editors.
CONTRIBUIÇÕES DOS GRUPOS DE REFLEXÃO ONLINE PARA ESTUDANTES E
PROFESSORES DE MEDICINA APÓS UM ANO DE EXPERIÊNCIA. Congresso Brasileiro de
Educação Médica; 2021 [Internet]. Anais dos Congressos Brasileiros da ABEM: [publisher unknown];
2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://doi.org/10.53692/Anais2021COBEM
3. Herszage TZ, Barroso GS, Biar MMM, Fernandes JPO, Chazan ACS, Santos PCBD, editors.
ACOLHIMENTO NA PANDEMIA: EXPERIÊNCIA DOS GRUPOS DE REFLEXÃO ONLINE
PARA ESTUDANTES DO PRIMEIRO ANO. Congresso Carioca e Capixaba de Educação Médica;
2021 [Internet]. ANAIS DOS CONGRESSOS REGIONAIS DA ABEM: [publisher unknown];
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4. Serra ST, Bteshe M, Bedirian R, Belz DS, Franco CF, Oliveira LSS. Implantação de mentoria on-line
em uma faculdade de medicina durante a pandemia da Covid-19. Rev bras educ med. 45 [Internet]. 2021
[acessado 9 Agosto 2021], 45 (suppl 1): e127. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.
supl.1-20210193.

341
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

O projeto PSICOVID no HUPE: experiência da


Psiquiatria e da Psicologia em parceria

Luisa Freire de Moraes1; Mariana Almeida Rabello2; Renata Gomes da Costa de Marca3;

Silvana Araujo Tavares Ferreira4; Vinicius Anciães Darriba5

1
Psicóloga do Ambulatório Multidisciplinar Pós-SARS-Cov-2 (HUPE-UERJ), ex-residente do Programa de Residência em

Psicologia Clínico-Institucional (HUPE-UERJ); 2Psicóloga do Instituto de Psicologia da UERJ, Preceptora do Programa

de Residência em Psicologia Clínico-Institucional (HUPE-UERJ); 3Psicóloga clínica, UDA de Psiquiatria (HUPE-UERJ);


4
Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, UDA de Psiquiatria (HUPE-UERJ); 5Professor do Instituto de

Psicologia da UERJ, Coordenador do Programa de Residência em Psicologia Clínico-Institucional (HUPE-UERJ)

Descritores em português: Internação hospitalar; SARS-Cov-2; saúde mental.

Descritores em inglês: Hospitalization; SARS-Cov-2; mental health.

Introdução

O ano de 2020 foi um ano singular para o Brasil e o mundo. Como espectadores de um daqueles filmes
que retratam futuros distópicos, vimos e acompanhamos a Covid-19 se iniciar na província de Wuhan na
China às vésperas do Natal de 2019 e ir se alastrando pela Ásia, Europa e dali para o mundo. Em 11 de março
de 2020 a OMS classificou o surto como uma pandemia, tendo o Brasil diagnosticado seu primeiro caso um
pouco antes, em 26 de fevereiro na cidade de São Paulo.
No cenário do estado do Rio de Janeiro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) foi convocado
a responder às demandas geradas por um número crescente de casos e mortes por Covid-19 e disponibilizou
leitos via sistema de regulação (SISREG) para o cuidado dos pacientes graves encaminhados pelo front,
metáfora bélica para os serviços públicos de saúde que funcionavam como portas de entrada no enfrentamento
à pandemia. Foi um período duro de adaptação do hospital e de suas equipes ao desafio de cuidar desses
pacientes, em que se combinavam falta de conhecimento sobre a doença, escassez de equipamentos de proteção
individual (EPIs) e número insuficiente de profissionais treinados para a tarefa, o que se dava tanto pela falta
de especialistas e intensivistas como pela alta taxa de adoecimento daqueles que estavam trabalhando.
Como pano de fundo ao cenário acima descrito, a realidade da morte e do luto, o sofrimento de pacientes
e seus familiares e o desespero dos profissionais de saúde sobrecarregados física e emocionalmente inquietava
professores, profissionais e residentes da Unidade Docente Assistencial de Psiquiatria e do Instituto de
Psicologia da UERJ atuante no HUPE e não tardou a gerar demandas. Pacientes, familiares e profissionais
de saúde passaram a apresentar altas taxas de sofrimento psíquico e sintomas psiquiátricos em consequência
da exposição ao que a nova realidade exigia. Essa constatação não foi exclusiva do HUPE, e ainda em 2020
artigos passaram a ser publicados, investigando o tema e tentando propor modos de intervenção.

342
Geralmente, aos olhos da população em geral, trabalhadores da área da saúde são vistos como fortes e
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

resilientes no manejo de situações novas e imprevistas. No entanto, a superfície de tranquilidade costuma ser
apenas uma armadura. Esse fato é bem evidente quando observamos que as taxas de suicídio, depressão e
abuso de substância entre profissionais de saúde, especialmente médicos, são bem superiores às da população
em geral1.
Durante a pandemia, profissionais de saúde relataram sentir-se à beira de uma tragédia iminente com
a qual tiveram que se deparar e enfrentar. Precisaram lidar com a solidão, pois frequentemente se afastaram
de suas famílias e redes de suporte por medo de contaminá-los, com a quarentena quando infectados, com o
medo da morte, com o ressentimento contra empregadores e governantes e com o luto antecipado por tudo
que teriam que vivenciar2. Shanafelt, pesquisando causas para sofrimento psíquico entre trabalhadores da
saúde, identificou oito fontes de ansiedade naqueles trabalhando no combate à Covid-19: (1) acesso a EPI
apropriado, (2) expor-se à Covid-19 no trabalho e levar a infecção para casa e familiares, (3) não ter acesso
à testagem no caso de surgimento de sintomas respiratórios e, concomitantemente, medo de propagar a
infecção no ambiente de trabalho, (4) incerteza se seus familiares terão suporte no caso deles adoecerem,
(5) bem-estar e cuidado dos filhos em virtude das horas ampliadas de trabalho e fechamento das escolas e
creches, (6) garantia de que familiares tenham acesso a insumos mínimos para sobrevivência (água, comida,
medicamentos, transporte), (7) serem competentes para trabalho em áreas diferentes de sua especialidade,
em caso de necessidade (ex: psiquiatras no Centro de Terapia Intensiva, CTI) e (8) dificuldade de acesso à
informação atualizada3.
Na China, Lai, em investigação preliminar durante a epidemia de Covid-19, evidenciou altas taxas de
depressão (50%), ansiedade (45%), insônia (34%) e angústia (72%) entre profissionais de saúde (42% deles
envolvidos diretamente no cuidado aos pacientes com Covid-19); porém, em sua grande maioria, os escores
de gravidade eram baixos. Esse quadro foi diferente entre mulheres, enfermeiras e naqueles trabalhando na
linha de frente, os quais apresentaram maiores taxas de quadros graves (10 a 20%)4.
Quando se tratava de pacientes e familiares, o quadro não era melhor. Frequentemente os pacientes
com quadros graves de Covid-19 passavam por internação prolongada, muitas vezes seguida de morte. Na
literatura, a média de permanência das internações superava vinte dias e envolvia isolamento dos pacientes de
seus familiares por questões de segurança. No HUPE (assim como em outros hospitais no Brasil e no mundo),
objetos como celular, tablets e livros eram considerados possíveis meios de transmissão, não sendo autorizados
a permanecer com os pacientes. Dessa forma, boa parte dos pacientes esteve sozinho, sem interação com o
mundo externo, desde sua internação até o dia de sua morte. Familiares, do lado de fora, padeceram pela
incerteza e não interação com seus entes queridos em um momento tão delicado. Considerando a taxa de
mortalidade das internações em CTI com ventilação mecânica para idosos, muitos deles viveram os últimos
dias em solidão e sofrimento físico.
Assim como ocorre com os pacientes internados em unidades que atendem a casos graves, os portadores
de Covid-19 internados em CTIs e enfermarias presenciaram o estado clínico de seus pares se agravarem
e evoluírem para desfechos desfavoráveis, temendo serem os próximos a partilhar do mesmo destino, sem
escolha ou potência perante todo o contexto. O distanciamento de seus vínculos familiares e a falta de escolha
privam os pacientes de seus traços identitários e, com isso, dificultam o acesso a recursos de enfrentamento
de crise e sofrimento psicológico, concorrendo para o surgimento ou agravamento de transtornos mentais

343
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

prévios ou novos5.
Considerando o acima descrito, as equipes da UDA de Psiquiatria e do Instituto de Psicologia da
UERJ atuante no HUPE, frente ao desejo de um engajamento mais ativo no esforço coletivo daqueles
que permaneceram juntos e trabalhando nesse enfrentamento de retaguarda à pandemia, desenvolveram o
PSICOVID, projeto dirigido ao cuidado da saúde mental dos profissionais de saúde, pacientes internados por
Covid-19 e seus familiares.
Quanto aos profissionais de saúde, encontramos modelos de cuidado como os de universidades americanas
como a UNC Chapel Hill e a Universidade da Califórnia e São Francisco, pioneiras nesse trabalho, que
utilizaram seus serviços de psiquiatria e psicologia2. Essas instituições consideraram que, na abordagem à saúde
mental dos profissionais de saúde no embate à Covid-19, seriam necessárias três linhas de ação: (1) medidas
preventivas (estratégias para redução de estresse, mindfulness e material educativo); (2) medidas de apoio em
“tempo real” (hotlines, suporte à crise) e (3) tratamento (teleatendimento em psiquiatria e psicoterapia).
Quanto aos pacientes e seus familiares encontramos menos referências. A partir de nossa experiência,
consideramos nosso objetivo principal que o paciente grave internado pudesse manter contato com seus
familiares, através de videochamadas realizadas por nossa equipe. Também realizamos atendimento psiquiátrico
aos pacientes internados, quando necessário, acompanhamento psicológico aos mesmos e também aos seus
familiares, assim como o acompanhamento destes durante e após notícia de óbito. Abaixo trazemos um pouco
do relato da nossa experiência nesse projeto.

Relato

A experiência da psicologia no cuidado aos pacientes internados e seus


familiares
Para realizar os atendimentos aos pacientes contaminados por Covid-19, foi necessário nos paramentarmos
da cabeça aos pés, fazendo uso dos seguintes EPIS: máscara N-95, faceshields, touca, capote, propé, luva...como
astronautas. Com a intenção de que os pacientes pudessem ver nossa fisionomia, usávamos presa à roupa
uma foto de nossos rostos, na tentativa de tornar aquela experiência um pouco menos extraterrestre, e um
pouco mais humana6. Para pensarmos hoje, a relevância desses atendimentos, destacamos, a partir da fala dos
pacientes, dois pontos que nos pareceram especialmente frequentes e centrais na experiência da internação: o
isolamento que a doença impõe e a proximidade da morte.
O isolamento dos pacientes contaminados por Covid-19 e internados nas enfermarias do hospital se
justificava pelo risco de contaminação e se fazia presente para além do fato de não se poder receber visitas e
não se ter acesso ao celular. Essa ruptura com o mundo exterior à enfermaria não se dava apenas em relação
aos outros, amigos e familiares, mas também em relação ao próprio sujeito, com o que fora até então, sua
história e suas marcas. Ao serem internados, os pacientes se desfaziam de todos os seus pertences, e no lugar
de suas próprias roupas, vestiam um pijama, igual para todos.
A perda desses pacientes não era só referente às suas singularidades, subjugadas por uma rotina
institucional rígida e invasiva, perdia-se também as capacidades do corpo. Muitos pacientes se viam não

344
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

sendo mais capazes de realizar atividades que antes faziam sozinhos, como, por exemplo, passavam a depender
da ajuda de profissionais para tomar banho, ou de aparelhos para respirar. A vulnerabilidade e a intimidade
estavam expostas a todo momento, aos olhares da equipe e dos outros pacientes.
Somada à ausência de referências familiares, que o ambiente asséptico do hospital engendra, o esvanecimento
dos limites entre o eu e o outro, o longo período de internação e o uso intenso de medicamentos contribuíam
também para a desorientação espacial e temporal de muitos pacientes, que afirmavam não saberem onde
estavam, há quanto tempo estavam ali, ou mesmo como haviam chegado. Muitos entravam em quadro de
delirium e imaginavam que haviam sido abandonados pelos familiares.
Dado esse cenário de tantas perdas, o atendimento aos pacientes era, além de tudo, uma forma de
estabelecer uma referência em meio a tamanho desterro subjetivo, criando-se a possibilidade de se endereçar
e se vincular a alguém. Dar a palavra àqueles pacientes era também permitir que, na medida em que falavam,
fosse possível rememorar ou mesmo reconstruir e historicizar o trajeto daqueles sujeitos até o momento atual,
dando lugar às suas singularidades. Abria-se uma via, portanto, para elaborar, nomear e criar uma narrativa
própria sobre aquele período de internação, sobre o qual muitas vezes não se tinha consciência ou lembranças
claras, por conta da sedação, mas que era acompanhado de muitas angústias e medos.
O segundo ponto que sublinhamos diz respeito à proximidade da morte. A morte se fazia presente
tanto no horror de ter visto muitos pacientes em leitos próximos morrerem, como no medo de ser o próximo
a morrer, ou ainda de saber ter se aproximado demais dessa possibilidade. Essa experiência, muitas vezes
traumática, era também, por outro lado, uma possibilidade de abertura. Ao oferecer a palavra ao sujeito,
tornava-se possível não só uma simbolização desse período, como também, para muitos, esse momento de
recuperação, de pós-intubação, por exemplo, era marcado por questionamentos como: de que forma continuar
vivendo, depois de quase morrer? Diante da pergunta sobre o que ainda moveria o desejo em vida, era comum
surgir uma ruptura com a vida que se levava anteriormente. Foi frequente escutar sujeitos falando que, depois
dessa internação, mudariam de vida: de trabalho, passariam mais tempo com a família, deixariam de fazer tudo
pelos outros, entre outras escolhas, que, de repente, pareciam não mais fazer sentido.
Também organizamos estratégia para acolhimento e assistência aos familiares dos pacientes internados no
HUPE por Covid-19, através da identificação desses no prontuário, busca ativa com acolhimento, atendimento
às solicitações da equipe e oferta de atendimento psicológico à distância. Considerando as medidas sanitárias
preconizadas pelo Ministério da Saúde diante do cenário de pandemia, as visitas presenciais aos pacientes
internados ficaram suspensas, aumentando a apreensão e a angústia das famílias que desejavam estar ao lado
dos seus nesse momento de gravidade. Uma das ações implementadas, diante de tal restrição, foi a realização
das visitas virtuais, com o intuito de promover o contato entre paciente e família, buscando favorecer tanto
o paciente na mobilização de recursos psíquicos para o enfrentamento da situação de adoecimento, quanto
à família na lida com a situação de crise. Além disso, o contato entre paciente e família, em contextos como
esse, pode se mostrar como um dos fatores relevantes para evitar complicações no processo de enlutamento,
no caso do paciente vir a falecer.
Contudo, cabe destacar que muitos pacientes não apresentavam condições clínicas para a realização das
visitas virtuais, especialmente quando se encontravam nos CTIs, tendo em vista a gravidade do quadro de
saúde. Nesse caso, as dificuldades enfrentadas pelas famílias mostravam-se ainda mais dramáticas, diante da

345
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

impossibilidade de ver e conversar com seus entes queridos. Sendo assim, buscando oferecer apoio psicológico
também a essas famílias, uma das ações em saúde mental fomentada pelo projeto foi a oferta de acolhimento
remoto a familiares de pacientes internados.
Essa etapa consistiu na busca ativa de familiares de pacientes internados, por meio de contato telefônico.
Dessa forma, a equipe, através da listagem de pacientes internados e também, sempre que possível, do contato
com membros das equipes de saúde das unidades, identificava as famílias a serem buscadas e entrava em
contato por meio do número telefônico do familiar que constava como referência. Assim, fazia-se a escuta
e o acolhimento remoto do familiar e, caso ele desejasse realizar acompanhamento psicológico regular, era
encaminhado para atendimento remoto com uma das psicólogas da equipe. O convite também era ampliado
para outros membros da família. Quando o familiar não apresentava demanda para uma continuidade de
acompanhamento, sendo indicado por ele ser suficiente o acolhimento remoto pontual oferecido naquele
momento, eram disponibilizados os telefones do serviço e os nomes das profissionais de referência, para que
ele pudesse acessar, caso sentisse necessidade em momento posterior. Muitos desses familiares contatados
encontravam espaço para contar e compartilhar um pouco da experiência que estavam vivenciando, agradeciam
a oferta da escuta e do acolhimento e relatavam estarem se sentindo amparados e cuidados pelo hospital dessa
maneira, sinalizando, em sua maioria, que ter contato diário com as equipes médicas a fim de ter notícias do
quadro de saúde de seus familiares era um dos fatores mais relevantes para eles naquele momento.
Além disso, cabe ressaltar que outra ação realizada pela equipe foi o acolhimento a familiares de pacientes
em casos de óbito. Nessas situações, caso a equipe de saúde ou a própria família solicitassem apoio, membros
da equipe de psicologia ofereciam escuta e acolhimento não só remotamente, mas, em algumas situações, de
forma presencial, no caso da família ter acabado de receber a notícia ou estar no hospital para resolver algum
trâmite, sendo respeitadas as medidas sanitárias preconizadas.
Acompanhávamos o momento do recebimento dessa notícia, pois sabíamos que o pouco que podia ser
feito naquele momento, a escuta, nossa presença, dizer alguma coisa do que foi nosso encontro com aquele
paciente, podiam ser muito diante do desamparo enfrentado por aquele familiar. Aquele breve espaço de
tempo cercado por tanto sofrimento colocava-se como possibilidade de conhecer aquele que se foi e, também,
pensar junto a esses familiares modos de se despedir, uma vez que as novas normas exigiram criatividade
nesse sentido. Era uma primeira etapa para que o trabalho de luto pudesse ser iniciado. Fomos percebendo
que a rotina diária do fornecimento do boletim médico para os familiares, informando o estado de saúde do
paciente somada à realização de videochamadas, tornou o momento dessa notícia um pouco menos abrupto.

A experiência da psiquiatria no cuidado aos pacientes graves e à equipe de


saúde
Durante a pandemia, a saúde mental foi considerada campo de cuidado indispensável. Mesmo quando
o foco do HUPE estava voltado para a disponibilização de leitos para os pacientes portadores de Covid-19
que não paravam de chegar, a unidade docente assistencial de Psiquiatria do HUPE continuou funcionando,
provendo atendimento online e presencial para nossos pacientes e para outros tantos que não paravam de nos
pedir ajuda. Como médicos e profissionais de saúde, no entanto, o desafio e o sofrimento causado pelo flagelo

346
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

da Covid-19 nos instava a participar do enfrentamento ao sofrimento por ela causada.


Psiquiatras, em algum grau, são aqueles médicos que se interessam mais pelos mistérios da mente e da
alma do que pelas certezas que o corpo traz em seu desvendamento relativamente fácil através do exame de
imagens, fluidos e atividade elétrica. No entanto, apesar de acostumados às experiências mais singulares e
desafiadoras da prática médica, psiquiatras não estão habituados a conviver de forma tão íntima com a morte.
A pandemia e a mudança da rotina de trabalho na UDA de Psiquiatria e no HUPE foram, assim, fonte de
bastante angústia para todos nós, angústia esta que pode ser enfrentada através da ação desenvolvida pelo
PSICOVID.
Para tanto, passou a fazer parte de nossa rotina a busca ativa diária de pacientes novos internados nos
CTIs e nas enfermarias Covid-19 do HUPE. Psiquiatras treinados para os artifícios do adoecimento da
mente e acostumados a utilizar a observação dos comportamentos e da fala, passamos a adentrar diariamente
os espaços dos CTIs e, através das inúmeras camadas de pano, capotes, máscaras, faceshields e do silêncio que
acompanha o medo da morte, avaliamos, escutamos, diagnosticamos e tratamos esses pacientes. Na maioria
das vezes esse tratamento foi a escuta do discurso tímido emitido por uma fala ofegante e difícil de escutar
através das N95 e do ruído da ventilação mecânica daqueles, que, mais graves, encontravam-se entubados. Os
celulares passaram a ser o instrumento de trabalho, o principal oponente da solidão e isolamento que a doença
impôs a esses pacientes durante suas internações: era através deles que fazíamos as visitas virtuais7.
O medo da morte e o isolamento era o denominador comum que unia pacientes e equipe de saúde e a
possibilidade de contato com familiares servia de alento para todos, além de servir como primeiro contato
com familiares para oferta de cuidado e proposta de suporte emocional. Cabe ressaltar que, enquanto se deu
a adesão de familiares e pacientes à oferta de tratamento e cuidado durante e após o período de internação,
o mesmo não ocorreu em relação aos profissionais de saúde. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros
profissionais de saúde envolvidos no cuidado aos pacientes internados por Covid-19 no HUPE utilizaram
pouco as ofertas de acolhimento oferecidas. Talvez assoberbados pelo trabalho e pelo sofrimento de tantas
vidas perdidas e decisões difíceis, não encontraram disponibilidade para enfrentar os fantasmas suscitados pela
situação ou espaço e tempo para o cuidado com eles mesmos8.
Quanto à experiência de uma forma geral, e que se mantém até hoje, entendemos que o PSICOVID se
configurou como um projeto importante para a formação de nossos médicos residentes, os quais puderam
desenvolver sua resiliência e habilidades de empatia e solidariedade humana e entender, a partir da ação em
situação limite, a importância da palavra e do cuidado em tempos de crise. Foi durante nossa reunião semanal
para avaliação do trabalho que A., residente de segundo ano, me relatou com um sorriso no rosto que havia
participado de uma festa: familiares de certo paciente prepararam uma festa para o horário da visita virtual
e comemoraram longe, mas juntos, mais um aniversário do paciente que passava seu dia no leito do CTI do
HUPE. G., também residente, mandou esta longa mensagem no dia em que, finalmente, conseguiu se vacinar:

“Quanta emoção e quantas lágrimas! Uma luz no fim do túnel! Não acabou mas a
esperança renasceu! Uma mistura de sentimentos: emoção e alívio e pesar. Meu coração
apertou pensando em tantos que perdemos, passou pela minha cabeça o nome de cada um,
entre pacientes e colegas de trabalho que morreram. Lembrei do sr. J., paciente terminal

347
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

no CTI que em uma das chamadas de vídeo que fizemos com a família (a última) pediu
para ver o neto que tinha nascido há 2 dias, lembrei da Dona M. que insistia em passar
sua “fórmula mágica” da receita do “melhor bolo de Madureira” para a filha, para que
seguisse a tradição de família caso ela fosse embora... e foi. Lembrei também do sr. G., que
se emocionou ao saber o meu nome e teve a certeza que isso era obra do seu anjo da guarda...
Como esquecer do sr. L., primeiro paciente de enfermeira Covid-19
que tive contato, que me marcou ao pedir para explicar ao neto em qual
pasta estariam os documentos importantes, pensando no testamento...
Esses foram alguns dos muitos que foram e hoje olham por nós lá de cima! Todo meu respeito
a todos esses que lutaram bravamente e meu carinho a essas famílias que tanto sofreram...
Essa vacina é o símbolo da esperança de dar um abraço bem gostoso nos meus
avós e a voltar a ter os almoços de domingo em família, da esperança em ver
todas as minhas amigas que não vejo há 1 ano... como vocês fazem falta !
E é um alívio saber que todos os nãos dados para encontros
foram provas de cuidado com quem amo e estão valendo a pena !
Obrigada Deus por ter me dado força para vivenciar cada situação que passei até aqui.
Foram meses muito difíceis, mas sei que estamos dando o primeiro passo para virar essa
página! E só desejo que daqui para frente a gente consiga escrever uma história com muito
mais empatia e amor ...”

Considerações Finais

Atualmente, enfrentamos e atravessamos um momento de sobreposição de tempos, no qual, enquanto


ainda vivemos a pandemia, com alto risco de novas contaminações, começamos a pensar nos efeitos e no
período posterior a essa doença, ainda tão desconhecida. No ambulatório Pós-Covid-19, acompanhamos
pacientes que relatam como sequelas do vírus, não só um cansaço físico a pequenos esforços, mas também é
recorrente escutar um cansaço de permanecer na mesma posição subjetiva que se ocupava antes de adoecer.
É possível pensarmos que experiências radicais de perdas são fecundas também para promover outros tipos
de rupturas. Para isso, no entanto, é necessário a palavra, a elaboração do que ainda se deseja depois de se ter
quase perdido o mundo dos desejos.

Bibliografia

1. Santa ND, Cantilino A. Suicídio entre Médicos e Estudantes de Medicina: Revisão de Literatura –
Revista Brasileira de Educação Médica 40 (4): 772-780; 2016.
2. Gold J. The Covid-19 crisis too few are talking about: health care workers’ mental health https://
www.statnews.com/2020/04/03/the-covid-19-crisis-too-few-are-talking-about-health-care-workers-
mental-health/

348
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

3. Shanafelt T, et al. - Understanding and Addressing Sources of Anxiety Among Health Care Professionals
During the Covid-19 Pandemic - JAMA Published online April 7, 2020.
4. Lai J, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to
coronavirus disease 2019. - JAMA Netw Open 2020 Mar 23; 3.
5. Crispim D, Silva MJ, Cedotti W, Câmara M, Gomes SA. Comunicação difícil e Covid-19 -
Recomendações práticas para comunicação e acolhimento em diferentes cenários da pandemia.
6. Cruz CO, Riera R. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES - Diagn Tratamento. 2016;21(3):106-8.
7. Fagiolini A. Covid-19 Diary from a Psychiatric Ward in Italy – J. Clin. Psychiatry 81:3, May/June 2020.
8. Ho CSH, et al. Mental Health Strategies to Combat the Psychological Impact of Covid-19 Beyond
Paranoia and Panic - 2020 Annals, Academy of Medicine, Singapore.

349
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

TELEPAPE - Pediatria: aproximação e contato em


tempos de isolamento social

Lívia Sesana Spyker de Oliveira1; Beatriz Garcia Lucio Silva1; Caroline Lyra Moreira1; Gabriela Zaquine Soares

Moreira1; João Antônio Gonçalves Bastos Torres1; Julie de Paula Oliveira1; Mayra Araujo Gomes Ferreira1; Sandra

Torres Serra2

Aluno graduação em Medicina FCM-UERJ; 2Psicóloga, Coordenadora do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante
1

PAPE –FCM UERJ

Descritores em português: Pandemia Covid-19-19; Graduação; Extensão; Educação Médica

Descritores em inglês: Covid-19-19 Pandemic; Under-graduate; Extension Teaching; Medical

Introdução

O Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante (PAPE), em parceria com profissionais da


Enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), promoveu, ao longo do mês de
setembro de 2021, a aproximação de alunos do 3ºperíodo do curso de Medicina da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) com famílias e pacientes internados na enfermaria de pediatria do HUPE. O projeto “PAPE-
Pediatria: Fundamentando a Práxis Médica na Humanização da Assistência à Criança Hospitalizada” existe
na FCM desde 2005, e foi remodelado funcionando em modalidade híbrida e com vagas reduzidas, devido ao
contexto de pandemia. O objetivo foi colocar os alunos em contato com os pacientes internados e com seus
familiares, a partir de um olhar humanístico, para conversar e ser uma fonte de suporte para aquelas pessoas.
Foram ao todo 4 visitas realizadas na enfermaria, além de momentos de capacitação e de reuniões semanais
de supervisão de estudantes para a troca de experiências.

Relato

O funcionamento do Projeto em tempos de distanciamento social


No ano de 2020, o contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus causou uma série de mudanças no
funcionamento da nossa universidade e do nosso hospital1. O projeto PAPE-Pediatria, que funcionava desde
2005 realizando a aproximação entre os alunos do 2º ano e as crianças internadas na enfermaria de pediatria
do HUPE foi completamente interrompido, uma vez que o distanciamento social não permitia a presença
dos alunos no ambiente hospitalar. No entanto, essa iniciativa sempre foi recebida com muito entusiasmo pelo
corpo discente, visto que essa era a primeira oportunidade de muitos estarem dentro do hospital, aspecto tão
valorizado no período do ciclo básico, que é praticamente todo teórico; por outro lado, crianças e familiares

350
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

também se beneficiavam dessa dinâmica, uma vez que os alunos traziam conforto e distração para um período
de grandes incertezas e angústias. Levando esses fatores em consideração, no ano de 2021, a psicóloga Sandra
Torres teve a iniciativa de reformular o projeto, agregando a ele as novas ferramentas criadas durante o
período de isolamento social. O projeto, então, foi submetido ao Departamento de Extensão sob o título
de “TELEPAPE - Pediatria: Aproximação e contato em tempos de isolamento social”. Assim, nessa nova
formulação, a aproximação dos alunos com os pacientes internados na Enfermaria de Pediatria do HUPE
e seus familiares seria feita com o uso de tecnologias de comunicação, como chamadas em vídeo e trocas de
mensagem. Os objetivos do projeto permaneceram os mesmos: estabelecer vínculos entre os alunos da FCM
e os pacientes; contribuir para a formação humanística dos estudantes; fornecer apoio, escuta e atividades para
as crianças e seus familiares; fazer a primeira introdução dos alunos no contexto da Enfermaria. Para esse
projeto, foi fornecida uma bolsa de Extensão para uma aluna do 2º ano, que seria responsável, em conjunto
com a coordenadora do projeto, por mediar a relação entre a chefia da enfermaria e os alunos, além de mediar
as interações dos alunos participantes, fornecendo suporte organizacional.
Após o cadastro da iniciativa como Projeto de Extensão junto ao DepExt, iniciaram-se as reuniões com
a chefia da Enfermaria de Pediatria do HUPE. Para melhor organização e comunicação, foi criado um grupo
de WhatsApp com a psicóloga Sandra, a aluna bolsista, e três membros da enfermaria: a enfermeira chefe
Adriana, a médica responsável Paula e outra médica, a Dra. Luciene, que se aposentou durante a execução do
projeto. Em um primeiro momento, essas reuniões foram feitas de forma remota, através da plataforma Google
Meets. Durante esses encontros, explicamos qual eram nossos objetivos e o desenho inicial do projeto que
havíamos planejado. A equipe foi extremamente receptiva, lembrando com muito carinho dos anos anteriores
do projeto. Elas contribuíram elucidando como estava o fluxo e a nova dinâmica da Enfermaria, desde que a
pandemia começou: a rotatividade de pacientes era bem maior, e a enfermaria estava constantemente cheia,
com os 14 leitos ocupados. No que tange à funcionalidade do projeto na prática, entretanto, algumas alterações
tiveram que ser feitas. Ao longo de nossas conversas, as médicas e enfermeira responsáveis relataram que o
uso de tecnologias da informação no contexto da Enfermaria seria algo difícil, pois seria necessário que algum
funcionário ficasse responsável por fazer o intermédio entre os pais e os alunos, com o uso de celulares; como
a demanda da Enfermaria atualmente é muito intensa, esse seria uma tarefa complicada. Sendo assim, como
o intuito do projeto sempre foi agregar e facilitar o convívio neste espaço, começamos a pensar em adaptações
que pudessem ser feitas.
Como alternativa, a equipe nos sugeriu o contato presencial, fazendo uso da varanda da Enfermaria, que
é um ambiente aberto e frequentemente utilizado por crianças e responsáveis, mediante o uso de máscaras.
A mudança do projeto, que inicialmente tinha sido pensado para ser realizado de maneira remota, para uma
abordagem híbrida, foi uma surpresa positiva, porém demandou bastante planejamento. Os alunos do 2º
ano já estavam completamente vacinados contra a Covid-19, e estavam frequentando o ambiente da FCM
uma vez por semana, para realizarem a reposição de atividades práticas. Desse modo, planejamos a execução
do projeto de uma maneira que fosse, ao mesmo tempo segura para todos, como também facilitada aos
alunos, aproveitando os dias em que eles já estivessem nas dependências do HUPE. Originalmente, seriam
disponibilizadas 12 vagas para a turma; porém, com a perspectiva da abordagem presencial, optamos por
reduzir esse número para 10 vagas. Os alunos seriam distribuídos em 5 duplas, e cada uma teria um período de

351
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

1h30min por semana para estarem nas dependências da Enfermaria. Assim, conseguimos reduzir o número
de pessoas no ambiente hospitalar, de modo não apenas a evitar aglomerações, mas também possibilitando um
contato mais íntimo com os pacientes.
Após alguns encontros on-line, a psicóloga Sandra e a aluna bolsista responsável pela planificação tiveram uma
reunião no anfiteatro da Pediatria no HUPE. Assim, puderam conversar com mais calma com as profissionais
responsáveis, além de visualizarem, na prática, como estavam as condições da Enfermaria. Nesse encontro, foram
transmitidas algumas informações que eram essenciais para o funcionamento do projeto, como: normas de
higiene, sendo proibido o uso de adornos nas dependências da Enfermaria; a necessidade de identificação no
balcão da enfermagem; a obrigatoriedade do uso de jaleco; a proibição da captura de fotos dos pacientes, entre
outras. O staff da Enfermaria foi, como em todas as outras oportunidades, extremamente receptivo e acolhedor,
sempre contribuindo com ideias e sugestões para uma dinâmica mais significativa para os alunos.

Captação de alunos
Após o período determinado para a planificação do projeto, iniciou-se a etapa de captação de alunos
voluntários. Os procedimentos de inscrição foram feitos de maneira totalmente on-line, com a utilização de
postagens digitais para chamar atenção dos alunos e divulgação de um formulário elaborado na plataforma
Google Forms. É importante ressaltar que, para o procedimento de inscrição, era indispensável que o aluno
enviasse o comprovante de vacinação com as duas doses da vacina contra Covid-19. Além disso, no formulário
também disponibilizamos um espaço para que os interessados elaborassem um texto a respeito do interesse
pelo projeto; esse texto não foi utilizado como critério de participação, sendo usado apenas para diagnóstico
das expectativas dos alunos. Entre as respostas mais comuns, estavam o anseio pelo contato com pacientes
depois de um longo período de ensino remoto, e a importância de experiências de humanização durante a
formação médica.
Dos 104 alunos que fazem parte do 2º ano da FCM, 53 alunos demonstraram interesse em participar
do projeto, o que demonstra o interesse em projetos com esse viés. Como existia uma restrição em relação ao
número de participantes, foi necessária a realização de um sorteio para a seleção.

Reunião de capacitação
Uma vez selecionados os alunos, foi marcada a primeira reunião de capacitação com o intuito de explicar
o funcionamento do projeto e, também, promover uma dinâmica para a interação entre os participantes. Para
cada um, foi solicitada a seleção de três fotos da infância que guardassem algum significado ou trouxessem
alguma lembrança. Elas foram utilizadas para abrir nossas discussões, de forma que, após todos estarem
presentes, as duplas sorteadas para cada turno foram separadas em diferentes salas na ambiência on-line. Nesse
momento, foi sugerido que os participantes apresentassem pelo menos uma das imagens (fotos) escolhidas,
explicando o motivo dessa escolha. Depois, novamente reunidos, as duplas se apresentaram, resgatando a
partir das fotos trazidas os momentos significativos da sua infância. Essa foi uma oportunidade não apenas
de permitir que todos se conhecessem um pouco melhor, mas também de abordar o tópico “família” e a

352
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

percepção da diversidade de histórias de vida, pois na enfermaria as realidades encontradas seriam muito
diferentes, entre si e das nossas próprias. Entretanto, um dos aprendizados seria o de, justamente, saber lidar
com tais diferenças. Além disso, essa pluralidade estaria concentrada em um território que até então ainda era
desconhecido aos alunos do ciclo básico.
Para aprofundar essa reflexão, o início do filme “Hipócrates” foi transmitido, mostrando os primeiros
momentos do protagonista no ambiente hospitalar. Em comum com a personagem, estava o fato de ele ser
um estudante de medicina em sua primeira ida ao hospital, mas será que estaria também a visível confusão
sentida pelo rapaz ao transitar naquele espaço? Para evitar uma resposta positiva, é muito importante o
reconhecimento das chefias e o cumprimento de suas orientações. Então, a primeira ação a ser feita em
todas as visitas deveria ser sempre de se dirigir à bancada da enfermaria, apresentando-se como estudante do
segundo ano de Medicina e participante do projeto com o PAPE. Da mesma maneira, a equipe deveria ser
consultada sobre informações relevantes para aquele dia, como famílias ou crianças que estivessem precisando
de maior atenção ou que, talvez, não fossem receber muito bem uma aproximação. Porém, independente do
caso, a regra geral era de observar bem o ambiente, respeitar as limitações impostas pela pandemia e manter
a cautela e a educação, pedindo licença e se dirigindo ao acompanhante, identificando-se e explicando nosso
objetivo de promover escuta e acolhimento. Ou seja, a intervenção dos alunos no espaço estaria focada na
produção subjetiva, de maneira a estarem presentes com os pacientes e, ao mesmo tempo, consigo mesmos,
visto que só, conforme trazido pela professora, “a gente só sabe se relacionar quando nos percebemos nas
relações”. Durante esse processo de aprendizado, as trocas e vivências ocorridas na enfermaria, seriam também
trabalhadas após cada ida em um diário de campo, anotando sentimentos, percepções e sensações, e também
em encontros semanais que seriam realizados com o grupo. Assim, partindo do pressuposto que medicina é
relação, a ideia do projeto seria de colocar isso em prática, pois a técnica seria aprendida ao longo de todo o
curso nas disciplinas, mas essa elaboração psíquica, não.
Após alguns dias, aconteceu a reunião presencial na enfermaria de Pediatria. Primeiramente, o encontro
ocorreu rapidamente no prédio da FCM para que todos se encontrassem e seguissem juntos até o segundo
andar do HUPE. Lá, o grupo ficou conversando durante um tempo para relembrar a motivação do projeto e
discutir algumas ideias a respeito do papel do médico e da fundamentalidade da abordagem multidisciplinar.
Após alguns minutos, chegaram as chefias das equipes médica e de enfermagem, Profa. Paula e Enf. Adriana,
agregando-se à reunião. Elas ressaltaram alguns pontos sobre a dinâmica da enfermaria no contexto da
pandemia. Por exemplo, em períodos de normalidade, as visitas já eram restritas devido ao alto grau de
comprometimento imune dos pacientes e o risco de pessoas de fora acabarem os infectando. Ou seja, mesmo
antes da pandemia, todo cuidado era pouco, mas com o coronavírus as medidas foram intensificadas e
reforçadas - apenas um acompanhante, suspensão das atividades na sala de recreação e das sessões de cinema,
recolhimento dos brinquedos e contato físico apenas com o uso do capote. Além disso, era imprescindível
considerar os fatores sociais associados a cada uma das famílias, pois nem sempre a sua dinâmica funciona
da melhor maneira possível. Pelo contrário, não é difícil que algumas crianças, especialmente aquelas com
condições crônicas, estejam abandonadas ou recebam visitas raramente. Esse é mais um dos motivos pelos
quais a presença de uma equipe interdisciplinar é indispensável, considerando que o médico é, muitas vezes,
a porta de entrada para diversos outros profissionais que irão colaborar na busca do atendimento da saúde

353
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

integral dos pacientes. Depois, ao debatermos mais alguns aspectos de biossegurança como o uso obrigatório
do jaleco, a necessidade da lavagem recorrente das mãos, a política do “adorno zero” e o uso do cabelo sempre
preso, discutiu-se possibilidades de atuação naquele espaço. Foram levantadas algumas sugestões como trazer
livros ou brinquedos de fácil higienização ou transmitir vídeos com o próprio celular, desde que higienizado e
coberto em papel filme. Por último, os alunos foram divididos em dois grupos para, brevemente, adentrarem
a enfermaria e exercerem esse primeiro contato com o ambiente em que estariam presentes por quatro
momentos ao longo daquele mês.

Relato sobre as visitas


O projeto de aproximação do PAPE foi essencial para que percebêssemos como as emoções nos tornam
humanos, além de fazer com que exercitássemos a todo tempo, às vezes de maneira até inconsciente, a empatia.
Essas quatro semanas na enfermaria da pediatria nos ensinaram muita coisa, coisas que não vemos nos livros,
coisas que só são vistas e sentidas na prática, no contato com o outro. Esse período nos fez dar risadas, chorar,
nos fez sentir angustiados e impotentes, dar conselhos, receber conselhos, escutar o outro e, principalmente,
nos descobrir no outro.
Cada semana na enfermaria era uma nova experiência, e é preciso coragem para estar totalmente aberto a
descobrir e vivenciar o “novo”. Durante as visitas, em cada box onde estavam as crianças era uma descoberta,
ouvíamos as histórias de cada uma, a partir das suas próprias perspectivas. Nesse sentido, múltiplos sentimentos
eram despertados e exercitados, bastava trocar de leito: ao mesmo tempo em que proporciona grande angústia
em ver crianças ainda muito pequenas já enfrentando doenças e tratamentos complexos e desafiadores,
também nos trouxe leveza e alegria com os sorrisos mais sinceros e despretensiosos, e nos mostra a força e
capacidade de resiliência da infância. Apesar de, em alguns momentos, o sofrimento ser experimentado em
sua forma mais explícita, os momentos de brincadeiras, interação social e companheirismo às crianças e suas
famílias inverteram brilhantemente a lógica que nos levava à enfermaria: enquanto passeávamos pelos leitos
com o intuito de conversar e acolher, éramos nós os que mais recebiam carinho e acolhimento.
A cada visita, o sentimento de tristeza ia sendo substituído à medida que nos conectávamos com as
crianças, algumas mais falantes, outras menos. Nosso intuito era, sempre que possível, permitir e estimular a
expressão e individualidade da criança, fornecendo a ela um espaço para compartilhar suas dúvidas, incômodos,
tristezas e alegrias; enfim, tudo o que estava sentindo e vivenciando no ambiente hospitalar que sentisse a
necessidade de verbalizar, sem julgamentos e com uma escuta aberta. Normalmente, os pequenos falavam
sobre a sua rotina em casa, quais brincadeiras gostavam, com quem costumavam interagir e socializar e em
como estavam ansiosos para poder voltar para casa. Muitas crianças ali não compreendiam muito bem o que
estava acontecendo na sua situação de hospitalização - pelo menos não sob o escopo do raciocínio lógico e
operacional formal- e queriam apenas a oportunidade de sair do hospital e a chance de aproveitar sua infância;
por isso elas ficavam tão radiantes com a interação que buscávamos construir junto a elas. O objetivo do
projeto era promover a nossa aproximação com as crianças e com seus responsáveis, levando alegria e visando
aliviar esse momento que cada família estava vivendo, mas em muitos momentos nas visitas eram as crianças
que nos traziam alegria, com sua alegria e sua força mesmo diante de situações tão difíceis.

354
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Além da interação com as crianças e suas famílias, as visitas também nos permitiram observar e vivenciar a
dinâmica de um serviço de saúde, no contexto de um dos mais relevantes hospitais universitários do país, centro
de produção de conhecimento, de formação e capacitação de profissionais e, de cuidado e atendimento em
saúde de altíssima qualidade e, acima de tudo, público. Nesse contexto, não só pudemos exercitar habilidades e
competências socioemocionais e comunicativas durante as visitas, mas também experimentar e compreender
melhor como se organiza a dinâmica de um serviço de saúde, com profissionais de diversas formações atuando
em conjunto, de maneira complementar e integrada em prol do melhor atendimento possível ao paciente.
Vivenciar a multidisciplinaridade no cuidado e nos processos de saúde e adoecimento, observar o trabalho
conjunto das diversas equipes, com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas guiados
pelo mesmo objetivo, sem dúvida, foi algo que fez parte de todas as visitas e contribuiu enormemente para
nossa formação, enquanto futuros médicos.
Como uma forma de nos despedirmos temporariamente da enfermaria, nós tivemos a iniciativa de, com
a autorização das chefias, organizar uma última visita na data muito especial do dia das crianças. Não haveria
momento melhor do que este para estar perto delas e tentar, de alguma forma, trazer um pouco de alegria para
elas e suas famílias. Então, o intervalo de uma semana que nos separava desta data serviu para explorarmos a
criatividade e levantarmos ideias. Poderíamos trabalhar com música, jogos, arte, mímica, desenhos ou qualquer
outra atividade que servisse para arrancar risadas - as delas, as nossas e até as da equipe, caso desejassem
participar. E foi exatamente com essa animação e uma série de expectativas que chegamos no hospital naquela
terça-feira à tarde. Porém, nada ocorreu exatamente como o planejado, pois no momento em que olhamos o
quadro de pacientes percebemos que apenas os bebês estavam na enfermaria. O único com mais de um ano
havia passado pela primeira quimioterapia no dia anterior e, conforme nos avisou a enfermeira, não estava
muito receptivo. Além dele, uma outra família também enfrenta uma situação especialmente delicada e seria
melhor não tentarmos qualquer aproximação. Bem, ainda havia duas crianças com as quais poderíamos nos
conectar e não iríamos desistir tão fácil. Elas eram, coincidência ou não, justamente as que nos foram primeiro
apresentadas, ainda nas reuniões de início do projeto. Ou seja, começaríamos e terminaríamos nosso ciclo na
presença delas e, mesmo com as possibilidades limitadas de interação, tocamos músicas, cantamos, distribuímos
carinhos e produzimos nós mesmos alguns desenhos para colar nas paredes dos boxes como recordação. Como
resposta, obtivemos algumas lágrimas, muitos olhares e uma queda no sono, o que, originalmente, não era nem
perto do que esperávamos, mas foi como deveria ser e valeu a pena. Cada minuto que passamos, do começo
ao fim do projeto, valeu extremamente a pena.

Reuniões de capacitação
A primeira reunião de supervisão ocorreu no dia 17/09/2021. Nessa ocasião, os alunos relataram o
nervosismo e ansiedade diante do primeiro contato com a enfermaria de pediatria. Sabemos que o nervosismo
é esperado em cenários de novas descobertas da vida, mas também estava presente um imenso sentimento
de gratidão pela oportunidade de fazer parte do projeto. Foi discutido sobre a importância de consultar o
prontuário do paciente para obtermos algumas informações prévias antes de abordar a criança e a família, já
que essa atitude seria uma forma de facilitar o contato e a conexão com a família. A visão de que é sempre a

355
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

mãe que acompanha a criança foi desfeita, já que em vários casos as crianças eram acompanhadas pelo pai, ou
parentes, como tios e avós. Ademais, foi discutido o impacto do diagnóstico para a família e para o paciente,
como isso muda a vida da pessoa e da família. Percebemos as dificuldades de aceitação do diagnóstico da
doença da criança, a importância de conversar tanto com a criança quanto com a família sobre a necessidade
dos procedimentos, a importância da adesão ao tratamento. Vimos a importância não só do médico, mas de
toda uma equipe multidisciplinar, que além de cuidar do quadro daquele paciente, dão suporte psicológico
para ele e para a família, que está ali disposto a escutar os anseios, os medos, e confortar sempre que necessário.
Na reunião do dia 23/09/2021 discutimos a dificuldade de escolhermos as melhores palavras, as palavras
certas para tentar confortar a criança e a família. Observamos como o sofrimento de descobrir uma doença no
filho pode persistir para sempre na família. Uma das coisas que ajuda a confortar o paciente e a família, é dizer
que vai ser feito o melhor e o possível para que dê tudo certo. Observamos como o contato do médico com o
paciente é precioso, e no Projeto podemos refletir sobre a dimensão do peso e do valor da palavra do médico.
O que o médico fala para o paciente tem grande valor, ele deve escutar, acolher, além de reunir uma equipe
multidisciplinar para formar uma rede de apoio para a melhoria do paciente. Devemos fortalecer a capacidade
de empatia, compreensão, amor ao próximo para auxiliar no enfrentamento e superação por parte do paciente.
Se mostrar parceiro no enfrentamento das dificuldades, fazer o outro sentir que pode contar contigo, oferecer
apoio e conforto. Também foi discutido sobre as mães que relataram como se sentem acolhidas com seus filhos
no HUPE, já que em outros hospitais passaram por situações traumatizantes e atendimento pouco humanizado.
Na reunião do dia 01/10/2021 foi debatido como a falta da figura paterna ou materna impacta na vida da
criança, sendo a presença essencial para o bom desenvolvimento do filho. Uma situação específica de afastamento
pode gerar ansiedade, depressão e afetar intensamente o desenvolvimento emocional da criança, como vimos
acontecer com um dos pacientes. Assuntos sobre inclusão social de pessoas deficientes também foram debatidos
em função do contato com uma criança nesta condição, internada na Enfermaria. Foi discutida a necessidade
de se pensar as questões de inclusão social necessárias para o bem estar das crianças com deficiência, e o papel
social do médico foi discutido, uma vez que na interlocução com outras especialidades, ele pode contribuir
para garantir direitos e trazer uma nova perspectiva de vida para essas pessoas. É importante essa reflexão na
faculdade de medicina, nas escolas, no trabalho, nas consultas médicas, e na própria casa.
Na reunião do dia 08/10/2021 foi discutida a importância da oferta de atendimento psicológico para as
crianças e familiares e a importância de aceitarmos os efeitos mais subjetivos do contato médico-paciente,
no nosso caso, estudante-paciente. Antigamente, se falava que médico bom é aquele que não se envolve e
que não demonstra sentimentos. Sabemos que não tem como evitar o envolvimento. Já estamos envolvidos,
vamos nos emocionar, ter vontade de chorar, nos sentiremos afetados. De uns anos para cá, isso felizmente
vem mudando. Percebemos que o médico irá se envolver de alguma forma com seu paciente, querendo ou
não, é algo inevitável. As questões do paciente vão nos fazer refletir, ficar tristes, ansiosos ou revoltados. A
questão é o que fazemos com isso para auxiliar no bem estar do paciente e da família. Não devemos congelar
os sentimentos. Sentimento é algo inevitável do ser humano. Não tem como entregar humanidade se não for
uma pessoa humana, e esta possui sentimentos, expressa sentimentos. Devemos preservar isso, e não tentar
mudar. Ser forte é enfrentar os desafios, é ter coragem de enfrentar as dificuldades, é não se esquivar dos
problemas da vida. É importante sempre se mostrar ao lado do paciente em todos os momentos.

356
— PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Considerações Finais
A vivência proporcionada pelo Projeto nos fez crescer como profissionais, mas também como pessoas.
Aprender a lidar com os sentimentos que iam surgindo foi um dos grandes desafios, assim como saber escutar,
uma forma importante de fortalecer as relações e criar conexões. Além disso, essa experiência fez com que nos
colocássemos a todo instante no lugar do outro, o que é de suma importância na medicina humanizada, para
conseguir cuidar de maneira mais acolhedora e sensível.
O contato mais humano com os pacientes e famílias foi muito importante para colocar em prática todo
o conteúdo teórico de humanidade que a FCM-UERJ nos oferta no ciclo básico. Ao longo desses 3 períodos,
disciplinas como Saúde Coletiva, Medicina de Família e Psicologia Médica reforçaram a importância de
olharmos para o ser humano, e não para a doença dele. E foi exatamente isso que este projeto do PAPE
propôs. Além de consolidar o conteúdo teórico, novos sentimentos e percepções foram evidenciados. Dessa
forma, o projeto nos mostrou que quanto mais sentimos, mais existimos e mais nos tornamos um ser humano
mais empático.
O projeto foi importante para que pudéssemos perceber como o processo de adoecimento afetava as crianças
e toda a família. Durante as visitas, tivemos a oportunidade de conversar com os responsáveis das crianças,
entender como era a dinâmica familiar antes e o que mudou após o diagnóstico. Foi possível perceber o conjunto
de emoções que os responsáveis vivem e perceber também como os pais também necessitam de suporte nesse
momento, muitos deles viam em nós a oportunidade de desabafar e tentar dividir o momento que estavam
passando. Essa experiência foi muito importante para percebermos que, para além do paciente, há outras pessoas
envolvidas que também necessitam de suporte, que o contato do profissional de saúde não deve ser apenas
tecnicista, para fazer uma avaliação de rotina ou realizar algum procedimento, mas deve ser criado um espaço
acolhedor, que transmita segurança para os paciente e os acompanhantes, a fim de que eles se sintam acolhidos.
Um dos grandes ensinamentos do projeto do PAPE foi que devemos olhar cada paciente para além
de sua condição clínica, com um olhar integrado e que cada indivíduo que acompanha o paciente de certa
forma adoece junto, por isso é importante se doar e se permitir sentir, conversar, entender tudo o que está se
passando, a fim de prestar um atendimento mais humano.

Agradecimentos

Portanto, deixamos aqui um agradecimento especial à médica responsável Paula Florence Sampaio, à
enfermeira chefe Adriana Gomes de Oliveira e a toda a equipe multidisciplinar da Enfermaria de Pediatria do
HUPE pelo acolhimento. Agradecemos também aos colegas que compartilharam esta experiência conosco.
Fica a certeza de que fizemos um trabalho significativo juntos.

Bibliografia
1- Serra ST, Bteshe M, Bedirian R, Belz DS, Franco CF, Oliveira LSS. Implementação de mentoria on-line em uma faculdade de
medicina durante a pandemia da Covid-19. Rev. bras. educ. med. 2021; 45 (1): 1-6.

357
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Protagonismo
Discente
— PROTAGONISMO DISCENTE

A pandemia sob o olhar discente


Beatriz Garcia Lucio Silva1; Adriel Fester Duarte¹; Eveline Candeco Derzi Pinheiro¹; Jonathan William Lopes1; Luiz

Fernando Resemini1; Mariana Soares da Cal¹; Ricardo Bedirian²

1
Estudante de Graduação da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ;
2
Professor Adjunto de Clínica Médica e Coordenador de Graduação da FCM UERJ

Descritores em português: ensino médico; ensino remoto; saúde mental; Covid-19; pandemia

Descritores em inglês: medical education; remote learning; mental health; Covid-19; pandemic

Introdução

Este capítulo tem por objetivo mostrar como foram as vivências e sentimentos dos discentes durante a
pandemia e os desafios decorrentes da adaptação à nova realidade do ensino remoto. O curso de medicina, em
condições “normais” já é muito estressante e desafiador e a pandemia trouxe elementos estressores adicionais.

Relatos
1° relato
Beatriz Garcia Lucio Silva, representante da turma ingressante em março de 2020
“Com certeza, em março de 2020, ninguém sequer imaginava tudo o que estava para acontecer no mundo, em
decorrência da pandemia pelo novo Coronavírus, pelos menos não nas proporções corretas”. Até mesmo porque, naquelas
duas primeiras semanas, as coisas ainda pareciam fluir dentro da normalidade. Quero dizer, dentro da normalidade
possível para um grupo de pessoas que havia acabado de passar no vestibular.
Era a realização de um sonho que todos, cada um à sua maneira, destinaram muito tempo e esforço para conseguir
alcançar. Em nossos imaginários, estávamos vivendo o começo de tudo, desfrutando o início de uma longa trajetória,
sem economizar nas expectativas. Além disso, esse sentimento de êxtase só foi reforçado por tudo o que havia acontecido
até o momento: a pré-matrícula, as atividades da semana de recepção, os primeiros contatos com a faculdade e, claro,
a primeira semana de aula. Primeiro, o contato com os veteranos em tudo o que foi cuidadosamente planejado para a
Recepção, serviu como um ânimo extra para todas as possibilidades que se abriam com nossa chegada à FCM - ligas,
projetos de extensão, centro acadêmico, intercâmbio, monitorias, iniciação científica, atlética e, por último, mas não
menos importantes, as famosas festas. Não demorou muito para vivenciarmos um pouco deste universo, uma vez que
nossas primeiras aulas aconteceram logo em seguida.
Ainda estão frescas as lembranças do desespero coletivo com os intermináveis nomes de acidentes ósseos, o primeiro
estudo dirigido de bioquímica, a dúvida constante de saber onde cada aula aconteceria (“301 ou 401?”), os almoços
realizados às pressas e as pequenas disputas pelos melhores lugares na sala. Não tivemos tempo o suficiente para nos
acostumarmos, pois foi no final dessa mesma semana que anunciaram os quinze dias, o fatídico intervalo em que, a

359
princípio, ficaríamos em casa até que a situação se regularizasse, mas que, inevitavelmente, transformaram-se em meses.
— PROTAGONISMO DISCENTE

Foram seis meses em que nem a gente, nem qualquer outra pessoa, sabia direito o que sentir ou o que esperar. Mesmo
hoje é difícil escolher uma palavra que possa definir exatamente todas as emoções que preencheram esse período, talvez
frustração, angústia, decepção, ansiedade, apreensão e medo. Não só pelas incertezas relacionadas ao nosso futuro, a falta
de perspectiva de melhora das condições sanitárias, a ausência de um planejamento para manejar a situação, a duração dos
próximos semestres e os cortes de conteúdos que precisariam ser feitos, a chance de sofrermos defasagens no ensino, a falta
de pertencimento, os murmúrios sobre a possibilidade de adotarmos o ensino remoto, mas também todos os outros eventos
que estavam acontecendo externamente.
O número de mortes que só crescia, a resistência das autoridades em adotar estratégias resolutivas, as notícias falsas
e piadas irresponsáveis amplamente disseminadas, a impossibilidade de se pensar em vacina naquele momento, a saúde
de todas as pessoas que amamos e zelamos. Com isso tudo, o resultado era, justamente, o oposto do sentimento que se
sobressaltava no início do ano, pois era como se um aglomerado de notícias ruins ininterruptas estivesse impedindo
qualquer esperança de melhora em curto prazo.
Porém, dentro disso, alguns esforços vindos dos professores, coordenação e veteranos buscaram tentar atenuar, pelo
menos um pouco, o que estávamos passando, de forma que surgiram palestras, aulas excepcionais, discussões de casos
clínicos, atividades e rodas de conversa para nos integrar um pouco mais no ambiente acadêmico e elevar nossos ânimos,
como uma maneira sutil de demonstrar que já fazíamos parte desse espaço e não estávamos sozinhos para atravessar esse
momento difícil que, eventualmente, iria melhorar.
Esse não era, nem de longe, o primeiro desafio que a universidade atravessava e, tampouco, seria o último. Então,
o ensino remoto deixou de ser uma especulação para se tornar uma realidade,1,2 porque após meses de espera e ainda sem
possibilidades concretas de melhora, essa pareceu a opção mais razoável, mesmo que, inevitavelmente, ela fosse trazer
consigo uma série de novas incertezas. Era um modelo desconhecido por toda a comunidade acadêmica, uma aprendizagem
que envolveriam ambos alunos e professores, mas além desses desafios proporcionados pela tecnologia, também existiam
as inseguranças naturais de alguém que inicia em um curso superior, pois mesmo após algum tempo já matriculados,
ainda não sabíamos questões básicas sobre como seria o ritmo da faculdade, a relação com os professores, a dinâmica das
disciplinas ou o modelo das provas.
Isso tudo veio de uma só vez, exigindo uma alta adaptabilidade em um período muito reduzido, pois logo vieram
as aulas síncronas que duravam a tarde inteira, as atividades em grupo, as monitorias, os estudos dirigidos e as provas.
Entretanto, ao mesmo tempo, a sobrecarga, o cansaço e o estresse - era inevitável que isso acontecesse em algum momento,
seja pelo elevado grau de exigência das disciplinas, pela agitação de se realizar um período completo em metade do tempo
convencional, pelo modelo online ou pelas condições externas ainda desfavoráveis. Nós ainda estávamos presos em casa,
ainda enxergávamos o país em crise política, ainda tínhamos nossos próprios problemas pessoais para lidar, como a perda
de uma pessoa querida ou redução da renda per capita, apenas para citar exemplos.
Para dizer o mínimo, é angustiante receber uma cobrança externa e, mais ainda, interna para ser produtivo e
entregar os melhores resultados quando tudo parece estar colapsando, sem ao menos ter a oportunidade de compartilhar
esse sentimento com aqueles que estão enfrentando o mesmo. Porque, extrapolando a situação acadêmica, as nossas relações
como turma foram igualmente construídas de maneira remota. Passamos pelo inimaginável contexto de se realizar dois
períodos de medicina de forma online e em meio a uma pandemia ao lado de pessoas que conhecemos, majoritariamente,
através da foto do WhatsApp ou das iniciais no Microsoft Teams. Ou ainda, construímos amizades verdadeiras, limitadas
a ligações e vídeo-chamadas, mas que, arrisco dizer, serviram como uma rede de apoio fundamental.

360
— PROTAGONISMO DISCENTE

Em meio a entendimentos e desentendimentos, internamente ou com os professores, a quantidade de matéria que,


muitas vezes, pareceu impossível de ser manejada, a momentos de baixa motivação e a instabilidade das circunstâncias
que brincavam com nossas expectativas, foram dois períodos inteiros realizados de maneira online. No nosso primeiro
ano na faculdade, não nos foi possível vivenciar nem metade das experiências que ansiávamos em março de 2020,
mas, com certeza, ainda torcemos para que várias delas aconteçam, assim que as condições forem favoráveis para tal.
Esses meses foram intensamente marcados por inúmeras dúvidas, muitas das quais ainda não foram respondidas,
porém, de pouco a pouco, com muita calma, cuidado e paciência as coisas já estão e ainda vão encontrar um novo sentido
de “normalidade”.

2° relato
Adriel Fester Duarte e Eveline Candeco Derzi Pinheiro, alunos ingressantes em 2020.
CALOUROS DA PANDEMIA
“No dia 09 de março de 2020, o primeiro ano (turma 2025) começaram as aulas da faculdade, tendo exatamente
uma semana presencial até a sexta-feira, dia 13, em que foi decretada pandemia e suspensão das aulas no estado do Rio
de Janeiro por 15 dias”.3 É sabido, porém, que esse período foi muito maior do que o planejado, chegando, no momento
da redação deste capítulo, a pouco mais de 1 ano e 7 meses de duração. Assim, o grupo de ingressantes de 2020, com
toda a avidez e emoção que compõem o ambiente do primeiro ano, permaneceu pouco menos de 6 meses sem nenhuma
atividade oficial, apenas algumas aulas esporádicas e eventos de ligas, até que foi decretada a necessidade de adoção do
sistema remoto. Mesmo com a consideração de que o curso de Medicina é essencialmente prático e sabendo de todos os
prejuízos que se seguiriam à falta dessas atividades, foi uma medida emergencial que teve de ser implementada, e hoje
em dia é visto que seria inviável esperar pelo “fim da pandemia” para retomar as atividades do primeiro ano. Apesar
dos lados negativos, deve-se levar em consideração que a maioria das disciplinas do primeiro e segundo semestres são
fundamentalmente teóricas, o que acabou por suavizar de certa forma o impacto do ensino remoto.
O sentimento que predomina na turma 2025 é, como esperado, de falta. Falta do contato com os colegas, falta
de eventos da faculdade e, claro, falta da parte prática das matérias que possuem esse componente, como Anatomia
e Emergências Médicas, as quais tiveram práticas repostas no terceiro semestre. Com o tempo, a turma foi, de certo
modo, acostumando-se com o modelo remoto, apesar de constantemente reforçar seu desejo pelo retorno presencial, que é
esperado ocorrer no quarto semestre. Há, ainda, algumas ideias que possivelmente reduzam esse sentimento de falta em
relação às aulas práticas, como a realização de mais práticas eletivas de Emergências Médicas ou atuação em conjunto
da Anatomia com disciplinas lecionadas mais à frente no curso, a fim de retomar e melhor sedimentar os conhecimentos
e a aplicabilidade dos conteúdos.
Do ponto de vista individual, relatos de dúvida e estresse foram muito comuns devido a falta de vínculo com o
ambiente acadêmico, com os próprios colegas de turma e com os docentes. A partir dessa demanda o PAPE (Programa de
Apoio Psicopedagógico ao Estudante), desenvolveu junto com a coordenação de graduação um programa de mentoria
entre professores e alunos num ambiente virtual,4 somando-se também a atendimentos individuais e ofertas para
o diálogo. De acordo com o artigo publicado pelo grupo responsável, foi constatado a prevalência de sintomas de
depressão, ansiedade e desamparo entre os ingressantes, comprovando assim a necessidade de uma intervenção nesse
quadro. O programa foi constituído no formato de mentoria grupal, onde o diálogo entre alunos era facilitado por um
mentor, e o objetivo era que o grupo compartilhasse ideias e sentimentos, refletindo juntos sobre possíveis soluções aos

361
— PROTAGONISMO DISCENTE

impasses apresentados durante o cenário pandêmico.


Nesse mesmo sentido, o Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), instituição máxima representante dos
discentes da FCM UERJ, proporcionou amparo ao aluno por meio de ações como aplicação de questionário para detectar
e rastrear vulnerabilidades sociais, econômicas e psicológicas entre os discentes da Medicina UERJ, reunindo informações
importantes para a elaboração de ações de apoio. No que tange à garantia de direitos estudantis, engajaram-se na luta pela
volta do Bilhete Único Universitário - ainda paralisado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, pelo retorno das atividades
do Restaurante Universitário (RU) - Ainda, obtiveram apoio da Alumni, entidade que congrega ex-alunos dos cursos da
Faculdade de Ciências Médicas e do Hospital Universitário Pedro Ernesto, que buscaram estreitar as relações com o corpo
discente e se propuseram a atender demandas do Centro Acadêmico nas questões financeiras e estruturais.
Assim, mesmo com todas as adversidades experimentadas pela turma ingressante, o que os alunos conseguiram
ver foi uma faculdade aberta ao diálogo, e a construção de ações que acomodassem as suas demandas. “A Comissão
de Retorno às Atividades Práticas é um claro exemplo de integração do corpo docente e discente que representa a
Universidade que os recém chegados esperavam, suprindo de certa forma, suas expectativas”.

3° relato
Jonathan William Lopes, representante da turma do 4° ano em 2020
O ENSINO REMOTO E A ANSIEDADE QUE NÃO EXISTIA NO TEMPO...
“A experiência do estudante de medicina é composta por diversas ansiedades”. A primeira é o corpo a ser descoberto
nas aulas práticas de anatomia e, em seguida, debutar na clínica médica no sonhado terceiro ano. Em terceiro, um
quarto ano que propõe em diferentes especialidades discutir seus diagnósticos diferenciais e condutas. E, por fim, o
internato. Em março de 2020 a turma encontrava-se, após 15 dias do início das aulas, com a sua ansiedade habitual.
Até que de repente o mundo encolheu-se em suas casas e todos eram convictos, naquele momento, que tudo aquilo
duraria uma semana. O que não ocorreu.
A experiência de um ensino remoto para a turma se desenvolveu como uma fábrica que após um apagão retorna
pouco a pouco a ligar suas engrenagens. Ninguém sabia quando todas as luzes seriam acessas, mas aos poucos se dava
forma a um calendário de atividades teóricas que a turma aderiu em peso em um primeiro momento. Porém, com o
passar do tempo estávamos diante de uma turma cansada. O ambiente de discussão online, apesar de aprimorado
continuamente pela universidade, tornou-se desgastante e a perda de produtividade da turma era evidente. Enquanto
as primeiras atividades conseguiam levar todos para a tela do computador, as últimas se esvaziavam e cada aluno
passou a dedicar seu próprio tempo pessoal ao EAD. Cada estudante isolou-se em seu processo com o ensino remoto e a
unidade da turma ficou frágil com o passar do tempo.
Quando em 2021 a turma retornou às atividades presenciais a ansiedade era outra. Os professores haviam
enviado para casa alunos ansiosos pelas atividades do quarto ano e estavam recebendo um outro perfil: o aluno que
quer ser interno. Desse modo, a sensação desse período é como se o tempo da universidade tivesse sido desencontrado do
tempo do estudante. As ansiedades pareciam mais urgentes que antes. Entretanto, o calendário de imersão em aulas
práticas, na ausência das atividades teóricas simultâneas, possibilitou mais tempo de contato com o paciente. E é nisso
que os alunos de medicina são felizes.
O contato com o paciente era o carro chefe do retorno às atividades práticas. Por isso, faz sentido dizer que o retorno
bem coordenado das atividades foi o que apertou os nós afrouxados pela insegurança pedagógica de 2020. Quando

362
— PROTAGONISMO DISCENTE

não se sabia em que condições e quando os alunos do quarto ano voltariam a povoar o hospital universitário a turma
experimentou uma angústia não planejada, o que foi seu estopim de resiliência comunitária. O que sem a presença do
diálogo democrático entre discente e docente não seria possível. “Enfim, a ansiedade, intrínseca à curiosidade diária do
ser médico, retornou ao seu lugar no tempo e fez bons internos que, certamente, se tornarão bons médicos”.

4° relato
Luiz Fernando Resemini, representante da turma do 2° ano em 2020.
“As duas primeiras semanas de aula do primeiro semestre letivo de 2020 não permitiam prever o que estava por
vir”. Acolhemos os alunos ingressantes e circulávamos livremente pelos corredores da FCM e pelos demais ambientes do
HUPE. A rotina era normal e começávamos a nos acostumar com os novos rostos que frequentavam as salas de aula,
até que subitamente uma nota da reitoria suspendera todas as atividades presenciais. Era o início de uma pandemia
que viria a matar centenas de milhares de brasileiros, mas até então ninguém sabia.
Inicialmente a suspensão duraria apenas alguns dias, até segunda ordem, mas com o agravamento da crise
sanitária em diversos países começávamos a vislumbrar o que aconteceria. Tão cedo a rotina de livre circulação não
voltaria. A suspensão de aulas presenciais passou a ser renovada mensalmente. Nos primeiros meses, havia expectativa
de que a ordem da reitoria poderia surpreender, havia uma apreensão de que uma notícia diferente poderia vir a
qualquer momento. Com o passar do tempo, entretanto, a liberação da nota oficial passara a ser vista apenas como uma
formalidade para que a suspensão das atividades fosse prorrogada indefinidamente.
Nesse cenário de incertezas, começou a chegar aos alunos um burburinho de que a FCM estava se articulando para
instituir, em caráter emergencial, atividades remotas. Por parte dos alunos, havia uma grande preocupação em relação
a um possível prejuízo na sua formação, haja vista que muito da medicina se aprende no contato com o paciente. Além
dessa, outra preocupação era com a heterogeneidade socioeconômica dos estudantes. Se fosse instituído ensino remoto, todos
teriam um meio adequado de acesso? Vale salientar a gravidade da combinação desses dois fatores, visto que a formação
de alguns poderia ser ainda mais afetada que a de outros justamente por conta das diferentes condições socioeconômicas.
As diferentes esferas da instituição se mobilizaram em conjunto para solucionar quaisquer entraves à medida que
esses apareciam. Foram ofertados diversos auxílios aos estudantes, inclusive a distribuição de dispositivos eletrônicos com
planos de dados. Enquanto se trabalhava para resolver os entraves relacionados com a heterogeneidade da comunidade
acadêmica, um grupo de docentes se mobilizou para aprimorar a plataforma online que a FCM já dispunha, tornando-
há em poucos dias um ambiente virtual completamente adaptado, pronto para ofertar os conteúdos das disciplinas
da graduação. É notável o desafio que foi para alguns professores se reinventarem na elaboração e preparação de
conteúdos digitais. Além disso, o empenho da coordenação da graduação foi fundamental para o êxito no atendimento
às diferentes demandas e peculiaridades de cada série do curso.
Com o passar das semanas, maior era a habilidade dos professores em disponibilizar as aulas remotamente,
seja de forma síncrona ou assíncrona. A garantia do acesso dos alunos aos conteúdos disponibilizados online sempre
foi prioridade e, em certo ponto, a preocupação dos acadêmicos se concentrava no retorno às atividades presenciais.
Começavam a ser ofertadas as vacinas e muito se discutia a respeito de quando seria considerado um momento
seguro para retorno às atividades presenciais. O retorno precisava ser muito bem planejado, afinal não só a saúde
dos estudantes e professores estava em xeque, mas também a de todos os profissionais envolvidos no funcionamento do
hospital e dos próprios pacientes.

363
— PROTAGONISMO DISCENTE

À medida que a comunidade acadêmica era vacinada, docentes e discentes se mobilizavam para desenhar
estratégias que permitissem um retorno gradual e seguro às atividades presenciais. As turmas de dezenas de alunos
seriam subdivididas em pequenos grupos, que por sua vez frequentariam os ambientes do hospital em escalas alternadas,
de forma a evitar aglomeração. Hoje seguimos nesse esquema - talvez provisório - de práticas em pequenos grupos.
“Vivemos na expectativa de conseguir uma imunização em massa e de que não surjam mais e mais cepas capazes de
fazer-nos recuar no tanto que já avançamos.”

5° relato
Mariana Soares da Cal, representante da turma “2023”, 3° ano em 2020
“Em março, quando nossas aulas foram suspensas, era uma sexta feira, ninguém imaginava o que estava por vir”.
Por semanas ficamos sem aulas, estávamos esperando as coisas passarem mas não passavam, e em seguida os esforços
para retomada remota do ensino. Havia o receio do prejuízo na formação, o de se contaminar ou contaminar o outro,
o atraso na formatura, se em algum momento voltaríamos a ter as aulas, muitas perguntas e poucas respostas. Além
disso, era impossível elaborar um planejamento com um cenário que era inconstante e medonho, eram muitas mortes
por dia e no HUPE muitas enfermarias viraram internação de Covid-19.
Começou a movimentação para aquisição e distribuição de tablets e internet para os alunos que não possuíam,
o remanejamento do conteúdo com adiamentos de atividades práticas e todo semestre 2020.1 foi feito remotamente.
O semestre de 2020.2 foi desafiador, com uma retomada gradual em pequenos grupos e em rodízios, tivemos
momentos de suspensão das atividades nos momentos mais críticos das curvas de contaminação da cidade.
“Ao longo da pandemia fazer a graduação acontecer foi e tem sido um grande desafio, a rotina não é mais a
mesma e a forma de estudar também mudou, precisamos ser pró ativos, estudar o conteúdo em casa e chegar apto
para discussão e dúvidas.”

Considerações Finais

A primeira coisa que se pode perceber a partir destes relatos é a maturidade dos alunos da FCM. Seus
relatos são vivos e coerentes e nos dão certeza de que estamos formando médicas e médicos humanos, éticos,
reflexivos. Conhecer estas vivências poderá auxiliar outros alunos na superação de desafios da vida acadêmica
e mesmo profissional, não só na pandemia, mas em qualquer contexto adverso. Por fim, esperamos que
estes relatos possam evocar mais empatia entre os docentes e gestores e promover um curso médico mais
humanizado e uma educação médica centrada no aluno.

Bibliografia

1. Ministério da Educação.Portaria Nº 345 de 19/03/2020.Dispõe sobre o ensino remoto; 2020.Disponível em:


https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=19/03/2020&jornal=603&pagina=1.
2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Reitoria. AEDA N° 35 de 29/07/2020. Dispõe Sobre
Atividades Remotas; 2020 Disponível em: https://www.uerj.br/wp-content/uploads/2020/07/AEDA-

364
— PROTAGONISMO DISCENTE

35-Atividades-Remotas-e-Presencias-Decreto-47.176.pdf
3. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Decreto Nº 46.970 de 13 de março de 2020. Dispõe Sobre
Medidas Temporárias de Prevenção ao Contágio e de Enfrentamento da Propagação Decorrente
do Novo Coronavírus (Covid-19), do Regime de Trabalho de Servidor Público e Contratado, e dá
Outras Providências. 2020. Disponível em: https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.
php?C=MTAyMjE%2C.
4. Serra ST, Bteshe M, Bedirian R, Belz DS, Franco CF, Oliveira LSS. Implantação de Mentoria On-
Line em uma Faculdade de Medicina Durante a Pandemia da Covid-19. Rev Bras Educ Med. 2021;
45 (suppl 1): e127; Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.supl.1-20210193; [acessado
9 Agosto 2021].

365
— PROTAGONISMO DISCENTE

Estrutura e principais ações do voluntariado do


Internato do curso de Medicina da Faculdade de
Ciências Médicas durante o período inicial da
pandemia de Covid-19

Julia Kleve Berg1; Ricardo Bedirian2; Mariana Bteshe3; Hélio Antonio Rocha3; Roberta Arnoldi Cobas4; Daniel Storti

Neto Puig5; Lia Roque Assumpção6; Luciana Branco da Motta7; Luciana Maria Borges da Matta Souza8; Mariana

Aparecida Santos da Fonseca Corrêa de Jesus9

1
Docente na Disciplina de Clínica Médica e Propedêutica, Departamento de Clínica Médica Faculdade de Ciências Médicas e

Coordenadora do Internato FCMUERJ; 2Docente na Disciplina de Clínica Médica e Propedêutica, Departamento de Clínica

Médica Faculdade de Ciências Médicas e Coordenador da Graduação FCMUERJ; 3Docente na Disciplina de Psicologia

Médica, Departamento de Saúde Mental e Psicologia Médica FCM UERJ; 4Docente na Disciplina de Diabetes e Metabologia,

Departamento de Medicina Interna FCM UERJ; 5Docente na Disciplina de Medicina Integral e Saúde Coletiva, Departamento

de Medicina Integral, Familiar e Comunitária FCM UERJ; 6Docente na Disciplina de Cirurgia Geral, Departamento de Cirurgia

Geral FCM UERJ; 7Médica. Núcleo de Apoio ao Idoso. Hospital Universitário Pedro Ernesto HUPE UERJ; 8Docente na

Disciplina de Pediatria, Departamento de Pediatria FCM UERJ; 9Aluno no curso de graduação em Medicina FCM UERJ

Descritores em português: Covid-19; internato e residência; telemedicina


Descritores em inglês: Covid-19; internship and residency; telemedicine

Introdução

“Como médicos em formação, travamos uma batalha só para entrar na própria guerra.
Chama a Coordenação do Internato. Votações. Videoconferências. “Textões”. Conseguimos:
somos a primeira faculdade – por um tempo, a única – a incluir os internos na luta contra
a pandemia. Em meio ao heroísmo, umas pitadas de otimismo. Este não duraria muito: a
residente da Infectologia que nos deu aula de paramentação, dias depois, respirava por um
tubo orotraqueal. Ela tinha lá seus 30 anos. Seríamos poupados disso que parecia uma roleta-
russa?”
Gabriel C. M. de Menezes, interno voluntário

A suspensão das atividades acadêmicas em março de 2020 devido à pandemia pelo novo coronavírus trouxe
um grande desafio às universidades, em especial às da área da saúde, que contam com o estágio curricular de
formação em serviço na modalidade de internato.
Se, por um lado, internos são alunos como todos os demais, por outro, estão em um momento bastante
peculiar da graduação, em que adquirem conhecimento e experiência através da participação efetiva no

366
cotidiano de diversos serviços. Essa característica inerente ao internato trouxe à comunidade acadêmica da
— PROTAGONISMO DISCENTE

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/UERJ) inúmeras dúvidas
relativas ao modo como esse segmento da graduação deveria ser conduzido durante a pandemia.
Logo nos primeiros dias da pandemia, houve a suspensão de todas as atividades acadêmicas da UERJ,
incluindo o internato. Pouco tempo depois, no entanto, houve a liberação para retorno dos estágios curriculares
dos cursos da área da saúde e, portanto, o nosso internato também estaria autorizado a recomeçar1 assim que
considerássemos adequado. A partir de então, foram traçadas inúmeras discussões sobre a dualidade entre
a demanda por um cuidado singular relativo à preocupação com a integridade física dos alunos naquele
momento e, ao mesmo tempo, a responsabilidade pela capacitação dos mesmos em relação às competências e
habilidades desejadas a um egresso do curso de medicina.2
Com competências e habilidades médicas já bastante desenvolvidas, sabíamos que os internos possuíam
capacidade de auxiliar no enfrentamento da pandemia e, além disso, que em poucos meses estariam atuando
profissionalmente em um cenário que, ao que tudo indicava, ainda seria fortemente marcado pela Covid-19.
Frente a isso, começamos a traçar estratégias para que os internos pudessem atuar de forma segura e proveitosa.
É importante ressaltar que todo o processo foi construído com forte participação dos internos, especialmente
com a parceria de trabalho com a Comissão de Representantes do Internato formada pelos seguintes alunos:
José Davi Fajardo Vilela Martins Pompílio da Hora, Juliana Affonso Mathiles, Marcos Antonio Raposo
Nunes, Mariana Aparecida Santos da Fonseca Corrêa de Jesus.

Relato

Treinamento dos internos para atuação no contexto da pandemia da


Covid-19
O ponto de partida para a construção do nosso caminho na elaboração de tais estratégias foi uma reunião
extraordinária do conselho departamental, em que docentes e discentes foram ouvidos quanto às suas incertezas
em relação à pandemia. Ao fim, ficou acordado que o primeiro passo para que se pudesse aventar o retorno dos
internos seria a elaboração de um treinamento para capacitá-los àquele novo panorama.
Num primeiro momento foram desenvolvidas atividades de treinamento para uso de equipamentos de
proteção individual (EPI) e enfrentamento da pandemia, através de tutorias online, com preceptores e pequenos
grupos, que discutiam com base em videos, casos e artigos, e dialogavam sobre as angústias e receios que
apresentavam. Em sequência, os internos fizeram treinamento prático de paramentação e desparamentação de
EPI, em pequenos grupos, além de uma ‘ambientação’ ao cenário do plantão geral do Hospital Universitário
Pedro Ernesto HUPE.
Após a conclusão do treinamento oferecido aos internos, a Direção da FCM UERJ publicou uma portaria
interna que estabelecia um projeto de voluntariado para os internos. Os alunos tiveram liberdade de escolher
dentre um portfólio de atividades presenciais ou remotas.
De forma mais esquemática, o treinamento oferecido aos internos pode ser visualizado da seguinte
maneira:

367
— PROTAGONISMO DISCENTE

Fase 1:
• Recrutamento de 15 professores tutores voluntários.
• Criação de um grupo de WhatsApp com esses professores, coordenação do internato e chefia do
Departamento de Doenças Infecto Parasitárias.
• Criação de 15 grupos de WhatsApp formados por cerca de 6 internos e o preceptor tutor.
• Disponibilização do seguinte material para discussão:
• Três vídeos elaborados pelo Departamento de Doenças Infecto Parasitárias com os seguintes temas:
lavagem de mãos, paramentação e desparamentação de equipamento de proteção individual.
• Três casos clínicos sugestivos de Covid-19 elaborados pela coordenação do internato, equipe de
suporte da coordenação de graduação e alunos do quinto ano.
• Orientação para que os tutores e seus grupos discutissem os vídeos e os casos clínicos via plataformas
de discussão remotas (Zoom e Microsoft Teams foram os mais utilizados).
• Orientação para que cada grupo elaborasse uma discussão escrita sobre os casos e enviassem para a
coordenação do internato a fim de registro.
• Orientação para que cada tutor elaborasse um relatório final destacando a sua avaliação sobre o
aproveitamento individual de cada aluno e do grupo como um todo.

Fase 2:
• Treinamento de lavagem de mãos, paramentação e desparamentação presencial, com duração de 90
minutos, oferecido pelo Departamento de Doenças Infecto Parasitárias a cada um dos 15 grupos de
internos. A presença nesse treinamento era obrigatória para os internos e foi oferecida em caráter
opcional aos professores tutores.

Fase 3:
• Ambientação aos novos fluxos do plantão geral sob supervisão do Dr. André Herdy – Staff do serviço
de clínica médica e médico do Plantão geral do HUPE.

Atividades presenciais

“Quando finalmente pude voltar a frequentar o meu querido e amado Hospital Universitário
Pedro Ernesto, fiquei orgulhosa de como o hospital se adaptou àquele momento, fiquei orgulhosa
dos profissionais que eu via trabalhando e querendo não só ajudar os pacientes, mas produzir
conhecimento. Fiz mais treinamentos e finalmente voltei ao HUPE.”
Paula Marsillac, interna voluntária

“Voluntários, voltamos aos Plantões Gerais, o que, para a turma de segunda-feira, foi uma

368
glória. Que saudades estávamos das madrugadas intensas, os quadros cheios de paciente para
— PROTAGONISMO DISCENTE

reavaliar. (...) Mas voltaram chatos – éramos proibidos de mexer diretamente nos casos de
Covid-19. (...) Meus dias de triagem na Policlínica Piquet Carneiro foram enchendo, porém.
Com a roupa de astronauta, cheguei a prescrever 20 testes a cabo de um turno de trabalho.
Mais e mais pacientes, e a proporção de positivos aumentava.”
Gabriel C. M. de Menezes, interno voluntário

As atividades presenciais somente foram autorizadas para aqueles que cumpriram o treinamento realizado nas
semanas anteriores. Só era permitido realizar uma atividade presencial por cada ciclo de 20 dias do voluntariado
e o limite de alunos por atividade, bem como o limite de horas de cada aluno em atividades presenciais foi
limitado a fim de minimizar excesso de deslocamentos e exposições diretas aos riscos de contaminação.
As primeiras atividades presenciais oferecidas foram:
• Atuação no plantão geral diurno no HUPE, para atendimento de pacientes não-Covid-19
• Triagem de pacientes externos na Policlínica Piquet Carneiro.
Em um segundo momento, já mais capacitados para uso de EPI, os internos puderam participar das
atividades desenvolvidas e também nos seguintes setores que atendiam a pacientes com Covid-19.
• Setor de testagem de pacientes com suspeita de Covid-19 da Policlínica Piquet Carneiro
• Enfermarias de pacientes transformadas temporariamente em setores de atendimento exclusivos a
pacientes com Covid-19
º Enfermaria de Doenças Infecto Parasitárias
º Enfermaria de Pneumologia
º Enfermaria 11/12 de Clínica médica
• CTI transformado temporariamente em setor exclusivo para atendimento de pacientes com Covid-19

“Um caso que me marcou muito foi um paciente que se encontrava em estado muito grave,
intubado, coronariopata prévio e havia feito um IAM durante a internação. Eu achava que
ele só teria mais alguns dias. Na semana seguinte, quando voltei, ele havia sido extubado,
estava acordado apenas em uso de cateter nasal; pude presenciar a ligação dele para a filha
e foi um momento lindo. Na semana seguinte, quando cheguei e vi seu leito ocupado por
outra pessoa, perguntei sobre ele (acreditando que tinha recebido alta) e me disseram que ele
havia falecido por choque após uma isquemia mesentérica aguda. Fiquei muito frustrada,
não acreditando que o “universo”, Deus, ou qualquer coisa “superior” que exista tinha nos
dado aqueles dias de esperança só para depois fazer tudo ir por água abaixo. Ele já estava
grave antes, já tínhamos conversado com a família, estávamos todos fazendo nossa paz com
seu óbito. Pra que dar a esperança de melhora? Me fez pensar sobre se a esperança é algo
positivo que nos move ou se nos leva à criação de expectativas e à frustração quando elas não
são concretizadas.”
Paula Marsillac, interna voluntária

369
— PROTAGONISMO DISCENTE

Estruturação das frentes de atuação remota

Em paralelo ao treinamento oferecido aos internos, foram criadas o que denominamos de frentes de atuação
remota do período de voluntariado do internato da FCM UERJ. Coordenadores de internato dos diversos
serviços receberam a proposta de organizar atividades para inserção de internos em cenários que prescindissem
do contato presencial entre alunos e pacientes. Isso permitiria a participação no voluntariado de alunos que não
estivessem seguros para atuação presencial mesmo após o treinamento oferecido (a maioria desses inseguros por
residirem com familiares de grupos de risco) e, ao mesmo tempo, atenderia às novas demandas em saúde que
estavam sendo identificadas e construídas. A maior parte das sete diferentes frentes de atuação remota funcionou
por três ciclos de 20 dias e foram formalmente muito bem avaliadas por docentes e internos.

“No geral, os resultados foram extremamente satisfatórios no quesito de formação acadêmica


e experiência prática. Não apenas isso, várias das frentes voluntárias criadas foram úteis ao
garantir que a população atendida via HUPE/PPC continuasse minimamente amparada
enquanto os serviços de saúde eram reestruturados para essa nova demanda. Creio ter sido
uma experiência única e muito proveitosa, além de ser gratificante se sentir prestativo e útil
para a população em um momento de tanta necessidade.”
Giovanni Machado de Luca, interno voluntário

Segue abaixo a descrição sobre o trabalho desenvolvido por cada uma das Frentes de Atuação Remota:

Frente de atuação remota organizada pelo Serviço de Diabetes e


Metabologia

Os pacientes com diabetes foram considerados de alto risco para Covid-193-4 e, dessa forma, tornou-
se urgente a implementação de um protocolo que pudesse garantir a assistência a distância, respeitando as
recomendações de distanciamento social. Foi, então, instituído pela equipe de professores, coordenadores e
médicos da equipe de Diabetes, um protocolo para enfrentamento da crise.
Doze internos voluntários participaram e foram essenciais para ampliar a capacidade de telemonitoramento.
Simultaneamente, foi desenvolvido um projeto de pesquisa intitulado “Impacto da pandemia de Covid-19
sobre o acompanhamento de pacientes do ambulatório de Diabetes e Metabologia da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro”.
Todos os 321 pacientes com diabetes tipo 1 agendados para consultas eletivas durante as primeiras 15
semanas de distanciamento social foram contatados por telefone, a grande maioria (73,8%) com sucesso.
Durante o telemonitoramento, foram levantadas informações sobre o quadro clínico, história
epidemiológica (contactantes), controle glicêmico (presença de sintomas de hiper ou hipoglicemias), uso

370
adequado das medicações, dificuldades para aquisição de insumos, adesão à dieta, aspectos psicológicos, entre
— PROTAGONISMO DISCENTE

outras informações fornecidas espontaneamente pelos pacientes. Antes da ligação telefônica, os prontuários
foram revistos. Pacientes com risco de descompensação aguda ou qualquer outra condição clínica que
necessitasse de exame físico para avaliação foram orientados a comparecer à consulta. Os demais tiveram a
consulta remarcada, porém com a orientação de contatar o serviço em caso de mudança do quadro clínico ou
epidemiológico além de orientações gerais epidemiológicas como reforço do distanciamento social, medidas
de higiene e vacinação para Influenza. Todos esses dados foram registrados em prontuário. Dos 237 pacientes
contatados, 87,3% foram monitorados por ligação telefônica, mensagens de texto e/ou e-mail. Trinta pacientes
(12,7%) necessitaram comparecer à consulta presencial para serem examinados por indicação clínica detectada
durante o contato remoto.
Todas as etapas descritas acima foram realizadas pelos internos voluntários sob orientação de um professor/
preceptor. Dúvidas a respeito do quadro clínico do paciente poderiam ser discutidas de forma presencial
ou pelo grupo de WhatsApp contendo alunos e professores. Além disso, o protocolo de enfrentamento da
crise incluiu atividades remotas por plataforma virtual (Zoom) para discutir temas teóricos de relevância
como, por exemplo, a relação epidemiológica e clínica entre diabetes e Covid-19 e o manejo ambulatorial e
hospitalar do diabetes em pacientes com a doença, além do envio de videoaulas sobre diabetes. Ao final do
telemonitoramento, os dados do prontuário foram coletados e transferidos para uma planilha para análise
estatística focando no projeto de pesquisa. A atividade permitiu, ainda, aos alunos voluntários a oportunidade
de participarem ativamente de todas as etapas de uma pesquisa, desde a coleta de dados até escrita de um
manuscrito que viria a ser publicado em setembro de 2020 (Telemonitoring type 1 diabetes patients during
the Covid-19 pandemic in Brazil: was it useful? Arch. Endocrinol. Metab. 65 (1) • Feb 2021 • https://doi.
org/10.20945/2359-3997000000309 ).

Frente de atuação remota organizada pela Pediatria


O Departamento de Pediatria desenvolveu atividade voluntária de televigilância em saúde com 20 internos
voluntários do sexto ano, para garantir à população pediátrica usuária do HUPE acesso indireto ao serviço
devido à suspensão das atividades ambulatoriais de rotina.
Durante abril a julho de 2020 foram realizados contatos telefônicos com responsáveis das crianças que
tiveram suas consultas no ambulatório de pediatria geral e especialidades pediátricas (cardiologia, imunologia,
infectologia, nefrologia, endocrinologia e neurologia) canceladas entre 17/03/2020 e 31/07/2020. Para isso,
os internos foram capacitados a realizarem entrevistas por telefone que identificassem alguma situação de
risco físico, mental ou social, reconhecessem possíveis sintomáticos respiratórios e orientassem mecanismos
de prevenção da Covid-19.
Do total de 1751 pacientes marcados no ambulatório de pediatria geral (1173) e de especialidades
pediátricas (578) que tiveram suas consultas canceladas, 736 pacientes conseguiram ser localizados e contatados.
O restante não atendeu, ou tinha número de telefone inválido ou, ainda, algumas vezes, não se sentiram
confortáveis em oferecer informações por telefone, mesmo mediante identificação por parte da equipe.
Diariamente, ao final da tarde, havia discussão do vivenciado, momento rico de aprendizado coletivo
e feedback para pacientes que necessitavam de algum tipo de intervenção. Ao serem identificadas situações

371
— PROTAGONISMO DISCENTE

de vulnerabilidade socioeconômica, o Serviço Social era acionado, resultando em oferta de cestas básicas,
acompanhamento de situações de violência e orientação para busca de direitos civis. Aspectos ligados à
fragilidade psíquica e emocional foram encaminhados para residentes de psicologia que também ofertaram
inicialmente apoio remoto. Situações clínicas complexas identificadas geraram internação ou procedimentos.
Pacientes crônicos tiveram renovação de suas receitas e laudos e aqueles com quadros agudos simples foram
orientados por telefone. Situações de maior gravidade foram encaminhadas para o pronto atendimento do
ambulatório de pediatria do HUPE ou orientados para procurarem uma Unidade de Pronto Atendimento
próxima ao seu domicílio.
A crise vivenciada ofereceu aos internos a oportunidade de desenvolvimento de competências de
comunicação pouco exploradas na graduação de medicina, aprendizagem significativa a partir de situações
vivenciadas na televigilância, bem como os permitiu desempenhar um papel de protagonismo social relevante.

Frente de atuação remota organizada pela equipe de coordenação de projetos


de pesquisa sobre Covid-19 no HUPE
Dez internos voluntários e quatro residentes de Geriatria participaram da discussão, coleta de dados e análise
dos prontuários dos pacientes internados no HUPE no período de março a julho de 2020 em dois projetos:

Estudo de coorte observacional da Covid-19 no Hospital Universitário Pedro Ernesto, com


coordenação do prof. Evandro Mendes Klumb, parecer CEP HUPE/UERJ: 4.016.785 de maio de 2020. Este
projeto envolveu vários professores e médicos de diferentes serviços do HUPE na discussão e modelagem do
banco de dados criado na plataforma REDCAP.
Fatores prognósticos e desfechos associados à Covid-19 na população idosa hospitalizada (Covid-19-idoso),
com coordenação da Dra. Luciana Branco da Motta, parecer CEP HUPE/UERJ: 4.089.957 de abril de 2020.

Os alunos foram capacitados no uso da plataforma REDCAP e iniciaram a revisão dos prontuários
de todos os indivíduos internados com suspeita de Covid-19 no período de março a julho de 2020. Foram
acompanhados cerca de 520 pacientes com 18 anos ou mais, sendo 293 com 60 anos ou mais. Este último
grupo foi acompanhado pelos residentes do programa de geriatria como parte de seu trabalho de conclusão de
curso. As crianças foram revisadas pela pediatria. As internações eram diariamente identificadas e analisadas
sendo feito o seguimento da internação, transferência para unidade fechada, alta e óbito através da análise
do prontuário eletrônico. Cada caso era acompanhado até seu desfecho. Os dados eram colocados no banco
do REDCAP para posterior análise. Esta análise crítica dos dados permitiu o estudo e aprendizado sobre
a Covid-19 e seus critérios de diagnóstico, fatores de risco, desfechos que foram corroborados a partir de
leituras e discussão de artigos publicados no período.
O projeto Covid-19-idoso incluiu entrevista com a família na internação e aplicação de questionários
e TCLE por meio eletrônico. As informações específicas sobre fragilidade prévia, dados sociodemográficos,
condições de saúde prévias à internação, assim como dados sobre as condições de fragilidade, humor, entre

372
outros, demandaram, após a alta, contato com as famílias em um acompanhamento longitudinal. Esta parte da
— PROTAGONISMO DISCENTE

pesquisa acolheu quatro alunos de graduação que atuaram nas entrevistas com as famílias sobre as condições
prévias à internação. Esta atividade permitiu um aprendizado sobre comunicação em situações difíceis. Foi
feito treinamento via plataforma Zoom e supervisão regular a fim de dar suporte, discutir as dificuldades e
angústias experimentadas.

Frente de atuação remota organizada pela equipe da Saúde Mental e


Psicologia Médica
Com o objetivo de treinar alunos de medicina para realizar ações básicas de suporte em saúde mental
durante a pandemia, foi oferecida uma prática voluntária àqueles que cursavam o internato. Nessa atividade,
os alunos eram treinados para oferecer primeiros cuidados psicológicos a parentes de pacientes internados
no HUPE. Por primeiros cuidados psicológicos, entende-se a assistência humana e de ajuda prática para
apoiar indivíduos em sérias situações de crise. A escolha pela população-alvo foi feita devido à necessidade
de isolamento que a pandemia impôs aos parentes, muitas vezes angustiados pela ausência de contato e de
informações sobre seus entes queridos.
Os alunos participaram de 6 horas de treinamento teórico nos protocolos da OMS: “Primeiros Cuidados
Psicológicos Remotos em Situações de Crise”5 e “Guia de Intervenção Humanitária”6. Em seguida, recebiam
uma lista de telefones de parentes de pacientes internados no HUPE. O aluno primeiramente fazia contato
telefônico com um paciente selecionado, identificando com o mesmo qual seria o melhor parente para receber
a ligação de apoio. O objetivo não era fornecer notícias sobre a saúde física do paciente, mas estar disponível
para fornecer suporte emocional à família. O contato telefônico era realizado pelo aluno, até 3 vezes por semana,
através de chips de celulares dedicados exclusivamente ao projeto “Frente de Atividade Remota” da Faculdade.
Em ciclos de 20 dias, grupos de no máximo 14 discentes receberam treinamento teórico e participaram
de dois encontros semanais de supervisão, ministrados por uma dupla de professores psiquiatras ou psicólogos.
Cada equipe de sete estudantes tinha um professor tutor para apoiá-los, tirar dúvidas e atender em casos de
emergências. Os atendimentos eram registrados em um diário de campo, discutido com os supervisores.
Caso fosse detectada a necessidade de acompanhamento de atendimento psicológico ou psiquiátrico a
partir do suporte prestado pelos internos, era feita orientação, encaminhamento e articulação com os serviços
de saúde dos territórios onde residiam as pessoas atendidas pelo projeto de telemonitoramento. Quando
identificada necessidade de acompanhamento do próprio discente, o Programa de Apoio Psicopedagógico
(PAPE) da universidade era acionado.
No total, 31 alunos contactaram remotamente 77 pessoas, entre pacientes e cuidadores. Na avaliação
feita após a atividade, os alunos declararam que o projeto permitiu que colocassem em prática conteúdos
aprendidos na faculdade, com autonomia, recebendo suporte dos professores. Destacaram que o treino em
habilidades de comunicação e a possibilidade de apoiar a população em um momento de sofrimento foi um
aprendizado importante.

373
— PROTAGONISMO DISCENTE

Frente de atuação remota organizada pela Cirurgia Geral


Com o início da pandemia, o serviço de cirurgia geral teve cerca de 100 consultas semanais canceladas. Os
pacientes com patologias oncológicas seguiram sendo atendidos. No entanto, havia uma lista de mais de 400
pacientes em pré-operatório das doenças benignas mais comuns da cirurgia geral (hérnias, colelitíase e condições
endócrino-cirúrgicas envolvendo tireoide, paratireoide e adrenais) que perderiam o acompanhamento e poderiam
ter exames pré-operatórios e riscos cirúrgicos vencidos, além de agravamento de seus quadros clínicos.
A chegada dos internos voluntários foi vista como uma possibilidade de monitorar remotamente esses
pacientes e de refazer a lista das filas de espera das cirurgias previamente descritas. Por um lado, essa atividade
representava uma oportunidade de aprendizado para internos, residentes e staffs. Por outro lado, também
oferecia a oportunidade de prestar acolhimento aos pacientes isolados socialmente, reforçar orientações
relacionadas à Covid-19, preparar melhor o serviço para o retorno das cirurgias eletivas e minimizar custos e
riscos de deslocamentos desnecessários dos pacientes ao ambulatório.
O residente de cirurgia geral Thiago Portugal desenvolveu uma plataforma que poderia ser acessada pelos
alunos temporariamente por um Google Forms online de cada fila. Todos os pacientes foram listados e foi
delineado um modelo de abordagem para que os internos contactassem os pacientes de modo mais estruturado.
De março a agosto de 2020, 438 pacientes em pré-operatório de hérnias, cirurgia endócrinas e
colecistectomias foram contatados, por via telefônica, por 28 internos de medicina e 9 residentes de cirurgia
geral. Quatro grupos de internos e residentes foram formados e metas de ligação por semana estabelecidas.
Encontros virtuais eram realizados uma a duas vezes por semana com cada um dos quatro grupos, onde cada
paciente era discutido e seus dados revisados para eventual realocação de posição em suas respectivas filas. Os
grupos foram supervisionados por uma docente de cirurgia geral.
Dos 438 pacientes contatados, foram localizados via telefone total de 225 (51%), sendo 110 pacientes
de hérnia, 45 endócrinos, 70 CVL. Deste total, 45 (20%) tinham sido operados em outra instituição e
somente 22,8% possuíam e-mail. O tempo médio da ligação para tele orientação foi de 7 min (DP 5 min).
63 pacientes realizaram um risco cirúrgico, 44 realizaram dois riscos, 15 realizaram três riscos cirúrgicos ou
mais no processo pré-operatório, e o restante não sabia informar. Foram detectados pacientes internados por
Covid-19, pacientes que haviam falecido em decorrência dessa enfermidade, além de pacientes que precisaram
ser examinados presencialmente e até submetidos a cirurgias de urgência.
Os internos ganharam conhecimento sobre as doenças cirúrgicas, treinaram o trabalhar em grupo,
sentiram-se úteis no contexto da pandemia e engajaram-se, verdadeiramente, na responsabilidade sobre os
pacientes que que contataram.
Com o retorno das cirurgias eletivas e dos atendimentos ambulatoriais presenciais, muitos pacientes
manifestaram o quanto se sentiram felizes e cuidados pelas ligações realizadas pelos internos, ainda que as
cirurgias demorassem a acontecer. Alguns encontros presenciais entre internos e pacientes que, antes só se
conheciam remotamente, foram emocionantes.
A inclusão digital e telefônica é importante para contato e seguimento do paciente, mas o acesso ao
telefone celular com linha regular e internet e/ou dispositivo tecnológico ainda é uma dificuldade de muitos
usuários do SUS. A teleorientação é um método eficaz de contato supervisionado e pode reduzir o número de

374
consultas, e funcionar como triagem para a próxima consulta.
— PROTAGONISMO DISCENTE

Frente de atuação remota organizada pela Medicina Integral Familiar e


Comunitária
Os internos de medicina da FCM UERJ atuam, habitualmente, no ambulatório do Departamento de
Medicina Integral Familiar e de Comunidade durante um ano. Os atendimentos acontecem de segunda à
quinta-feira. Os internos são divididos em 16 grupos de cerca de seis internos e cada grupo atende em um dos
turnos sob supervisão de determinado preceptor.
No início da pandemia, os atendimentos ambulatoriais presenciais foram restritos a casos muito específicos
e, mesmo pacientes que teriam indicação de comparecer presencialmente ao ambulatório, faltavam por receio
de se contagiar pelo SARS-CoV-2.
Assim, ficou evidente que, além das intercorrências que surgiriam por pacientes acometidos pela Covid-19,
havia a perspectiva de que o controle das condições clínicas de base dos pacientes ficasse mais precário.
A Frente de Ação Remota organizada pela Medicina Integral Familiar e de Comunidade contou com a
participação de internos voluntários que, sob supervisão de seus preceptores, faziam contato telefônico com
os pacientes a fim de:
• Orientá-los quanto aos aspectos relacionados à Covid-19 (acolhimento, prevenção, sinais e sintomas,
necessidade de atendimento médico)
• Orientá-los quanto às questões relativas às suas condições clínicas de base (identificação de sinais de
descompensação, identificação de pacientes com indicação de consulta ambulatorial presencial ou
encaminhamento à serviços de emergência)
Embora o registro dessas ligações tenha, por questões conjunturais, sido subnotificado, estima-se que,
pelo menos, um terço, cerca de 1.000 pacientes desses ambulatórios, tenha sido contactado e devidamente
orientado.

Frente de atenção à saúde da população negra, a FASPON


A gravidade do déficit curricular relacionado à ausência de um espaço oficial e regular para o ensino da
saúde da população negra ficou ainda mais nítida no contexto da pandemia. O crescente acúmulo de evidências
mundiais e brasileiras sobre a maior prevalência, mortalidade e letalidade da infecção pelo SARS-CoV-2 na
população negra criou a urgência de alguma organização institucional para a discussão da questão. Frente
a essa percepção, e aproveitando a brecha criada pela pandemia para criação de novos espaços, formou-se a
FASPON. Inicialmente, essa frente foi composta por uma professora do Departamento de Clínica Médica
da FCM, uma médica hebiatra do HUPE e dez discentes – sendo sete desses alunos membros do NegreX
– coletivo de estudantes e médicos negros. Foram realizados encontros semanais via Zoom, e o primeiro mês
foi dedicado exclusivamente ao acúmulo teórico sobre o tema e a discussões sobre potencialidades e melhores
formas de atuação da frente. Em um segundo momento, foi elaborada a primeira ação externa da FASPON –
duas edições de uma oficina sobre Covid-19 e a população negra oferecida a internos, técnicos e docentes da
comunidade FCM/HUPE. No total, 65 pessoas participaram dessa atividade. O relatório final de avaliação,
realizado através de questionário online, evidenciou de forma contundente o impacto da atividade entre os

375
— PROTAGONISMO DISCENTE

participantes. Além disso, foi realizada uma oficina remota sobre dermatologia em pele negra e discutida a
questão da inadequação das toucas descartáveis à cabelos crespos e volumosos.

Considerações Finais
A pandemia da Covid-19 e os desafios que ela trouxe para todos os cursos de graduação da área de saúde
e seus estágios curriculares também incidiu sobre o Internato de Medicina da FCM UERJ. Diante do cenário
desconhecido que nos foi apresentado, fomos impelidos a criar estratégias que permitissem aos internos atuar
de forma segura, enriquecedora e, sobretudo, útil à população.
Nesse contexto, o grande engajamento da comunidade acadêmica da FCM UERJ, do corpo técnico
administrativo do Hospital Universitário Pedro Ernesto e da Policlínica Piquet Carneiro permitiu a construção
de caminhos que, não sem obstáculos e imperfeições, produziram processos e soluções de alta qualidade.
O treinamento fornecido para os internos durou cerca de 15 dias e, depois, o voluntariado do internato
funcionou por mais 3 ciclos de 20 dias. Após esse período, o internato retornou em regime regular e, portanto,
obrigatório. No entanto, como a pandemia seguia em curso, a necessidade de adaptações radicais ao novo
cenário mantinha-se premente e, muitas ações desenvolvidas durante o voluntariado foram incorporadas por
mais tempo pelos diversos serviços.
Cabe ainda ressaltar que a adesão ao voluntariado foi de 100% e que, para receber o certificado de
participação nesse projeto, os internos precisaram entregar um trabalho de conclusão ou participar de uma
atividade oferecida pela Frente de Atenção à População Negra sobre Covid-19.
A comissão de monitorização de alunos com quadros suspeitos de Covid-19 registrou a infecção de cerca
de um terço dos internos e não houve registro de casos graves dentre esses.
Assim, consideramos que o período de voluntariado do internato de medicina da FCM/UERJ foi, por
si só, uma experiência profícua e, além disso, pavimentou o caminho para a retomada do internato regular de
forma mais segura e estruturada.
Esse capítulo é, portanto, uma tentativa de compartilhar parte da nossa trajetória durante esse período tão
peculiar da história da humanidade e, assim, contribuir, mesmo que de forma modesta, para a reafirmação do
papel crucial da universidade pública e do SUS para a sociedade brasileira.

“(...) estou a um mês de completar 24 anos, com a esperança de não passar o aniversário
como paciente, e sim como profissional de saúde. Não vivi a queda do Bloco do Leste, muito
menos a bomba. Mas vivi, eu e sete bilhões, o que pode ser considerado o maior experimento
antropológico da civilização. Como interno, como voluntário, como médico em formação,
como cidadão do lado de baixo do Equador, à espera da vacina para viver o Carnaval.
Sobretudo, como subjetividade, que – ainda – tenta separar, na unicidade da sua experiência,
a multiplicidade que ocorreu e ainda ocorre.”
Gabriel C. M de Menezes, interno voluntário

376
— PROTAGONISMO DISCENTE

Bibliografia

1. Portaria do MEC nº 356, de 20 de março de 2020.


2. Dias, EP, Ferreira MA. O Que Aprendemos na Educação Médica Pós-Covid-19? Acta Médica Portuguesa,
maio/2020, acesso em 16 de agosto de 020. Disponível em: https://www.student.actamedicaportuguesa.
com/index.php/2020/05/12/o-que-aprendemos-na-educacao-medica-pos-Covid-19/
3. International Diabetes Federation. Covid-19 and diabetes. [acesso em 23 abr 2020]. Disponível
em: https://www.idf.org/aboutdiabetes/what-is-diabetes/Covid-19-and-diabetes.html
4. Sociedade Brasileira de Diabetes. Notas de esclarecimentos da Sociedade Brasileira de Diabetes sobre o
coronavírus (Covid-19). [acesso em 23 abr 2020]. Disponível em:https://www.diabetes.org.br/Covid-19/
notas-de-esclarecimentos-da-sociedade-brasileira-de-diabetes-sobre-o-coronavirus-Covid-19
5. Organização Mundial da Saúde. Primeiros Cuidados Psicológicos: guia para trabalhadores de campo. 2011.
6. Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Guia de Intervenção Humanitária. 2020.

377
— PROTAGONISMO DISCENTE

A experiência do voluntariado e da pesquisa na


formação acadêmica: protagonismo discente na
campanha de imunização e na pesquisa

Isabela Claudia Barbosa dos Santos Nascentes1; Anna Júlia Lopes de Brito1; Cassianne Cristina da Silva Souza1; Pedro

Luiz Ribeiro Carvalho de Gouvea1; Igor Andrade de Araujo1; Lara Soalho Prata1; Luísa Jannuzzi Fraga Pinheiro1;

Pollyana Barreto Corrêa1; Isabel Cristina da Silva Bouzas2

1
Aluno de graduação em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro FCM UERJ; 2

Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Descritores em português: Voluntariado; imunização; aprendizado vivencial; Covid-19

Descritores em inglês:Volunteers; Vaccinations; Problem-Based Learning; Covid-19

Introdução

A pandemia da Covid-19 alcançou, de forma veloz, mais de 188 países e levou à morte milhões de pessoas
no mundo.1 O surpreendente surto do vírus SARS-CoV-2 causou reflexos de amplo espectro com grande
grau de complexidade, impactando a política, a economia e a sociedade, refletindo em um incomum dispêndio
de energia empenhada para um rápido desenvolvimento de vacinas em reduzido espaço de tempo. No início
do ano de 2021, quando já possuíamos diferentes vacinas com eficácia, a grande adversidade relacionada ao
combate da Covid-19 era relativa à imunização rápida de boa parte da população. Uma vez que o movimento
antivacinação reduziu tal velocidade em muitos países, é notável que essa conduta irresponsável coloca em
risco não só a saúde individual do não vacinado, mas de todos da população. Desinformação e informações
sem embasamento científico podem ser citadas como razão desse comportamento.
A vacina contra a Covid-19 previne casos graves da doença e reduz hospitalizações pelo novo coronavírus.
Esse imunizante atua na prevenção, induzindo a criação de anticorpos por parte do sistema imunológico.
Reduz-se a possibilidade de infecção e, caso a infecção ocorra, a vacina diminui as chances de sua evolução
para quadros mais graves e, sobretudo, gera importante decréscimo na quantidade de mortes.2 Além disso,
somente a cobertura vacinal garante a imunidade de rebanho, que ocorre quando a cobertura atinge um índice
que começa a frear a transmissão, refletindo-se na redução de infectados e de casos graves.3
Com a progressão do plano nacional de operacionalização da vacinação em massa contra a Covid-19,
surge a necessidade de estudos que analisem o soro sanguíneo dos indivíduos vacinados. Desse modo, projetos
com objetivo de entender como se comportam as células de defesa do organismo contra o vírus Sars-CoV-2
são estruturados por pesquisadores. Nessa perspectiva, professores associados à Universidade do Estado do
Rio de janeiro (UERJ) desenvolveram uma pesquisa que busca obter informações sobre o vírus Sars-CoV-2,

378
— PROTAGONISMO DISCENTE

a patogenia da Covid-19 no corpo humano e o efeito vacinal, além de construir dados para futuros projetos
relacionados com a pandemia. A UERJ proporcionou a seus alunos, desde os primeiros períodos de faculdade,
a oportunidade de participar de todas as etapas desta pesquisa e se familiarizar com as atividades necessárias
a sua realização, contribuindo dessa forma com o crescimento acadêmico de seus discentes.
Além do projeto de pesquisa, a UERJ deu início, ainda, a um projeto de voluntariado para a campanha
de imunização, com a implementação dos postos de vacinação no campus universitário. Impulsionados por
um sentimento de responsabilidade social, estudantes de diversos cursos da área da saúde, inclusive do curso
de Medicina da UERJ, ocuparam espaços na organização e logística de um dos mais relevantes pontos de
imunização do país: a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ultrapassando os muros da universidade
pública, as experiências relacionam o conhecimento acadêmico com a prática e inserem os alunos no
desenvolvimento de um estudo clínico e epidemiológico de grande magnitude, tornando cada voluntário
um aprendiz ativo em ambos os projetos e produzindo vivências fundamentais na formação de profissionais
comprometidos com os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a lógica da educação
popular. Sobretudo, é pela prática da comunicação dialógica, da escuta ativa e do cuidar particularizado que
nos constituímos enquanto extensão do SUS. O objetivo do presente trabalho foi relatar como a experiência
do voluntariado contribui para a formação e para o aprendizado dos seus alunos universitários e do público
assistido, evidenciando o impacto nos âmbitos acadêmico e social.

Relato

O relato de caso conta a trajetória dos participantes do voluntariado e pesquisa na vacinação contra a
Covid-19 na UERJ. A descrição do trabalho leva em consideração toda a vivência, a experiência, as dificuldades
e os obstáculos enfrentados na vacinação contra a Covid-19 para a construção de conhecimentos na formação
médica e social dos integrantes.
Levando em conta o risco de disseminação do vírus durante a pandemia de Covid-19, foi essencial
o desenvolvimento de medidas sanitárias que possibilitassem a vacinação segura, sendo vital considerar os
riscos epidemiológicos e condições estruturais, o imperioso respeito ao distanciamento social e a utilização
de medidas preventivas para evitar aglomerações. A partir dessa concepção, a estratégia de vacinação contra a
Covid-19 por meio do drive-thru foi incorporada no programa de imunizações com o propósito de facilitar,
principalmente, o acesso da população idosa e também acelerar a vacinação para a população em geral. Além
disso, a vacinação nesse molde leva em consideração o distanciamento social, uma vez que os indivíduos
permanecem em seus respectivos veículos, configurando, dessa forma, uma estratégia significativa para o
combate, mitigação e controle da propagação do vírus.
Inicialmente, o protagonismo do voluntariado no drive-thru de vacinação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), unidade vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), foi
essencial para a logística do processo de imunização contra a Covid-19, representando bem o impacto positivo
da ciência e a importância da atuação universitária junto à sociedade.
A equipe que atua no drive-thru da UERJ foi formada por professores, residentes e alunos voluntários,

379
sendo o único polo de vacinação no Brasil coordenado por docentes e discentes. Além disso, o papel dos
— PROTAGONISMO DISCENTE

vigilantes também foi essencial na organização prática e condução da população. O atendimento contou com
quatro tendas de vacinação e vinte e cinco vacinadores, além dos escribas, que auxiliavam no cadastro inicial,
nas oito pistas organizadas na área interna do estacionamento do campus Maracanã da universidade.
Além disso, a campanha de vacinação estendeu-se para os pedestres em uma estrutura construída no
interior do campus universitário, representando uma nova fonte de acesso ao imunizante à população do
entorno. Segundo o professor Ricardo Mattos, vice-diretor da Faculdade de Enfermagem, a vacinação para
pedestres foi realizada em parceria com as equipes da Policlínica Piquet Carneiro (PPC) e do Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE), atuando seis vacinadores, doze escribas e dois supervisores no total.
Dessa forma, criou-se uma capacidade para atendimento de mais de mil indivíduos diariamente, com a
qualidade e a atenção que a UERJ mantém desde o início da campanha.
Durante o projeto, foi criada uma coordenação com o objetivo de organizar a escala e a logística dos
voluntários nos cinco dias úteis semanais, alocando-os nos turnos da manhã e da tarde, de modo que sempre
houvesse um número mínimo de estudantes trabalhando. Além disso, os coordenadores intermedeiam a
comunicação entre os voluntários e a equipe de enfermagem, repassando demandas entre esses dois grupos.
De modo geral, os universitários atuam como escribas, verificando se o indivíduo está na idade correta para
receber a imunização, e auxiliam na verificação das condições ou dos critérios necessários para vacinar a população,
conforme os repasses da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). As perguntas realizadas pelos escribas para a
população envolvem idade, presença de comorbidades, medicamentos de rotina ou anticoagulantes, ocorrência
de febre nas últimas vinte e quatro horas, recebimento de outra vacina nos últimos quinze dias, existência de
alergia ao látex, entre outras. Nesse contexto, a comunicação entre os escribas e a população a ser vacinada
se configura como uma ferramenta importante para o combate à desinformação: durante a experiência, com
frequência, os alunos tiveram a oportunidade de esclarecer diversas dúvidas dos indivíduos, as quais envolviam o
funcionamento da vacina e do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a importância da vacinação em massa,
diferenças entre as vacinas, o significado de estar imunizado, possíveis efeitos adversos etc. Dessa forma, é por
meio da educação popular em saúde que o projeto permite a popularização da imunidade coletiva, da vacinação
e dos princípios do SUS, combatendo a desinformação e a postura anticientífica de algumas autoridades.
A participação dos alunos no drive-thru e na vacinação dos pedestres foi muito gratificante no que tange ao
contato com a sociedade. Muitos cidadãos cariocas estavam respeitando de forma fiel o distanciamento social
e, para eles, o contato com os acadêmicos representou uma nova interação, que há muito tempo não ocorria.
Outrossim, o momento da vacinação, tão sonhado durante o tenebroso período de pandemia, foi marcado por
muita emoção por parte dos vacinados e seus familiares, inevitavelmente compartilhada pelos voluntários.
Além disso, apesar de a importância da produção acadêmica para a comunidade não ser, por vezes, reconhecida,
a campanha de imunização e comunicação em saúde dentro do campus possibilitaram a maior materialização
do significado de extensão universitária. Nesse sentido, a mobilização discente tem o potencial de reafirmar a
relevância do ensino público de qualidade e da formação com compromisso social para a população.
Outra frente do voluntariado contribui para as atividades de campo da pesquisa “Perfil epidemiológico
e laboratorial da pandemia da Covid-19 e a avaliação da resposta vacinal para SARS-CoV-2”. O estudo foi
iniciado juntamente com a vacinação no Rio de Janeiro, em janeiro de 2021, coordenado pela médica Isabel
Bouzas, do Centro de Apoio a Pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (CAPCS - UERJ).

380
— PROTAGONISMO DISCENTE

Em fevereiro de 2021, foi criado um grupo intitulado “grupo-mãe”, responsável pela coordenação do
voluntariado de alunos disponíveis para a atividade de campo da pesquisa. Além de atuarem como voluntários,
os membros desse grupo geriam a logística cotidiana dos alunos na pesquisa. O grupo-mãe estimulava a
participação na coleta de dados, bem como programava os horários e dias nos quais os voluntários exerceriam
tal coleta. Ademais, os discentes da coordenação tiveram a oportunidade de participar de um seminário,
dividido em dois dias, o qual abordava temas como epidemiologia, imunologia, bioestatística, clínica médica
direcionada para a realização da anamnese e preservação e transporte dos imunizantes.
Além da coleta de dados retrospectivos, o estudo realiza coletas de sangue periódicas do vacinado,
buscando entender o desenvolvimento da resposta imune e seus possíveis efeitos adversos. Os interessados
em participar do estudo assinam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando
a utilização de seus dados biológicos e informações obtidas por meio de um questionário, cujas perguntas
incluem dados pessoais, presença de comorbidades, uso de medicamentos, diagnóstico anterior de Covid-19
(assim como os sintomas e sequelas apresentados), além de possíveis efeitos adversos da vacina. A partir dessas
amostras, foram analisados hemograma completo e sorologia quanto às proteínas S e N do novo coronavírus.
As coletas são, então, realizadas no dia da 1a dose, da 2a dose e 30, 90, 180 e 360 dias após a 2a dose, totalizando
idealmente seis coletas no período de um ano.
“As amostras coletadas no ato da vacina ficam armazenadas para testagem comparativa com as da segunda
dose, que completa o ciclo de imunização. Com isso, poderemos definir melhor em que grupo populacional,
por sexo e faixa etária, a vacina foi efetiva. A primeira e a segunda doses estimulam o sistema imunológico;
nesse processo, pode haver variações individuais em função das características genéticas ou de infecções prévias
de cada pessoa. Nosso consenso é de que valores mais altos de defesa podem ser encontrados entre 30 e 60 dias
após exposição total aos antígenos”, explica o coordenador do estudo Luís Cristóvão Porto em uma entrevista
para o canal de televisão CNN Brasil. Até o momento, mais de mil e oitocentas pessoas participaram do
estudo, tendo ainda como perspectiva o aumento progressivo do número amostral, corroborando para dados
mais representativos da população e expressando a confiança no desenvolvimento da ciência nacional e das
instituições de ensino e pesquisa.
Pelo estudo, concebeu-se uma base de dados à disposição de pesquisadores de outras instituições, além de
possibilitar o intercâmbio de informações sobre o vírus. Esse banco de dados e o material coletado também
podem servir de auxílio para futuras pesquisas.
Na primeira fase do estudo, os voluntários atuaram captando profissionais de saúde e indivíduos da
população geral interessados em contribuir para a pesquisa. Comumente, os vacinados não se interessavam
em ingressar na pesquisa devido à falta de tempo, o receio em colher sangue ou a falta de conhecimento sobre
a pesquisa enquanto projeto de soberania nacional e bem coletivo. Nesse aspecto, foi fundamental o incentivo
dos membros do projeto quanto à importância de colaborar para o desenvolvimento da ciência brasileira e
para o combate à pandemia. Somado a isso, houve a oportunidade de combater fakenews e esclarecer dúvidas
comuns sobre a fisiopatologia e a dinâmica de circulação viral para a população.
A partir de junho de 2021, o grupo começou a atuar em uma outra etapa da pesquisa: a fase clínica.
Essa nova fase se consolidou no primeiro Centro de Atendimento Multidisciplinar Pós-Covid-19 do país,
associado ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e à Universidade do Estado do Rio de Janeiro

381
— PROTAGONISMO DISCENTE

(UERJ). O espaço conta com estrutura ambulatorial de médicos, fisioterapeutas, psicólogos, assistente social
e nutricionistas para receber pacientes encaminhados pelo Sistema Nacional de Regulação (SISREG). Além
do atendimento clínico, o centro é polo de pesquisa básica e clínica sobre temas envolvendo o tratamento,
a prevenção e a imunização ao Sars-CoV-2. Dessa forma, nesse estágio da pesquisa, o grupo-mãe atualiza
as informações dos participantes e um novo questionário é aplicado, a fim de monitorar se o voluntário foi
infectado pelo SARS-CoV-2 entre as duas doses ou após completar o esquema vacinal. Ademais, essa fase
conta com uma avaliação clínica, durante a qual os alunos realizam uma anamnese dirigida a participantes que
já tiveram Covid-19, além de realizar uma avaliação física analisando a perimetria (medida das circunferências),
peso, altura, IMC, pressão arterial, saturação de oxigênio no sangue e possíveis sequelas. Após essas análises,
o participante é, então, encaminhado para alguma especialidade clínica caso necessário.
Durante os cinco primeiros meses de duração do projeto, tivemos a possibilidade de observar, como coordenação,
a construção inicial de profissionais alinhados à lógica da educação popular em saúde, muito presente na captação,
e a importância da área de pesquisa para a sociedade, temática por vezes negligenciada no currículo médico. Além
disso, ficou evidenciado o valor do voluntariado na formação de médicos com uma consciência ética e holística
sobre a comunidade em que atua, corroborando para uma futura prática profissional mais humanizada.
Como reflexões dessa vivência, levamos como bagagem a experiência do voluntariado, evidenciando a
importância do SUS para a manutenção da saúde pública no país a partir do PNI e do fortalecimento da
luta contra o desmonte desse sistema. Somado a isso, o contato direto com a comunidade corrobora para
a concepção de uma visão integral do processo saúde-doença na formação médica, instigando reflexões a
respeito da importância de uma medicina mais acolhedora. Nesse sentido, ao nos aproximarmos da atenção
básica, afastamos o modelo de formação hospitalocêntrico e contribuímos para a educação de profissionais
preconizadores do alinhamento da prática do cuidado individual aos atributos da Atenção Primária à Saúde,
promovendo um cuidar socialmente diferenciado e empoderador. Sobretudo, ao encarar as inseguranças da
população e os atrasos no cronograma vacinal, os voluntários puderam atuar no combate à desinformação e
à propagação de notícias falsas sobre a pandemia e sobre a vacinação, a partir da transmissão de informações
com base em evidências científicas. Para além disso, a percepção de um cenário de incerteza coletiva, no país
exemplo por sua cultura vacinal, expressou-se nos ataques à campanha de imunização e nas dúvidas receosas
por parte da população. Desse modo, foi possível identificar que a ausência de campanhas publicitárias do
governo federal em apoio à vacinação e a postura do chefe do executivo federal em colocar em cheque a
eficácia das vacinas contribuíram para a falta de adesão e dúvidas da população.
Mais um aspecto relevante do voluntariado foi a interação entre os próprios alunos, de diversos
períodos e cursos da graduação, muitos dos quais haviam tido apenas uma semana de aula presencial, sem
muitas oportunidades anteriores de se conhecer e construir laços afetivos. Assim, o projeto facilitou a
integração entre os acadêmicos em meio a um período tão frustrante, marcado pelo isolamento social e pelo
alto número de hospitalizações e mortes. Serviu também como uma forma de explorar presencialmente o
campus da Universidade, aumentando a intimidade e a familiaridade do corpo discente com o ambiente
universitário.

382
— PROTAGONISMO DISCENTE

Considerações Finais

Diante de tudo que o Brasil e o mundo viveram desde o ano de 2020, a busca por ações capazes de alterar o
cenário é constante. Nesse contexto estarrecedor, os projetos de voluntariado da vacinação e da pesquisa surgem
com o propósito de contribuir para transformar a realidade do país. A participação dos voluntários possibilitou
melhor organização da campanha de vacinação no campus da UERJ, bem como das atividades da pesquisa. O
voluntariado tornou-se uma ferramenta importante de aprendizado e crescimento para os alunos envolvidos, de
modo a contemplar conhecimentos teóricos e práticos, tornando cada membro um aprendiz ativo no projeto.
Além disso, o trabalho voluntário realizado desde o início da vida acadêmica colabora para a formação de
uma mente socialmente questionadora e consciente. Dessa forma, o voluntariado é essencial na composição
educacional de um profissional ativo diante da vida cotidiana, o qual age de forma racional em um compromisso
social, com o objetivo de promover a saúde de todos. Por conseguinte, imersos como estamos em um regime
de governo baseado na necropolítica, impõem-se a reafirmação da existência, a importância e a continuidade
de projetos neste formato, uma vez que são necessários no desenvolvimento de discentes e futuros médicos
capazes de não se limitar a uma abordagem acadêmica e que tenham compreensão de que a procura por saúde
deve sempre estar associada à promoção de uma sociedade mais justa.
É importante salientar que os dois projetos acontecem de maneira integrada, visto que o indivíduo ia se
vacinar e já era encaminhado imediatamente para a área na qual ocorria a pesquisa. No local, ele recebia todas
as informações do projeto antes de optar por se tornar participante voluntário ou não. Nesse sentido, ambas as
experiências aconteciam de maneira conjunta, e havia interação entre os grupos de alunos voluntários dos dois
projetos. Desse modo, todos os discentes que estavam ali por um bem em comum tornaram o voluntariado
uma vivência ainda mais rica. Por fim, é significativo reforçar que o trabalho na imunização, pelo conjunto dos
profissionais de saúde, dos pesquisadores, dos voluntários e da universidade em prol da promoção da saúde,
deve ser estimulado para que haja êxito na propagação do conhecimento científico e na democratização da
saúde de forma igualitária para toda a população, possibilitando que a experiência acadêmica e a sociedade se
tornem cada vez mais concatenados.

Bibliografia

1. Lana RM, Coelho FC, Gomes MF da C, Cruz OG, Bastos LS, Villela DAM, et al. Emergência do novo
coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva. Cadernos
de Saúde Pública [Internet]. 2020 13;36:e00019620. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/
csp/2020.v36n3/e00019620/pt/
2. Kamps e [Internet]. [cited 2021 Nov 2]. Disponível em: http://www.sarsreference.com/sars_
reference_2nd_portuguese.pdf
3. Somente cobertura vacinal pode garantir imunidade de rebanho contra a Covid-19, afirma pesquisadora
– Instituto Gonçalo Moniz [Internet]. Fiocruz.br. 2021 [cited 2021 Nov 2]. Disponível em: https://
www.bahia.fiocruz.br/somente-cobertura-vacinal-pode-garantir-imunidade-de-rebanho-contra-a-

383
Covid-19-afirma-pesquisadora/
— PROTAGONISMO DISCENTE

A luta pelo Sistema Único de Saúde e pela


democracia em meio à pandemia de Covid-19

Victor Harmendani Caldas de Andrade¹,²*; Jade Andrade Alves¹,²*; Julia Pereira Muniz Pontes¹,²*; Matheus dos Santos

Cordeiro¹,²*; Beatriz Roque Cardoso Pinto¹,²*; Juliana Carneiro Poggi de Aragão¹,²*; Matheus Faria Bastos Garcia¹,²*;

Aline Geissler Miranda de Barros¹,²*; Mônica de Cássia Firmida²&

¹Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF); ²FCM/UERJ


&
Docente; *Discente

Descritores em português: Estudantes de Medicina; Covid-19; Sistema Único de Saúde

Descritores em inglês: Students, Medical; Covid-19; Unified Health System

Introdução

Quem poderia imaginar que o ano de 2020 seria marcado por nos fazer vivenciar a maior crise sanitária
do século? Sem dúvidas, já se podia afirmar que a saúde pública do nosso país se encontrava em crise desde
antes do início da pandemia - principalmente, diante tantos cortes sucessivos em seu orçamento em um
período histórico em que cada vez mais brasileiros necessitam de assistência e acesso à saúde pública. No
entanto, a pandemia de Covid-19 estava além de qualquer imaginação e exacerbou ainda mais esse contexto
nefasto de crise.
Pertencemos a uma geração que experienciou, graças à Hollywood, grandes produções sobre pandemias
e distopias em obras de ficção, como “Contágio (2011)”, “Epidemia (1995)” e “A gripe (2013)”, os quais se
tornaram virais logo após o início da quarentena. Período esse de tempo em que arte e vida real se mesclaram
de forma indissociável. Tudo o que sabíamos, na prática, sobre pandemias estavam em referências de filmes e
livros de história. E, então, tomamos consciência que, de fato, vida real e ficção são cenários bem distintos. Na
vida real, se entreter de forma apática ao assistir prenúncios de caos e destruição de populações humanas em
filmes não deveria representar uma opção de escolha. Certamente, essa não foi uma opção para os membros
da gestão do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), a gestão Nós.

Relato

As primeiras notícias sobre o vírus da Covid-19, em dezembro de 2019, tiveram pouquíssima repercussão
na mídia nacional e praticamente nenhum impacto na vida de grande parte dos brasileiros. Aquela quarentena
estrita adotada pela cidade de Wuhan, na China, a partir de 23 de janeiro, quando o vírus havia matado
17 pessoas e infectado mais de 400, parecia, para os brasileiros, algo de outro mundo e completamente
distante - quase como as próprias cenas dos filmes sobre pandemias. Parecia para o mundo um problema

384
— PROTAGONISMO DISCENTE

significativamente distante e não justificava maiores preocupações. E, dessa forma, os meses seguintes em
nosso país passaram sem preocupações: com eventos, como o Carnaval e as festas, acontecendo de forma
completamente normal.
Durante cerimônia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) na Capela Ecumênica na 48ª Semana
de Recepção da Medicina UERJ, o Diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), professor
Ronaldo Damião, em sua fala bastante eloquente disse “Há um vírus por aí que falam que é muito poderoso,
mas o vírus mais forte de todos é o vírus da UERJ. Esse vírus nos infecta logo cedo e nos impede de deixar
essa universidade”. Nesse dia, 03 de março de 2020, ainda poucas pessoas compreendiam a gravidade do que
estava por vir; quem sabe, apenas poucos pesquisadores da Fiocruz e do Instituto Butantan tinham dimensão
do que seria a pandemia pelo Covid-19. No dia 12 de março de 2020, ocorreu a primeira morte por Covid-19
no Brasil e, no dia 13 de março, todas as aulas da UERJ já estavam suspensas por tempo indeterminado - a
princípio por apenas 15 dias, de acordo com o decreto do governador.
Nesse primeiro momento, ainda era difícil entender com clareza o que estava acontecendo. Grande parte
dos alunos, senão todos, esperavam retornar às suas atividades dentro de duas semanas ou um mês, no máximo.
No dia 17 de março de 2020, a gestão do CASAF anunciou a suspensão de todas as suas atividades presenciais
e o fechamento do Edifício do Centro Acadêmico por tempo indeterminado. Com isso, rapidamente todo o
foco da gestão se voltou, inicialmente, para o combate à pandemia por meio da organização do programa de
voluntariado na Policlínica Piquet Carneiro.
Tema ainda pouco abordado, mesmo nas universidades públicas, a saúde pública tornou-se um ponto
central na vida de todos diante desse cenário, despertando grande curiosidade da população e dos próprios
estudantes de medicina. O Sistema Único de Saúde (SUS), a ciência e a atuação dos profissionais de saúde
rapidamente se tornaram assuntos que entraram em evidência, mostrando para a sociedade que não haveria
outro caminho para a contenção desse vírus - que já havia se disseminado por todo mundo - senão o foco
nesse tripé fundamental formado pelo cientificismo, pelo fortalecimento do SUS e pelo investimento nos
profissionais da área de saúde.
Contudo, a frase “nada é tão ruim que não possa piorar”, proferida pelo próprio Presidente da República,
no dia 27 de setembro de 2021, resume bem o que foi o combate à pandemia no Brasil - um conjunto sucessivo
de ações nulas que se tornavam, dias após dias, cada vez piores. Em uma situação perfeita, já seria extremamente
complicado a contenção desse vírus em um país com um tamanho continental e uma desigualdade social
extrema, ainda mais quando pensamos no projeto de desmonte do SUS que já vinha sendo posto em prática.
Entretanto, as causas que levaram ao assustador número de mais de 600 mil mortes têm nomes, sobrenomes
e endereços. O Governo Federal travou uma verdadeira guerra contra a população e a favor do vírus, mas o
CASAF, grande símbolo de resistência durante a Ditadura Civil Militar, não poderia ficar apático diante do
caos promovido pelo Governo Federal e se mobilizou intensamente em uma linha de frente para conter e
denunciar todos os absurdos que estavam sendo executados durante esse período.
A idealização e criação dos Simpósios pela Saúde Pública em parceria com a Liga Acadêmica de Medicina
de Família e Comunidade da UERJ (LAMFaC-UERJ), mobilizando milhares de pessoas pelo Brasil inteiro
em defesa da Saúde Pública demonstrou com perfeição a capacidade do 3º maior Centro Acadêmico do país

385
— PROTAGONISMO DISCENTE

em mobilizar a sociedade civil em defesa de um país mais justo e em defesa do SUS e da democracia. Só que as
nossas mobilizações não pararam por aí. A gestão do CASAF não ficou uma semana sequer parada. Inovamos
e atuamos incansavelmente, de forma constante, no fortalecimento do movimento estudantil durante esse
período tão atípico de isolamento social em que nos encontramos, enquanto população, apáticos, receosos e
desmobilizados.
Com a impossibilidade de eventos presenciais e de atos nas ruas, as redes sociais tornaram-se os grandes
palcos de mobilização, principalmente, por meio do Instagram, principal ferramenta de divulgação nesse
período e o Youtube, o qual virou um grande auditório de discussões sobre os mais diversos temas. Foi nele
que o CASAF também promoveu os encontros do quadro “Democracia em Debate”, que contou com a
participação de diversos parlamentares em suas lives, e o Mini Encontro Regional do Estudantes de Medicina
(MiniEREM), com a temática “Quanto vale o seu corpo?”, que foi realizado em parceria com a Direção
Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), famosa parceira do CASAF durante toda a sua
história. Abaixo-assinados, manifestos e resgates históricos também se fizeram presentes durante essa dura
caminhada no qual o movimento estudantil nunca se fez tão necessário. Era o nosso refúgio, em que podíamos
nos acolher nos nossos para defesa do SUS, da ciência e, sobretudo, da democracia.

Resgate histórico do SUS


A necessidade de compreender melhor a estruturação e a própria história do nosso SUS sempre foi
um objetivo para a gestão que assumiu o CASAF no dia 13 de dezembro de 2019. As causas de tantas
problemáticas e gargalos do sistema que encontramos quando visitamos as Clínicas da Família do município
já no primeiro ano de curso, na disciplina de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, ou quando iniciamos
nossos plantões pelas emergências dos hospitais municipais durante o 4º ano devem ser abordadas na
formação médica de maneira mais crítica e problematizadora. Afinal, estaremos lidando diariamente com
essas realidades na nossa profissão.
Infelizmente, apenas breves discursos superficiais são geralmente feitos, sempre relatando os problemas
que existem, como a falta de médicos e insumos, mas nunca os motivos mais profundos que nos levaram a essa
crítica realidade. Temos um sistema que possui um subfinanciamento crônico e isso deve ficar muito claro.
Desde a sua criação em 1990, o SUS nunca funcionou da forma como deveria por falta de financiamento.
Na verdade, podemos dizer que hoje ele funciona com menos da metade da verba que deveria receber para
se equiparar aos principais sistemas públicos de saúde do mundo, como o National Health Service (NHS) no
Reino Unido.
E foi dentro desse contexto que iniciamos um amplo estudo em relação a história do SUS e toda a sua
estrutura de atuação. Podemos dizer que essa pesquisa foi o embrião de todos os projetos em defesa do nosso
Sistema Único de Saúde realizados posteriormente pela nossa gestão. No dia mundial da saúde, 7 de abril de
2020, esse projeto se solidificou em formato de um texto de 2 páginas e 12 parágrafos amplamente divulgado
em nossas redes sociais e com ótima repercussão, se tornando uma das postagens mais curtidas e com maior
alcance até aquele momento em toda história do Instagram do CASAF. E, a partir disso, demos início às
nossas mobilizações internas e externas para ampliar esse grito.

386
— PROTAGONISMO DISCENTE

Simpósios pela saúde pública


Os meses seguintes ao início da pandemia foram caracterizados por um completo caos político e social.
No mesmo momento em que pudemos presenciar uma alta constante dos casos e óbitos pelo novo coronavírus
no país, vivenciamos ataques cada vez mais frequentes do Presidente da República e de seus aliados contra
todas as medidas necessárias para a contenção da pandemia. Após a saída consecutiva de dois Ministros da
Saúde, as medidas restritivas foram gradativamente menosprezadas e os discursos negacionistas e anti-ciência
começaram a ganhar mais força.
Não podíamos continuar sendo apenas telespectadores diante dessa conjuntura de constantes desmontes
de políticas públicas, em que defender a democracia tornou-se fundamental e óbvio. Precisávamos assumir
uma postura ativa em defesa do SUS, compreendendo que, a partir dele, ocorreu a democratização do acesso
à saúde no Brasil de forma ampla e integral.
Sendo assim, ao se pensar sobre essas problemáticas, surgiu a necessidade do CASAF e a LAMFaC-UERJ
elaborarem um evento sobre e pela Saúde Pública: o I Simpósio pela Saúde Pública: “saúde é democracia e
democracia é saúde”. Nele, buscou-se debater sobre o histórico político, os papéis de atuação, as políticas de
saúde para populações específicas e as perspectivas futuras do SUS, visando suscitar o engajamento discente
na defesa da saúde pública e da democracia como condição de bem-estar.
Dos dias 22 a 24 de julho, o I Simpósio pela Saúde Pública mobilizou mais de 16.500 pessoas dispostas a
lutar por uma saúde contra hegemônica e equitativa. Desde o início, idealizou-se um projeto que incorporasse
nosso protesto, enquanto acadêmicos de uma universidade pública, frente narrativas político-econômicas
fratricidas.
Dessa forma, a defesa do SUS e o bem-estar dos povos e das populações vulneráveis pautaram o eixo
temático do simpósio. Por meio da escolha da plataforma virtual, das diferentes formas de divulgação, do
patrocínio apenas por instituições públicas que promovem a saúde e das intérpretes de Língua Brasileira de
Sinais (Libras), buscou-se tornar o evento mais acessível e sinônimo do que a saúde coletiva representa para
nós - cidadania.
Discutidas, compartilhadas e concretizadas, nossas ideias se materializaram em 10 palestras que buscavam
explorar os mais distintos aspectos da saúde pública. Tivemos a presença de alguns dos maiores nossa da saúde
coletiva do país, como o ex-Ministro da Saúde José Gomes Temporão (Fiocruz), e os médicos e pesquisadores
Naomar Almeida (UFBA), Ligia Bahia (UFRJ) e Kenneth Camargo (UERJ), que abordaram os temas
“Panorama histórico-político do SUS: a construção de um sistema de saúde universal”, “Saúde coletiva no
Brasil hoje: desafios e perspectivas durante a pandemia”, “Financiamento do SUS: os riscos de um desmonte
neoliberal” e “Anticientificismo, negacionismo e movimento antivacina”, respectivamente. Ainda, tivemos
a presença da médica Denize Ornelas com a palestra “Saúde Pública na Contemporaneidade: Desafios e
Perspectivas Pós pandemia”, o filósofo Renato Noguera com “Necropolítica, saúde e racismo”, a assistente
social Ana Paula Procópio com “Saúde da população negra: o racismo como fator de adoecimento”, a psicóloga
Karen Athié com “Saúde no Cárcere: discussão sobre a PNAISP no SUS”, a biomédica Eliene Dos Santos
com “O “Bem Viver” dos Povos Indígenas” e o professor da UERJ Cesar Favoreto, que abriu o nosso evento,
com a palestra “Saúde é Democracia e Democracia é Saúde”.

387
— PROTAGONISMO DISCENTE

Através delas, escutamos experiências e realidades de pessoas silenciadas em nossa sociedade racista,
patriarcal e elitista, para promover um processo de desconstrução do pensamento colonizador hegemônico e
fortemente permeado em nossos corpos e em nossas formações, consolidando-se como gargalos para o livre
exercer democrático.
Foram três dias de uma imersão nos saberes e nas potências da saúde pública, gratuita e de qualidade.
Com intenso fluxo de questionamentos e inquietações das milhares de pessoas que estavam acompanhando
o evento, a virtualidade permitiu que esse encontro chegasse em vários Brasis, os quais, talvez, não teriam
esse tipo de oportunidade. Tentamos ecoar em uma ação de extensão, fornecendo uma significância enorme
aos encontros dialógicos e envolvendo o evento por meio da arte e da cultura, já que elas também suscitam e
engendram a democracia. O simpósio, que partiu de uma movimentação da universidade pública, consolidou-
se como um manifesto pela democracia e pela saúde.
No entanto, após o nosso primeiro simpósio, não houve melhora diante da contenção da pandemia do
novo coronavírus. Pelo contrário, o número de casos e mortes começaram a aumentar de forma exponencial,
fazendo o Brasil passar a ser considerado mundialmente como um dos países que pior geriram a pandemia.
Junto a isso, diversos desmontes foram articulados, como os das Unidades Básicas de Saúde e os das políticas
de saúde mental, que foram conquistadas com a reforma psiquiátrica.
Assim, diante desse panorama, o Centro Acadêmico e a LAMFaC-UERJ se reuniram novamente com
intuito de motivar uma organização popular em prol da Saúde Pública e criar o II Simpósio pela Saúde
Pública: “Por um SUS do tamanho do povo brasileiro”.
Entre os dias 25 e 27 de março de 2021, o II Simpósio pela Saúde Pública reuniu mais de 13 mil inscritos
de todos os estados do país em 7 horas de live disponíveis no YouTube do CASAF, contabilizando 64.856
visualizações nas palestras do evento. Foram abordadas temáticas necessárias e atuais, tais como: a emergência
dos grupos privados de saúde no SUS, políticas higienistas, luta antimanicomial, desafios da vacinação, ataques
às instituições de saúde e as perspectivas da Estratégia Saúde da Família.
Novamente, conseguimos reunir alguns nomes famosos da Saúde Pública, tais como o ex-presidente
da Fiocruz Paulo Gadelha, a presidente da ABRASCO Gulnar Azevedo, o ex-coordenador de Recursos
Humanos da OMS Mario dal Poz e o ex-diretor geral do HUPE Ricardo Donato, um dos precursores da
Medicina de Família e Comunidade (MFC) no país. Com eles, aprendemos sobre: “Desafios da vacinação no
Brasil: dos percalços históricos às problemáticas atuais”, “Os ataques às instituições de saúde e as dificuldades
da pesquisa no Brasil”, “A emergência dos grupos privados de saúde no SUS e as suas consequências” e “Os
desafios e as perspectivas da Estratégia da Saúde da Família na atual conjuntura brasileira”, respectivamente.
Ainda, tivemos a presença da assistente social Régia Maria Prado e da mestre em direitos humanos Larissa
Montel abordando “Políticas higienistas e saúde da população em situação de rua”, da psicóloga Melissa de
Oliveira como “A luta antimanicomial e os atuais desmontes em torno da saúde mental” e o médico e professor
da USP Paulo Lotufo, que abriu o nosso evento com o tema "Por um SUS do tamanho do povo brasileiro".
Ao longo do simpósio, artes e músicas formaram um plano de fundo com o objetivo de expressar a grande
diversidade do nosso país por acreditarmos que cultura é democracia e democracia também é saúde. Ao final
do evento, proferimos um manifesto em defesa do SUS como forma de protesto às políticas adotadas pelo
Governo vigente. Posteriormente o texto foi postado nas redes sociais reunindo mais mil curtidas.

388
— PROTAGONISMO DISCENTE

A construção de um evento de tamanha proporção nos mostrou a necessidade de unir todos os campos da
saúde com a sociedade: universidades, clínicas da família, usuários, sindicatos, movimentos sociais, parlamentares
democráticos, intelectuais, institutos de pesquisa e sociedade civil. Para a estruturação de um sistema de saúde
efetivamente popular é fundamental enxergar as complexidades para entender as possibilidades de mudança
da nossa realidade social: da universidade pública à comunidade; do Oiapoque ao Chuí. Somos manifesto em
defesa do SUS!

Democracia em debate
A discussão sobre saúde pública e toda conjuntura de desmontes das políticas públicas nos mostrou a
importância de sempre buscarmos ampliar os debates e politizar os alunos da Medicina UERJ e os tantos
outros que acompanham o CASAF. Percebemos que o papel médico está intrinsecamente relacionado em
entender a dinâmica de poderes da sociedade, dos quais são também sujeitos para reivindicar e ocupar espaços
na promoção da saúde, sobretudo a partir da perspectiva do cuidar amplo, irrestrito e integral.
Dessa forma, surgiu a necessidade dos estudantes assumirem o protagonismo para contrapor a dicotomia
entre o ensino médico e a formação política. A partir dessa compreensão, o CASAF propôs debater temas
sociopolíticos dentro da formação médica, visando suscitar um olhar mais crítico no corpo discente, idealizando
a construção do projeto denominado “Democracia em Debate”.
O projeto consistiu em 6 palestras gratuitas disponibilizadas no seu canal do YouTube entre os dias 12
de agosto de 2020 e 13 de Março de 2021. No total, foram realizadas 12 horas de debate, obtendo mais de
2000 visualizações e consolidando um público disposto a refletir acerca de temas que permeiam o Estado
Democrático de Direito e a política institucional, contando com a presença de vereadores, deputados,
professores universitários e discentes convidados para o debate democrático.
Dessa forma, buscou-se reconhecer os interesses políticos que permitem a elaboração de políticas de saúde
pública equitativas e realistas diante das necessidades do povo brasileiro, além de evidenciar projetos de desmonte
e de subfinanciamento, e suas pretensões. Assim sendo, as conversas também permitiram uma visão de classe e
interseccional da saúde, além de manter os debates atualizados e condizentes diante do contexto político atual.
O projeto possibilitou o contato do Centro Acadêmico com uma rede de profissionais de diferentes áreas,
promovendo uma formação interdisciplinar e evidenciando relações entre esferas de poder e a saúde para a
comunidade acadêmica. O nosso primeiro evento foi sobre a temática “(Neo)fascismo: das bases históricas às
manifestações contemporâneas” que se materializou a amplas discussões sobre o assunto diante do crescimento
de grupos de extrema-direita pelo país e contou com a presença de dois professores de história da UERJ
e um ativista da causa. O 2º episódio foi sobre o “Estudantes: os períodos históricos da luta democrática
do movimento estudantil”, em que refletimos sobre o papel do movimento estudantil na consolidação da
democracia brasileira e o 3º sobre “Crise: os diagnósticos e as perspectivas no Estado do Rio”, que contou a
participação do vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), do deputado estadual Renan Ferreirinha (PSB-RJ) e da
especialista em segurança pública Jacqueline Muniz.
Os episódios seguintes ampliaram ainda mais as discussões e a amplitude das temáticas. Em outubro
de 2020, a roda de conversa foi sobre “Mulheres: as experiências de gerações na medicina” com a presença

389
— PROTAGONISMO DISCENTE

de 3 ex-alunas FCM-UERJ de diferentes épocas e contextos históricos, em que pudemos refletir sobre
temas como o machismo estrutural na formação médica. Depois disso, em março de 2021, abordamos as
seguintes temáticas: “Crise econômica: as repercussões na saúde do trabalhador” e “Gestão: as dificuldades
da administração pública em tempos de crise”. Ambos encontros tiveram uma boa repercussão e discussões
bastantes profundas sobre os seus respectivos temas. No espaço, contamos com a deputada estadual Monica
Francisco (PSOL-RJ), do presidente do sindicato dos médicos do Rio de Janeiro Alexandre Telles e do
médico e vereador Paulo Pinheiro (PSOL-RJ).
O projeto buscou estabelecer relações mais evidentes entre os temas propostos e as suas influências na
perspectiva do cuidado, além de reconhecer as forças e as vontades políticas que regem os determinantes
sociais da saúde. Durante as palestras, reconhecemos que ignorar uma sociedade inerentemente política
permite vácuos de perspectivas críticas ao modelo socioeconômico vigente, garantido a perpetuação da
ideologia dominante e de suas iniquidades. Dessa forma, um ensino crítico forma profissionais agentes - não
meramente sujeitos - e mais capazes de intervir pelas demandas de seu paciente.

MiniEREM e parcerias com a DENEM


No mês de outubro, o CASAF, junto com a DENEM, organizou um café com prosa, evento que antes
consistia em uma roda de conversa presencial com estudantes para debater sobre temas sociais inerentes
à formação médica. Costumeiramente, introduzido muitas vezes por filmes e sempre com a presença de
discentes e especialistas no tema, dessa vez, porém, pela primeira vez ocorreu de forma virtual, abordando
a seguinte temática: “a realidade do aborto legal no SUS”, com o propósito de trazer para os estudantes
e profissionais de saúde um debate sobre um assunto que ainda é considerado um grande tabu social –
tácito, pouco debatido e permeado por muitos pré-conceitos. Nesse sentido, o aborto no Brasil se apresenta
como uma crítica problemática de saúde pública (ou talvez da falta dela), tanto pela sua magnitude quanto
pela persistência. Sendo assim, o conhecimento mais aprofundado, despido de achismos, dessa temática é
imprescindível para promovermos mudanças estruturais.
A discussão além de promover reflexões e informações, pôde contribuir de alguma forma para a formação
dos profissionais de saúde que são, muitas vezes, leigos no tema devido essa temática quase nunca ser abordada
na formação médica, embora, esse seja um assunto fundamental de saúde pública e, sobretudo, para a luta pelo
direito das mulheres sobre seus próprios corpos. Principalmente para aquelas que morrem todos os dias por
desconhecerem seus direitos legais ou por não terem ainda um sistema de saúde que disponibilize o acesso
integral, gratuito, seguro e de qualidade ao procedimento de aborto legal.
Os encontros entre os estudantes de Medicina de todo o Brasil sempre foi essencial e promovidos pelos
Centros e Diretórios Acadêmicos em conjunto com a DENEM; durante o isolamento social, isso não foi
diferente. Dessa vez, foi organizado um MiniEREM, evento que costumava durar três dias para debater e refletir
sobre diversos temas em torno de um eixo principal que estivesse de alguma forma inserido na nossa formação ou
atuação médica. Em dezembro de 2020, de forma virtual, os alunos da FCM-UERJ, em parceria com o CASAF
e a DENEM, organizaram o MiniEREM sobre o tema: ‘’quanto vale o seu corpo?’’, buscando introduzir o
debate sobre grupos marginalizados da sociedade, principalmente, aqueles que se destoam do padrão de corpo

390
— PROTAGONISMO DISCENTE

imposto pela sociedade e de que maneira o sistema capitalista lucra com os diferentes corpos sociais.
Começando com o tema “Gordofobia médica: patologização do corpo”, com a presença de uma aluna da
FCM e ativista da causa, além de uma atleta e também ativista. As duas trouxeram para a discussão experiências
relacionadas a situações em que a saúde de um indivíduo foi resumida ao seu peso, de modo a “patologizar”
aquele corpo apenas por ele ser um corpo gordo, fora das medidas do dito padrão social de corpo. Além
disso, foram trazidas experiências nas quais as palestrantes foram privadas de uma saúde integral por conta
também de seus pesos, como em situações: de falta de equipamentos próprios para seus corpos, bem como de
dificuldades encontradas no cotidiano, reforçadas por uma estrutura que não as inclui com pijamas cirúrgicos
e cadeiras confortáveis e próprias para seus corpos em diversos espaços da sociedade. Dessa forma, buscamos
questionar a nossa própria formação médica que “patologiza” corpos e demos ênfase, principalmente para os
futuros profissionais de saúde que nos assistiam, a respeito da negligência ao atendimento de pessoas gordas,
que acabam quase sempre tendendo a relacionar qualquer acometimento morfofisiológico ao peso do sujeito.
Com isso, frequentemente, negligencia-se uma anamnese completa e uma investigação clínica adequada, não
se exercendo um cuidado integral e humanizado para com o paciente.
Em seguida, tivemos a palestra “Capacitismo: corpos transgressores”, em que suscitamos um debate acerca
da discriminação e do preconceito social contra as pessoas portadoras de deficiência. A mesa foi composta por
uma aluna de medicina portadora de deficiência visual de uma faculdade de São Paulo, coordenadora regional
da DENEM e também pesquisadora sobre a população com deficiência e acessibilidade no contexto da saúde,
além de uma professora, diretora da Associação do Deficientes do Estado do Rio de Janeiro (ADVERJ) e
integrante do Coletivo Bengala Verde. O debate, que se deu em torno de uma opressão que define os sujeitos
pela sua capacidade, foi enriquecedor para todos, tanto pela sua prevalência na sociedade, quanto para além do
mundo médico, nas mais diversas esferas da vida social, em que o preconceito é constantemente reafirmado
em expressões cotidianas, falta de acessibilidade nas cidades e em suas construções, além da privação de
convívio social e de empregos.
No segundo dia de evento, tivemos como mesas “Pornografia, violência sexual e de gênero” e
“Homossexualidade e doação de sangue: para além da decisão do STF”. No primeiro espaço, contamos com
a presença de professora universitária, doutoranda em Direito pela UFRJ, mestra em Direito Constitucional
pela UFF e especializada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (UC-Portugal) e pesquisadora
das teorias feministas, além de coordenar o projeto Feminismo Literário, que, por meio de redes sociais,
leva o debate sobre feminismo e literatura acadêmica para a comunidade em geral. Desde o seu mestrado
vem estudando os debates feministas sobre a pornografia e as implicações da indústria pornográfica na vida
das mulheres. A palestrante trouxe para a discussão de que modo a indústria pornográfica é estruturada
em uma base de violência que fomenta comportamentos agressivos e que reforçam a cultura do estupro,
marginalizando mulheres tanto em sua atuação profissional nesse ramo, quanto as próprias parceiras dos
telespectadores desse conteúdo. Já na segunda mesa, contando com a participação de um mestrando em serviço
social e autor do livro: ‘’Doação de sangue e homossexualidade no Brasil: cautela revista de preconceitos”
e um advogado pós-graduando em sociologia política, que atua junto à sindicatos, movimentos sociais e
estudantis. Com discussões acerca da recente liberação pelo Supremo Tribunal Federal da doação de sangue
pela população LGBTQIA+, foi trazido a reflexão do porquê da proibição por tanto tempo, embora pesquisas

391
— PROTAGONISMO DISCENTE

não mostraram evidências para tal proibição, desnudando, por fim, um nefasto preconceito e não propriamente
uma questão de segurança epidemiológica - como muitos argumentam sem quaisquer evidências científicas -,
o que marginaliza e impacta diretamente no direito dessa população à prática de um ato de solidariedade tão
necessário para toda a sociedade.
Por último, no terceiro dia, o evento foi finalizado por meio do debate sobre “Transfobia e saúde
de profissionais do sexo: corpos invisíveis”, em que tivemos a participação de uma mulher trans negra/
indígena, delegada federal da Saúde da Mulher, presidenta do CAIS (Centro de Apoio e Inclusão Social
para Travestis e Transexuais de Jundiaí e Região), coordenadora e idealizadora do Movimento AKUENDA
(LGBTQIA + Negros e Indígenas), em conjunto com uma outra mulher trans militante, agente de promoção
de saúde e redutora de danos na UAA (unidade de acolhimento adulto) Metamorfose Ambulante, que atua
também na capacitação LGBTQIA+ para profissionais de saúde, sendo agente de mudança na invisibilidade
e vulnerabilidade social das mulheres trans/travesti. As duas conduziram a discussão a respeito do acesso à
saúde da população trans, a qual é atualmente precária, cercada de preconceitos, negligência e falta de apoio
integral e humanizado. Grande parte dessa limitação ocorre em razão da desinformação e dos preconceitos
sociais contra essa população, sendo a discussão realizada nesse espaço extremamente importante para
romper esses tabus e formar melhores profissionais de saúde e cidadãos - capacitados para atender toda
a diversidade de sujeitos e corpos sociais existentes de maneira digna e dispostos a prover saúde integral,
equitativa e universal verdadeiramente para todos.
Depois de um ano vivenciando a maior crise de saúde pública da nossa história, surgiu a necessidade
de nos mobilizarmos de forma mais organizada, enquanto movimento estudantil. Junto com os Centros
Acadêmicos de Medicina da UFF, UFRJ e UNIRIO, convidamos os nossos alunos e ex-alunos para assinarem
um abaixo-assinado pelo impeachment do presidente, em que contamos com mais de 400 assinaturas em
algumas horas. No entanto, as discussões sobre o impeachment acabaram perdendo força naquele momento,
além do alinhamento dos setores aliados ao governo, voltando apenas com o decorrer da Comissão Parlamentar
de Inquérito da Covid-19 no Senado Federal.

Considerações finais
As ações desempenhadas pelo CASAF ao longo do ano de 2020 e início de 2021 nascem no berço de
uma universidade pública pioneira, que sempre se pautou na luta contra as iniquidades sociais e em defesa
do SUS, consolidam-se como manifestos pela democracia e pela saúde pública. A partir disso, entendendo
que devemos não ser apenas profissionais do SUS, mas também usuários, temos que ser povo para cuidar do
povo; para realmente sermos SUS em sua integralidade, equidade e universalidade. E, de maneira incansável,
priorizamos a luta pela justiça social, pela dignidade, pelo acesso à saúde, pelo sistema democrático de direito,
pelo movimento estudantil e pela ciência nas ações da gestão Nós. Nos manifestamos por aquilo que é, por
direito constitucional, de todos nós. A luta político-afetiva pelo direito à saúde foi (e deve continuar sendo)
central em nossas vidas e a nossa gestão fez ecoar esses gritos em tom de manifesto. Continuamos, desde
os anos 60, sendo fortes atores políticos na sociedade. Para além disso tudo, o CASAF representou uma
movimentação para sermos o binômio SUS-democracia em todas as suas totalidades.

392
— PROTAGONISMO DISCENTE

Bibliografia

1. Carvalho, Gilson. A saúde pública no Brasil. Estudos Avançados [online]. 2013, v. 27, n. 78 [Acessado
17 Outubro 2021] , pp. 7-26. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000200002>.
Epub 12 Jun 2015. ISSN 1806-9592. https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000200002.
2. Koifman, Lilian. Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS.Trabalho, Educação e Saúde [online].
2006, v. 4, n. 2 [Acessado 17 Outubro 2021] , pp. 472-474. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/
S1981-77462006000200018>. Epub 30 Out 2012. ISSN 1981-7746. https://doi.org/10.1590/S1981-
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3. Pinto, Hêider A.O Movimento Estudantil de Medicina e a transformação da Escola Médica. Interface
- Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2000, v. 4, n. 7 [Acessado 17 Outubro 2021] , pp. 159-
160. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1414-32832000000200023>. Epub 23 Jun 2009. ISSN
1807-5762. https://doi.org/10.1590/S1414-32832000000200023.
4. Daflon F. Título Provisório: Imprensa e Movimentos Estudantis na Faculdade de Ciências Médicas da
UERJ, 1964 a 1985, Prêmios 1935 a 1964. 2ªth ed. aum. Rio de Janeiro, RJ: Scortecci Editora; 2017. 352
p. ISBN: 978-85-366-5109-5.

393
— PROTAGONISMO DISCENTE

O papel do Centro Acadêmico na pandemia

Victor Harmendani Caldas de Andrade1,2,4; Jade Andrade Alves1,2,4; Julia Pereira Muniz Pontes1,2,4; Matheus dos Santos

Cordeiro1,2,4; Beatriz Roque Cardoso Pinto1,2,4; Juliana Carneiro Poggi de Aragão1,2,4; Matheus Faria Bastos Garcia1,2,4;

Tábata da Cunha Esteves de Almeida1,2,4; Aline Geissler Miranda de Barros1,2,4; Mônica de Cássia Firmida1,2,3

¹Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF); ²FCM/UERJ; 3Docente; *Discente

Descritores em português: Estudantes de Medicina; Covid-19; Educação Médica

Descritores em inglês: Students, Medical; Covid-19; Education, Medical.

Introdução

O Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), fundado no dia 12 de abril de 1938, ainda
com o nome de Centro Acadêmico Ciências Médicas, sempre teve por objetivo principal o auxílio e a
representação dos alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Sua rica história, documentada em livros
e documentários, nos mostra a importância de uma representação ativa dos estudantes para lutar contra todas
as injustiças que possam vir a surgir e para viabilizar grandes transformações na universidade.1
Durante esses mais de 80 anos de existência, diversos alunos passaram pela sua gestão e contribuíram de
alguma forma para o seu desenvolvimento e para o aprimoramento do ensino na Faculdade de Medicina da
UERJ. Muitos deles seguiram a vida acadêmica e passaram a lecionar nessa instituição, como, por exemplo, o
ex-reitor e professor da UERJ, Hésio Cordeiro, que presidiu o CASAF no ano de 1965. 1
Quando a diretoria do CASAF do ano de 2020, a gestão “nós”, assumiu o Centro Acadêmico no dia 13
de dezembro de 2019 para o mandato de um ano, era impossível imaginar as dificuldades que surgiriam no
ano seguinte e a importância da necessidade de superá-las para a manutenção da qualidade e da equidade do
ensino da UERJ.

Relato

A pandemia da Covid-19 surpreendeu a todos e obrigou a adoção do isolamento social no país com
objetivo de conter a rápida disseminação do vírus. Com isso, no dia 13 de março de 2020, a Reitoria da
UERJ decretou a suspensão de todas as atividades não essenciais da universidade por 15 dias, medida essa
que foi renovada continuamente até o final de 2021. O semestre de 2020.1 foi oficialmente paralisado e
com o decorrer da pandemia e as dificuldades apresentadas, que impediam qualquer projeção de retorno das
atividades presenciais, novas soluções para um retorno gradual das atividades de ensino da UERJ começaram
a ser apresentadas.
As discussões abertas sobre o Período Acadêmico Emergencial (PAE) na UERJ apenas tiveram início

394
durante o mês de junho em virtude das grandes dificuldades relacionadas à sua implementação, principalmente
— PROTAGONISMO DISCENTE

dentro de uma universidade pública que agrega estudantes das mais diversas realidades socioeconômicas.
Dentro do movimento estudantil, tais debates já tinham virado rotina na vida dos acadêmicos, os quais se
dividiam entre aqueles que já conseguiam enxergar a importância da movimentação dos cursos e do retorno
gradual de forma remota das aulas diante de um contexto nacional de amplo ataque às universidades públicas
e entre aqueles que negavam por completo a possibilidade de atividades online obrigatórias por considerarem
que tal medida contribuiria para a acentuação das desigualdades, representados principalmente pela União da
Juventude Comunista (UJC).2
Entretanto, rapidamente a necessidade do início do chamado PAE foi imposto a todos e as discussões
sobre a melhor forma de implementá-lo passaram a ser o novo foco dos representantes discentes e docentes da
universidade. Nesse momento, com o objetivo de compreender melhor a realidade de seus alunos, o CASAF
realizou uma pesquisa de acesso digital e vulnerabilidades agravadas pela pandemia, a qual foi respondida por
quase 100% dos alunos, e também criou a comissão de volta às aulas, com o intuito de democratizar e ampliar
os debates envolvimentos na elaboração de um programa online que incluísse todos os alunos da FCM.
Junto a isso, a preocupação com a saúde mental dos nossos alunos, bastante afetada pelo momento,
também se tornou central. Diversas atividades foram promovidas pelo Centro Acadêmico com o intuito de
amenizar tal realidade de sofrimento psíquico e amplas discussões com a Direção da FCM foram realizadas.
Por fim, outras atividades também preencheram o cronograma de atividades do CASAF durante esse
período, como a criação do quadro “Me formei, e agora?” no Youtube, as reuniões com as Ligas Acadêmicas
em busca de maior representação, a participação na organização do acesso à Iniciação Científica da Faculdade
através do Programa de Iniciação Científica em Pesquisa Médica (PINC) e a participação no 58º Congresso
brasileiro de Educação Médica e na Jornada Acadêmica de 85 anos da FCM.

Comissão de volta às aulas


Em 13 de março de 2020, todos os alunos da FCM foram surpreendidos com a interrupção das atividades
acadêmicas em decorrência da crise sanitária causada pela Covid-19. Diante dessa suspensão, houve a
necessidade de uma substituição das atividades presenciais por um ensino remoto, de modo a viabilizar o
aprendizado. Para isso, foi criada uma comissão de volta às aulas, um canal aberto entre os alunos de cada ano
e o CASAF, no qual cada turma era composta por 3 integrantes (1 aluno cotista, 1 aluno que não residisse no
Rio de Janeiro e 1 representante da turma).
Inicialmente, foi feita uma apresentação do projeto para todas as turmas a fim de que elas mesmas se
engajassem e decidissem seus 3 representantes. Depois, com os 3 representantes de cada turma já escolhidos e
a comissão de volta às aulas formada, foi feita uma reunião geral para verificar a totalidade e as particularidades
das demandas discentes. Dentro disso, foi possível direcionar o foco em relação aos internos do 6º ano para
tentar fazê-los voltar o mais breve possível às atividades de forma segura, para que eles conseguissem se formar
até o final do ano. Com o 5º ano, o diálogo também se direcionou para um retorno às atividades, de modo a não
prejudicar a duração do internato e, consequentemente, sua formação médica. Para o 3º e 4º ano, foram feitas
discussões para entender como funcionaria o ensino híbrido em disciplinas que são majoritariamente práticas.
E para o 1º e 2º ano, a solução proposta foi de antecipar e encaixar no ensino remoto toda a parte teórica das

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— PROTAGONISMO DISCENTE

disciplinas do ciclo básico, adiando as atividades práticas para quando houvesse o retorno presencial. Além
disso, com esse canal direto entre o CASAF e os discentes criado, foi possível agilizar a troca de informações,
bem como a retirada de dúvidas, o que se tornou fundamental para diminuir a ansiedade dos alunos em
relação a um futuro ainda incerto.
No entanto, diversas dúvidas sobre como tornar esse ensino realmente viável dentro de um contexto
de universidade pública surgiram, levando a necessidade de buscar um maior conhecimento sobre a
realidade discente. Com isso, o CASAF, em parceria com a FCM, realizou uma pesquisa de acesso digital e
vulnerabilidades agravadas pela pandemia de Covid-19 com o objetivo de mapear com afinco a atual situação
de seus alunos.
Para realizar a pesquisa, criou-se um formulário, o qual foi dividido em 3 grandes eixos: grupos de risco,
acesso digital e vulnerabilidades socioeconômicas. Dentro da primeira parte, buscou-se saber se os alunos
ou familiares pertenciam ou não ao grupo de risco da Covid-19. Na segunda, o objetivo estava atrelado em
entender a realidade digital dos estudantes de medicina da UERJ. Foram realizadas diversas perguntas, tais
como: qual é o tipo e a qualidade da internet à disposição, se o nível atual de internet tende a se manter pelos
próximos meses, quantos aparelhos eletrônicos sem uso compartilhado possui e quais eram os empecilhos
para o aluno em relação à adoção do ensino remoto. Na última parte do formulário, foram abordadas questões
socioeconômicas, buscando-se mapear se houve redução de renda familiar ou de refeições diárias em virtude
da crise econômica e do fechamento do restaurante universitário. A pesquisa contou com 600 respostas, o que
corresponde a 97,8% dos alunos da FCM.
Ao final da pesquisa, observou-se resultados heterogêneos devido à complexidade socioeconômica que
envolve uma instituição pública. Quanto à análise do grupo de risco, observou-se que 11,1% dos alunos se
enquadram nessa faixa, enquanto 65,9% residem com pessoas desse grupo de risco. Em relação ao acesso
digital, observou-se resultados relativamente favoráveis à implementação do ensino remoto, havendo apenas
1 aluno sem acesso algum e 60 que possuem uma baixa qualidade de internet. No entanto, foi constatado que
133 estudantes poderiam ter seu nível de internet reduzido nos próximos meses e 103 possuem apenas um
smartphone à disposição, o que foi considerado insuficiente para o pleno aproveitamento de aulas virtuais.
Por fim, foi visto que grande parte dos alunos (63,7%) tiveram redução de renda nesse período e que 12
estudantes (2%) tiveram o seu número de refeições diminuído em virtude do fechamento do restaurante
universitário, caracterizando grande vulnerabilidade. Os resultados desta pesquisa evidenciaram os desafios de
se implementar um ensino à distância que atenda às mais variadas demandas de uma universidade que possui
alunos de baixa e alta condição socioeconômica.
Sendo assim, na tentativa de atender todas as demandas do corpo discente, elas foram levadas à direção da
FCM pelos alunos do CASAF, criando um meio de construção coletiva sobre o ensino remoto de forma que ele
atendesse às necessidades estudantis. Com isso, tornou-se possível a concretização de diversas conquistas para os
estudantes, tais como: fornecimento de pacotes de dados para alunos que declararem carência socioeconômica,
disponibilidade de aulas gravadas e a adequação do calendário ao público residente e não residente da cidade
durante o período de ensino híbrido. Vale ressaltar a contribuição do nosso projeto nas conquistas de toda a
comunidade da UERJ, como a liberação do auxílio emergencial para cotistas da instituição.
A oportunidade de se ter uma comissão de volta às aulas foi de grande relevância para atingir metas que,

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— PROTAGONISMO DISCENTE

provavelmente, não seriam pensadas caso a composição do grupo não fosse dessa maneira. Além disso, a nossa
pesquisa de acesso digital serviu de inspiração para diversos outros cursos e contribuiu para conquistas de toda
comunidade acadêmica da UERJ, tais como o auxílio emergencial estudantil e o pacote de dados para alunos que
declararem carência socioeconômica, mostrando a importância da participação discente na construção de uma
universidade mais plural e democrática. Por fim, ter um grupo atuante de alunos foi primordial para a viabilização
de um ensino remoto que atendesse ao máximo as peculiaridades que envolvem uma instituição pública.

Atenção à saúde mental dos alunos


O cenário de isolamento social, propiciado pela pandemia pelo SARS-CoV-2, trouxe muitas angústias
e teve efeito direto na saúde mental e física dos alunos. Pensando nisso, o CASAF - por meio do Grupo de
Trabalho de Saúde Mental - em conjunto com a Atlética, incorporando os conceitos contemplados pelas
diretrizes de Projeto Pedagógico da FCM, elaboraram algumas estratégias que pudessem de alguma forma
promover esse cuidado com os alunos e para eles. Por meio de plataformas online, dois projetos conseguiram
ser concretizados para esse fim: as práticas de Yoga e o “Quarentreino”.
A Yoga online surgiu como extensão de uma iniciativa pré-existente do CASAF, na qual o acesso remoto
foi incorporado como forma de manter o que já estava sendo construído de maneira presencial. As aulas
eram ministradas semanalmente por uma professora e propiciavam incentivo ao autocuidado, o alívio de dor
e estresse, o desenvolvimento da capacidade contemplativa, a melhora da qualidade do sono e da qualidade
de vida. Já o “Quarentreino” - nome oriundo da fusão dos termos quarentena e treino - foi idealizado pela
Atlética Medicina UERJ, visando o bem estar e a manutenção do incentivo ao esporte universitário. Foi um
projeto subsidiado pelos atletas da Medicina UERJ e, por meio de reuniões da diretoria com os técnicos da
Atlética, foi construído o programa, a dinâmica e toda a logística de estruturação. Os atletas universitários
tinham encontros semanais, em horários marcados, com os treinadores que, por meio de chamada de vídeo,
orientavam a respeito dos exercícios e davam suporte aos alunos.
Em ambos os projetos, as plataformas online pagas ajudaram na interação dos alunos com os professores,
permitindo múltiplos participantes e visualização simultânea das telas, com interações visuais e também
vigilância na execução e na correção de movimentos e posturas. Apesar da incerteza sobre a eficácia dos
projetos e o real impacto na vida dos alunos, após alguns meses de atuação, ambos receberam um retorno
muito positivo dos participantes tanto em campos físicos quanto mentais.
Além desses, outro projeto nasceu desse cenário de incertezas e mudanças diárias: o programa de reflexão
entre alunos e professores da FCM, que tinha por objetivo nutrir o contato com a faculdade e promover o
convívio com colegas, mesmo que de forma virtual, servindo, ainda, como um embrião de um futuro projeto de
mentoria. Esse projeto foi idealizado e realizado pelo PAPE, pela FCM e pelo CASAF, e buscou, inicialmente,
envolver os alunos do primeiro ano da faculdade, os quais, devido à interrupção das atividades presenciais,
não tiveram tempo hábil para criar vínculos com a faculdade e seus componentes. Foram formados pequenos
grupos de conversa, mediados pelos professores da graduação e que tinham como temática as demandas e
questionamentos dos próprios alunos. O projeto visava maior interação dos grupos, maior identificação de
angústias, troca de experiências e vivências pelos professores e também servir como mais uma forma de elo

397
com a universidade. 3
— PROTAGONISMO DISCENTE

Me formei e agora?
O projeto "Me Formei, E Agora?" surgiu a partir da necessidade de amenizar os anseios e dúvidas
constantes sobre o futuro existentes nos alunos recém formados e prestes a se formar, a respeito de sua atuação
médica. Diante de um mercado de trabalho cada vez mais complexo e amplo em torno da formação médica, os
alunos entram em contato com diversas incertezas, como qual especialidade desejam seguir, como será a rotina
após a aquisição do CRM ou qual programa de residência atende às expectativas criadas. Assim, visando expor
distintas possibilidades e auxiliar na tomada dessas e outras decisões, o grupo de trabalho acadêmico idealizou
esse espaço demandado por parte dos estudantes durante sua formação em formato de roda de conversa.
Sobretudo, o projeto supre a redução do contato com as especializações e com os serviços médicos imposta
pela releitura curricular durante a pandemia.
Aproveitando os recursos online que foram introduzidos a partir da necessidade de distanciamento social, as
rodas de conversa do “Me Formei, E Agora?” ocorreram por meio de lives, em conjunto com as ligas acadêmicas
da faculdade, com o intuito de aproximar a comunidade acadêmica à vida pós-formatura. Foram realizadas 6 lives
entre os dias 21 de janeiro a 25 de fevereiro de 2021, totalizando 7 horas disponíveis no seu canal do YouTube e
mais de 1200 visualizações. As temáticas permearam os seguintes temas: clínica médica, trauma e emergência,
ginecologia e obstetrícia, pesquisa científica, pediatria e serviço militar. O projeto foi construído de forma que
cada live contava com o apoio e a divulgação da Liga Acadêmica correspondente; o que se mostrou benéfico para
ambos, visto que popularizou o trabalho de algumas ligas e fortaleceu os laços com o Centro Acadêmico, que
conquistou visibilidade para seu projeto. Ainda, permitiu um contato mais próximo com algumas especialidades
e com as possíveis perspectivas após a graduação. Além das características e atributos da especialização, buscamos
compartilhar vivências no início de carreira, sempre havendo, pelo menos, um médico residente e um médico
mais experiente, permitindo a partilha de distintas percepções em uma mesma área. O quadro encontra-se
parado desde a troca de gestão do Centro Acadêmico e ainda sem perspectivas de retorno.
O corpo discente apresentou bastante interesse, e as dúvidas evidenciaram algumas deficiências quanto ao
conhecimento sobre o mercado de trabalho na formação médica.
Nesse sentido, o formato das conversas permitiu grande interação com o público, que tornou o projeto
mais bidirecional e voltado para as demandas dos participantes. Apesar de partir de um contexto de
hiperespecialização, buscamos sempre garantir uma formação generalista e combater a especialização precoce.
Além disso, observamos a presença expressiva de alunos dos primeiros anos da graduação, que tiveram sua
presença em hospitais limitada pela pandemia. Se ainda existia alguma incerteza, evidenciou-se o potencial
de atuação extremamente diverso do jovem médico.
Diante das inúmeras incertezas características do período universitário, tal projeto mostrou-se essencial
para amenizar os anseios dos estudantes e dar-lhes mais confiança em relação ao futuro. Além disso, também
ajudou a ampliar os horizontes dos alunos, revelar a abrangência da prática médica e, por fim, demonstrar
diferentes formas de acesso aos objetivos profissionais dos discentes.

Organização da iniciação científica


A iniciação científica é um programa de graduação que coloca os alunos em contato com linhas de pesquisa,

398
permitindo que eles contribuam ativamente para a construção de um conhecimento científico e tenham contato
— PROTAGONISMO DISCENTE

com o universo acadêmico. No momento em que vivemos, uma pandemia de Covid-19, foi exacerbada a
necessidade dos médicos de saberem interpretar e de produzirem e conduzirem pesquisas científicas.
A partir de queixas dos próprios estudantes acerca das poucas informações sobre os trabalhos de iniciação
científica existentes no HUPE e na FCM, o CASAF levou a demanda para que houvesse uma ação em
conjunto com a FCM, visando esclarecer as dúvidas dos alunos e unificar a procura para projetos existentes.
Dessa forma, entramos em contato com o professor Denizar Vianna e com a professora Luciana Silva
Rodrigues para elaborar um projeto que aproximasse a ciência e os alunos. A Direção da FCM já tinha um
plano para a produção de um programa para fomentar a pesquisa e a participação dos alunos na faculdade.
Nesse contexto, os esforços conjuntos culminariam nos primeiros passos do que deu origem ao programa de
iniciação científica (PINC- FCM).
Demos início a algumas rodas de conversa para esclarecer as dúvidas e explicar a importância da pesquisa
no meio acadêmico. Além disso, colaboramos com a produção dos formulários de levantamento de interesse
e, principalmente, com a comunicação entre a FCM e os alunos.
Em agosto de 2021, deu-se início ao primeiro período do PINC, coordenado pela professora Luciana
Rodrigues, e a um ciclo de palestras intitulado “Ciclo de Iniciação Científica” ministrado através do Microsoft
Teams quinzenalmente, no qual o CASAF teve papel fundamental na divulgação desses encontros. Com
a programação e a lista de pesquisas disponíveis para todos os alunos, conseguimos a participação massiva
dos estudantes durante o período de inscrição para o ingresso em determinado projeto e, também, dos
departamentos da FCM e do HUPE. Dessa forma, estamos conseguindo ajudar a fomentar a pesquisa na
nossa universidade e estimular os alunos a conhecerem e participarem de projetos de extrema importância
para a ciência.

A atuação das ligas acadêmicas


As Ligas Acadêmicas de Medicina sofreram um rápido processo de expansão nos últimos anos. Em todo
o Brasil, os estudantes de medicina buscam criar ou participar de Ligas Acadêmicas, seja em faculdades
tradicionais, seja em faculdades com curso recém-iniciado. No entanto, para muitos alunos e professores, a
definição e a função das Ligas Acadêmicas ainda é bastante complexa e de difícil unanimidade. Para algumas
pessoas, elas podem, de forma genérica, ser definidas como “associações de alunos de diferentes anos da
graduação médica que buscam aprofundar seus conhecimentos, orientando-se segundo os princípios do tripé
universitário: ensino, pesquisa e extensão.”. Entretanto, devido a falta de regularização e compressão do seu
papel, a organização dos processos relacionados a elas acabam sendo significativamente danificados, o que
prejudica, principalmente, os alunos.
E foi pensando nisso, em busca de propor uma maior regularização e organização, que a gestão do
CASAF resolveu mobilizar as ligas acadêmicas da UERJ para criar, em conjunto, um documento, respaldado
pela Faculdade de Ciências Médicas, que reuniria todos os principais aspectos definidores de uma liga
acadêmica. Inicialmente, foi pensando na confecção de um Estatuto Geral que servisse como base para a
conquista diversos objetivos que as Ligas têm reivindicado por anos, tais como: regularizar os certificados
das Ligas frente à Faculdade; maior facilidade para as Ligas em suas questões burocráticas; regularizar estágios

399
— PROTAGONISMO DISCENTE

e cursos das Ligas; permitir melhor e maior vínculo e comunicação entre as Ligas e delas com a FCM
e Depext; regularizar as funções dos orientadores e propor cursos de capacitação para eles; regularizar os
processos seletivos das Ligas e torná-los mais democráticos, transparentes e coordenados; apoio da faculdade
e universidade para eventos das Ligas; facilitar a perpetuação e integração das Ligas; facilitar e regulamentar
um comitê para discussões das questões das Ligas, permitindo melhor integração entre as 23 ligas atuais.
Para alcançar tais objetivos, foi formado um grupo com membros da gestão do CASAF, com um
representante de cada Liga Acadêmica ativa e com a coordenação de extensão da FCM. Ao todo, foram
realizadas 8 reuniões durante um período de 6 meses, as quais levaram à confecção de um documento em
forma de estatuto geral que reunia pontos fundamentais que todas as Ligas deveriam seguir. Ao final, tal
estatuto foi levado à direção da FCM para análise jurídica e estrutural, sendo marcadas novas reuniões para a
finalização e criação do projeto.

Participação do CASAF no 48º COBEM


No ano de 2020, assim como os demais eventos acadêmicos, o COBEM - Congresso Brasileiro de
Educação Médica - também adotou o modelo online, permitindo sua continuidade e a ocorrência da 58ª
edição. O CASAF, reconhecendo a importância do evento, organizou os membros de sua gestão em grupos,
que se uniram para elaborar trabalhos a respeito de seus feitos no ano de 2020. Ao todo, foram enviados 14
trabalhos, os quais estão listados abaixo:
• Comissão De Volta Às Aulas: A Participação Das Variadas Realidades Na Construção De Um Ensino
Remoto Acessível.
• Projeto Memórias: A Relevância da Materialização Histórica De Um Centro Acadêmico Protagonista
Na Luta Estudantil.
• Formulários Para Avaliação Acadêmica: A Participação Crítica Discente Na Transformação da
Educação Médica.
• Discentes Gestores Que A Pandemia Formou: Uma Lacuna Na Formação Médica.
• A Pandemia Evidenciando O Papel Do Discente No Contexto De Saúde Pública.
• Impacto Da Ação Voluntária De Estudantes De Medicina No Complexo De Saúde Da Universidade
Do Estado Do Rio De Janeiro Durante A Pandemia Por Covid-19.
• Grupo De Trabalho Social: O Centro Acadêmico Exercitando O Olhar Dos Alunos Pelo Próximo.
• 48ª Semana De Recepção: A Relevância Do Acolhimento Dos Novos Alunos, Seu Impacto Na
Saúde Mental E No Pertencimento À Universidade.
• Pesquisa De Acesso Digital: A Importância do Mapeamento das Vulnerabilidades Para Viabilizar
Um Ensino Remoto Universal.
• Ações Integradas Do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF) No Incentivo À Iniciação
Científica Na Faculdade De Ciências Médicas-UERJ.
• Os Desafios Na Promoção De Saúde E Bem Estar Para A Comunidade Acadêmica Durante
Pandemia De Covid-19.
• VII Workshop Do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF): As Diversificadas

400
— PROTAGONISMO DISCENTE

Repercussões De Uma Excursão e Imersão no Ambiente Acadêmico.


• I Simpósio Pela Saúde Pública: Um Relato Sobre O Engajamento Discente Na Defesa Do SUS E
Da Democracia Como Condição Para A Saúde.
• Cuidado De Quem Cuida: A Importância da Atuação do Centro Acadêmico de Medicina Na
Promoção De Saúde Mental E Do Autocuidado.

Dos 14 trabalhos enviados, dois deles foram escolhidos pela organização do evento para serem apresentados
de forma oral. Além disso, o CASAF também esteve presente em uma das mesas do evento, denominada
“Fortalezas do SUS: o que a pandemia revelou?”. Todos temas também foram abordados ao longo deste e
outros capítulos, pois a gestão “nós” reconhece a importância do registro de suas atividades e sente muito
orgulho do que conquistou em um ano repleto de adversidades.

Jornada Acadêmica de 85 anos da FCM


A Jornada Acadêmica da FCM foi um evento virtual que ocorreu de 15 a 18 de dezembro de 2021, em
comemoração dos 85 anos da FCM, com o tema: ‘’Precisamos nos tornar a mudança que queremos ver na
Medicina’’. Após o primeiro ano tão difícil de distanciamento social, era desejo e necessidade de todos ter um
espaço de acolhimento e apreciação a tudo que foi feito neste último ano pelos alunos, professores, médicos,
preceptores, diretores e pesquisadores da nossa instituição mesmo com todas as adversidades que nós, e o
mundo, enfrentávamos naquele cenário.
Sob liderança da Direção da FCM, o CASAF foi convidado a participar da sua organização desde o
princípio. Por meio de encontros virtuais, os alunos e os professores organizadores sistematizaram toda a
estrutura do evento, com organização de um cronograma, convites para participantes internos e externos
e de composição de uma banca avaliadora para os trabalhos. O evento teve duração de quatro dias, e foi
organizado da seguinte forma: I) Painéis para apresentação oral, exclusiva, por alunos na graduação e na pós-
graduação FCM UERJ dos trabalhos técnico-científicos, relatos de experiência e pesquisas na graduação, na
extensão e na pós-graduação; II) Oficinas com temas essenciais para a formação médica (“Reconhecendo o
racismo na escola médica - como construir uma educação antirracista.”; “Estratégia de busca de dados na
base PubMed”; “Magoa, maltrata, adoece e mata - violência íntima contra a mulher.”; “Mindfulness na saúde”;
“As libras e sua importância na qualificação do profissional de saúde para o atendimento do surdo.”; “Saúde
mental e integração - quando atenção primária e o ambulatório trabalham juntos”; “Mendeley- gerenciador de
referências bibliográficas e rede social.”; “As narrativas na saúde: histórias, sentimentos e significados.”); III)
Arenas Ponto e contraponto sobre o mercado de trabalho médico e telemedicina e IV) Desafio Alumni. Os
alunos tiveram seus trabalhos premiados com a oportunidade de apresentarem e serem contemplados pelos
seus colegas e familiares.
Os alunos da gestão do CASAF também foram convidados para participar da banca avaliadora dos
trabalhos, que era composta por professores e médicos da FCM, professores convidados e alunos da graduação.
Essa avaliação foi relevante para eleger os trabalhos que mais se destacaram por sua originalidade, relevância
e impacto social. Durante o período de premiações, o CASAF recebeu ao final uma menção honrosa pelo

401
— PROTAGONISMO DISCENTE

trabalho: “Conjunto de ações dos alunos da FCM por Covid-19 no Complexo de saúde PPC/HUPE.”,
trazendo muito orgulho e reconhecimento para todos os membros do Centro Acadêmico. Ao final do evento,
o feedback dos participantes foi bastante positivo, sendo o evento reconhecido como de grande importância
para prestígio dos alunos, trocas de experiências, grande aprendizagem e incorporação na formação acadêmica.

Considerações Finais

Entende-se por educação médica o processo integrado de ensino e aprendizado que deve propiciar os
instrumentos intelectuais, a prática científica e a estrutura necessária à formação dos recursos humanos para a
saúde. Nesse sentido, objetivando-se a formação de profissionais melhor atuantes na sociedade, esse processo
precisa ser constante e criticamente reformulado de forma consonante com a dinâmica social. Debruçando-se
sobre essa problemática em um contexto de pandemia, o CASAF passa a ter uma participação crítica em um
cenário em que o ensino médico sofre intensas e abruptas mudanças para adequação ao cenário de crise na saúde.
Assim, é notória a importância da participação ativa discente, reunida na figura do Centro Acadêmico, no
processo de remodelação e adequação do ensino para esse momento atípico de pandemia, em que o contato
social e humano - tão indispensáveis para a formação médica - se tornam limitados.
Para além disso, percebemos rapidamente com o avançar da pandemia a necessidade de adequar o ensino
médico às distintas demandas atuais dessa nova sociedade que exigem habilidades específicas, raciocínio
crítico, humanidade, consciência coletiva e capacidade de liderança que sejam condizentes com as funções
sociais dos médicos do futuro. Dessa forma, o papel do CASAF em relação a esse novo cenário foi de refletir
sobre essas distintas perspectivas que se inserem no conjunto ensino, sobretudo, quando pensamos no contexto
de pandemia que exige ainda mais de todos a capacidade de resiliência e reconstrução.
Torna-se crucial, portanto, a construção coletiva de atividades que englobassem as mais diferentes
demandas, necessidades e problemáticas que estavam atreladas ao processo de ensino no contexto de isolamento
social, em que a universidade deixa de ser o principal espaço em que se empilham os pilares da educação,
sendo necessária as reflexões: de onde se faz, de fato, o ensino? Em que espaços podemos desenvolver o
tripé acadêmico? De que maneira as novas tecnologias podem servir como novas plataformas que simulam
salas de aula? Como pensar em equidade no cenário em que há tantas desigualdades no tocante à acesso
às tecnologias? Acesso como e para quem? Tais reflexões pautaram todas as discussões que o CASAF fez,
ao longo da sua gestão de 16 meses, para atuar junto com a FCM na construção do ensino emergencial e
nas projeções que esse ensino emergencial virtual terá no novo modelo de ensino médico que teremos que
continuar em constante reflexão e remodelando de forma coletiva nos próximos anos.
Por fim, há de se notar que, as ações que a gestão “nós“ se propôs a refletir e a colocar em prática, nesse
contexto de grandes dificuldades de atuação e inúmeras incertezas acerca do futuro, apontam para a relevância
do Centro Acadêmico, enquanto instituição que se insere no espaço universitário, como um importante
protagonista que suscita mudança coletiva. De forma condizente com todo o histórico político e social do
CASAF ao longo da história - marcado por grandes enfrentamentos e resistência ao regime antidemocrático
da Ditadura Civil-Militar que sucateou a educação brasileira e por conquistas essenciais para os discentes

402
— PROTAGONISMO DISCENTE

como o direito ao voto no Conselho Departamental - o nosso Centro Acadêmico perpetua sua forte atuação
política junto ao movimento estudantil para repensar: a sociedade, a política, o modelo de saúde que se oferta,
o ensino médico, a atuação médica em uma sociedade cuja saúde vem sendo cronicamente subfinanciada,
a tecnologia na educação e as iniquidades que agravam o processo de saúde e adoecimento (dentro e fora
da universidade). Assim, seguimos enquanto Centro Acadêmico como fortes e resistentes atores políticos,
lutando pelo ensino público, gratuito e de qualidade e defendendo, a todo custo, a democracia e o nosso SUS.

Referências

1. Daflon F. Título Provisório: Imprensa e Movimentos Estudantis na Faculdade de Ciências Médicas da


UERJ, 1964 a 1985, Prêmios 1935 a 1964. 2ªth ed. aum. Rio de Janeiro, RJ: Scortecci Editora; 2017. 352
p. ISBN: 978-85-366-5109-5.
2. Santos, Bruna Mascarenhas et al. Educação Médica durante a Pandemia da Covid-19: uma Revisão de
Escopo. Revista Brasileira de Educação Médica [online]. 2020, v. 44, n. Suppl 01 [Acessado 17 Outubro
2021] , e139. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.supl.1-20200383>. Epub 02 Out
2020. ISSN 1981-5271. https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.supl.1-20200383.
3. OLIVEIRA, J. B. A. et al. A Covid-19 e a volta às aulas: ouvindo as evidências. Ensaio: Avaliação e
Políticas Públicas em Educação [online]. 2020, v. 28, n. 108 [Acessado 17 Outubro 2021] , pp. 555-578.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-40362020002802885>. Epub 06 Jul 2020. ISSN 1809-
4465. https://doi.org/10.1590/S0104-40362020002802885.

403
— PROTAGONISMO DISCENTE

Os alunos da Faculdade de Ciências Médicas no


complexo Policlínica Piquet Carneiro UERJ como
linha de frente da Covid-19

Julia Pereira Muniz Pontes1; Matheus dos Santos Cordeiro1; Victor Harmendani Caldas de Andrade1; Beatriz Roque

Cardoso Pinto1; Jade Andrade Alves1; Rogério Rufino2

Grupo de Voluntários do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF) - UERJ contra Covid-19
1
Alunos na graduação da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ; 2 Diretor da Policlínica Piquet Carneiro, Professor Titular

de Pneumologia e Tisiologia da FCM UERJ

Descritores em português: Covid-19; Voluntários; Estudantes de Medicina.

Descritores em inglês: Covid-19; Volunteers; Students, Medical.

Introdução

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu um alerta sobre vários casos
de pneumonia na cidade de Wuhan, na China. Uma semana depois, as autoridades chinesas confirmaram que
essa pneumonia seria causada por uma nova cepa de coronavírus ainda não identificada anteriormente em
humanos. Apenas no final de janeiro de 2020 as autoridades chinesas confirmaram que o vírus era contagioso e
somente em março desse mesmo ano que a OMS declara pandemia pela Covid-19. Um cenário de incertezas
começava a se instalar e muitas dúvidas surgiam sobre o vírus e seu possível impacto na sociedade.
Em um contexto de saúde pública, pode-se dizer que a pandemia pela Covid-19 gerou um enorme
impacto por todo o mundo, não sendo diferente no Brasil. Observou-se um crescimento de demanda nas
diversas frentes de atuação criadas para o combate à pandemia. Faltavam insumos, estruturas físicas para
comportar os pacientes e até mesmo profissionais de saúde para atuação - já que essas pessoas também se
contaminavam e precisavam ficar isoladas dos demais.
Nesse contexto, a Policlínica Piquet Carneiro, como parte do complexo de Saúde da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, em conjunto com Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e o Centro
Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), uniram esforços para atuar como mais uma das frentes no
enfrentamento à pandemia.
Uma das características singulares desse projeto é que a sua realização contou com a atuação dos alunos
da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os alunos, muito
engajados e com vontade de ajudar em um momento de tantas adversidades, se voluntariaram e foram
fundamentais atuando diretamente nas principais etapas dessa frente que ajudou a tornar a Policlínica Piquet
Carneiro em um dos principais e mais eficientes centros de combate à pandemia de Covid-19 do país.

404
— PROTAGONISMO DISCENTE

Relato

O Início de Tudo
No dia 13 março de 2020, todas as atividades presenciais não essenciais foram suspensas na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro em função da necessidade da realização do isolamento social com objetivo de
minimizar a rápida propagação do vírus. Diante desse cenário atípico, a proteção tornou-se prioridade em
detrimento de qualquer outro compromisso que não fosse fundamental naquele momento. Contudo, essa não
foi a realidade para os profissionais de saúde de todo o mundo, os quais precisaram deixar suas famílias, vestir
suas máscaras e combater o vírus. E foi dentro desse contexto que os alunos da Faculdade de Ciências Médicas
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ) foram convocados a participar, voluntariamente,
dessa luta.
No dia 16 de março que todo o projeto teve seu início. Diante do caos já instalado na sociedade e até
na própria comunidade médica, a Direção da Policlínica Piquet Carneiro (PPC) organizou uma reunião
geral extraordinária e convidou o Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming para debater sobre as medidas
necessárias a serem impostas para combater a pandemia dentro do Estado do Rio de Janeiro. Todas as
previsões mostravam que a falta de recursos humanos era iminente e nesse contexto que os acadêmicos seriam
fundamentais para evitar o colapso do Sistema Único de Saúde.
E foi assim que o CASAF, reconhecendo a sua função e obrigação social, se uniu com a Policlínica Piquet
Carneiro, ainda em março de 2020, para organizar, em um primeiro momento, os alunos interessados em atuar
no preenchimento de protocolos e no atendimento dos pacientes. Com o princípio de minimizar ao máximo
o risco de contágio aos alunos, uma das maiores preocupações da gestão ao aceitar o convite para ajudar,
máscaras de proteção N95, macacões impermeáveis, máscaras face-shield, óculos de proteção e luvas foram
estabelecidos como uma necessidade a todos os acadêmicos que aceitassem atuar no projeto.
A grande procura dos alunos surpreendeu a todos, obrigando os organizadores a realizar um sorteio
inicial para acomodá-los de forma segura. Predominantemente com alunos do quarto e quinto ano do curso
de Medicina da FCM UERJ, as atividades iniciaram-se no dia 27 de março de 2020 com um grupo de 50
alunos, uma semana depois daquela reunião inicial, mostrando a importância da rapidez naquele momento de
crise. Tais estudantes revezaram-se em turnos, uma vez por semana, e, inicialmente, alguns atuavam junto à
enfermagem na triagem de pacientes com sintomas gripais - colhendo a história e examinando esses pacientes,
para que fossem encaminhados à testagem, enquanto outros atuavam em consultas, sempre acompanhadas
por médicos, para que esses pacientes pudessem ser examinados. Em casos necessários, ainda eram realizados
exames de ultrassonografia pulmonar, além de orientações sobre a importância das medidas de isolamento
nos casos suspeitos, sobre os sinais de alarme para que esses procurassem o serviço de emergência e sobre
medicações e repouso, quando necessário. Uma terceira parte, ainda, após treinamento junto à equipe de
enfermagem, atuavam na testagem direta dos pacientes sintomáticos com a coleta de swab nasal, para a
realização do exame diagnóstico de RT-PCR.
Após cerca de duas semanas de intensa atuação e com a multiplicação do número de casos em todo o país,
um número maior de alunos tornou-se necessário para suprir a demanda da policlínica. Assim, duas novas

405
— PROTAGONISMO DISCENTE

frentes foram criadas: a testagem rápida de pacientes com mais de dez dias de sintomas e a notificação dos casos
confirmados ao Ministério da Saúde. Diante dessa situação extraordinária e com crescimento exponencial, a
organização rápida e eficiente foi fundamental para o sucesso de atuação do CASAF junto à PPC naquele
momento. Esse cenário de constante instabilidade, em que novos planejamentos eram necessários a cada
momento foi fundamental os alunos aprenderem a lidar com situações adversas nas quais a flexibilidade
torna-se fundamental para o sucesso da ação.
Por meio das reuniões frequentes nos pátios e corredores da Policlínica, montou-se uma ampla frente
de testagem rápida, a qual era formada, obrigatoriamente, por: um médico, uma equipe de informática para
cadastrar os pacientes que seriam testados, uma equipe de enfermagem para treinar os alunos para a realização
dos testes e por diversos acadêmicos voluntários. As atividades seguiram de forma semelhante às iniciais e
cerca de mais 30 alunos foram incorporados nesse segundo momento com o objetivo de ajudar na triagem dos
pacientes encaminhados, de organizar a dinâmica do local, como o fluxo de filas e a ordem de entrega imediata
dos resultados, além de também ampliar a testagem pacientes e a verificação de resultados.
Diante da crescente demanda, em menos de duas semanas, a atuação dos voluntários precisou ser
novamente ampliada, passando a acomodar cinco alunos por turno, durante todos os dias da semana. Para
conseguir suprir tal necessidade, alguns alunos se voluntariaram a ir mais de uma vez por semana, alguns
todos os dias, permitindo um brilhante acolhimento da UERJ para com a população. Foi nesse período que
o CASAF começou a entrar em contato com outros centros acadêmicos da área de saúde da UERJ e, assim,
voluntários dos cursos de enfermagem, biologia e odontologia foram convocados, mostrando a todos o grande
benefício de uma equipe multidisciplinar para um melhor e mais completo acolhimento dos pacientes.
Entre mudanças e ampliações constantes, sempre guiadas pela necessidade epidemiológica do momento,
a atuação dos alunos na PPC perdurou até o final de julho de 2020, quando a necessidade epidemiológica
diminuiu e o programa foi temporariamente paralisado. Contudo, as atividades relacionadas ao voluntariado
não se encerraram, já que apresentações em congressos, debates com profissionais da UERJ em lives pelo
YouTube, matérias publicadas no site da UERJ, além de participações em pesquisas desenvolvidas no complexo
HUPE-UERJ-PPC preencherem a rotina dos nossos alunos nos meses seguintes.

A Segunda Onda
Em virtude do novo aumento do número de casos durante o último trimestre do ano de 2020, discussões
sobre uma possível segunda onda se iniciaram. Com isso, a direção da PPC novamente convocou uma reunião
geral, em novembro de 2020, convidando os discentes à frente da gestão do CASAF, com o objetivo de programar
uma ampliação do posto de testagem e triagem dos pacientes. Assim, com o auxílio dos estudantes da FCM
UERJ, a capacidade de testagem da Policlínica foi aumentada, beneficiando milhares de cidadãos cariocas.
As atividades, nesse período, concentraram-se na aplicação de questionários nos pacientes sintomáticos
úteis tanto para triagem quanto para utilização desses dados em pesquisas científicas que estavam em
desenvolvimento -, na conversa com os pacientes para designá-los ao teste mais adequado (swab nasal ou
teste rápido de pesquisa de anticorpos), no cadastramento das notificações a serem enviadas ao Ministério da
Saúde e na computação dos dados dos questionários aplicados.

406
— PROTAGONISMO DISCENTE

Nesse segundo momento, foi possível que os voluntários recebessem alimentação na própria policlínica e,
também, um auxílio financeiro para transporte, visto que o bilhete único universitário se encontrava suspenso
desde o início da pandemia. Uma das principais dificuldades encontradas pelos voluntários foi conseguir
conciliar o retorno das aulas à distância, que muitas vezes aconteciam durante o mesmo período de atuação
na PPC. Contudo, por meio de trocas de escala com os colegas e avisos com antecedência, foi possível suprir
a demanda dos pacientes sem afetar a formação acadêmica dos estudantes.
Esse período de atuação perdurou até fevereiro de 2021, quando uma nova queda no cenário epidemiológico
permitiu novamente a dispensa dos alunos sem prejudicar o trabalho de testagem desenvolvido pela UERJ.

A Campanha de Vacinação
No dia 17 de janeiro de 2021, a vacinação no Brasil foi finalmente iniciada e, em virtude do número
limitado de doses, apenas os profissionais de saúde que estavam atuando na linha de frente foram incluídos
no primeiro grupo prioritário. Entretanto, os protocolos de vacinação do município do Rio de Janeiro não
incluíram de forma clara também os acadêmicos que estavam atuando na linha de frente, impedindo que,
nesse momento, todos os voluntários que estavam participando fossem vacinados; mas isso não os inibiu de
participar ativamente da campanha de vacinação.
Coordenados pelos professores de Enfermagem da UERJ, alunos de todos os períodos do curso de
medicina da Faculdade de Ciências Médicas se voluntariaram para atuar, tanto na PPC quanto na UERJ,
na triagem da vacinação, na organização do operacional diário e na aplicação da vacina. Certamente, esse
momento foi marcado por muita gratidão e realização, principalmente para os estudantes que atuaram como
voluntários desde o início da pandemia e que sempre sonharam com a vacinação da população como forma
de dar fim à pandemia que causou tantas mortes em nosso país. Depois dessa primeira etapa, outros
grupos prioritários foram introduzidos na campanha de vacinação, como os idosos, o resto dos trabalhadores
da saúde, as pessoas com deficiência institucionalizadas, as comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas
e os povos indígenas. Assim, com o objetivo de minimizar a exposição e aumentar o conforto, principalmente
dos mais idosos, a UERJ criou um drive-thru no estacionamento da universidade para que as pessoas pudessem
se vacinar com mais facilidade. A ordem da vacinação foi feita de acordo com a idade dos pacientes, sendo eles
divididos por dias de acordo com esse critério, iniciando com os idosos com mais de 99 anos.
Aquela conjuntura de medos e incerteza que permeou todo o período da pandemia, em que a solidariedade
e a coragem se mostraram fundamentais para superar aquele momento, foi rapidamente tomado por um
cenário de grande alegria e emoção, com alguns dos voluntários participando até da vacinação de seus próprios
avós, os mesmos dos quais tiveram que se afastar para proteção no início de tudo.
Nesse momento, o Centro de Apoio a Pesquisa da UERJ (CAPCS-UERJ) convidou diversos alunos
voluntários para ajudar em uma das pesquisas científicas que estavam sendo desenvolvidas a respeito da resposta
imunológica à vacinação. Assim, os alunos atuaram na aplicação de questionários nas pessoas que tinham acabado
de se vacinar e na organização do espaço para que a pesquisa não interferisse na dinâmica vacinação.

407
— PROTAGONISMO DISCENTE

O Ensino Indissociável da Prática


Uma das grandes preocupações da gestão do CASAF e da direção da PPC durante todo esse período
da pandemia foi que as atividades de voluntariado promovidas não tivessem apenas um caráter assistencial,
mas sim que pudesse agregar os 3 pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Com isso, diversas
atividades foram promovidas e realizadas com esse objetivo como, por exemplo, o curso de ultrassom “point of
care aplicado ao tórax” e o Workshop de intubação orotraqueal, ambos realizados em parceria com o serviço de
pneumologia do HUPE. Essa foi uma das formas encontradas pelos alunos do CASAF e pela direção da PPC
para, mesmo em um momento completamente atípico e cheio de incertezas, o grande objetivo de promover
ciência e educação aos alunos da FCM não fosse deixado em segundo plano.
Além disso, diversas aulas sobre a Covid-19 foram desenvolvidas pelo CASAF em parceria com o CAPCS
UERJ, as quais tiveram a participação de vários professores da FCM. Um total de três encontros foram
promovidos pelo canal do YouTube do CASAF, os quais acumularam juntos mais de mil visualizações. Tais
aulas tiveram os seguintes temas: ‘’Sinais e sintomas da Covid-19’’, ‘’Diagnóstico Laboratorial da Covid-19’’
e ‘’Vacina para Covid-19’’. Ainda, houve momentos em que os alunos de diversos cursos puderam realizar
perguntas e tirar suas dúvidas sobre os temas discutidos.
Por fim, é possível afirmar que diariamente o aprendizado era solidificado através do seguimento dos
protocolos de triagem para testagem, do treinamento de habilidades clínicas por meio das consultas e exames
junto aos médicos, da prática da anamnese durante a triagem para designar o tipo de abordagem do paciente
e da participação ativa em reuniões sobre a organização do processo de testagem e sobre a necessidade de
mudanças para o aumento do contingente de pacientes atendidos. Assim, com um aprendizado teórico e
prático, mesmo em um momento de medo e incertezas, podemos afirmar que a Policlínica Piquet Carneiro
conseguiu ter um papel ímpar na formação desses voluntários. Essas diversas atuações certamente contribuíram
para sua formação social e acadêmica dos nossos alunos, cumprindo todos os pilares da universidade: Ensino,
Pesquisa e Extensão.
Recolhemos diversos relatos dos alunos que atuaram ativamente no programa de voluntariado realizado
na PPC durante o período da pandemia. Destacamos abaixo alguns deles:

"Desde o início da quarentena, sentia falta de fazer algo para ajudar nesse novo cenário
de pandemia. Assim, poder participar como voluntária na PPC foi muito importante para
mim, pessoalmente, por me dar mais propósito num momento de tantas incertezas e fazer
com que me sentisse útil. Além disso, pude conhecer um pouco da policlínica, algumas pessoas
que trabalham lá, me aproximar mais de outros voluntários e aprender um pouco sobre como
são feitas as notificações pelo e-SUS’’. - Rafaela Durovni - Aluna da Medicina UERJ -
Turma 2023

"Ter trabalhado na Policlínica Piquet Carneiro (PPC) durante a pandemia foi muito
gratificante e enriquecedor, não só em termos profissionais, mas também como pessoa. Fui
chamada para trabalhar bem no início de tudo e, assim como acredito que muitos, refleti

408
— PROTAGONISMO DISCENTE

quanto à exposição (minha e da minha família). No entanto, todo o auxílio, treinamento e


equipamento que nos foi oferecido contribuiu em muito para maior segurança e tranquilidade.
Tive a oportunidade de ajudar em 3 setores (atendimento, swab e teste rápido - TR) e cada
um ao seu modo contribuiu para uma boa experiência e aprendizado. [...] Gostaria de dizer
que sou muito grata à oportunidade de poder ter contribuído de alguma forma nesse momento
e por ter tido essa vivência. Aproveito para agradecer a todos os profissionais e alunos que
estão à frente da organização e que, a todo momento, foram muito solícitos e atenciosos. A
PPC tem se mostrado muito bem estruturada, eficiente e organizada frente a situação de
pandemia, o que é fundamental e extremamente importante nesse processo”. - Julia Anesi -
Aluna da Medicina UERJ - Turma 2022.

"Propósito. Solidariedade. Com essas 2 palavras resumo de fato todo o motivo da minha
presença nesse período tão difícil. Assim que a proposta do projeto foi realizada já senti o
ímpeto de participar, sempre carreguei no íntimo a necessidade de ajudar os outros e esse é o
principal motivo que me encaminhou a seguir a área médica. Na perspectiva do trabalho em
si, a rotina é difícil, pesa demais no corpo, mas não poderia ser mais gratificante realizá-lo.
Ver o sofrimento no rosto das pessoas ser convertido em certo alívio (mesmo que minimamente)
nos poucos momentos de atenção que damos aos pacientes faz meu dia, foi o que me motivou
a dobrar turnos, cobrir mais dias de voluntariado, me fazer presente sempre que possível. É
o mínimo que posso fazer para diminuir o sofrimento dos outros agora, pelo menos é o que
meu coração diz ser o certo para o momento. A respeito da experiência, é notável o alívio de
fardo da equipe na PPC, o ganho acadêmico e pessoal também foi enorme, depois de certo
tempo lá ganhamos mais confiança no diálogo com os pacientes. Fora o vínculo criado com
os profissionais e colegas de fronte. Em um período de tamanho isolamento, acabaram se
tornando uma segunda família para nós. Por fim, não tenho pretensão de encerrar atividade
enquanto essa realidade se mantiver, então ainda há muito o que ser feito. Grato pelo carinho
na elaboração do trabalho.” - Natan de Araújo Aragão - Aluno da Medicina UERJ -
Turma 2023

"Eu sentia que precisava fazer algo. É muito ruim estar aqui em casa sem poder ajudar,
mesmo que um pouco. Fazer o trabalho voluntário na PPC fez eu me sentir útil e ajudou até
na minha ansiedade. Resolvi sair da minha zona de conforto e tentar ter uma noção de tudo
que está acontecendo. A sensação de ajudar é indescritível, faz bem pra gente e pros outros”. -
Giovanna Mainardi - Aluna da Medicina UERJ - Turma 2022

O Espaço de Memórias
O Espaço de Memórias Luiz Paulo é um museu que foi criado durante o ano de 2019 ao redor das
escadas do CASAF com o objetivo de contar um pouco da sua história, que é considerado um dos principais

409
— PROTAGONISMO DISCENTE

Centros Acadêmicos do país e possui uma história tão rica que já foi documentada em livros e documentários.
Assim, junto às diversas reformas que foram realizadas do Edifício Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming
durante o início do ano de 2021, a diretoria vigente do CASAF - gestão “nós” - resolveu fazer uma homenagem
a todos os alunos do curso de medicina da UERJ que se voluntariaram durante a maior crise de saúde pública
da história do nosso país para combater a pandemia.
Dessa forma, uma placa condecoração com o nome de todos esses alunos foi confeccionada e instalada no
Espaço de Memórias, de forma a deixar gravado para as futuras gerações a grande importância desse centro
acadêmico e qual é a sua verdadeira função social - contribuir para o desenvolvimento dos alunos, do Sistema
Único de Saúde e, consequentemente, do país como um todo.

Considerações Finais

Certamente, o projeto de voluntariado da PPC nos mostrou a importância de se dar espaço para os alunos
serem protagonistas. O serviço que foi ofertado à comunidade foi todo construído por meio de uma grande
parceria entre discentes e docentes, deixando para trás aquele caráter hierárquico tradicional e formando uma
rede de mútuo aprendizado. Tal cooperação contribuiu significativamente para a excelência do atendimento
realizado pela Policlínica, a qual foi premiada no Instituto Brasileiro para Excelência em Saúde (IBES) por
“melhores práticas de prevenção e enfrentamento à pandemia de coronavírus.”.
Por outro lado, a participação no voluntariado, em um contexto em que as aulas práticas estavam paralisadas
e muitos estudantes se sentiam frustrados e desmotivados com a faculdade, possibilitou a experiência prática e
auxiliou na melhora da saúde mental dos discentes, visto que eles puderam se conectar com parte do dia a dia
da profissão e puderam se sentir úteis à sociedade. Além disso, proporcionou a aplicação e a vivência do tripé
universitário, permitindo a ampliação do conhecimento e a produção científica. O exercício desses saberes
para fora dos muros da universidade permitiu, então, um retorno à sociedade civil.
Por fim, ao entendermos que a formação médica, diversas vezes, é demasiadamente voltada para doenças
e para o ambiente intra-hospitalar, o voluntariado abriu portas para a formação de conexões entre pessoas,
ensino e pesquisa. Diante de um cenário de crise sanitária e desmonte de políticas de saúde, atuar de forma
prática e protagonista em uma pandemia contribuiu para formação de futuros profissionais com forte teor
social e com consciência da importância do Sistema Único de Saúde para uma sociedade mais democrática,
igualitária e com menos iniquidades.

410
— PROTAGONISMO DISCENTE

Grupo de voluntários CASAF-UERJ contra Covid-19

Adalto de Oliveira Lima Neto Flávio da Silva Maciel


Adriel Dias Marinho da Silva Gabriel Camarinha Franco de Menezes
Ana Beatriz Garcez de Oliveira Gabriel da Silva Passos
Ana carolina Junqueira Guertzenstein Gabriel Righi e Giostri
Ana Clara Borges Braga Gabriel Rodrigues Bittencourt
Ana Clara de Siebra Mecenas Giovana Côrte Real Ruffier
Ana Luiza Lannarella Lacerda Giovanna Mainardi Navas
Ana Paula Ferreira de Oliveira Giovanna Pinho Pereira
Anderson de Andrade Rosa Giovanna Taveira Reis de Sa
André Nunes de Carvalho Glaucilene Rodrigues da Silva
Andriene Souza dos Santos Greisson Peixoto Range
Anna Beatriz de Aguiar Araujo Guilherme Feijó Lima
Anna Luiza de Oliveira Leal Gustavo Santana Sakamoto
Augusto Vinicius Scot da Silva Igor Andrade de Araujo
Beatriz Marcelino Ferreira Ingrid Villa Franca da Silveira Rubinstein
Beatriz Roque Cardoso Pinto Isadora Fiaux Lessa
Bernardo José de Abreu Oliveira Sacramento Italo Lins Cirilo
Bianca Barbosa da Silva Pereira Iury Dezan de Souza
Camila Bahia Soares Izabel dos Santos Troia
Carlos Henrique Ferreira Ramos Filho Jade Andrade Alves
Carmem Dias dos Santos Pereira Jamir Davidson Pinto Gonçalves
Carolina Bello Santolia da Silva Matos Jéssica dos Santos Hasenohrl
Cassianne Cristina da Silva Souza João Antonio Gonçalves Bastos Torres
Cid Rocha Souza João Gabriel Oliveira Rodrigues
Daniela Fortunato Auar João Henrique Reis Duque Estrada
Danielle de Souza Mariosa João Lucas Mendes
Davi Ribeiro Iglesias de Medeiros João Victor Lehmkuhl Azeredo Weber
Djenifer Stefhane de Melo Netto Jonas Salmeira Beltrão
Domênica Baroni Coelho de Oliveira Ferreira Jonathan William Lopes
Douglas Morais santana José Wallison Sousa do Nascimento
Douglas Rosa Marcelino Ribeiro Joubert Gonçalves de Castro Filho
Eduardo Oliveira Sardoux dos Santos Júlia Anesi Saavedra Granato Ferreira
Elias Silva Fernandes Júlia Chaves Cordovil
Felipe Cerqueira Matheus Julia Pereira Muniz Pontes
Fernanda Pires Chequer Julia Ribeiro Soares
Flávia dos Santos Ferreira Juliana Affonso Mathiles

411
— PROTAGONISMO DISCENTE

Juliana Nazareth Gomes de Oliveira Natan de Araujo Aragão


Juliana Poeta de Mendonça Costa Nathalia Johanson Meier de Castilho
Julie Teixeira da Costa Paula de Campos Calassara
Julio José Silva Paula de Marsillac Garcia
Karen Sanae Takehara Vieira Paulo Henrique Oliveira do Nascimento
Karina Vasquez Lage Pedro Cesar Ribeiro
Laila de Albuquerque Schlüter Pedro Rocha da Silva
Lara Soalheiro Prata Rafaela Barbosa Peixoto Durovni
Larissa Melo da Silva Ramom Guimarães Akkam
Letícia Borges de Mattos Bittencourt Ventura Reinaldo Lourenço Souza
Letícia Costa Paulino Renan Paulo Rocha
Lucas Almeida de Oliveira Renata Brena dos Santos Rocha
Luísa Jannuzzi Fraga Pinheiro Sara Regina Neto Pereira
Luiza Silveira dos Santos Sidário Rodrigues Malheiros Junior
Marcela Levy Stephany da Costa Henrique
Marcos Reann Silva da Matta Tabata da Cunha Esteves de Almeida
Marcus Antonio Raposo Nunes Thais Jachelli Corrêa
Maria Eduarda Rosário Viveiros de Castro Thais Santana de Vasconcelos
Maria Elisa de Castilho Barbosa Thaissa de Melo Barbosa
Matheus dos Santos Cordeiro Tiago Dutra Zogaib Rodrigues
Maxuel de Freitas da Silva Victor Harmendani Caldas de Andrade
Mayara Malta Folly Victoria Pereira Lira Furtado de Albuquerque
Mônica Pinto Maciel Vinícius Gonçalves Gomes Pereira
Natália da Costa Hipólito

Bibliografia

1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020.


Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante
a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Brasília, 2020. 118 p.
2. Brasil. Decreto Legislativo nº 06 de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº
101, decreto 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação
do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário
Oficial da União. Seção 1, Brasília, DF, ano 158, edição 055-C, p. 1, 20 mar. 2020.
3. Brasil. Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência

412
— PROTAGONISMO DISCENTE

de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Diário Oficial da União. Seção 1, Brasília, DF, ano 158, edição 27, p. 1, 06 fev. 2020.
4. Brasil. Lei 13.992, de 22 de abril de 2020. Suspende por 120 (cento e vinte) dias, a contar de 1º de março
do corrente ano, a obrigatoriedade da manutenção das metas quantitativas e qualitativas contratualizadas
pelos prestadores de serviço de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da
União. Seção 1, Brasília, DF, ano 158, edição 77, p. 6, 22 abr. 2020.
5. Brasil. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 20 set. 1990.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Coronavirus: o que você precisa saber. Disponível em <https://coronavirus.
saude.gov.br/> Acesso em 20 set. 2020.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Covid-19 no Brasil. Disponível em <https://susanalitico.saude.gov.br/
extensions/Covid-19_html/Covid-19_html.html> Acesso em 20 set. 2020.
8. Folha informativa Covid-19 - Escritório da OPAS e da OMS no Brasil. OPAS, 2020. Disponível em:
<https://www.paho.org/pt/Covid-1919#:~:text=Em%2011%20de%20mar%C3%A7o%20de,17%20
de%20setembro%20de%202020>. Acesso em: 18 set. 2020.
9. PGE RJ. D.O. RIO - atos do Prefeito, 2020. Disponível em: <https://pge.rj.gov.br/comum/code/
MostrarArquivo.php?C=MTA0NjU%2C>. Acesso em: 18 set. 2020.
10.Rio de Janeiro. Decreto 46.966, de 11 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, e dá outras
providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 047, 11
mar. 2020.
11.Rio de Janeiro. Decreto 46.973 de 16 de março de 2020. Reconhece a situação de emergência na saúde
pública do Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas enfrentamento da propagação
decorrente do novo coronavírus (SARS-CoV-2); e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do
Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 049-A, 17 mar. 2020.
12.Rio de Janeiro. Decreto 46.984 de 20 de março de 2020. Decreta estado de calamidade pública no
Estado do Rio de Janeiro em decorrência do novo coronavírus (SARS-CoV-2), e dá outras providências.
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 052-A, 20 mar. 2020.
13.Rio de Janeiro. Decreto 46.991 de 24 de março de 2020. Dispõe sobre regras de dispensa de licitação para
a contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a lei federal nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro,
RJ, ano 46, nº 055, 25 mar. 2020.
14.Rio de Janeiro. Decreto 47.051 de 29 de abril de 2020. Dispõe sobre regras de licitação e dispensa de
licitação para a contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a lei
federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, e dá providências. Diário Oficial do Estado do Rio de
Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 076, 30 abr. 2020.

413
— PROTAGONISMO DISCENTE

A Policlínica Piquet Carneiro e o enfrentamento


da Covid-19 em meio à urgência sanitária – relato de
caso por uma unidade secundária de saúde

Gustavo Santana Sakamoto1; Rogério Lopes Rufino Alves2; Luís Cristóvão de Moraes Sobrino Pôrto3; Alexsandre

Vaz Rodrigues4; Priscila de Araujo Franco5, Elizabeth Bittencourt Pastana6; Alessandra Sant’Anna Nunes7; Rafael

Schnoor Barbosa8; Tiago da Cunha Ferreira9 Grupo PPC contra a Covid-1910

1
Aluno de graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro FCM UERJ

;2Professor Titular de Pneumologia e Tisiologia FCM UERJ e Diretor da Policlínica Piquet Carneiro PPC UERJ;3Professor

Titular do Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes IBRAG UERJ;
4
Diretor Financeiro e Administrativo da PPC UERJ;5Coordenadora de Comunicação da PPC UERJ;6Vice-Diretora da

PPC UERJ;7Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Coordenadora do Departamento de Enfermagem da PPC

UERJ;8Diretor de Infraestrutura da PPC UERJ;9Médico Infectologista e Chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar

da PPC UERJ;10Corpo Administrativo, Financeiro e de Infraestrutura UERJ

Descritores em português: Covid-19; comunicação em saúde; informação em saúde; custo saúde; sistema único de saúde.

Descritores em inglês: Covid-19; health communication; health information; health cost; health unic system.

Introdução

A Policlínica Piquet Carneiro (PPC) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) iniciou suas
atividades ainda na década de 60, como Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier, pertencente ao
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A parceria realizada entre a UERJ e o Ministério da Saúde,
em 1999, tornou esta unidade um espaço/laboratório de formulação, implementação e avaliação de modelos
em saúde para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), além de favorecer a integração docente-
assistencial com a perspectiva de desospitalização, enfatizando práticas de saúde preventivas e resolutivas.
Diante do cenário mundial que se instaurou no início do corrente ano frente à pandemia a PPC/UERJ
iniciou, em meados de março, ações de contingenciamento contra o coronavírus junto ao seu corpo técnico e
voluntariado, com o intuito de dar continuidade a sua importância na sociedade como espaço para assistência
e pesquisa.1
Seguindo as diretrizes determinadas pelos órgãos regulamentadores de saúde2=55 e sem se distanciar
do foco principal prestar assistência à população de forma humanizada, inovadora, atuando na formação
acadêmica e profissional, gerando e disseminando conhecimento de forma abrangente e comunicativa -,
tornou-se um dos principais centros notificadores de casos suspeitos e confirmados no estado do Rio
de Janeiro pela plataforma eSUS-VE. Tudo isso foi possível devido a um engajamento e articulação em

414
conjunto de todas as esferas da instituição.
— PROTAGONISMO DISCENTE

Durante todo o plano de contingenciamento, a Policlínica ampliou a área de abrangência de suas ações
de enfrentamento do novo Coronavírus. Ciente do seu papel como centro de diagnóstico no estado, um dos
únicos do SUS, realizou projeto itinerante chamado “PPC na estrada”, com a finalidade de levar sua expertise
de testagem para outros campi da UERJ carentes deste atendimento. Além disso, a PPC atua de forma a
propagar ações orientadas para construir um espaço salubre e corretivo que, de maneira indireta, mantém
constante vigilância epidemiológica frente à situação atual.6

Integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS)


A lei orgânica do SUS brasileiro, nº. 8.080 de 1990, institui no artigo 7º os seus princípios norteadores,
entre eles, a universalidade de acesso e a integralidade da assistência. Esses dois fundamentos já demonstram
grandes desafios aos gestores e profissionais, como a ampliação das redes de atenção através de uma comunicação
assertiva e de suas inovações.7- 10
Essas principais diretrizes embasaram todo o trabalho da Campanha de Testagem, tanto no universo micro
quanto no macro. A integralidade focalizada foi representada pelo trabalho em equipe multiprofissional, tanto
na gestão, que incluiu interação de profissionais de formações diversas, quanto no operacional, a qual contou
com uma pluralidade e interlocução de conhecimento dos seus diversos atores.11 A PPC se destacou nas redes
de atenção à saúde, na medida em que ofertou testes aos profissionais de linha de frente, prioritariamente,
estendendo também aos atuantes de atividades essenciais, como policiais, bombeiros, professores, funcionários
públicos, entre outros.11- 12
No contexto pandêmico e em função de um breve histórico registrado em outros países, sabia-se da
necessidade de achatar a curva de contágio, de forma que o número de infectados não ultrapassasse a capacidade
de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a ausência de unidade e coordenação dos
governos federal, estaduais e municipais prejudicou a implementação de tais planos.
Nesse ínterim, evidenciou-se a necessidade de pensar em como hospitais e unidades de atendimento do
SUS se preparariam para enfrentar a crescente demanda de atendimentos. Foi necessário um planejamento
estratégico, construído com as informações disponíveis até o momento, pensando principalmente em como
suprir esses locais com os insumos necessários para que os profissionais de saúde e de apoio pudessem
prestar um atendimento observando todos os princípios de biossegurança. Para tanto, foi necessário atuar
rapidamente no mercado para a aquisição do máximo possível de equipamentos de proteção individual (EPI)
e de desinfecção, bem como suprimentos necessários para o atendimento, tais como termômetros digitais e
oxímetros.13

Recursos Disponíveis
No momento de eclosão da pandemia, a PPC adotou um plano de contingência, elaborado por profissionais
de diversas áreas da gestão da PPC visando ao planejamento estratégico para a execução dos testes e diagnósticos
nos profissionais de saúde do estado, utilizando o Laboratório de Histocompatibilidade (HLA) para análise
dos testes genéticos. Para que este projeto fosse viável, a atuação da Direção Administrativa Financeira, que

415
— PROTAGONISMO DISCENTE

engloba o Serviço de Compras e de Faturamento, Recursos Humanos e a Coordenação de Abastecimento e


Farmácia (CAF), foi de fundamental importância.
A partir da Resolução SES Nº 2004 de 18 de março de 2020 do governo do Estado do Rio de Janeiro
para o enfrentamento ao coronavírus houve a suspensão dos atendimentos ambulatoriais eletivos, alterando
drasticamente a rotina da PPC, assim como de diversas outras unidades de saúde. Com isso, a Direção Geral
da PPC definiu que se teria um polo de realização de testes para a detecção voltado para os profissionais de
saúde do estado.14- 15

Equilíbrio Orçamentário
Ao longo do período da pandemia, a legislação foi alterada algumas vezes com a intenção de normatizar
as compras efetuadas. Também houve necessidade de minorar algumas exigências legais para não extrapolar
os limites financeiros previstos em lei, no intuito de proporcionar uma maior segurança jurídica às tomadas de
decisões dos gestores, pressionados por demandas urgentes naquele momento16.
No Brasil, particularmente, houve a edição de leis e decretos igualmente necessários e relevantes, dos quais
se pode destacar o Decreto Legislativo nº 06/202044444. O referido diploma decreta o estado de calamidade
pública em todo o território nacional. No Rio de Janeiro houve a publicação do Decreto nº 46.793/20, que
reconheceu a emergência em saúde em 16 de março de 2020, in verbis: “Reconhece a emergência na saúde
pública do estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas enfrentamento da propagação
decorrente do novo coronavírus (SARS-CoV-2)”.17- 19
O Governo Federal, percebendo a necessidade de adequações na legislação, fez alterações em leis que
disciplinaram as regras de conduta para o período, dentre elas o isolamento social, em caráter nacional. Assim,
em 06 de fevereiro de 2020, a União publica a Lei nº 13.979/20, que “dispõe sobre as medidas que poderão
ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional” ocorrida em
função da pandemia, posteriormente alterada pela Lei nº 14.035/20, de 11 de agosto de 2020 20.
Complementar à referida norma estadual, houve a edição do Decreto nº 47.051/20, de 29 de abril de
2020, que estipula as regras de licitação e dispensa para contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia,
destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus20, 21.
Salienta-se, ainda, a edição da Medida Provisória nº 961, de 2020, que flexibilizou os limites financeiros
para a realização de obras e aquisições para toda a administração pública, até 31 de dezembro de 2020, prazo
do estado de calamidade pública relativo à pandemia do coronavírus. As regras mais flexíveis valem tanto para
o Governo Federal, quanto para os estaduais e municipais.22
Por fim, o Governo Federal sancionou a lei nº 13.992, de 2020, com reflexos para os gestores de serviços
do SUS. Com este normativo, permitiu-se o repasse dos valores financeiros pactuados em sua integralidade
pelo período de 120 dias, a contar de março de 2020. No caso da PPC, tal medida garantiu os repasses
necessários para manter o equilíbrio das contas, bem como proporcionou maior investimento em insumos
importantes para os atendimentos no período, mesmo com a redução do faturamento esperado devido à
suspensão dos procedimentos ambulatoriais.23

416
— PROTAGONISMO DISCENTE

Em conformidade com as legislações federais e estaduais, a Reitoria da UERJ também publicou atos
acerca da Pandemia, entre eles o AEDA 22/2020, que vedou o empenho de despesas não essenciais por tempo
indeterminado, excluindo da abrangência do ato a PPC e o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE),
ambos pertencentes ao Complexo de Saúde da UERJ.
Contudo, a despeito dos novos normativos publicados em meio à pandemia, a grande elevação da
demanda dos insumos específicos necessários para o enfrentamento da Covid-19 fez com que seus preços
fossem inflacionados, prejudicando as compras públicas. Assim, houve necessidade de utilização de recursos
não anteriormente previstos e, com isso, tornou-se necessário um planejamento desta contingência adversa.

Preparação da Contingência

Fase I (período de março a julho de 2020)


- Montagem de estrutura externa de triagem composta por contêineres destinados à realização de
entrevistas e tendas para a espera de pacientes; equipe com paramentação específica para atendimento
assistencial (macacões impermeáveis, máscaras N95, faceshield, óculos e luvas). Optou-se pela circulação de
pacientes somente no ambiente externo, minimizando a contaminação no interior das instalações hospitalares,
que ficaram restritas aos colaboradores das áreas administrativas, em atuação na retaguarda, para garantir o
funcionamento desta infraestrutura. Uma equipe permanente de higienização e limpeza cuidava da desinfecção
de mesas e cadeiras após a saída de cada paciente e ao final do expediente (Figura 1).
- Restrição de profissionais no contato com a linha de frente, com máximo de 3 períodos de 4h por
semana.24
- Restrito ao subsolo da PPC, o atendimento aos pacientes triados seguia para consulta médica e realização
de testes de Covid-19. De acordo com a orientação, os pacientes eram encaminhados para realização de testes
rápidos (detecção de antígenos específicos) ou PCR-RT (coleta de swab para pesquisa de RNA viral). Este
material era encaminhado para o laboratório HLA, que realizava os exames com laudo disponível em até
uma semana e, com o tempo, em 24h. Os pacientes em estado grave eram estabilizados em sala especialmente
preparada para esta finalidade, caso necessário, e encaminhados por ambulância para internação hospitalar.
A contribuição de estudantes voluntários da Faculdade de Medicina da UERJ foi de grande relevância para
realização deste trabalho, assim como da Faculdade de Odontologia. Destaca-se aqui o exitoso chamamento
dos voluntários e sua grande interação com o setor de saúde, o que impactou positivamente a conexão das
relações de cuidado coletivo e, consequentemente, a comunicação e as trocas de experiências e conhecimentos.
- Capacitação dos profissionais lotados na linha de frente e nos bastidores da PPC. Foram disseminados
e compartilhados conhecimentos a partir de capacitações em paramentação, intubação e orientação sobre
desinfecção contínua dos ambientes de trabalho e áreas comuns da Policlínica. Vale ressaltar que todos os
treinamentos foram ministrados por profissionais habilitados e em suas áreas de instrução.24
- Capitaneada pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e pelo Serviço de Comunicação
Social, realizou-se também através de voluntários, desta vez multidisciplinares, a notificação dos casos testados
na PPC. Isso permitiu o transbordamento de experiências em diversas frentes da Universidade, uma vez que

417
— PROTAGONISMO DISCENTE

o voluntariado aqui não foi restrito ao setor de saúde.


- Vacina para Influenza: Campanha realizada em maio/2020 na PPC para imunização de 400 colaboradores
e voluntários. A vacinação em massa contribuiu para o controle de uma doença imunoprevenível e auxiliou no
diagnóstico diferencial das síndromes gripais, além de reduzir internações por pneumonia num momento de
escassez de leitos hospitalares1.
- Fluxo de processos estabelecidos no plano de contingência da PPC foi homologado pela equipe técnica
do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho/ UERJ.

Figura 1: Atendimentos na Policlínica PPC em abril de 2020. Fonte: Autores

Fase II (a partir de julho de 2020)


Com a finalidade de evitar a contaminação no ambiente de trabalho, que se transformaria em um vetor
rápido de transmissão devido ao grande fluxo de pessoas diariamente, a equipe multidisciplinar do Comitê de
Crise elaborou o plano de reabertura parcial e gradual da PPC através de medidas que garantiram a segurança
do ambiente para colaboradores e pacientes. Foram elas:
- Reestruturação do espaço físico interno, com a disponibilização de lavatórios dotados de água e sabão
em pontos estratégicos de grande fluxo de pessoas. Essa medida foi fruto de uma educação sobre higiene das
mãos, conhecimento este amplamente difundido, inclusive, pelos meios de comunicação em massa;
- Colocação de barreiras acrílicas nas recepções e locais de grande circulação;
- Identificação de distanciamento em pisos e assentos (permitido sentar ou não de acordo com as regras
de distanciamento físico);
- Oferta de álcool em gel a 70% aos colaboradores diariamente, além de instalação de quantidade adicional
de dispensadores nos corredores internos e externos para limpeza sistemática das mãos. Adicionalmente, os
totens como dispensadores de álcool gel foram estrategicamente localizados com instruções passo a passo por
meio de imagens;
- Levantamento dos EPIs, como toucas, máscaras N95 e cirúrgicas, face shields, capote impermeável e

418
— PROTAGONISMO DISCENTE

luvas de procedimentos, para utilização neste plano de crise epidêmica. Os insumos indisponíveis foram
providenciados em caráter de urgência;
- Montagem de uma estrutura de recepção e triagem, na área externa, com a finalidade de servir como
guichê único, integrado aos sistemas de informação da Policlínica, onde uma equipe é incumbida de realizar
a triagem dos pacientes através de uma classificação de risco. A equipe é composta de enfermeiros e técnicos,
assistentes sociais, profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS/UERJ), Regulação e médicos.
- Estabelecimento de um fluxo de acesso às dependências da Policlínica, com a identificação através de
pulseira. Os pacientes que apresentem sintomas suspeitos são encaminhados para testagem e devidamente
orientados para isolamento social domiciliar, sendo acompanhados periodicamente por telefone de acordo
com protocolo, e notificação conforme determinação da Secretaria Estadual de Saúde (SES/RJ);
- Os colaboradores, nesta fase, não passaram pela triagem. No entanto, ao primeiro sintoma suspeito
orientou-se reportar imediatamente ao serviço de Recursos Humanos;
- Distribuição diária de máscaras N95 e cirúrgicas aos colaboradores, de acordo com sua área de atuação;
- Redução das agendas de atendimentos e suspensão de cirurgias eletivas a fim de evitar a circulação de
pessoas e, consequentemente, a redução do risco de contaminação;
- Remanejamento temporário de equipes para atendimento em casos mais críticos;
- Desenvolvimento de estrutura isolada para acolhimento de pacientes classificados com alto grau de risco
de contaminação;
- Departamento de Nutrição/PPC forneceu suporte de maneira adequada para logística de fornecimento
de refeições para os profissionais na área de triagem;
- Elaboração de fluxo para armazenamento e descarte de resíduos biológicos produzidos pelos atendimentos
pelas equipes da CCIH/PPC (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar), NSP (Núcleo de Segurança do
Paciente), Qualidade e Infraestrutura.

Limitações e obstáculos
Os obstáculos pelos quais os serviços de saúde pública brasileira enfrentam, que vão desde problemas
crônicos de financiamento, gestão, falta de recursos humanos e estrutura deficitária de serviços, não passaram
despercebidos durante as ações de contingenciamento11. O maior desafio enfrentado pela Piquet Carneiro foi o
quantitativo de colaboradores disponível para o enfrentamento da Covid-19. Mediante ao Decreto Nº 47.247
de 13 de março de 2020, foi instituído que os servidores com histórico de doenças respiratórias ou crônicas,
gestante, maiores de 60 anos e os que utilizassem medicamentos imunossupressores iriam compor escala
de regime excepcional de teletrabalho, além de funcionários que, em razão da natureza de suas atribuições,
poderiam exercer suas atribuições em suas moradias (PGE RJ, 2020)17. Contudo, a UERJ criou um Programa
de Voluntários, voltado a seus alunos e servidores, para atuar no suporte à PPC e ao HUPE, durante a
fase aguda da pandemia de Covid-19. O corpo de voluntários não somente foi de extrema importância
para o desenvolvimento de atividades assistenciais (triagem, consultas e testagens), mas também auxiliou no
desenvolvimento das atividades administrativas e de comunicação com as outras esferas da instituição27.
Essas atividades foram essenciais para levar a PPC ao patamar de principal centro de notificação de

419
— PROTAGONISMO DISCENTE

casos suspeitos e confirmados no estado do Rio de Janeiro. Ademais, mesmo diante das limitações de
recursos humanos e, dada a instabilidade técnica da plataforma de notificação (e-SUS VE), os esforços foram
consistentes para o dimensionamento de notificações a fim de que elas compusessem o banco municipal
epidemiológico no período máximo de 24h após o atendimento.
Com consequência natural das medidas adotadas, a procura por exames aumentou significativamente e
vários segmentos societários procuraram a PPC, evidenciando ainda mais o sucesso do planejamento, resultado
da disseminação e comunicação das atividades da Unidade. Entre segmentos que passaram a buscar a PPC
estão: (i) HUPE; (ii) Comunidade UERJ (alunos, servidores e terceirizados); (iii) Polícia Civil; (iv) Polícia
Militar; (v) Polícia Federal; (vi) Unidade de Polícia Pacificadora; (vii) Segurança Presente; (viii) Secretaria
de Estado de Saúde; (ix) Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação; (x) Ministério da Saúde;
(xi) Guarda Municipal; (xii) Grupamento Aeromóvel da PM; (xiii) Fundação Saúde; (xiv) Fundação Centro
de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro; (xv) Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro; (xvi) Empresa de Pesquisa Agropecuária; (xvii) Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos; (xviii) Centro de Referência da Assistência Social; (xix) Arquidiocese RJ; (xx) Abrigo do Cristo
Redentor; (xxi) Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro; (xxii) Secretaria de Estado de Educação;
(xxiii) Secretaria Municipal de Saúde; (xxiv) Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO); (xxv)
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão; (xxvi) Rio Previdência.

Da evolução dos atendimentos


A figura 2 demonstra os impactos sofridos pela PPC no que tange à suspensão dos atendimentos ambulatoriais,
uma vez que toda a demanda inicial com o surto da pandemia foi eficazmente atendida. É apresentada uma
comparação nos procedimentos realizados entre os anos de 2019 e 2020, nos meses de abril a agosto.

Figura 2: Quantidade de procedimentos de mês x ano (2019 e 2020).

Fonte: Figura dos autores

420
— PROTAGONISMO DISCENTE

É perceptível a queda de procedimentos realizados ao longo da pandemia. A mais acentuada pode ser
verificada no mês de julho, quando em 2020, houve somente 45,3% dos procedimentos realizados comparando
o mesmo mês de 2019. A média conferida nesses meses é de 54,3% do quantitativo total de procedimentos
feitos em 2019. Com a flexibilização das medidas de isolamento social, em agosto de 2020, o número de
procedimentos aumentou; no entanto, ainda permaneceu menor se comparado com 2019. A figura 3 demonstra
o total de atendimentos realizados e quantos destes atendimentos são relacionados a testagem de Covid-19
entre os meses de abril a agosto de 2020.

Figura 3: Número de atendimentos: total x Covid-19 em 2020.

Fonte: Figura dos autores

Pode-se perceber que, até o mês de julho, mais da metade dos atendimentos realizados foram relacionados
aos testes de Covid-19. Em meados de julho, se deu o reinício gradual do atendimento das especialidades
clínicas que tiveram suas atividades presenciais suspensas, de forma que o seu quantitativo geral voltou a subir
e o de testes realizados permaneceu estável. O mês de maio teve 83,1% dos atendimentos vinculados aos testes
de Covid-19, demonstrando o foco e sucesso da instituição no enfrentamento à doença.
Através destes dados, foi possível evidenciar os seguintes pontos:
1. O número de procedimentos realizados caiu praticamente pela metade, reduzindo o valor do
faturamento informado pela Unidade no período. Apesar disso, segundo a lei 13.992 de 22 de abril de
2020, houve repasse pelo teto pactuado por parte do gestor pleno do SUS, entre os meses de março a
junho.
2. A PPC obteve, no período analisado, uma média de 64,4% do total de seus atendimentos exclusivamente
relacionados aos pacientes com suspeita de Covid-19 (testagem), demonstrando total empenho no
combate à pandemia.

421
— PROTAGONISMO DISCENTE

Das limitações: custos e viabilidade


O universo de insumos e materiais adquiridos em função da Campanha de testagem incluiu, além dos
itens de EPI, capa plástica, touca descartável, sapatilha descartável, álcool 70% líquido e em gel, compressa de
gaze não estéril, lancetador descartável, agulha descartável, gel condutor para ultrassom, haste plástica swab,
tubo cônicos (Falcon), estetoscópio, oxímetro e termômetro digital.
A tabela 1 (Comparativo de Preços) apresenta as médias de preços praticadas nos meses de março a julho
em 2019 e em 2020. Nela estão expostos os itens mais comprados no período, sendo, em sua maioria, itens de
proteção individual do profissional de saúde.

Tabela 1: Comparativo de Preços: Antes da pandemia e no primeiro semestre de 2020

Média de Média de Preços Variação


Preços (R$) Percentual de
Itens Unidade Aumento
(R$) março a junho
2019 2020 2019 - 2020
Máscara Dupla/Tripla Descartável 1 0,22 3,14 1.327,27 ↑↑↑↑
Máscara (N95 / PFF2) 1 2,31 16,38 609,09 ↑↑↑
Tamanho G 100 10,84 29,30 170,30 ↑↑
Luvas de
Procedimentos Tamanho M 100 16,90 35,50 110,06 ↑↑
Tamanho P 100 16,90 34,20 102,37 ↑↑
Óculos de proteção 1 -- 3,14 --
Avental de proteção 1 -- 11,80 --
Macacão de proteção 1 -- 47,85 --
Protetor Facial (face shield) 1 -- 31,70 --
Capa plástica 1 -- 1,54 --
Touca descartável 100 7,98 14,92 86,97 ↑
Sapatilha descartável 100 7,11 12,88 81,15 ↑
Oxímetro 1 -- 129,24 --
Termômetro infravermelho 1 -- 133,00 --

Fonte: Dados dos autores. Legenda: ↑(até 100%), ↑↑(de 101% a 500%), ↑↑↑(de 501% a 1.000%) e ↑↑↑↑(>1.000%).

Obs. As células sem valor são referentes aos produtos ou insumos que não foram adquiridos em 2019, no ano anterior

à pandemia. Na última coluna, é apresentado o percentual de aumento entre as médias de preços praticados do ano de

2019 para 2020. Os itens que passaram a ser comprados por conta do enfrentamento ao coronavírus não apresentam

valores de referência no ano de 2019, por isso não há apresentação do percentual de aumento de preço praticado.

Pode-se notar que alguns itens mais que dobraram de preço, sendo o caso das luvas de procedimento e das máscaras.
Além disso, destaca-se o fato de as máscaras cirúrgicas descartáveis terem sofrido o aumento de 1.327,27% sobre a
média de preço praticada em 2019. Também as máscaras N95 e PFF2 tiveram um aumento de 609,09% em relação à
média de preço do ano de 2019 1. Estão demonstradas na figura 4 a variação de preços dos itens comprados durante o
curso da pandemia, entre os meses de março e julho de 2020.

422
— PROTAGONISMO DISCENTE

Figura 4: Variação de preços dos principais itens durante a pandemia (2020).

Fonte: Figura dos autores

Pode-se perceber que a maioria dos itens apresentou alta constante de valores. Em valores absolutos,
tem-se o aumento dos preços da máscara cirúrgica descartável, que apresentava em 2019 uma média de preço
de R$ 0,22 e, no início da pandemia, em março, custava R$ 1,96, alcançando R$ 4,60, no mês de julho. As
máscaras N95 ou PFF2 eram vendidas por R$ 9,50, em março, e chegaram a custar R$ 21,50, em julho de
2020. E os macacões de proteção, iniciaram o mês de março sendo vendidos por R$ 11,35 e alcançaram o
valor de R$ 59,00 em maio.

Comunicados e interlocuções
Como forma de dar maior transparência ao processo e ainda notificar sobre a quantidade de atendimentos,
testes realizados e índice de resultados positivos da Covid-19 a todos os públicos, tanto interno quanto
externo, cerca de 50 infográficos seriados, chamados “PPC contra a Covid-19 em números” (Figura 5), foram
produzidos e veiculados amplamente. Além dos comunicados processuais e por e-mail, os infográficos foram
distribuídos através das redes sociais oficiais da Piquet Carneiro e, também, compartilhados em grupos
corporativos de WhatsApp para os colaboradores da PPC. Dessa forma, todos possuíam de forma rápida e
ampla as informações, rotinas e procedimentos necessários, de maneira uniforme e oficial.

423
— PROTAGONISMO DISCENTE

Figura 5: Infográficos seriados PPC contra a Covid-19 em números.

Fonte: Dados dos autores.

Aquisição de materiais e insumos médico-hospitalares


Diante de todo o contexto apresentado, o Serviço de Compras iniciou o trabalho de procura, orçamentação
e aquisição dos materiais e insumos médico-hospitalares. Vale destacar as dificuldades encontradas, uma vez
que, a nível global, a cadeia de abastecimento de insumos hospitalares estava prejudicada. A alta demanda
ocasionou o desabastecimento das principais indústrias mundiais.29
Esta situação foi ainda mais agravada no Brasil, que possui alta dependência de importações nos segmentos
farmacêutico, de equipamentos e de materiais médicos, o que impacta a autonomia para aquisição dos insumos
hospitalares25.
Visando à viabilidade da operação dos testes de Covid-19 e a biossegurança de pacientes e profissionais,
foram necessárias compras desses EPIs, bem como de oxímetros, termômetros com medição por infravermelho
e estetoscópios. Além disso, houve a contratação da infraestrutura necessária, que incluiu aluguel de tendas,
cadeiras capazes de higienização, contêineres e banheiros químicos, para abrigar e acolher os pacientes e os
profissionais30.
A necessidade de EPIs aumentou não somente por parte dos serviços de saúde, mas também por outros
setores econômicos, para uso dos funcionários, e por parte da população, para uso próprio. Esse aumento
mundial da demanda, novamente, inflacionou os preços, levando à elevação dos custos diretos para garantia
de proteção aos profissionais de saúde. Muitas unidades de saúde não conseguiram fornecer todos os
equipamentos necessários, quer em termos de quantidade, quer em termos de continuidade. Ressaltando que
muitos destes materiais são descartáveis, devendo ser trocados constantemente, conforme determinações dos
órgãos sanitários.
Alguns itens de EPI não faziam parte dos estoques regulares da PPC antes da pandemia, como o macacão
de proteção, ocasionando excedente de demanda desses produtos. Ademais, poucos fornecedores tinham
estoque disponível para venda, fatores que representaram barreiras relevantes nos processos de compras. Além

424
— PROTAGONISMO DISCENTE

disso, muitas amostras foram recusadas por não apresentarem nível de qualidade aceitável e conformidade
com as normativas técnicas necessárias, limitando ainda mais este universo.
Essa situação levou à adaptação de algumas empresas nos seus processos produtivos, que iniciaram a
fabricação de outros produtos, como máscaras cirúrgicas descartáveis, máscaras N95 ou PFF2, aventais de
proteção, toucas, entre outros. Em consequência, observou-se uma constante interação entre o Serviço de
Compras e a CCIH, ao solicitar pareceres técnicos dos itens e aval para compra destes produtos.31- 32
Todas essas mudanças e planejamentos foram executados em curto período, com a complexidade adicional
do surgimento, a todo momento, de novas informações acerca da doença.
A equipe atuante em todo o contexto do plano de contingência incluiu, alternadamente, inúmeros
profissionais, que geraram um vasto consumo de EPIs, materiais e insumos para a realização dos atendimentos.
Portanto, a PPC nesse período norteou os esforços para garantir a viabilidade contínua dessa operação,
comunicando e divulgando os conhecimentos e resultados alcançados.
Além das restrições orçamentárias e altos custos já apresentados, outras dificuldades fizeram parte do
processo. As principais foram: (i) demora e restrição nas entregas; (ii) falta no mercado dos itens de proteção
individual e insumos para os testes; (iii) recusa de itens pela CCIH devido à baixa qualidade; (iv) dificuldades na
mensuração de quantitativos dos itens a serem adquiridos devido à instabilidade de mercado. Ademais, pode-
se ressaltar também os desafios enfrentados no planejamento, sendo eles: (i) imprevisibilidade da demanda de
testes; (ii) constantes modificações das normas técnicas dos órgãos nacionais; (iii) ruídos na comunicação e
articulação entre os profissionais da assistência; (iv) demora na tomada de decisões.
Mesmo com tantas dificuldades, foi possível identificar outros resultados positivos. Visando a colaborar
com o combate ao coronavírus, unidades da UERJ realizaram doações de materiais à PPC, como o Instituto
de Química - UERJ, que produziu boa parte do álcool 70% líquido e em gel utilizado na Unidade; e a
Faculdade de Tecnologia - UERJ, em Resende, que produziu e doou face shields. Além disso, foram recebidas
de empresas privadas e outras instituições públicas, doações de refeições para os profissionais e dos itens
necessários no enfrentamento como máscaras N95, máscaras descartáveis, máscaras de tecido, álcool 70%,
óculos de proteção, face shields e luvas de procedimento.

Êxitos nas comunicações das Redes de Cuidado


Por fim, mais um indicador de sucesso esteve em evidência e referiu-se às notificações realizadas na
plataforma oficial do SUS. Até o dia 31/07, das 240 mil realizadas no estado do RJ, a Policlínica foi responsável
por cadastrar 17.145 no e-SUS VE, tornando-se líder entre todas as unidades de saúde que notificaram casos
de Covid-19 no RJ. Com isso, em julho, a PPC se posicionou no topo das inserções fluminenses, dando uma
grande contribuição ao mapeamento da doença.33

Perspectivas para alcance e cuidado da Saúde Pública


O surgimento da Covid-19 marca um momento profícuo de expansão das aplicações e usos do
telemonitoramento, como forma de melhorar a resposta do sistema de saúde à crise em curso34.

425
— PROTAGONISMO DISCENTE

O Telessaúde ofereceu capacidades para triagem, cuidado e tratamento remotos, além de auxiliar o
monitoramento, vigilância, detecção e prevenção para a mitigar os impactos aos cuidados de saúde indiretamente
relacionados a Covid-19. A PPC adotou esse tipo de consulta que pode evitar visitas presenciais e incluem revisões
de doenças crônicas, aconselhamento ou outras terapias e o cuidado à saúde mental, permitindo que os pacientes
sejam revistos no conforto de suas casas, sem sujeitá-los a visitas aos serviços de saúde – como exemplos, Geriatria,
Diabetes e Saúde Mental que se mantiveram muito ativos nos picos de gravidade da doença.
A PPC contou ainda com a colaboração de 105 alunos voluntários, oriundos das Unidades Acadêmicas
de Saúde e do Centro Biomédico da UERJ, que atuaram na linha de frente, além de profissionais de
outras áreas que, como já explicado, de forma voluntária, contribuíram para as notificações relacionadas
aos testes. Essa contribuição, de grande valia para a instituição, foi possível mediante o Ato Executivo de
Decisão Administrativa (AEDA) 19/2020, da Reitoria da Universidade, no qual foi instituído o “Programa
de Voluntários dirigido aos docentes, estudantes e técnico-administrativos da UERJ” de forma a apoiar as
Unidades de Saúde da Universidade33.
Também houve remanejamento interno dos colaboradores da própria instituição, cujas clínicas estavam
com os atendimentos temporariamente suspensos. Diante desse cenário, percebe-se o quão importante foi
a integração da universidade como um todo, assim como a ampla interlocução e comunicação dos diversos
agentes envolvidos. Em um momento de grande instabilidade política e dificuldades econômicas, muitos
atores diferentes se uniram em prol de um benefício maior, contribuindo para o bem-estar da população9.

Pioneirismo das propostas


Após o decreto de isolamento social em razão da Covid-19, deu-se início ao plano de contingenciamento
a fim de prestar assistência à comunidade externa. A partir da combinação da infraestrutura adequada, mão
de obra qualificada e treinamento profissional, a PPC foi uma das primeiras instituições a oferecer testagem
de Covid-19 no Brasil. Como uma unidade acadêmica, todo o processo desta iniciativa foi pautado no ensino,
desde o planejamento à capacitação de profissionais. Todos os envolvidos em atividade da linha de frente
passaram por treinamento de paramentação e desparamentação visando à redução de risco de contaminação
pelo coronavírus, ofertado pelo Departamento de Enfermagem da Piquet Carneiro, assim como o Curso de
Intubação para emergências, ministrado pelo serviço de Anestesiologia da PPC e do HUPE, também aberto
ao público externo.
É importante ressaltar que todo o processo desta iniciativa foi realizado dentro da policlínica, desde a
realização à análise e envio dos exames, que ficou sob responsabilidade do HLA/UERJ, evidenciando-se, mais
uma vez, o sucesso da interação e interlocução dos diferentes atores envolvidos.

Reconhecimento dos resultados


Atuante no enfrentamento à Covid-19, a PPC teve as suas ações noticiadas pela imprensa desde março
de 2020, com 26 inserções na mídia impressa e digital. Jornal O Dia, BandNews, Jornal Extra on-line e Rede
Record, por exemplo, noticiaram que a PPC realizou no enfrentamento ao coronavírus. Matérias como a

426
— PROTAGONISMO DISCENTE

“Oferta de testagem para servidores do Estado”, “Piquet Carneiro alcança a marca 17 mil atendimentos”,
“Treze por cento dos casos foram notificados no RJ” são alguns dos textos relacionados à Unidade noticiados
neste ínterim. Outro grande parceiro na divulgação durante este período foi o Portal da UERJ, com nove
matérias publicadas, num esforço do Serviço de Comunicação Social da PPC com a Comuns, a Diretoria de
Comunicação Social da Universidade.
Diante da repercussão do trabalho realizado pela PPC, fotógrafos que prestam serviço para jornais
do exterior procuraram nossa instituição para documentar e divulgar registros fotográficos do cenário da
pandemia de Covid-19 no Rio de Janeiro. Ainda como um indicador, a dinâmica de atendimentos da PPC
também foi registrada em documentário “Diários da pandemia”, veiculada na plataforma digital da Globoplay.

Considerações Finais

A PPC é uma unidade de ensino, pesquisa e assistência, de média e alta complexidade, ligada ao Complexo
de Saúde da UERJ, que oferece atendimento ambulatorial por meio de 23 especialidades diferentes, com
38 a 45 mil procedimentos e atendimentos por mês de serviços diagnósticos, terapêuticos, exames e centro
cirúrgico ambulatorial. Exercendo seu papel no enfrentamento à Covid-19, a PPC iniciou em março de 2020
os atendimentos aos profissionais de saúde sintomáticos, conduzindo-os à realização de testagem e diagnóstico.
Atualmente, conta com unidades pós-Covid-19 na Pneumologia e Fisioterapia para acompanhar o período
de reabilitação e pleno reestabelecimentos de pacientes acometidos por essa grave enfermidade. Através
desse trabalho, pôde-se demonstrar que uma unidade multi e interdisciplinar do SUS, com planejamento e
estratégia, conseguiu alcançar resultados expressivos na maior crise sanitária do mundo contemporâneo.

Grupo PPC CONTRA Covid-19


Ana Carolina Caetano Miranda, Camilla Brandão Porciúncula, Davi Brito Gomes de Assis, Denize
Paulino Felizardo, Filipe Gomes Monteiro, Jorge da Silva Motta, José Afonso Lajas Sanchas, Lana Nascimento,
Leonora Garrido Gonçalves, Luciano Damasceno Alves, Márcia Magalhães, Marianna Sousa dos Santos,
Monique de Souza Amorim, Nayana de Nazaré de Sousa Alcântara, Renata Miranda de Souza, Valéria Leite
Macedo, Vinicius Miranda Porto.

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15.Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde. Nota Técnica Nº 2004, de 18 de março de 2020. Orientações
para as unidades de saúde próprias, conveniadas e contratadas no âmbito do SUS do Município do Rio
de Janeiro sobre a regulação (agendamento) de consultas, exames e/ou procedimentos ambulatoriais
eletivos agendados pelo SISREG durante a Pandemia pela Covid-19. Disponível em http://www.rio.
rj.gov.br/documents/73801/0a1c39db-6a09-4110-ae3a-9c5b7f22341d. Acesso em 26 set. 2020.
16.Freitas CM, Rocha V, Silva ELE, Alpino TMA, Silva MAD, Mazoto ML. Environmental health risk

428
— PROTAGONISMO DISCENTE

reduction in Brazil: conquests, limits and obstacles. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1981-1996.
17.Brasil. Decreto Legislativo nº 06 de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº
101, decreto 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação
do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário
Oficial da União. Seção 1, Brasília, DF, ano 158, edição 055-C, p. 1, 20; 2020.
18.Rio de Janeiro. Decreto 46.973 de 16 de março de 2020. Reconhece a situação de emergência na saúde
pública do Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas enfrentamento da propagação
decorrente do novo coronavírus (SARS-CoV-2); e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do
Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 049-A, 17 mar. 2020.
19.Rio de Janeiro. Decreto 46.984 de 20 de março de 2020. Decreta estado de calamidade pública no
Estado do Rio de Janeiro em decorrência do novo coronavírus (SARS-CoV-2), e dá outras providências.
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 052-A, 20 mar. 2020.
20.Rio de Janeiro. Decreto 47.051 de 29 de abril de 2020. Dispõe sobre regras de licitação e dispensa de
licitação para a contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a lei
federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, e dá providências. Diário Oficial do Estado do Rio de
Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro, RJ, ano 46, nº 076, 30 abr. 2020.
21.Rio de Janeiro. Decreto 46.991 de 24 de março de 2020. Dispõe sobre regras de dispensa de licitação para
a contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a lei federal nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Parte I, Rio de Janeiro,
RJ, ano 46, nº 055, 25 mar. 2020.
22.Governo flexibiliza regras para licitações e contratos durante pandemia. 7 maio 2020. Disponível
em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/07/governo-flexibiliza-regras-para-
licitacoes-e-contratos-durante-pandemia. Acesso em: 20 set. 2020.
23.Brasil. Lei 13.992, de 22 de abril de 2020. Suspende por 120 (cento e vinte) dias, a contar de 1º de março
do corrente ano, a obrigatoriedade da manutenção das metas quantitativas e qualitativas contratualizadas
pelos prestadores de serviço de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da
União. Seção 1, Brasília, DF, ano 158, edição 77, p. 6, 22 abr. 2020.
24.WHO | World Health Organization. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/
coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-Covid-19.pdf ?sfvrsn=bcabd401_0. Acesso em: 9 nov. 2020.
25.Costa LS, Gadelha CAG, Maldonado J, Vargas M, Quental C. Análise do subsistema de serviços em
saúde na dinâmica do complexo econômico-industrial da saúde. In Fundação Oswaldo Cruz. A saúde
no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: desenvolvimento produtivo e
complexo da saúde [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, 2013. Vol. 5. pp. 121-159.
26.PGE RJ. D.O.RIO - Atos do Prefeito, 2020. Disponível em: https://pge.rj.gov.br/comum/code/
MostrarArquivo.php?C=MTA0NjU%2C. Acesso em: 18 set. 2020.
27.Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ato executivo de decisão administrativa nº 19. Institui o

429
— PROTAGONISMO DISCENTE

programa de voluntários em apoio às atividades essenciais de combate e prevenção ao contágio e de


enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (SARS-CoV-2).13 mar. 2020. Disponível
em: http://www.boluerj.uerj.br/pdf/aeda_00192020_23032020.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
28.Insumos hospitalares registram aumentos acima de 1.000%. 20 mar. 2020. Disponível em: https://
agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/insumos-hospitalares-registram-aumentos-acima-
de-1000. Acesso em: 9 set. 2020.
29.BERTONI, Estêvão. Por que a indústria hospitalar é tão dependente do exterior. 28 abr. 2020.
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/27/Por-que-a-indústria-hospitalar-
é-tão-dependente-do-exterior. Acesso em: 9 nov. 2021.
30.Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020.
Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante
a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Brasília, 2020. 118 p.
31.Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nota Técnica nº 63. Equipamentos de proteção individual,
higienizantes e de material de higiene pessoal: preços, regulação e gestão da informação em tempos de
coronavírus. Brasília, 2020.
32.Vieria Filho G. Gestão da Qualidade Total: uma abordagem prática. 5ª. Ed. Campinas: Editora Alinea;
2014. 24 p.
33.Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Policlínica Piquet Carneiro lidera lista com maior número de
notificações de síndrome gripal no Rio de Janeiro. 7 ago. 2020. Disponível em: https://www.coronavirus.
uerj.br/policlinica-piquet-carneiro-lidera-lista-com-maior-numero-de-notificacoes-de-sindrome-
gripal-no-rio-de-janeiro/. Acesso em: 29 set. 2020.
34.SECRETARIA Municipal de Saúde. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/index.
php?cms=territorializacao&amp;menu=8&amp;submenuid=154. Acesso em: 15 set. 2020.

430
— PROTAGONISMO DISCENTE

Pré-vestibular social do Centro Acadêmico


Sir Alexander Fleming: construindo educação,
promovendo saúde e abrindo portas à distância

Julia Pereira Muniz Pontes¹; Maria Eduarda Rosário Viveiros de Castro¹; Gabriela Silva do Nascimento¹; Juliana

Carneiro Poggi de Aragão¹; Carolina Figueira Franco¹; Adriel Fester Duarte¹; Ana Clara de Lucena Cals de Oliveira¹;

João Pedro Oliveira Fernandes¹; Beatriz Barbosa Bertolino¹; Mônica de Cássia Firmida²

¹Aluno na graduação Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ e

membro do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming CASAF;

²Docente na Faculdade de Ciências Médicas e Coordenadora de Extensão FCM UERJ

Descritores em português: Voluntários; Educação; Educação à Distância; Promoção da Saúde

Descritores em inglês: Volunteers; Education; Education, Distance; Health Promotion

Introdução

O conceito ampliado de saúde não se limita à ausência de doença, mas inclui segurança de uma vida digna
e exercício pleno da cidadania. Com isso, entende-se a educação como um fator determinante e condicionante
do processo saúde-doença, evidenciando que a dificuldade de ingresso nas universidades é incompatível com a
garantia do bem-estar. No entanto, o contexto da pandemia da Covid-19, uma emergência sanitária mundial,
desviou todos os esforços para o combate ao vírus, o que restringiu a ideia de saúde à questão epidemiológica,
em detrimento de outros fatores intrínsecos ao conceito ampliado, incluindo a educação, lazer, trabalho e
moradia. Nesse sentido, quando, em 14 de março de 2020, as aulas presenciais da rede pública e privada foram
suspensas, os estudantes da Faculdade de Ciências Médicas perceberam que a educação seria fortemente afetada,
principalmente nas camadas mais marginalizadas da população. Considerando as disparidades entre ensino
público e privado, ficou evidente que universidades e escolas particulares encontraram menor dificuldade para
contornar os empecilhos relacionados à estrutura física e virtual para dar continuidade ao ensino de seus alunos
de forma remota, enquanto as instituições federais, estaduais e municipais enfrentaram maiores impasses,
devido ao crescente sucateamento do ensino público, o que “escancara o abismo socioeconômico existente no
Brasil, da diferença de renda ao acesso a serviços públicos como educação e saúde”.1 Sob esse contexto, o Pré-
Vestibular Social do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), órgão de representação discente
dos alunos da Medicina UERJ, irrompeu em uma conjuntura de promover auxílio aos alunos que buscavam
o ingresso no ensino superior.
Rememorando um importante acordo para o ensino superior público, o Acordo de Santiago, durante a I
Cumbre - Reunião de Reitores de Universidades Públicas Ibero-Americanas, em agosto de 1999, retoma-se,
aqui, o conceito de universidade pública nele definido: “O público é o que pertence a todo povo. A universidade

431
— PROTAGONISMO DISCENTE

pública é a que pertence à cidadania e está a serviço do bem comum”. 2 Porém, mesmo sendo signatário de
vários protocolos que se dispõem a fortalecer a universidade pública e a democratizar o acesso a ela, o Brasil
ainda oferece um ensino superior público elitista e excludente. Dessa maneira, na prática, são visíveis as
contradições entre as intenções expressas pela própria comunidade acadêmica, já incluída no ensino superior,
e a realidade de negligência para com segmentos sociais historicamente excluídos do ambiente universitário.
Para de fato pertencer “a todo o povo”, a universidade como conhecemos precisa ser reconsiderada, e
a criação de mecanismos de inclusão desses grupos historicamente excluídos de sua esfera mostra-se de
extrema importância. Entretanto, observam-se autoridades responsáveis pela estruturação da educação no
país divergindo desse alicerce, como identificado na fala proferida por Ricardo Vélez Rodriguez (ex-ministro
da Educação), quando ainda ocupava uma posição de poder: “A ideia de universidade para todos não existe…
As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”.3 Tal sentença cria um panorama em que
a iniciativa pela mudança e a busca pela universalização do ensino acabam delegadas aos próprios alunos,
marginalizados frente ao poder público.
O Pré-Vestibular busca, então, mitigar esse processo meritocrático e injusto que caracteriza o vestibular,
o qual exclui considerável contingente de estudantes que tiveram êxito em finalizar o ensino médio e têm
o direito de prosseguir com seus estudos. Motivado por um desejo de difusão, troca e democratização do
conhecimento, esse projeto, em sua modalidade 100% virtual, tornou-se capaz de extrapolar até barreiras
geográficas, abrangendo alunos de todas as idades, aspectos socioeconômicos e regiões do país, buscando,
assim, a partilha do saber e a mitigação da disparidade de acesso ao ensino superior. Sob essa perspectiva, é
possível identificar na fala de Frei David, teólogo, filósofo e diretor-executivo da ONG Educafro, uma forma
mais sucinta e incisiva para evidenciar o processo excludente do vestibular e ressaltar a condição que motiva
a criação deste projeto: “Os vestibulares não estão baseados no conteúdo que o aluno recebe da rede pública.
Os vestibulares estão baseados no que os cursinhos caros fornecem para quem pode pagar. Esse vestibular é
desonesto, ele não pode se basear no que os cursinhos caros oferecem, tem que se basear em outros saberes”. 2
O Pré-Vestibular, portanto, firma-se como uma objeção à sociedade assimétrica que exige de maneira igual a
inserção nas estruturas sociais de seus membros profundamente desiguais.

Relato

Quando tudo começou


Em meados de maio de 2020, após dois meses de pandemia e isolamento social, os componentes do
CASAF reuniram um grupo de trabalho, formado majoritariamente por alunos do primeiro ano de Medicina,
com foco em atividades voluntárias, no qual debatiam sobre possíveis projetos a serem desenvolvidos durante
esse período. Em um primeiro momento, como havia muita vontade e disponibilidade de tempo, mas pouca
prática na área da educação, decidiu-se por vivenciar essa experiência atendendo à demanda de um projeto
educacional de Campo Grande (bairro da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro), já organizado e em
funcionamento, para aprender, assim, com a sua coordenação. Dessa forma, foi estabelecida uma parceria

432
concentrada no vestibular, em que alguns voluntários se dispuseram a dar aulas à distância para estudantes que
— PROTAGONISMO DISCENTE

se encontravam prejudicados e desestimulados em relação ao ensino durante a pandemia. No entanto, houve


uma baixa adesão à iniciativa por parte dos vestibulandos, forçando esse grupo de trabalho a pensar em novas
maneiras de atuar. Para tanto, os discentes reuniram seu aprendizado após anos de estudo e de participação
em cursos de pré-vestibular e resolveram atuar diretamente nesse preparo.
A fim de concretizar esse desejo, a ideia do Pré-Vestibular Social tomou forma, então, em uma configuração
online, com o meio virtual funcionando como um desvio ao obstáculo do distanciamento social imposto
pela pandemia. Soma-se a isso a já existente e típica regionalização do Vestibular da UERJ, concentrada no
Sudeste, no que tange ao interesse dos vestibulandos na universidade e à preparação, devido à proximidade
espacial, indicando que estudantes de outras regiões do país não são amparados por uma preparação eficiente
e específica para tal. Assim, a digitalização do ensino permitiu tanto a disseminação quanto a desconcentração
do preparo voltado para esse vestibular. Ofereceu-se, pois, uma alternativa para o ensino que, durante o período
pandêmico, foi ainda mais seletivamente precarizado, marginalizado e desestruturado, uma vez que muitos
colégios e cursos, sem uma estrutura tecnológica para manter as aulas nesse contexto, suspenderam-nas e
deixaram seus alunos desamparados, fomentando as disparidades observadas nesse âmbito.
O projeto primeiramente foi elaborado visando ao preparo dos alunos para o vestibular de Medicina da
UERJ, tendo como um dos seus pilares a reserva de 75% das vagas para ações afirmativas. Desde o início havia
a consciência de que seria necessário auxílio externo para a estruturação do ensino e, a partir disso, buscou-
se ajuda tanto de cursos privados de pré-vestibular quanto de outros professores. Dessa forma, a equipe de
trabalho foi constituída por estudantes de Medicina da UERJ - responsáveis por organizar a inscrição dos
alunos, criar materiais de apoio e simulados, bem como corrigi-los, e administrar as mídias sociais, utilizando-
se basicamente do Instagram®, do YouTube® e do Telegram® - contando com professores voluntários que
ministravam as aulas. Essas aulas foram transmitidas no YouTube®, e as listas de exercícios e os simulados,
enviados pelo Telegram®. A comunicação com os alunos do projeto era mediada tanto pelo Instagram® quanto
pelo Telegram®. Durante os primeiros 7 meses do projeto, foi dada atenção especial ao Exame Discursivo,
correspondente à 2ª fase, mais especificamente às provas de Química, Biologia e Redação, que se apresentavam
como um diferencial para aqueles alunos que desejavam ingressar no curso de Medicina. Nesse período, houve
grande procura pelo Pré-Vestibular, sendo necessária a realização de sorteios, para que a quantidade de alunos
fosse compatível com o número de voluntários disponíveis. Assim, foram sorteadas 360 vagas, equivalente a
10 alunos para cada monitor, que ficava responsável por corrigir os simulados discursivos e as redações desses,
o que ocorria quinzenalmente, além de se disponibilizarem para sanar eventuais dúvidas que surgissem. Cabe
ressaltar, também, que alguns voluntários ficavam responsáveis pela correção de simulados de mais de uma
matéria, buscando suprir a demanda existente, e que alguns alunos tinham acesso à correção de simulados de
mais de um objeto do conhecimento, preenchendo vagas tanto em Química quanto em Biologia, por exemplo.
Para além das vagas reservadas, cerca de 1200 alunos possuíam acesso às aulas semanais e aos materiais
disponibilizados (simulados, listas de exercícios, temas de redação e resumos).
Ao longo do projeto, foi realizada uma pesquisa de satisfação e mapeamento dos alunos através do
Formulários Google®, respondida por 105 pessoas, por meio da qual pudemos perceber tanto a abrangência
do projeto, observada na presença de alunos de todas as regiões do Brasil, quanto a sua fundamentalidade para
algumas pessoas, que indicaram o Pré-Vestibular como sua única fonte de estudo. Em uma parte de avaliação,

433
— PROTAGONISMO DISCENTE

98% das respostas deram nota 8 ou mais em uma escala de 0 a 10, das quais 68% correspondiam à nota
máxima. Vale ressaltar também que, no final do ano de 2020, após o envio da proposta para cadastramento
pelo Departamento de Extensão da UERJ, o Pré-vestibular Social do CASAF foi oficializado como projeto
de extensão, reforçando a “ponte” entre a universidade e a experiência dos acadêmicos e a sociedade, visando a
produção e troca de conhecimento.

Eventos de extensão
Além das atividades teóricas voltadas para a preparação do aluno, o projeto também promoveu o VIII
Workshop da Medicina UERJ, no qual ocorreram inúmeras dinâmicas, como apresentação da Faculdade
de Ciências Médicas, do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming e da Direção Executiva Nacional dos
Estudantes de Medicina (DENEM), além de Feira de Ligas, uma roda de conversa entre veteranos e calouros
e apresentação de alguns coletivos da Medicina UERJ. Esse evento, o primeiro em sua modalidade virtual,
teve como objetivo, fora uma introdução às vivências acadêmicas, despertar um sentimento de acolhimento e
de identificação com o ambiente universitário.
Em outro momento, foi realizada uma Roda de Conversa com o tema “Apoio e Reflexão no pré-prova da
UERJ”, que contou com a participação de uma psicóloga com experiência em atendimento a vestibulandos,
Karine Morais. Nessa atividade, a profissional, em conjunto com uma aluna da Medicina UERJ e também
psicóloga formada, Eveline Candeco, trouxe algumas técnicas e pensamentos para lidar com a ansiedade nesse
momento pré-prova, abrindo espaço também para perguntas de vestibulandos que estavam assistindo ao
evento. Posteriormente, alunos do primeiro ano da graduação compartilharam suas experiências tanto sobre
estudos quanto sobre o nervosismo do ano de vestibular. Ao final, foi sorteada uma vaga entre os vestibulandos
presentes na Roda de Conversa para atendimento psicológico individual com a psicóloga Karine, o que se
provou de grande valia para a aluna que foi acompanhada, ajudando-a nessa preparação e na sua aprovação
no vestibular UERJ.

Mudança do modelo da prova do vestibular e reestruturação do projeto


Até o ano de 2020, a prova do Vestibular Estadual da UERJ possuía 2 fases: a primeira composta
pelo Exame de Qualificação - uma prova objetiva de 60 questões relacionadas a 4 áreas de conhecimento
(Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática) - e a segunda, pelo Exame Discursivo,
com perguntas relacionadas a disciplinas específicas, de acordo com o curso selecionado, além da prova de
Redação. A partir do prolongamento do quadro epidemiológico da pandemia, tais fases foram modificadas, e
o exame admissional foi substituído por uma avaliação única, tendo um modelo objetivo para todos os cursos,
seguindo o modelo da antiga primeira fase da UERJ e mantendo a redação nos moldes originais da avaliação
discursiva. Com isso, a atuação do Pré-Vestibular pensada inicialmente se tornou incompatível com o novo
formato de aplicação da prova proposto pela UERJ.
Em um primeiro momento, assim como os vestibulandos foram tomados por incertezas quanto ao novo
modelo, os voluntários do projeto também se viram diante de algumas dificuldades para adequar a execução

434
— PROTAGONISMO DISCENTE

do mesmo à mudança, já que até então a abordagem era restrita às provas discursivas de Biologia, Química
e Redação, como dito anteriormente. Apesar disso, o desejo de continuar atuando foi mantido, sabendo que,
especialmente em um momento de inconstância como o que se estabeleceu, era fundamental o fortalecimento
do suporte aos alunos. Para tanto, foi necessário reinventar e reestruturar a dinâmica do Pré-Vestibular para
melhor atender às demandas impostas, contudo sem sobrecarregar os voluntários.
Dessa forma, o projeto passou a oferecer simulados alinhados ao novo modelo e listas de exercícios
elaboradas pelos professores de cada disciplina, que eram corrigidas semanalmente em aulas transmitidas ao vivo
no YouTube®. Como apenas a prova de redação foi mantida, permaneceu a necessidade de correção individual
dessa modalidade, e os voluntários responsáveis pela elaboração e correção das questões de Química e Biologia
passaram a integrar o corpo de voluntários de redação. Com tais alterações, vestibulandos de todos os cursos
puderam desfrutar do material oferecido pelo projeto, ampliando o número de indivíduos contemplados.

A prova
Após quatro adiamentos em razão das condições epidemiológicas no Brasil, a prova correspondente ao
Vestibular Estadual 2021 foi realizada em 18 de julho de 2021, tendo como notas de corte na chamada regular
para a medicina: 91 pontos para os candidatos de vagas não reservadas, 80 para os de rede pública, 78,5 para
negros e indígenas e 69,5 para pessoas com deficiência e filhos de policiais civis e militares, de bombeiros
militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do
serviço, sendo necessária para se adequar às vagas reservadas a comprovação de renda per capta menor ou
igual a 1,5 salário mínimo. Isso evidencia a competitividade para o ingresso neste curso. Todavia, mesmo
com todas as dificuldades enfrentadas, 9 dos 102 (aproximadamente 8,8%) aprovados no Vestibular 2021 da
UERJ eram alunos sorteados do Pré-Vestibular, além de inúmeros relatos de alunos que não eram oficiais, mas
acompanhavam as aulas e listas pelo Youtube® e Telegram®, respectivamente. Com grande alegria, empolgação
e orgulho do resultado, o projeto iniciou, em agosto de 2021, a preparação para o próximo ano.

Segundo ano de projeto


Na nova fase do projeto, voltada para o Vestibular 2022 da UERJ, 27 calouros, dentre estes alguns que
foram alunos do Pré-Vestibular, ingressaram na equipe, agora como voluntários, e adaptações baseadas nos
aprendizados do ano anterior foram feitas: A primeira mudança foi no oferecimento de vagas, as quais
passaram a ser 100% destinadas para alunos que se encaixam em pelo menos um critério de cota do vestibular
da UERJ, visto que no ano anterior, alguns alunos cotistas não conseguiram lugar no projeto. Logo em
seguida, foi anunciada a perpetuação do modelo utilizado na prova anterior, tornando possível que fosse
mantida a proposta usada anteriormente, com correção das redações dos alunos sorteados e listas de exercícios
de cada matéria com posterior correção no YouTube para todos os interessados. A seleção dos novos alunos
foi realizada em duas etapas: os vestibulandos de 2020 que não haviam sido aprovados foram convidados a
continuar e para preenchimento das vagas restantes, contabilizadas através do número de monitores, foram
sorteados mais 88 alunos, totalizando 140 vagas nesse momento. Além disso, os novos voluntários precisaram

435
— PROTAGONISMO DISCENTE

ser alocados em departamentos de ensino-extensão, secretaria e mídias, e os fundadores do projeto se tornaram


a coordenação, ainda participando e orientando os novos integrantes a partir da experiência adquirida no
primeiro ano. A parceria com o curso Foco Medicina foi renovada, e seus professores seguem preparando as
listas de exercícios e realizando as aulas nas plataformas virtuais. Por fim, buscando uma maior integração com
a FCM e outros alunos da faculdade, criou-se um vínculo com o “Canga Literária’’, visando a realização de
uma atividade conjunta para destrinchar a leitura do livro paradidático “Uma janela em Copacabana”, de Luiz
Alfredo Garcia-Roza, o qual será abordado no próximo Exame.

Reflexões, conclusões, conquistas e perspectivas


Após um ano de projeto, é possível enxergar seu potencial em auxiliar os estudantes de todo o país,
possibilitando um caminho para o acesso ao ensino superior, negado a muitos desses alunos em suas realidades
cujos mecanismos de inclusão falharam e continuam falhando, principalmente em tempos de pandemia e
desigualdades exacerbadas. Em relação ao formato remoto, sua flexibilidade e caráter geograficamente
abrangente são fatores a serem exaltados em relação à sua essencialidade para o desenvolvimento do projeto.
Ressalta-se, contudo, a sua limitação em atingir justamente o público mais vulnerável e, consequentemente,
o principal alvo do Pré-Vestibular, uma vez que as disparidades em relação ao acesso à internet e dispositivos
móveis ainda permanecem como um grave entrave para a democratização do ensino remoto.
Outro ponto fundamental foi a abordagem sobre a importância do cuidado com a saúde mental, por meio
da realização de rodas de conversa e do oferecimento de acompanhamento psicológico. Tal questão mostra-se
essencial, principalmente, em grupos vulneráveis pelas incertezas do vestibular, da pressão imposta e da forte
carga emocional durante esse momento, somadas ao isolamento social.
A partir das experiências vivenciadas até então, notam-se limitações em algumas áreas que são julgadas
carentes e ainda podem ser desenvolvidas e aprimoradas, como, por exemplo, a formação de um local silencioso
e equipado que os alunos pudessem utilizar como um ambiente de estudo, uma Biblioteca Comunitária, onde
seriam disponibilizados livros literários e materiais didáticos, e o pagamento de taxas de inscrição de prova para
alunos do Pré-Vestibular que não conseguissem arcar com tal custo. Tais ações poderiam ser possibilitadas, por
exemplo, por bolsas que cobririam financeiramente essas iniciativas e seriam fundamentais para que o projeto
acolhesse os alunos de maneira integral, transpondo esses quesitos ainda faltantes.
Para os voluntários, o projeto permitiu o desenvolvimento de habilidades além da Medicina. Sob esse
contexto, a elaboração de aulas e o planejamento de monitorias mostram ao graduando a importância de,
futuramente, ser explícito ao dar explicações a seus pacientes, além de incentivar a didática. Tal exercício
distancia a imagem dos médicos que não fazem as adaptações necessárias para que leigos entendam o que
está sendo dito, estimulando o desenvolvimento da comunicação e da atenção aos aspectos psicossociais do
indivíduo. Isso é relevante, pois ajuda na construção social do médico como um profissional que reconhece os
problemas da sociedade que o rodeia, com uma visão ampliada, crítica e reflexiva, levando a iniciativas criativas
e comprometidas com sua resolução. Percebe-se também que a participação nesse projeto se dá em um momento
importante, pois antecede a limitação do indivíduo imposta pela rotina estritamente relacionada à Medicina,
quando muitas vezes esses valores passam a ser esquecidos devido ao estresse do cotidiano, permeado por

436
— PROTAGONISMO DISCENTE

cargas de trabalho exaustivas e sob grande pressão. Nota-se, portanto, que participar da elaboração de projetos
que não envolvam apenas o conhecimento da área ajuda na formação de profissionais que dominam diversos
assuntos e são capazes de ir além de uma abordagem puramente focada na doença, deslocando-os da bolha
na qual se inserem, obrigando-os a entrar em contato com outras realidades, mais próximas à do cidadão
brasileiro.
Frente a um quadro generalizado de injustiça social, os voluntários acreditaram neles mesmos, na
mudança que poderiam fazer, lutaram por isso e, mesmo com sua breve experiência no exercício médico,
conseguiram promover saúde da mesma forma. Assim, um ponto fundamental para os alunos da Medicina
UERJ envolvidos na estruturação do Pré-Vestibular Social foi correlacionar o trabalho social com a formação
profissional, o que foi sendo construído de forma orgânica após o contato e a troca com estudantes em
situação de vulnerabilidade, reconhecendo o impacto positivo do ingresso no ensino superior, por meio do
acesso à educação, à saúde e ao bem-estar, direitos cuja garantia é viabilizada pelas políticas de ação afirmativa
presentes na nossa Universidade.
Sob essa perspectiva, percebe-se que a inclusão social é um potente agente transformador, com significativo
impacto na vida daqueles que, negligenciados pelo poder público, buscam um caminho para contornar seus
obstáculos, ou pelo menos deixá-los menores. A promoção da educação é particularmente importante, pois
assim como afirmou Paulo Freire, a educação não transforma o mundo, mas muda as pessoas, e pessoas
transformam o mundo. Desse modo, ao se construir uma educação de fato transformadora, edifica-se uma
saúde bem estabelecida, tanto física quanto mental, e ao facilitar o acesso à educação para os que não a
teriam devidamente, facilita-se também esse cuidado com a integralidade da saúde, em todos os seus âmbitos.
Evidencia-se, portanto, que a inclusão social, por meio da promoção de educação e do seu acesso igualitário,
promove saúde. Assim, não só se abrem portas para que a universidade pública de fato pertença a todo o povo
e sirva ao bem comum, mas também se estimula a promoção de saúde pelo caminho.
Por fim, cabe destacar o retorno dos alunos que, muitas vezes, foi gratificante e estimulante para a
continuidade e aperfeiçoamento do projeto. Seguem abaixo relatos obtidos via Whatsapp®, com consentimento
para publicação neste documento, de ex-alunos do projeto relativos ao Vestibular 2021:

“Quem diria que eu ia estar escrevendo um trechinho contando da minha experiência. Parece
que foi ontem (literalmente) que eu descobri o pré vestibular pelo Instagram®, entrei nos
grupos do Telegram® e estava fazendo simulado de química, biologia e redação para UERJ.
Foi uma experiência que com certeza me ajudou bastante, eu aprendi a me aprofundar mais
nas questões a cada correção de discursivo de química e biologia, além de aprender literalmente
a fazer a redação da UERJ com minha monitora que ficou corrigindo minhas redações. Toda
semana era um tema novo, eu fazia e mandava. A cada semana eu via meus erros e tentava
melhorar, mandava o que eu não tinha entendido da correção e ela me explicava com todo
zelo e paciência, o que me ajudou muito a ter liberdade de dizer que não entendi ou que estava
tudo bem agora, consegui entender minha dúvida. Eu estava acostumada com o modelo
redação estilo ENEM e, com muito esforço, acreditando no processo e com as correções e aulas
do projeto, consegui tirar nove na redação da UERJ e eu fiquei muito grata com esse pré-vest

437
— PROTAGONISMO DISCENTE

por isso também. Enfim, tem muitas outras coisas, mas saibam que esse projeto ajuda muita
gente, mesmo eles não sabendo a dimensão que eles têm na vida de quem está estudando,
tanto como inspiração, ajuda e conhecimento.” (Brenda Sant’ana, atual voluntária do Pré-
Vestibular Social e aluna da Medicina UERJ)

“Meu nome é Sérgio Manoel, fui aluno do pré-vestibular CASAF em 2020. O projeto, com
as aulas, correções e a apresentação do curso de medicina foi essencial na minha aprovação, e
hoje, com muito orgulho, posso agradecer por tudo, participando do projeto e retribuindo todo
o apoio e ajudando novos estudantes!” (Sérgio Manoel, atual voluntário do Pré-Vestibular
Social e aluno da Medicina UERJ)

“Eu conheci o pré-vestibular um pouco antes da decisão de mudar a prova para objetiva e,
até lá, era uma dificuldade imensa encontrar materiais e aulas de qualidade e direcionados
para a UERJ. Muitos dos simulados/ exercícios eram mais adaptações do ENEM. Então, eu
me sentia desamparado e o Pré-Vestibular me ajudou demais a saber que eu estava estudando
de forma correta pro vestibular da UERJ, já que os alunos que fazem parte foram aprovados
no vestibular. Em relação a redação, eu acredito que essa seja a parte mais difícil de ter um
estudo de qualidade pra UERJ e o Pré-Vestibular foi essencial pra mim. Fui sorteado para
a correção e os comentários e análises da minha corretora me deram um norte em relação a
redação da UERJ, já que antes o mais próximo de correção da UERJ que eu tinha eram os
temas da FUVEST que nem sempre tinham muita relação com o livro do Vestibular. Sou
muito grato ao Pré-Vestibular do CASAF e aos seus voluntários, sem eles eu não estaria
aqui e estou muito orgulhoso de poder retribuir a ele de alguma forma.” (Denzel Luis, atual
voluntário do Pré-Vestibular Social e aluno da Medicina UERJ)

“O pré-vest social do CASAF nasceu para mudar vidas e ajudar a tornar sonhos realidade. A
extrema sensibilidade, dedicação e compromisso daqueles que hoje posso chamar de veteranos
me ajudaram a preencher lacunas na minha preparação e a encontrar o caminho até a
minha vaga no vestibular de Medicina. Quando ainda estudávamos para as discursivas, as
questões dos simulados eram super parecidas com o modelo UERJ e as correções apontavam
exatamente os erros e a forma como deveria ser a resposta. Já as aulas eram ministradas por
professores excelentes que davam dicas e conheciam a prova de forma singular. Mesmo depois
da mudança e dos adiamentos da prova, eles permaneceram ao nosso lado e não desistiram
desse projeto incrível, formulando exercícios objetivos e corrigindo redações, sempre com o
mesmo engajamento e a mesma organização impecáveis que, inclusive, me estimulavam ainda
mais. Hoje, sou aluna da Melhor do Rio e quero registrar aqui meu profundo agradecimento,
reconhecendo com louvor essa tarefa tão nobre e árdua na qual o CASAF se empenhou e
presenteou a comunidade. A vocês, meu carinho e gratidão para sempre!” (Ana Luiza do
Carmo, atual aluna da Medicina UERJ)

438
— PROTAGONISMO DISCENTE

“O vestibular é uma maratona. É necessário preparação. Eu, como corredor, senti a exaustão
do percurso e, no momento que pensei em desistir, eu conheci o CASAF. O projeto foi meu
suporte, "saciou minha sede e me ofereceu novos tênis" para prosseguir até a linha de chegada,
sejam pelos simulados impecáveis, sejam pelas aulas com professores incríveis, bem como toda
a equipe. Obrigado, pelo carinho, atenção, dedicação, tempo e, por mais que eu não tenha
atravessado a fita de aprovado vocês me ensinaram que é possível atravessar e que pela
UERJ, vale a pena.”
( João Victor Da Hora, atual aluno do Pré-Vestibular Social)

Agradecimentos

O Pré-Vestibular Social do CASAF manifesta imensa gratidão a todos os alunos de Medicina da FCM
que possibilitaram a concretização dessa iniciativa: Adriel Fester Duarte, Alexsandra Dias Correard, Alice
da Silva Teixeira, Amanda de Barros Sampaio, Ana Carolina Godoy de Oliveira, Ana Carolina Guedes,
Ana Carolina Moraes, Ana Clara de Lucena Cals de Oliveira, Beatriz Barbosa Bertolino, Carolina Figueira
Franco, Caroline Lyra Moreira, Gabriel Campos de Menezes Giglio, Gabriela Seigneur Barroso, Gabriela
Silva do Nascimento, Giovanna Taveira Reis de Sá, João Antônio Gonçalves Bastos Torres, João Pedro de
Oliveira Fernandes, Julia Castilho Monteiro Paes, Julia Pereira Muniz Pontes, Julia Ribeiro Soares, Juliana
Carneiro Poggi de Aragão, Lívia de Castro Araujo Valente, Maria Eduarda Rosário Viveiros de Castro,
Mariana Soares da Cal, Marina Maria Muniz Biar, Patricia Cristina Celestino, Pedro Cesar Ribeiro, Rafaela
Barbosa Peixoto Durovni, Théo Zajdenverg Herszage, Thiago de Oliveira Rangel Alonso e Yan Moreira Elias.
Agradece também aos professores que se voluntariaram para auxiliar nessa trajetória: Allan Rodrigues,
André Passos, Ariane Varella, Carolina Braga, Fernanda Cordeiro, Gabriela Dunhofer, Guilherme Parreira,
João Gabriel Guerreiro, Jadson Dantas, João Menezes, Julio Amorim, Marcele Cristina, Marcella Calil,
Mateus Paes Leme, Mônica Firmida, Nathalia Falsia, Rita Rodrigues, Rodrigo Abreu e Victor Mauricio.
Além disso, acolhe e demonstra gratidão a todos os calouros da turma 2026 que aderiram a esse projeto:
Ana Luiza Busch Pinheiro, Ariel Cardoso Rezende, Brenda Sant'Ana de Araujo, Bruna Cavalcante de Sousa,
Clara Vitral Castello Branco, Denzel Luis Pereira de Souza, Eduardo Henriques Alves Braule Pinto, Evelyn
de Souza Ribeiro, Evillyn de Brito Rodrigues Bezerra, Gabriella Silva Farias de Carvalho, Guilherme Freitas
Parra, Isabela de Miranda Motta, João Gabriel Freitas Gouvêa, Juliana Oliveira Andrade, Kian Mesquita
Rocha, Laura Custodio da Silva, Luiza de Amorim Provenzano, Luiza Pimenta de Carvalho, Maria Clara
Rios de Castro, Maria Raphaela Magalhães de Andrade Figueira Siqueira Alves, Maria Tavares da Rosa,
Mariane Moreira Flores, Nathalia Pereira Cotovio, Paulo Vitor da Silva Machado, Rafaela Brum Veloso
Dantas, Raquel Ferreira dos Santos, Sarah Fariña Alheiros e Sérgio Manoel Andrade dos Santos.
Por fim, expõe seus agradecimentos às psicólogas Eveline Candeco Derzi Pinheiro e Karine Ribeiro de
Morais.

439
— PROTAGONISMO DISCENTE

Bibliografia

1. Pandemia amplia abismo entre escolas públicas e privadas no Brasil [Internet]. Folha de São Paulo:
Miguel Thompson; 2021 Mai 30. [citado 2021 Out 17]; Disponível em: https://www1.folha.uol.com.
br/educacao/2020/05/pandemia-amplia-abismo-entre-escolas-publicas-e-privadas-no-brasil.shtml
2. PEREIRA, Thiago Ingrassia; RAIZER, Leandro; MEIRELLES, Mauro. A luta pela democratização do
acesso ao ensino superior: o caso dos cursinhos populares. Revista Espaço Pedagógico, v. 17, n. 1, 2010.
3. RICARDO VÉLEZ TEM RAZÃO: NÃO EXISTE ‘UNIVERSIDADE PARA TODOS’ NO
BRASIL [Internet]. The Intercept Brasil: Alexandre Andrada; 2019 Fev 16. EM ENTREVISTA
RECENTE, o atual ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez disse:; [citado 2021 Out 17];
Disponível em: https://theintercept.com/2019/02/16/ricardo-velez-universidade-para-todos/.

440
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Papel das Ligas


Acadêmicas
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Aplicação trimodal do ensino, pesquisa e extensão


da Liga Acadêmica de Neurologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da
Covid-19

Felipe da Rocha Schmidt¹; Louise Ferreira Nascimento Pestana da Costa²; Beatriz Carvalho Soares²; Crissia Pitanga

Malta²; Daniel Meohas de Souza Lima²; Milena Pereira Ribeiro da Silva²

¹Orientador da Liga. Médico Neurologista HUPE UERJ; ²Aluno Graduação em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas

FCM UERJ

Descritores em português: Liga Acadêmica; Covid-19; Ensino; Extensão; Pesquisa;

Descritores em inglês: Interest group; Coronavirus; Education; Research;

Introdução

A Liga Acadêmica de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio


de Janeiro (LiNeu) é um projeto de extensão vinculado ao DEPEXT (Departamento de Extensão), pautado
na aplicação do tripé: Ensino, Pesquisa e Extensão, o que difere do que é implementado na educação formal
universitária nacional. O modelo praticado pela maioria das faculdades de medicina no Brasil é pautado em
um sistema hierarquizado e unilateral no qual, conforme já relatado em alguns trabalhos, criam profissionais
que reproduzem conhecimento e que limita a capacidade criativa dos mesmos. É neste panorama em que as
Ligas Acadêmicas se tornam papel fundamental para formação profissional, atuando na complementação de
assuntos já contemplados pela grade curricular. Por meio do tripé ensino-extensão - pesquisa, a LiNeu procura
dar continuidade e tornar mais prático aquilo abordado nas aulas, suscitando produção científica e tornando
o diálogo entre a comunidade científica, aqui representada pela Faculdade de Ciências Médicas e a sociedade
mais amplo, para que o conhecimento, tanto prático quanto teórico, alcance o maior número de pessoas.
O objetivo original do tripé é que: o Ensino se baseie em módulos com temas e duração pré-determinados;
A extensão faz com que os membros da liga, capacitados anteriormente por um profissional, vão às ruas com
o propósito de ensinar, de forma simples e prática, o público em geral sobre algum tema de notável interesse,
por exemplo; a pesquisa amplia a comunicação dos discentes com o meio científico, através de atividades
extracurriculares que fomentem o pensamento crítico1.
No entanto, com o advento da pandemia da Covid-19 e com a implementação do distanciamento social,
associado à paralisação do ensino por alguns meses, colocou em risco a própria existência e modo clássico de
aplicar o tripé da liga acadêmica. Portanto, o corpo discente da UERJ, sem aulas formais da Universidade,
encontrou-se também desprovido das atividades críticas e diferenciadas da LiNeu.

442
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Relato

A pandemia pelo Coronavírus e a necessidade de isolamento social ressignificou as formas de obtenção e


propagação do conhecimento. A internet, por meio das mídias sociais, plataformas de encontros, que já eram
amplamente utilizadas, tiveram um papel fundamental na conexão durante esse período.
Antes do isolamento social, a LiNeu atuava a partir do tripé ensino-pesquisa-extensão, em sua maioria
por encontros presenciais. As aulas, cursos e reuniões eram realizadas durante a semana, no horário de almoço
nos anfiteatros do Hospital Pedro Ernesto (HUPE), cuja duração se limitava a uma hora, período de almoço
dos alunos. Além disso, o público era voltado majoritariamente para os alunos de Medicina da FCM UERJ,
visto a localização e o horário das atividades realizadas. Entretanto, no cenário da pandemia e a necessidade
de isolamento social as atividades, antigamente presenciais, passaram a ser realizadas on-line.
No ensino, um dos principais benefícios das atividades on-line foi a modificação do público-alvo, sendo
composto, não mais apenas por alunos de Medicina da UERJ, mas também alunos de diversas outras instituições
e cursos, aumentando assim a troca de conhecimento, experiência e saberes. Outro ponto, foi a participação
de professores de outras instituições, localizadas no Rio de Janeiro, e fora dele, como por exemplo, São Paulo.
Além disso, a flexibilização de horários, podendo ser realizados no período noturno, por meio das plataformas
- Google Meets, Microsoft Teams e Zoom; ampliando também o tempo dos encontros, antes prejudicados pelo
curto período disponível. Entretanto, vale-se destacar que a vantagem da flexibilização dos horários pode
também ser considerado como um ponto negativo, uma vez que muitas atividades, da grade curricular e
extracurriculares, ocorriam fora do período que antes era determinado pela faculdade: segunda a sexta, de 8 às
18 horas, dessa forma, o excesso de atividades ocorrendo simultaneamente, em horários extraoficiais e com um
alto volume, também devem ser destacados. Além disso, é preciso pontuar que, apesar de ampliar o público-
alvo, as mídias sociais também tiveram potencial segregador, principalmente no início do ensino remoto,
haja vista que, nem todos dispunham de conectividade de rede, seja por questões socioeconômicas, seja por
problemas técnicos pontuais, o que inviabiliza o amplo acesso às atividades oferecidas.
Entre as atividades do departamento de ensino, destaca-se o Congresso de Neurotrauma, que ocorreu
nos dias 13 e 14 de julho de 2020 abordando temas como: traumatismo cranioencefálico, concussão cerebral
e distúrbios do movimento pós-trauma. Esse evento contou com a presença de 8 professores de diferentes
localidades de formação, tal como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Tal análise nos mostra uma das vantagens
dos eventos on-line, uma vez que tal abrangência torna-se difícil em eventos presenciais, em virtude da distância
física. Isso facilita a troca de informações e conhecimentos entre estudantes e profissionais de diferentes
localidades. Outra atividade importante foi o “HOT TOPICS em tempos de pandemia” no qual buscou-se
associar temas de Neurologia com o âmbito pandêmico vigente. Com isso, foram trabalhados temas como:
anosmia, meningites, encefalites e paralisias flácidas agudas. Essas aulas nos mostraram a importância da
atualização contínua no contexto da Medicina, estimulando os alunos ao estudo de temas fora dos conteúdos
programáticos da faculdade. Cabe ressaltar, ainda, a ocorrência de aulas sobre Neuroanatomia e a elaboração
de 9 postagens com temas essenciais acerca da Neuroimagem.
Na extensão, a LiNeu fez parte juntamente com as outras Ligas Acadêmicas da Faculdade de Ciências

443
Médicas (FCM-UERJ), da criação do Instagram “Comitê das Ligas UERJ”, onde pudemos contribuir de
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

maneira a disseminar informações científicas e com base em pesquisas, com o objetivo de atingir a população
em geral. Por esse motivo, um ponto importante foi a transformação da linguagem altamente científica
presente em artigos, em um texto fácil de ser lido e interpretado por leigos, tendo um papel fundamental no
ensino de uma maneira simples e prática as manifestações, cuidados, e as principais alterações neurológicas
causadas pela Covid-19. Esse comitê foi de fundamental importância, em um período em que o fluxo e a
produção e distribuição da informação ocorre quase que de maneira instantânea, e por diversos indivíduos,
especialistas ou não da área. Nesse sentido, o compartilhamento de informações por muitas vezes falaciosas,
sem embasamento teórico e científico, em redes sociais teve um grande aumento com a pandemia e o maior
uso delas. Assim, a criação de um Instagram, público, e que continham informações multidisciplinares, que
combatiam mitos e falsas informações foram importantes durante a pandemia. Ademais, fizemos parte de
outros projetos com o objetivo de conscientizar e informar a população, como o Doutores na Escola com o
projeto do Transtorno do Déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e com semanas de conscientização,
como a do Alzheimer, Acidente Vascular Encefálico, paralisias cerebrais dentre outras. As atividades, foram
além de posts informativos, com o objetivo de ampliar a comunicação e incitar o debate, atuamos fazendo
quizzes, mitos x verdades neurológicas e posts integrativos com outras especialidades médicas, como por
exemplo, a Liga Acadêmica de Psiquiatria da UERJ, Liga Acadêmica de Odontologia, visando ampliar
os conhecimentos e a interdisciplinaridade fundamental no cuidado integral do paciente. Outros projetos,
como “LiNeuFLIX”, em que recomendamos filmes que abordavam a neurologia, com uma crítica técnica,
incentivando que os seguidores assistirem aos filmes, e vissem de uma maneira lúdica a abordagem das
síndromes neurológicas e as suas manifestações clínicas, “Neurologia do Dia a Dia”, em que o foco é abordar
e reconhecer as principais síndromes neurológicas agudas e quando e onde buscar ajuda, foram realizadas.
Na pesquisa, atuamos buscando artigos e publicações para o Comitê das Ligas, para as publicações nas
redes sociais. Além disso, iniciamos o projeto “Cefaléias e Covid-19”, em que por meio de um questionário
on-line, pudemos abordar sobre a pandemia, o isolamento social e o aparecimento ou mudança de padrão
da cefaleia populacional, buscando dados sociais, demográficos, culturais, dentre outros. O questionário foi
realizado por meio do Google-Forms, em que eram questionados o início da cefaleia, seu padrão, manifestações
associadas, fatores desencadeantes, de melhora e piora, se o cenário do isolamento social foi deflagrador ou
alterou o padrão da cefaleia, e a interação entre isolamento social-pandemia-ansiedade. O projeto, ainda está
em andamento, na fase de análise dos dados, porém os resultados parciais encontrados foram apresentados
no "XXIX Congresso Brasileiro de Neurologia", com o trabalho “Prevalence of Headaches during the Covid-19
Pandemic in Brazil”5.
Acreditamos que o contexto pandêmico permitiu uma maior democratização do conhecimento científico
e da participação em Eventos Acadêmicos, mudanças que o contexto pós-pandemia deve buscar manter e
incentivar. Assim, congressos e palestras de outros estados que não o Rio de Janeiro, que antes demandava
grandes gastos com passagens, alimentação e hospedagem a poder ser acompanhados pelo meio digital,
estimulando a participação da liga tanto como congressistas como apresentadores de trabalhos. Como efeito,
a LiNeu participou do 58° Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM 2020) e do COBEM 2021
com a apresentação de 4 trabalhos, sendo eles: “Impacto da Liga Acadêmica de Neurologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro em um contexto de isolamento social”3, “Ensino continuado: o impacto das ações

444
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

da Liga Acadêmica de Neurologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na graduação em Medicina”


3
, “Consciência cidadã : a Educação Médica e a necessidade de informação como fonte de autoconhecimento
e libertação para os pacientes”6 e “Educação bancária e neuroanatomia: a influência de um ensino passivo na
formação médica”7
Além disso, a Liga de Neurologia teve participação na 85º Jornada da Faculdade de Ciências Médicas
da UERJ com a elaboração de dois 2 trabalhos, sendo eles: “O impacto da Liga Acadêmica de Neurologia na
saúde mental dos discentes em um contexto de isolamento social” e “Ensino continuado: atuação de uma liga
de neurologia como instrumento contra a neurofobia”4.
Houve também recodificações gerais na organização estrutural da LiNeu, assim, como as aulas passaram
a não demandar da infraestrutura de ambientes físicos e auditórios, deixou de ser necessário a delimitação do
número de participantes em cada evento. Com isso, no ano de 2021 a Liga percebeu que a presença de ligantes
não era compatível com o modelo digital de aulas, uma vez que virtualmente as aulas poderiam ser sempre
abertas para a comunidade acadêmica geral. Nesse mesmo contexto, as atividades práticas foram abolidas
visando a preservação da saúde dos alunos, dos profissionais da área de saúde e, sobretudo, dos pacientes,
primando pelo respeito às medidas de segurança. Dessa forma, do período entre Março de 2020 e Setembro
de 2021 a LiNeu paralisou as atividades práticas na enfermaria do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE), o que afastou os membros dessa experiência presencial enriquecedora.
O contexto pandêmico trouxe uma maior interação entre as ligas acadêmicas, seja com as internas da
UERJ seja com aquelas de outras universidades. Com isso, foi elaborado, por exemplo, um projeto sobre
TDAH com a Liga de Psiquiatria da UERJ (Lipsiq) e com o projeto de extensão Doutores na Escola. Dessa
forma, foram elaboradas postagens sobre “O que é TDAH”, “Possíveis sinais identificados em sala de aula”,
“tratamento multimodal” e “mitos e verdades”. Além disso, em conjunto com a Liga Acadêmica de Clínica
Médica (LaCliM) e com a Liga Acadêmica de Implantologia e Periodontia da UERJ (LADIP) foi elaborado
uma campanha de conscientização sobre Doença de Alzheimer, contando com vídeo com linguagem acessível
sobre o assunto para a população em geral. Cabe ressaltar, que o Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming
(CASAF) buscou e incentivou auxiliar e unir as Ligas Acadêmica da FCM de forma geral, assim, foi pago os
aplicativos Cisco Webex e Stream Yard, que possibilitaram que todos os projetos pudessem organizar aulas de
forma facilitada.
Além disso, fizemos parte do “VII Workshop Medicina UERJ”, promovido pelo CASAF. Nesse evento, o
objetivo é apresentar a Faculdade de Medicina da UERJ, a indivíduos que não fazem parte do curso. A LiNeu
participou da Oficina de Ligas, em que além de apresentar a liga, sua conformação, funções e atividades,
elaboramos uma atividade participativa com os ouvintes, “Verdades e Mitos da Neurologia”. Usamos
conhecimento populares sobre a neurologia e o objetivo era a interação dos ouvintes dizendo se aquilo era
mito ou verdade, como por exemplo, ‘ouvir música clássica aumenta a habilidade de raciocínios de crianças”,
“usamos apenas 10% do nosso cérebro”, “o desenvolvimento cerebral termina com a puberdade”, dentre outros.
Assim, pudemos quebrar alguns mitos e incitar a discussão entre os ouvintes e os apresentadores.
Em relação às ligas externas, a LiNeu participou do I Congresso Brasileiro Interligas de Neurologia,
Neurocirurgia e Neurociências (COBRAIN) como Congressista. Esse evento foi organizado por 24 ligas
de neurologias de diversos estados do país, o que permitiu um intercâmbio de informações - de Neurologia,

445
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Psiquiatria e conhecimentos gerais acadêmica, tal como o acesso à intercâmbios - e o contato com profissionais
de diversas regiões do Brasil. Foi oferecido também uma aula em parceria com a Liga de Neurologia e
Neurocirurgia da Faculdade Souza Marques (LANN) acerca da Covid-19 e suas implicações neurológicas.
Um ponto importante a ser destacado sobre as atividades on-line são acerca do acesso a internet. Segundo
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra
a Domicílios Contínua (PNAD), há um desigual acesso a internet e as redes sociais, cenário que ficou mais
evidente após a pandemia e o aumento das atividades síncronas e assíncronas on-line. Além da desigualdade
em relação ao acesso e disponibilidade a internet, a falta de meios para acessá-los como computadores ou
tablets, além de um ambiente adequado para o estudo é identificado2. Nesse sentido, apesar de todos os
esforços da LiNeu em produzir conteúdos para divulgação e propagação do conhecimento para a população,
nós sabemos que muitas vezes ele não chega a diversos indivíduos devido ao cenário do país. Com a
redução dos números de casos da Covid-19, o avanço da vacinação, a LiNeu, reiniciou algumas atividades
práticas, no meio do ano de 2021. Tivemos a oportunidade de participar juntamente com os residentes e
professores, das Sessões de Neurologia DeJong, realizadas semanalmente no anfiteatro do HUPE. Os alunos
participantes, foram aqueles da gestão da liga que se interessaram em participar, visto que o número de vagas
era restrito, devido a necessidade de distanciamento social no anfiteatro. Estas sessões têm como objetivo o
estudo e a revisão dos capítulos do livro “O Exame Neurológico”, DeJong, em cada dia um tema e capítulo
do livro são explorados, por meio de uma exposição teórica pelos residentes e depois um período de debates e
discussões. As aulas permitem a revisão do exame neurológico, maior contato com temas que são abordados
muitas vezes de maneira mais genérica durante a formação, além de debates pelos professores, que levantam
questões e experiências profissionais sobre o assunto. Outra atividade prática, que está em andamento, é o
acompanhamento na Enfermaria de Neurologia, em que os alunos podem acompanhar o dia a dia de uma
enfermaria, a anamnese e exame físico, assim como condutas e discussões dos casos.
Por fim, a pandemia trouxe a necessidade da liga se reinventar em todos os departamentos, promovendo
o desenvolvimento de diferentes competências. A organização das aulas, criação de links de inscrições,
formulários de presenças, contato remoto com os professores e colaboradores, assim como divulgação de
artes, estratégias de maior divulgação, e suporte técnico nos encontros, puderam gerar novas responsabilidades
pessoais e em grupo, um novo fluxo organizacional e a capacitação dos membros da gestão em atuar em
um período de tanta instabilidade e mudanças. Esse cenário promoveu um importante empoderamento dos
membros da gestão, criação de novas responsabilidades em um momento crítico mundial.

Considerações Finais

Ao longo de um período de grandes incertezas e de muitos medos, em virtude da pandemia da Covid-19,


o mundo precisou ressignificar o modo de realização das atividades, as tarefas cotidianas, por mais simples
que fossem, tiveram que ser adaptadas aos protocolos sanitários. Como parte de um todo, as universidades
também tiveram que se adaptar ao que a população passou a chamar de “novo normal'' com atividades
presenciais vetadas temporariamente. Assim, os projetos das ligas acadêmicas que estavam em andamento
tiveram que se adaptar às mudanças, enquanto os seus discentes acompanharam o grande fluxo de novas

446
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

informações, com o objetivo repassar o que era realmente relevante. Nesse espaço de caos, diante de um
patógeno novo, evidenciou-se a importância de pesquisadores, cientistas, médicos e estudantes da área da
saúde, pois ambos foram fundamentais na condução do cenário que se instalou em nosso meio, por meio de
conflito de informações.
De fato, o conhecimento científico, antes direcionado apenas aos profissionais da área, passou a ser
acompanhado de perto por leigos, em um interesse que, apesar de ser justificável, foi o estopim para muitas
discussões que levaram a população à desinformação. Debates acerca da origem do vírus, de sua forma de
disseminação, de contágio e de sua taxa de morbimortalidade estavam presentes em todos os veículos de
comunicação, trazendo um montante de informação que, muitas vezes, eram equivocadas. Assim, o papel
da Universidade, por meio de seus docentes e discentes, foi fundamental para auxiliar na divulgação do
conhecimento gratuito e de qualidade. Nesse âmbito, a LiNeu ofereceu a sua gestão, aos seus ligantes e a
população apenas o conhecimento científico baseado em evidências, com o intuito de auxiliar na formação de
profissionais mais qualificados e informar a população por meio de fontes seguras e de qualidade, haja vista
que, não basta ter o conhecimento é preciso que ele seja propagado. Mesmo com as dificuldades propostas
pela pandemia, a LiNeu foi capaz de dar continuidade aos seus projetos, mantendo o tripé pesquisa-ensino-
extensão com as reformulações necessárias à sua aplicação, sempre com o objetivo de promover a qualidade
das informações. Portanto, os projetos propostos pela liga foram adaptados ao público-alvo, visando sempre
o entendimento adequado do tema exposto, diminuindo a exposição do público a possíveis informações
conflitantes e duvidosas.
Assim, ao longo desses 19 meses, tivemos a oportunidade de ajudar na condução da pandemia, deixamos
de ser espectadores e passamos a ser protagonistas de nossas vidas, como se é esperado, mas também, tivemos
protagonismo na vida de outros indivíduos; ao continuar na busca por conhecimento, ao ofertá-lo de forma
adequada e ao nos mostrarmos sensíveis ao momento que vivemos. Como estudantes atuantes na área da
saúde, nós somos fundamentais para vencer essa pandemia, mas como seres humanos somos indispensáveis
para salvar as pessoas.
Concluímos, então, que a dinâmica na promoção do conhecimento mudou, mas não houve uma mudança
significativa dos personagens capazes de produzir e de disseminar corretamente as informações. Outrossim, o
contexto atual mostrou que o conhecimento científico é o único que fornece segurança para o enfrentamento
de novos desafios e que é ele que nos possibilita enxergar as soluções, sejam a curto, médio ou longo prazo.

Bibliografia

1. ABLAM. Estatuto da Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina. 2016.


2. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019. Disponível em: <http://www.ibge.gov.
br>. Acesso em: 2021
3. Schmidt FR, Oliveira ABG, Soares BC, Malta CP, Meohas D. ENSINO CONTINUADO: O IMPACTO
DAS AÇÕES DA LIGA ACADÊMICA DE NEUROLOGIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO NA GRADUAÇÃO EM MEDICINA. 58º Congresso Brasileiro de Educação

447
Médica, 2020. Anais do Congresso Brasileiro de Educação Médica, 2020. p. 215-215.
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

4. Costa, LFNP, Oliveira ABG, Soares BC, Malta CP, Meohas D, Madureira MAD, et al. ENSINO
CONTINUADO: ATUAÇÃO DE UMA LIGA ACADÊMICA DE NEUROLOGIA COMO
INSTRUMENTO CONTRA A NEUROFOBIA. Jornada Acadêmica da Faculdade de Ciências
Médicas, 2020. Anais da Jornada Acadêmica da Faculdade de Ciências Médicas-UERJ: JAFCM 85
anos. Rio de Janeiro: FCM UERJ, 2020. p. 82-82.
5. Goes CPQF, Costa LFNP, Soares BC, Oliveira ABG, Malta CP, Madureira MAD, et al. PREVALENCE
OF HEADACHES DURING THE COVID-19 PANDEMIC IN BRAZIL. 2021.
6. Schmidt FR, Oliveira ABG, Soares BC, Malta CP, Meohas D, Pinheiro LJF. CONSCIÊNCIA
CIDADÃ: EDUCAÇÃO MÉDICA E A NECESSIDADE DA INFORMAÇÃO COMO FONTE
DE AUTOCONHECIMENTO E LIBERTAÇÃO PARA OS PACIENTES. 59º Congresso
Brasileiro de Educação Médica.2021
7. Schmidt FR, Costa LFNP, Lemos GR, Soares BC, Meohas D, Castro MERV. EDUCAÇÃO
BANCÁRIA E NEUROANATOMIA: A INFLUÊNCIA DE UM ENSINO PASSIVO NA
FORMAÇÃO MÉDICA. 59º Congresso Brasileiro de Educação Médica, 2021.

448
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Impacto da pandemia por Covid-19 na Liga de


Trauma e Emergência da Faculdade de Ciências
Médicas: propostas para ensino, pesquisa e extensão
Alice Pereira Duque¹; Patrícia Simplício¹; Bruna Ilda Maria Joaquina do Nascimento¹; Carlos Henrique Ferreira

Ramos Filho¹; Gabriela Fernanda Furman¹; Luiza Silveira dos Santos¹; Natan Araújo Aragão; Ramom Guimarães

Akkam¹; William Frederic de Araujo Willmer²; Mario Fritsch Toros Neves³

¹Acadêmicos de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ; ²Médico Cirurgião Geral do Hospital Universitário

Pedro Ernesto HUPE UERJ; ³Médico Cardiologista. Professor Titular de Clínica Médica FCM UERJ. . Diretor da Faculdade

de Ciências Médicas (FCM/UERJ).

Descritores em português: Emergências; Ensino; Pesquisa; Covid-19

Descritores em inglês: Emergencies; Teaching; Research; Covid-19.

Introdução

Definida como uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional desde Janeiro de 2020 pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença pela Covid-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019) 1 é
responsável, até o presente momento, por aproximadamente 230 milhões de casos confirmados e 4,7 milhões
de óbitos no mundo.2 O perdurar dessa pandemia causada pelo Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SARS-CoV-2, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) gera prejuízos que
perpassam por diversas áreas, i.e., epidemiológica, social, econômica, ambiental, cultural e política, além de
impactar também sobre o ensino e a formação acadêmica3.
Nesse contexto permeado por instabilidades, as ligas acadêmicas que são, por definição, uma estratégia
suplementar de contribuição à formação acadêmica, assumiram um importante protagonismo no
desenvolvimento de conteúdo e aperfeiçoamento do ensino destinado à formação em saúde, disseminando
conhecimento aos discentes de Medicina e de diversas áreas da Saúde, assim como aos profissionais das equipes
de saúde e de demais âmbitos de atuação. Tais medidas supriram um déficit e anseio inicial de conteúdo e
aprendizado principalmente no início da pandemia, fase em que as aulas e demais atividades presenciais foram
interrompidas em virtude das normas de distanciamento social, e em que as plataformas e estratégias para
ensino remoto ainda não haviam sido disponibilizadas4, 5.
Dentre as ligas acadêmicas, a Liga de Trauma e Emergência (LTE) foi a primeira liga acadêmica da
Medicina a ser criada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Fundada em 2006, essa organização
estudantil sem fins lucrativos propicia, desde seu surgimento, a realização de palestras, cursos, workshops,
oficinas e treinamentos que são organizados por discentes de Medicina e por um docente orientador, e se
destinam a discentes de graduações da área da saúde, a profissionais de saúde e ao público em geral6. Portanto,
considerando seu importante papel social e educacional, o presente capítulo visa abordar como a LTE –

449
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

pioneira dentre a atuação das ligas acadêmicas no curso de Medicina da UERJ – exerceu suas atividades e
superou os impasses advindos com a pandemia por Covid-19, aprimorando habilidades de propagação de
conteúdo e consolidando o tripé sine qua non das ligas acadêmicas: ensino, pesquisa e extensão.

Relato

Ensino
Em virtude do surgimento da pandemia por Covid-19 e das normas de restrição social, tornou-se
necessária a adaptação do departamento de ensino da LTE para a modalidade de ensino remoto, visto a
impossibilidade de realização das atividades práticas. Dessa forma, com o objetivo de manter o propósito
da liga acadêmica como instrumento de complementação na graduação médica, diversos posts informativos
nas redes sociais e eventos em plataformas digitais foram realizados. Tais atividades possuíram enfoque em
proporcionar aos discentes um melhor aprendizado sobre as práticas e as condutas dos principais casos nas
emergências médicas, sobre as mudanças ocorridas nesse setor em decorrência da Covid-19 e sobre os novos
protocolos adotados para o tratamento dos pacientes. Conforme disposto na tabela 1, as atividades remotas
(e.g., palestras, cursos, discussões de caso clínico, simpósios e congressos) realizadas pelo departamento de
ensino da LTE durante a pandemia por Covid-19 iniciaram em abril de 2020 e permanecem ativas até o
presente momento.
A primeira atividade remota de ensino da LTE durante a pandemia foi a palestra “Abordagem inicial na
emergência e protocolos”, que direcionou o ensino para o foco na atuação médica no cenário de pandemia. O
evento foi primordial para a divulgação de informações relevantes sobre Covid-19, momento em que a doença
ainda era um assunto recente e circundado por indefinições. Ainda no mês de abril, foi realizada uma Live
na página da LTE na plataforma Instagram sobre a residência de medicina de emergência, com objetivo de
informar e sanar dúvidas dos discentes sobre essa área de especialização da medicina.

450
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

No mês de maio de 2020, foi realizado o curso de Medicina de Guerra que propiciou o debate e a
introdução sobre atendimento pré-hospitalar em situações de traumas associados à violência por arma de fogo
e por arma branca, em situações adversas. No mesmo mês, foram realizados dois Webinars em parceria com a
Liga Acadêmica de Anestesiologia e Dor, sobre os temas “Conversão dos Centros Cirúrgicos em Unidades
de Terapia Intensiva (UTI) no contexto da Covid-19” e “Desafios de manejo e monitorização de pacientes
com Covid-19 e acometimento multissistêmico". Tais palestras contemplaram o manejo intra-hospitalar dos
pacientes com Covid-19 e as dificuldades desse processo, devido à escassez de leitos na UTI e à carência de
infraestrutura adequada nos hospitais.
Em julho, ocorreu o Primeiro Simpósio Online de Emergências Domiciliares, no qual foram abordados
os temas de prevenção de acidentes com crianças, suporte básico de vida e obstrução de vias aéreas por corpo
estranho, casos de intoxicações na emergência e, por fim, violência doméstica. Todas essas questões foram
de suma relevância, principalmente em decorrência das normas de restrição e isolamento social, no qual o
número de vítimas aumentaram consideravelmente, tornando-se necessário o alerta sobre os riscos e a difusão
do conhecimento, a respeito de como prevenir e como agir nessas circunstâncias. Neste mês, também ocorreu
o I Curso de Anatomia e Radiologia Cirúrgica com a finalidade de explorar e propagar o saber acerca de
conteúdos importantes de anatomia, afecções cirúrgicas e radiologia, aspectos que são essenciais na formação
acadêmica. Esta iniciativa foi realizada em parceria com a Liga Acadêmica de Cirurgia do Trauma do Centro
Universitário Cesmac, localizada no município de Maceió (Alagoas, Brasil).
Em agosto, a LTE participou do Congresso Brasileiro de Interligas de Medicina de Emergência, que
abordou diversos assuntos importantes para a prática médica como parada cardiorrespiratória, suporte
hemodinâmico no choque cardiogênico, sequência rápida de intubação orotraqueal, avaliação inicial do trauma
e decisões éticas nas emergências. A atuação da liga agregou conhecimento tanto para os espectadores, quanto
para os membros da gestão que tiveram a oportunidade de produzir conteúdo científico para este congresso e
também estar em contato com outras ligas do país. Ademais, em parceria com a Liga de Medicina Intensiva
e Emergência da Universidade de Vassouras, localizada no município de Vassouras (Rio de Janeiro, Brasil),

451
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

foi exibido uma mesa redonda, sobre a residência em medicina de emergências médicas, com o objetivo de
debater o cotidiano e os desafios da profissão.
Por fim, em setembro, foi realizado o I curso de Trauma da LTE com duração de 5 dias, no qual foram
abordados grandes temas de emergência médica, como suporte pré-hospitalar e suporte avançado de vida no
trauma, além de aulas sobre manejo do trauma separadas por sistemas.
No ano de 2021, devido à continuidade da pandemia e com o objetivo de dar segmento à contribuição no
ensino acadêmico, a LTE prosseguiu com as atividades em formato remoto. Dessa forma, o primeiro evento
elaborado pelo departamento de Ensino ocorreu no dia 22 de abril, no qual foi abordado o tema “Queimaduras”.
A escolha desta temática teve como objetivo explicar a fisiopatologia básica da lesão, demonstrar a conduta
inicial e os principais procedimentos para o tratamento de queimaduras no setor de emergência.
Em junho de 2021, foi apresentada uma aula sobre “Raciocínio clínico e mindset na emergência”,
que teve como finalidade explicar a diferença do raciocínio clínico na abordagem emergencial, diante das
complexidades dos casos e das adversidades na logística do departamento. Posteriormente, sucedendo essa
aula, os principais diagnósticos diferenciais de abdome agudo foram apresentados ainda no mês de julho.
Acidentes com queimaduras e abdome agudo são condições muito frequentes nas emergências, desse modo,
as aulas ofertadas aos estudantes foram relevantes para exemplificar a conduta inicial, em cada situação, e
aprimorar o conhecimento para a abordagem e tratamento precoces do paciente. Aspectos esses que foram
reforçados pela palestra “Raciocínio clínico e mindset na emergência”.
No mês de agosto, a palestra “Como é ser emergencista?” foi delineada com o objetivo de promover
uma conversa entre os estudantes de medicina e os especialistas da área, esclarecendo sobre a Residência em
Medicina de Emergência, o mercado de trabalho e as perspectivas na área. Posteriormente, entre os dias 16
de agosto e 16 de setembro de 2021, discussões de caso clínico foram conduzidas pelos membros da gestão da
LTE com a participação do orientador da liga, Dr. William Willmer. Esse evento foi idealizado por discentes
da gestão e possuiu o intuito de debater casos clínicos, associando hipóteses de diagnóstico sindrômico,
diagnóstico etiológico e opções de tratamento. Essa atividade, que tem sido um projeto vigente da liga, foi
elaborada com a finalidade de proporcionar um aprendizado mais dinâmico para os estudantes de medicina e
é realizada periodicamente com colaboração de um integrante da gestão da LTE para ministrar cada discussão
de caso clínico, consolidando, ativamente, o aprendizado do aluno responsável pela apresentação e estimulando
o ensino para todos os demais participantes.

Extensão
Em uma breve síntese, o departamento de extensão da LTE integra o ensino e aplica-o com didática
simples para difundir o conhecimento ao público leigo, propiciando o ensino de parte do que é desenvolvido
pela liga acadêmica à sociedade local. Dentro desse segmento, diversas atividades eram desenvolvidas visando
a devida difusão de saberes para aplicação prática da população e, por tratar-se de uma liga de trauma e
emergência, cabe à gestão discente a idealização de projetos, workshops, simpósios e eventos pontuais ou
contínuos que supram essa demanda que define o mais importante papel que as ligas acadêmicas herdam
como grupo.

452
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Anteriormente à pandemia por Covid-19, quando as atividades presenciais podiam ocorrer sem
restrições, muitas atividades eram realizadas com propósito de difundir conhecimento, nas quais primava-se
pela capacitação dos integrantes da liga para servirem de instrutores nesses eventos pontuais rotineiros. O
principal projeto do departamento de extensão, planejado e replicado anualmente, era realizado no evento
“UERJ Sem Muros” por meio de uma oficina de emergências médicas domiciliares visando o ensino sobre
manejo de situações-problema recorrentes no ambiente residencial; englobava-se, portanto, protocolos para
manejo de obstrução das vias aéreas por corpo estranho (OVACE) e reanimação cardiorrespiratória (RCP)
tanto adulto quanto infantil. Esses protocolos foram selecionados, em virtude de sua alta aplicabilidade na
sociedade em geral e por possuírem manejo que pode ser instruído, treinado e executado de forma prática em
um curto espaço de tempo, além de observado pelos monitores integrantes da gestão e corrigidos de acordo
com possíveis erros e dúvidas que viessem a surgir dos participantes da oficina.
Além da participação no evento “UERJ Sem Muros”, os projetos característicos do departamento de
extensão da LTE eram as oficinas de RCP e OVACE, as quais variavam em dinâmicas e localidades por
constituírem atividades abertas ao público e realizadas em localidades de grande circulação de pessoas, como
a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Parque Madureira e o próprio espaço da UERJ e do Centro Acadêmico
Sir Alexander Fleming (CASAF), conforme representado pela figura 1. Além disso, também ocorriam nos
workshops do Curso de Medicina da UERJ e nas Feiras de Ligas Acadêmicas da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM), quando não havia restrição das atividades presenciais (antes de 2020). Estes dois últimos
eventos mencionados eram de realização anual e também participavam outras ligas vinculadas à FCM.
Nesses eventos, destacavam-se o aperfeiçoamento e a prática de RCP eficiente, utilizando manequins
de simulação próprios da liga, os quais informam a qualidade das compressões nas manobras de reanimação
com sinais luminosos incorporados ao dorso do corpo do manequim. Os workshops focavam no ensino aos
futuros discentes que ainda estavam cursando o pré-vestibular e tinham interesse pela área de saúde, ao passo
que as Feiras de Ligas detinham horário reservado para apresentação e atividades com os discentes recém
matriculados no curso. Logo, ambos tinham por objetivo comum renovar o interesse - do corpo discente
e demais interessados na área - pela estruturação e manutenção das ligas acadêmicas como uma forma
complementar do ensino na saúde, além de ressaltar a determinação e resistência em prol da instituição UERJ.

453
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Figura 1. Oficinas para treinamento de reanimação cardiorrespiratória (RCP) e manejo de obstrução de vias aéreas por

corpo estranho (OVACE) realizadas como atividades de extensão da Liga de Trauma e Emergência (LTE/UERJ) no

período anterior à pandemia por Covid-19. Fonte: Própria.

Entretanto, com o estabelecimento das normas de restrição social em decorrência da pandemia por
Covid-19, todas as atividades presenciais foram suspensas, fazendo com que uma restruturação integral
programática da liga fosse adotada para abarcar os critérios e protocolos de isolamento social. A adaptação
das atividades ao contexto atual contou com uma maior interação dos integrantes da gestão com ferramentas e
plataformas de informáticas, com o intuito de alcançar o maior público possível e se manter ativo, não somente
na comunidade acadêmica, mas também na sociedade. Dessa forma, foram estabelecidas monitorias à distância
que transcorriam pelos mesmos temas – anteriormente ensinados nos eventos presenciais – de forma adaptada
com as plataformas digitais, fomentando a continuidade da abordagem de ensino como a proposta vigente da
liga desde a sua formação. Dentro desse espectro, surgiram projetos como o Comitê de Ligas em 2020 que,
semelhante à Feira de Ligas, focalizava o aprendizado multifatorial emergente dentro do novo contexto da
pandemia de Covid-19 que se apresentava. Imaginou-se, portanto, que o índice de emergências domiciliares
crescesse proporcionalmente ao tempo de permanência intradomiciliar, o qual aumentou consideravelmente
devido à grande transferência dos empregos para o regime de trabalho “home-office”. Consequentemente,
a LTE não poderia deixar de contribuir, na qualidade de difusora de conhecimento, divulgando diversos

454
posts informativos no Instagram com o objetivo de instruir as famílias em suas moradias acerca de assuntos
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

como: confecção e uso de máscaras caseiras, medidas preventivas contra Covid-19, identificação precisa de
sintomas, automedicação e seus impactos na saúde, além de medidas básicas de cuidados domésticos para
evitar emergências/traumas domiciliares nos diversos cômodos da casa e contaminação. Essas orientações
foram necessárias para contribuir com a redução da procura por centros de emergência, minimizando o risco
de infecção por SARS-CoV-2 (posts informativos disponíveis tanto na página do comitê: @comitedeligasuerj
quanto na página da LTE: @lteuerj). Embora as condições desfavoráveis deste período tenham trazido
desafios, ainda foi possível realizar uma série de atividades que trouxeram resultados positivos para a difusão
do conhecimento entre a população. Por meio das medidas realizadas, o objetivo da Extensão foi alcançado,
ainda que remotamente e não presencialmente.

Pesquisa
A produção de conteúdo científico permite aperfeiçoamento acadêmico e profissional, procurando suprir
as lacunas do conhecimento. No entanto, em um contexto de incertezas, como o vivenciado pela pandemia
de Covid-19, notou-se que um dos impactos da disseminação de notícias falsas nas redes sociais foi a
desinformação. Desse modo, as instituições de ensino superior têm como responsabilidade social investir
tanto na capacitação como na produção científica, como forma de combater esse retrocesso, tornando-se a
principal referência na publicação de conteúdo fidedigno e confiável7.
Com o intuito de atender às necessidades e demandas relacionadas à pandemia da Covid-19, o Hospital
Universitário Pedro Ernesto e a Policlínica Piquet Carneiro promoveram atividades de voluntariado entre
os alunos do curso de Medicina da UERJ, de modo a inseri-los nos serviços e atendimentos à comunidade
(Figura 2). Dentre os participantes, sete integrantes da LTE foram incluídos nesse projeto, que teve um tempo
de duração de cinco meses. Desse modo, como forma de divulgar essa vivência, o departamento de pesquisa
da LTE organizou um questionário para que os alunos pudessem descrever as atividades e procedimentos
realizados, bem como o conhecimento adquirido durante esse período. A partir das reflexões individuais de
cada participante, foi elaborado, de forma coletiva, um relato de experiência8 que retratasse as contribuições
do aprendizado na formação acadêmica, a partir da assistência aos serviços de saúde.
Ainda nesse contexto de pandemia e com a paralisação das atividades presenciais, a LTE integrou, em
conjunto com membros de outras 14 ligas, a organização de uma campanha de mídia voltada para a divulgação
de informações e conteúdo confiável para a população sobre a Covid-19. Uma análise da abrangência e do
alcance das mesmas foi realizada a partir das postagens publicadas no Instagram da LTE. A motivação para a
elaboração desse trabalho9 foi combater a predominância de informações falsas (fakenews) e reduzir a carência
de mensagens confiáveis, através da divulgação de conteúdo científico, por meio das redes sociais. Ademais,
principalmente com as normas de distanciamento social, foi possível estabelecer novas formas de interação a
partir de tais ferramentas, utilizando-as como veículo de informação correta, educação e promoção em saúde.

455
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Figura 2. Inserção dos integrantes da Liga de Trauma e Emergência (LTE/UERJ) durante atividades de voluntariado

para atendimento à comunidade. Fonte: Policlínica Piquet Carneiro (PPC/UERJ).

Nesse sentido, optou-se pelo desenvolvimento de eventos online, como forma de suprir a impossibilidade
de organizá-los presencialmente. No entanto, em oposição ao período de instabilidades, o simpósio da liga,
realizado anualmente e que foi adaptado para o formato totalmente virtual, trouxe inúmeros resultados
positivos10. Dentre estes, destaca-se a maior flexibilização de acesso às palestras, um público mais diversificado,
mais numeroso e de várias localidades do país, incluindo leigos e profissionais de diversas áreas de atuação.
Comparativamente, o simpósio virtual obteve uma média diária de 507 participantes do total de 815 inscritos,
bem superior ao evento presencial, que contou com um público em torno de 104 pessoas. Além disso, com
a disponibilização das palestras na plataforma YouTube, 3050 visualizações foram computadas até a primeira
quinzena de outubro de 2021. Tal alcance demonstra a capacidade dos eventos virtuais de atingir um grande
público, não somente pela transmissão de conteúdo de forma síncrona, mas, principalmente, a partir da
disponibilização em diferentes plataformas, potencializando a sua reutilização em diversos contextos de
aprendizado, seja acadêmico ou privado11.
Por fim, o departamento de pesquisa da LTE, ao final do ano de 2020, elaborou um relato de experiência
sobre todas as atividades realizadas nesse período para divulgação no evento promovido pela FCM da UERJ
– Jornada Acadêmica FCM 85 anos12, tendo como destaque o tripé ensino, pesquisa e extensão. Este trabalho
trouxe novas percepções sobre o ensino remoto, principalmente, pela possibilidade de adaptação dos estudantes
e flexibilização das atividades promovidas em redes e mídias sociais. Portanto, a inserção de tecnologias de
comunicação e informação permitiu o estabelecimento de novos canais de interação e educação em saúde com
a sociedade, de modo a superar os impasses gerados pela pandemia.

Considerações Finais

O perdurar da pandemia por Covid-19 permanece acarretando danos a diferentes aspectos e campos da
sociedade, incluindo perdas pessoais e prejuízos psíquicos, mas também no ensino e formação universitária dos
futuros profissionais de saúde. Nessa situação, as ligas acadêmicas se adaptaram à demanda por conhecimento

456
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

e aprendizado por parte dos alunos de Medicina da UERJ e do público geral, preservando o exercício de sua
função, a despeito da impossibilidade da realização de sua agenda presencial.
Com isso, a LTE venceu as barreiras impostas pelo distanciamento social e adaptou suas atividades nas
linhas fundamentais de ensino, pesquisa e extensão, tendo utilizado a internet de forma favorável como meio
de propagar informação adequada e cumprir com seu propósito como difusor de conhecimento. Diversas
atividades foram efetuadas no período de abril de 2020 a setembro de 2021, através de plataformas online,
permitindo a interação entre a liga e os participantes, além de maior engajamento por ambas as partes. Dessa
forma, mesmo em um período de crise do ensino em saúde, a LTE foi capaz de se reinventar e se apropriar da
tecnologia para cumprir seu papel indispensável como liga acadêmica.

Bibliografia

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457
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

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da Associação Brasileira de Educação Médica – Brasília: ABEM, 2020. Disponível em: <https://abem-
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www.fcm.uerj.br/wp-content/uploads/2021/05/2021-05-27-puclicacoes-anais_jafcm85.pdf>.

458
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Liga de Educação em Saúde e mídias sociais como


ferramentas para promoção da saúde na pandemia

Bruna Silva Leite1; Nívea Caroline de Mello Frutuoso2; Leticia Lima1; Larissa Martins3; Rayssa de Fontes Alves4;

Larissa Castro5; Rachel Silva4; Mônica Karolyna4; Katia Regina Xavier da Silva6; Thaís Porto Amadeu7

Alunas de graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ e Membro da Liga de Educação em Saúde
1

LiES FCM UERJ; 2Alunas de graduação do Instituto de Educação Física e e Membro da Liga de Educação em Saúde LiES

FCM UERJ; 3Aluna de graduação da Faculdade de Enfermagem e Membro da Liga de Educação em Saúde LiES FCM

UERJ; 4Alunas de graduação do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes e e Membro da Liga de Educação em Saúde

LiES FCM UERJ; 5Alunas de graduação da Faculdade de Odontologia e Membro da Liga de Educação em Saúde LiES FCM

UERJ; 6Docente do Colégio Pedro II campus Engenho Novo. Coordenadora do Laboratório de Criatividade, Inclusão e Inovação

Pedagógica (LACIIPED) do CPII. Vice Coordenadora da Liga de Educação em Saúde (LiES), FCM, Universidade do Estado

do Rio de Janeiro; 7Docente da Disciplina de Patologia Geral da FCM. Coordenadora da Liga de Educação em Saúde (LiES) e

do Ligados na Escola FCM UERJ

Descritores em português: Aprendizagem; Educação em saúde; Formação profissional; Promoção da saúde; Promoção da saúde

em ambiente escolar.

Descritores em inglês: Learning; Health education; Professional training; Health promotion; School health services.

Introdução

De acordo a definição do Ministério da Saúde, Educação em Saúde é um conjunto de práticas do setor que
contribui para aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e os gestores a fim
de alcançar uma atenção de saúde de acordo com suas necessidades.1 O desenvolvimento da perspectiva sobre saúde,
ao longo da sociedade, viabilizou a inovação de estratégias de atuação provenientes do ato de educar. Diante disso, a
educação em saúde apresenta cunho coletivo ao passo que promove uma construção e correlação entre o aprendizado
do profissional, concomitantemente ao do aluno. Assim, as inúmeras experiências são analisadas de modo a obter
questionamentos vinculados à finalidade de transformação social, no que tange o aspecto saúde e seus determinantes,
a partir de práticas de educação em saúde eficientes para as carências conforme as realidades do país.2
Sendo assim, a Educação em Saúde não é apenas um processo psicopedagógico, mas um pensar crítico
e reflexivo que tem como foco o indivíduo, as pessoas que o cercam e o meio ambiente no qual está inserido.
Nesse sentido, a produção e a sistematização do conhecimento contribuem para a formação profissional que
irá permear de maneira integrativa, humanizada, pleiteando as principais demandas sociais.
A qualificação e a formação do profissional da área de saúde devem ser compreendidas em um ambiente
de: conhecimentos técnicos, construção de saberes, habilidades e valores que contribuem para a sua atuação
profissional. A participação frequente em atividades extensionistas aprimora a autonomia intelectual e pode

459
colaborar para o desenvolvimento de processos autorregulatótios. Com isso, a Liga de Educação em Saúde
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

(LiES) vem incentivando alunos dos variados cursos das áreas de saúde e educação a se portar como agentes
multiplicadores de ações de educação em saúde.
Em meados de março de 2020 fomos devastados, assolados pela pandemia de Covid-19. Tivemos que nos
isolar do nosso trabalho, dos nossos familiares e de amigos queridos. Fomos bombardeados com notícias, Fake News
e muitas inseguranças. Isso tudo nos fez repensar nossos velhos hábitos de vida, de trabalho e em alguns casos nos fez
mudar hábitos e comportamentos de saúde, o que nos tirou totalmente da “zona de conforto”. Ainda mais porque
nos deu a sensação constante de incertezas. Como será depois que tudo isso acabar? Será que vai acabar? O que
vamos fazer? Como vai ser e como ficar a Educação? Como vão ficar os projetos científicos, o ensino e os projetos
de cunho extencionista? Mas, apesar desses grandes desafios, sabemos que estamos juntos, e que construímos novos
olhares, refletindo e ao mesmo tempo criando e superando os diversos limites impostos nesse período.
A educação é, sem dúvida, um dos principais pilares para a formação de um indivíduo. Isso se tornou cada
vez mais evidenciado no cenário da pandemia e exigiram grandes mudanças, sobretudo, inovação e adequação ao
novo cenário. Com a Liga de Educação em Saúde, um projeto de extensão desenvolvido na Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da UERJ, esse processo não foi diferente. Ela imergiu na tecnologia para levar informações de
qualidade aos diversos segmentos sociais, divulgando conhecimento pelas mídias sociais num período quando a
ciência foi colocada em uma grande “prova de fogo”, enquanto a desinformação se propagava de maneira fugaz.
Este capítulo tem como objetivo relatar a experiência da Liga de Educação em saúde durante a pandemia com
abordagem de temas relacionados à Educação em Saúde pelas mídias sociais, no desenvolvimento do II Seminário
Desafios em Educação em Saúde: das incertezas no contexto da pandemia e na organização/desenvolvimento do evento
Ligados na escola: diálogos sobre o autocuidado consciente e reflexivo na transpandemia, no cenário digital.

Relato

O capítulo consiste em um relato de experiência dos integrantes da Liga de Educação em Saúde


(LiES) sobre as ações desenvolvidas pela liga durante a pandemia de Covid-19, na Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O período deste relato de experiência
ocorreu entre março de 2020 a outubro de 2021.
A LiES teve a sua fundação instituída em janeiro de 2019, provinda inicialmente do grupo de pesquisa em
Doenças Crônicas Degenerativas da FCM UERJ, e a partir de 2021 passou a fazer parte integrante do grupo de
pesquisa em Educação em Saúde da FCM UERJ. A LiES é na verdade um grupo interdisciplinar composto por
professores, pós-graduandos e graduandos de várias áreas da saúde/educação, tais como: Medicina, Biologia, Educação
Física, Enfermagem e Odontologia.
As ações realizadas pela LiES têm como referencial teórico a Teoria Social Cognitiva (TSC), do
psicólogo canadense Albert Bandura. Segundo esta teoria, o indivíduo, mediado pelos processos de interação
social, tem possibilidade de se constituir agente e intervir no ambiente.3 A conquista da saúde depende do
desenvolvimento da capacidade dos sujeitos para regular os próprios comportamentos e persistir na busca
por hábitos compatíveis com uma vida saudável. 3 A proposta da LiES é oportunizar aos participantes ações
de estudo e aprofundamento da temática Educação em Saúde, voltadas para o contexto da Educação Básica,

460
assim como: a) Estudar a TSC; b) Planejar, implementar e avaliar intervenções pedagógicas, incluindo a
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

produção de materiais didáticos (fotonovelas, vídeos, animações, jogos, por exemplo) e oficinas; c) Monitorar
e avaliar o processo de formação de profissionais da saúde para atuar com Educação em Saúde no contexto
escolar e não escolar. Entende-se que a parceria escolas-profissionais de saúde pode incentivar reflexões e
interesse por temas relacionados à saúde, a fim de que leve a compreensão e o aprimoramento, bem como a
instrumentalização da comunidade escolar para intervir sobre os condicionantes do processo saúde/doença.
Em março do ano passado nos deparamos com pandemia e devido às restrições sanitárias decorrentes,
muitas ações extensionistas precisaram ser canceladas e adiadas. Com a inserção de tecnologias e os meios
digitais disponíveis na sociedade, foi possível aumentar exponencialmente o compartilhamento de informações.
(4)
Dessa forma, diante do distanciamento e isolamento social, a utilização das mídias sociais mostrou-se de
extrema importância para a difusão em maior alcance sobre a temática Educação em Saúde.
Desde então, a equipe da LiES passou a produzir postagens, pela plataforma Instagram, sobre temas que
tivessem relação com o que vivenciávamos naquele momento. As postagens nas mídias sociais vêm sendo
realizadas para abordagem, por exemplo, dos seguintes temas: i) A eficácia coletiva do uso de máscaras; ii)
Higienização das mãos; iii) Importância da adoção de hábitos saudáveis durante a quarentena; iv) prevenção
e combate à Covid-19; v) Cuidados com a saúde mental, vi) saúde do idoso, entre outras (Figura 1). Ainda
nessa mesma rede social, foram realizadas lives sobre temas sobre saúde e qualidade de vida, com participação
de convidados especialistas. A interatividade com o público é realizada por meio de perguntas e comentários
enviados pelo chat da transmissão ao vivo ou por meio de comentários das postagens realizadas. Desde o
início da pandemia até o presente momento foram publicadas mais de 15 postagens relacionadas à pandemia.
Atualmente o perfil da LiES no Instagram apesenta um total de 783 seguidores e vem crescendo a cada dia.

461
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Figura 1: Imagens representativas de algumas das postagens produzidas pela Liga de Educação em Saúde (LiES) na

plataforma Instagram durante a pandemia. Abordagem de temas, tais como: Fatores socioestruturais, eficácia coletiva e

Covid-19; Imunidade e Covid-19; Fake News na pandemia e o desengajamento moral; Ações da UERJ na pandemia,

foram produzidas. Fonte: https://www.instagram.com/lies.uerj/

Nesse período tivemos a oportunidade de realizar algumas parcerias que culminaram na produção de
materiais didáticos/educacionais que estão disponíveis pelo canal da LiES na plataforma Youtube. Uma
dessas parcerias foi o desenvolvimento do projeto “Academia Carioca Movimente Ação: uma ação de todos
pela promoção da saúde”, em colaboração com a Academia Carioca da Prefeitura do Rio de Janeiro, seguindo
a ideia de informar e conscientizar a população sobre o autocuidado e a saúde, além de levar a reflexão
crítica sobre a importância dos profissionais de saúde na promoção do bem-estar e da qualidade de vida.
A outra parceria foi realizada com a equipe do projeto “Odontologia Médica da UERJ” com o objetivo de
conscientizar à população sobre a importância da higiene bucal e os cuidados com os dentes e o desperdício
de água durante o processo de escovação. Para isso, as duas equipes se uniram para criar vídeos educativos no
formato de desenho animado (Figura 2).

Figura 2: Imagens representativas dos vídeos educativos criados pela Liga de Educação em Saúde (LiES) com o projeto

Odontologia Médica da UERJ. No total foram produzidos cinco vídeos educativos. A partir do tema selecionado e

público alvo delimitado, os alunos criaram personagens e uma história para contextualizar o tema (de acordo com o

público alvo a ser alcançado). Depois de revisados, os roteiros foram então transformados em animações por meio

de aplicativos digitais e as gravações dos áudios foram acrescentadas às produções. Fonte: https://www.youtube.com/

channel/UC3KbW9sVKXmauhESJwKp5Yg/videos

Como no segundo semestre de 2020 ainda nos encontrávamos na situação de distanciamento e isolamento

462
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

social devido à pandemia, a LiES percebeu que teríamos que realizar o evento II Seminário Desafios em Educação
em Saúde: das incertezas no contexto da pandemia de maneira totalmente digital. Esse evento contou com a
participação de outras ligas, acadêmicas, projetos de extensão e a participação de professores especialistas da
UERJ e de outras instituições de ensino superior, das áreas da saúde e educação para abordar os principais
aspectos sobre a educação em saúde no contexto de pandemia. Foi possível então refletir e discutir um pouco
sobre os principais desafios enfrentados e como a educação em saúde poderia contribuir nessas questões.
Em meio a tantas adaptações, a equipe da LiES se motivou a traçar novas estratégias para dar continuidade
aos projetos que até então eram presenciais, como por exemplo, o projeto de extensão Ligados na Escola. O objetivo
desse projeto é desenvolver ações voltadas para a atenção primária e a promoção da saúde em escolas públicas
de Educação Básica, no Estado do Rio de Janeiro. O Ligados na Escola é um projeto de extensão desenvolvido
oficialmente desde 2015. Com ele, os alunos são participantes do planejamento, da execução e da avaliação de
oficinas sobre temas de saúde, fundamentadas na TSC (estratégias de autorregulação e fontes de autoeficácia
para os comportamentos de saúde), que são oferecidas aos alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro.

Figura 3: Imagens representativas do II Seminário Desafios em Educação em Saúde: das incertezas no contexto da

pandemia, realizado no dia 28 de novembro de 2020 (turnos manhã e tarde), transmitido ao vivo pelo canal da Liga de

Educação em Saúde (LiES) no Youtube. A - Imagem de um dos slides de apresentação no evento. B – Participação de

Professores da UERJ e de outras instituições de ensino superior convidados para debater sobre questões relacionadas à

educação em saúde e seus desafios durante a pandemia. C – Participação de alunos dos cursos de Medicina, Biologia,

Educação Física e representantes de Ligas Acadêmicas e outros projetos de extensão, para debater sobre os principais

desafios e ações práticas em educação em saúde durante a pandemia. Fonte: https://www.youtube.com/channel/

UC3KbW9sVKXmauhESJwKp5Yg/videos

463
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

A atividade precisou então se adaptar ao modelo virtual. Optou-se, portanto, pela organização da atividade
como oficinas transmitidas ao vivo pelo canal da liga na plataforma Youtube. A organização desta atividade
levou um tempo para ser colocada em prática devido às incertezas sobre o retorno das atividades presenciais.
Como em 2021, a situação não havia mudado, logo tivemos que realmente adaptar o evento. Ele foi todo
organizado e apresentado por graduandos dos cursos de medicina, odontologia, educação física e ciências
biológicas da UERJ, no mês de maio de 2021. Três oficinas foram planejadas e tiveram como abordagem
os seguintes temas: i) “Fast Food e seu impacto na saúde bucal”; ii) “Descarte das máscaras faciais durante a
pandemia - implicações e impacto ambiental”; e iii) “Saúde mental e atividade física, implicações na qualidade
de vida e bem-estar” (Figura 4). A atividade ocorreu num sábado no turno da manhã, com duração total de 1
hora e 30 minutos, visando a possível dificuldade de acesso à internet pelos alunos do colégio Pedro II - campus
Tijuca. A interação com o público-alvo (alunos do ensino fundamental e ensino médio) foi estabelecida pelos
comentários pelo chat. Ao final das oficinas foi realizada uma dinâmica de relaxamento com uma profissional
de educação física e com dois professores de Educação Física do colégio.

Figura 4: Imagens representativas do evento virtual Ligados na escola: diálogos sobre o autocuidado consciente e reflexivo na

transpandemia, realizado em maio de 2021, pela Liga de Educação em Saúde (LiES), ao vivo pelo canal do Youtube,

para alunos do ensino fundamental e médio do Colégio Pedro II campus Tijuca. Foram realizadas três oficinas com

abordagem nas áreas: a) Odontologia com o tema “Aumento no consumo de fast food e alimentos ultraprocessados

durante a pandemia”; b) Biologia com o tema “Descarte adequado de máscaras”; 3) Medicina e Educação Física com

o tema “Saúde mental em tempos de pandemia: ansiedade e a prática de atividade física”. Fonte: https://www.youtube.

com/channel/UC3KbW9sVKXmauhESJwKp5Yg/videos

Reflexão sobre a Experiência


Com a pandemia diversos setores da sociedade passaram por mudanças. Com a educação não foi
diferente, visto que, as atividades presenciais tiveram que se adequar rapidamente ao contexto digital. Desta
forma foi possível conciliar o ensino e a extensão para uma maior reflexão sobre o assunto, projetando uma

464
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

consciência livre e crítica sobre a saúde, meio ambiente e o autocuidado.


Durante esse momento de tantas incertezas, criamos oportunidades a partir das dificuldades. Não
podíamos estar próximos das pessoas, mas tínhamos as ferramentas digitais que poderiam contribuir para nos
aproximarmos daqueles que estavam distantes, além de permitir com o desenvolvimento de nossas atividades,
e estas, por sua vez, precisavam passar por algumas mudanças. Não tem sido um caminho fácil e hoje estamos
muito aquém do ideal. Em meio a tantas dúvidas e questionamentos, os alunos integrantes da LiES buscaram
aprender essas novas ferramentas tecnológicas e “mergulharam” a fundo na inovação e criatividade.
Nesse período, no qual investimos tempo com as mídias sociais, com a produção de materiais educativos e
eventos on-line, nossos alunos destacaram como pontos positivos: a) a promoção de novas parcerias acadêmicas,
b) maior divulgação da liga e suas atividades; c) maior reflexão e divulgação do referencial teórico que a LiES
tem como base, ou seja, a TSC; e d) a adesão de novos alunos à equipe. No entanto, ressaltaram como pontos
negativos: a) o desafio para melhor adequação dos conteúdos à linguagem do público; b) a necessidade de uma
maior interatividade com os leitores do perfil no instagram, nas lives e nos eventos on-line; e c) o período curto
de tempo para adequação e para o aprendizado do uso das plataformas digitais.
Em relação aos eventos II Seminários Desafios em Educação em Saúde on-line e o Ligados na Escola virtual,
a equipe da LiES não apresentou dificuldades na organização e implementação dos eventos, mas apontaram
algumas vantagens e desvantagens. Eles destacaram a facilidade de organizar e apresentar as oficinas da
sua própria residência, sem ter que se deslocar para o local, o que geraria muitas vezes transtornos, maior
tempo de deslocamento e mais gastos financeiros com deslocamentos, por exemplo. Como principais desafios,
os graduandos integrantes da LiES ressaltaram as dificuldades de acesso e conexão à internet. Além disso,
destacaram a dificuldade na interatividade com o público, já que no evento presencial é possível o contato
e maior interação com os participantes e, com isso, podiam-se perceber suas principais reações. Na reunião
posterior aos eventos anteriormente mencionados, um dos tópicos abordados repetidamente foi o poder
transformador na formação profissional de cada ligante nessas atividades.

Considerações Finais

O objetivo deste capítulo foi relatar a experiência da Liga de Educação em Saúde (LiES) durante a
pandemia de Covid-19. A LiES tem como proposta desenvolver a integração entre Saúde e Educação pela
promoção de estratégias de ensino e do uso de materiais didáticos e o uso das mídias sociais que potencializem
as crenças de autoeficácia e a autorregulação dos comportamentos de saúde, relacionada, de maneira direta,
ao controle, planejamento e autoavaliação de pensamentos, sentimentos e comportamentos orientados para
a consecução de metas voltadas para a promoção da saúde e qualidade de vida. A LiES, principalmente por
meio do projeto Ligados na Escola, procura mudanças na compreensão da concepção de conhecimento,
abandonando a visão conteudista da escola e, efetivamente, da formação de um cidadão autônomo, crítico e
reflexivo.
O “novo” cenário nos deu a oportunidade de criar novas ideias e alternativas para nos adaptar a essa “nova”
realidade. Com isso nos permitiu: 1) inovar, utilizando plataformas digitais e sociais; 2) elaborar formas de

465
divulgação de informações sérias, sólidas e acessíveis à sociedade; e 3) criar meios para a conscientização da
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

nossa sociedade a fim de que ela reflita sobre o autoconhecimento para o autocuidado.
Sabemos que ainda existem muitos caminhos desafiadores pela frente. E com isso, continuaremos nos
reinventando, melhorando e aprimorando nossos conhecimentos e habilidades, e principalmente refletindo
sobre as nossas relações individuais e coletivas. Isso faz parte do nosso amadurecimento como seres humanos
e como profissionais que somos.
Diante dos desafios enfrentados pelo novo contexto mundial, foi possível por meio da proatividade,
dedicação, criatividade e trabalho em equipe adentrar no cenário virtual e aprender a explorar suas
potencialidades, propiciando a realização de ações extensionistas e a continuidade das atividades de promoção
à saúde. A busca por novas ferramentas, plataformas e programas facilitadores das ações da LiES foi um
movimento enriquecedor e ampliador de ideias, o qual auxiliou na construção dos conteúdos de forma didática
para aumentar o alcance do público. As ações adotadas pela LiES, por meio das mídias sociais, mostraram
grande potencial para fomentar a reflexão e a difusão da informação sobre saúde e qualidade de vida com
o olhar da TSC. Isso só contribui para a reflexão sobre a identidade individual-coletiva face às ações em
Educação em Saúde.
Assim, torna-se cada vez mais importante que ações como as que descrevemos neste capítulo perpetuem,
tornando cada vez mais consolidadas frente às demandas exigidas pela sociedade cada vez mais digital. Nessa
perspectiva, pretendemos que o que foi aqui relatado se mantenha para que a aprendizagem se estabeleça de
maneira significativa e que as relações teoria/prática e universidade/escola se tornem parcerias mais efetivas
na concepção do conhecimento. Nesse sentido, potencializaremos o compromisso com a construção de uma
Educação de qualidade, mudando comportamentos para que a população possa aproveitar mais a vida.

Agradecimentos

Agradecemos à Profa Maria Helena Faria Ornellas de Souza por iniciar a parceria e colaboração com
o Colégio do Pedro II, iniciativa que levou a organização do primeiro evento Ligados na Escola em 2014. A
toda equipe da Liga de Educação em Saúde (ex-integrantes e os atuais), que mesmo durante a pandemia,
estiveram unidos e motivados na promoção da saúde e qualidade de vida. Agradecemos a todos os professores
palestrantes e alunos convidados do evento II Seminários Desafios em Educação em Saúde, que gentilmente
aceitaram participar mesmo num cenário de tantas tristezas e incertezas. Ao Colégio Pedro II do campus
Tijuca, em especial aos Professores Bruno dos Santos Gouvêa e Bruno Rodrigues Dias e integrantes da LiES,
por todo apoio e pela ajuda na organização/realização do evento Ligados na Escola Virtual. Aos alunos e seus
responsáveis por apoiarem o projeto e participarem desse evento. A equipe da Academia Carioca, em especial
à Amana Lima, por toda a disponibilidade e parceria no desenvolvimento do projeto “Academia Carioca
Movimente Ação: uma ação de todos pela promoção da saúde”. À Direção e à Coordenação de Extensão da
Faculdade de Ciências Médicas da UERJ por dar apoio aos projetos de extensão e às ações desenvolvidas pela
LiES. A todos que nos seguem e nos curtem pelas mídias sociais e plataformas digitais.

466
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Bibliografia

1. Brasil. Ministério da Saúde: Tesauro eletrônico. Educação em saúde. Disponível em: http://bvsms2.saude.gov.br/cgi-bin/

multites/mtwdk.exe?k=default&l=60&w=1634&n=1&s=5&t=2. Acesso em: 10/10/2021.

2. Ester M, Maciel D. Educação Em Saúde: Conceitos e Propósitos. Practice. 2009;14(4):773–6.

3. Bandura A. Health promotion by social cognitive means. Heal Educ Behav. 2004;31(2):143–64.

4. Silva MSM, Carvalho KG, Cavalcante IKS, Saraiva MJG, Lomeo RC, Vasconcelos P R. Interseção de Saberes em Mídias

Sociais para Educação em Saúde na Pandemia de Covid-19. SANARE - Rev Políticas Públicas. 2020;19(2):84–91.

467
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Relato de experiência da Liga Acadêmica de


Inovação e Telemedicina da Faculdade de Ciências
Médicas na pandemia da Covid-19 no período de
2020 a 2021
Juliana Magalhães Aguiar Cardoso1; Arnaldo Gangana1; Cid Rocha1; Isabel Lacerda1; Thamiris Gouvêa1;

Alexandra Monteiro2

Aluno de graduação em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ; 2Professora Titular FCM UERJ, Docente
1

orientador na Liga

Descritores em português: Epidemia pelo Novo Coronavírus 2019; Extensão Comunitária; Educação Médica; Telemedicina.

Descritores em inglês: Covid-19; Community-Institutional Relations; Education, Medical; Telemedicine.

Introdução

A Liga Acadêmica de Inovação e Telemedicina (LITel) foi criada em maio de dois mil e dezoito e
aprovada como um projeto de Extensão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em junho
de dois mil e dezoito, sob supervisão docente e com o apoio da Unidade de Desenvolvimento Tecnológico
Telessaúde UERJ. A Liga promove a Educação, a Pesquisa, a Extensão e a Inovação na área do conhecimento
da Telemedicina e Telessaúde e estimula o uso e a integração interdisciplinar e multidisciplinar, mediada
por diferentes tecnologias. A LITel utiliza, preferencialmente, as Redes Sociais como meio de comunicação
com a comunidade interna e externa pelas seguintes mídias sociais: Facebook, Instagram, Twitter e o canal
do YouTube. A LITel tem como propósito investigativo para a produção de conteúdos e atividades o uso de
tecnologias para fins de saúde, com foco nas disruptivas inovadoras e na Telemedicina.
A Telemedicina, isto é, o ato médico mediado por tecnologias, está aprovada no Brasil pelo Conselho
Federal de Medicina pela Resolução nº 1643 desde 2003, contudo sem a aprovação da consulta direta, ou
teleconsulta, feita entre médico e paciente.1 Em 2020, com a decretação da pandemia da Covid-19 pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), a Telemedicina foi aprovada, excepcionalmente, na forma da Lei
nº13.979, autorizando, assim, a teleconsulta médica2,3.
Nesse contexto, diferentes atividades por Telemedicina foram implementadas pelo corpo docente e
colaboradores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). A LITel também implementou um plano de ação
emergencial promovendo ações informativas para a comunidade interna e externa sobre o novo cenário para
a Telemedicina, em associação com outras Ligas da FCM, para a produção e oferta de materiais educacionais
e instrutivos sobre a prevenção da infecção pelo coronavírus e sobre o tema Telemedicina dentro de seu novo
contexto legal.
A figura 1 apresenta a equipe da LITel em uma de suas atividades.

468
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Figura 1 – Equipe gestora da LITel. Fonte: Elaborada pelo autor

Relato

Extensão por Redes Sociais


Foram produzidas postagens informativas para as Redes Sociais sobre a autorização da Teleconsulta e
outras temáticas dentro da área da Telemedicina intitulado “LITel explica”. As publicações envolveram o uso da
Telemedicina, o passado e as perspectivas da Telemedicina, os desafios atuais da Telemedicina, a conexão entre a
Telemedicina e a Tecnologia e a história da Telemedicina. Foi também aberto um canal de comunicação com a
comunidade externa pelas Redes Sociais para o esclarecimento de dúvidas sobre o tema (Figura 2).

Figura 2 – Algumas postagens “LITel explica”. Fonte: Página da LITel no Instagram1


1
Disponível em: https://www.instagram.com/liteluerj/ Acesso em 31 ago 2021

Houve a promoção, também, de um webinar (Figura 3) com tema em “Telemedicina no pós-pandemia:


E agora?”, onde foram apresentados os aspectos ético-legais atualizados e as potencialidades da Telemedicina
para o cuidado e a assistência remota em Medicina sem a necessidade do deslocamento de pacientes e, assim,
em conformidade com o cenário da pandemia. A atividade foi desenvolvida com o propósito de informar e
formar a comunidade acadêmica interna e externa sobre a Telemedicina, tendo em vista o cenário de maior
divulgação e inédita permissão legal da Teleconsulta médica. A divulgação do evento envolveu a postagem em

469
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

redes sociais de textos e imagens que ilustravam a importância da temática para o estudante de medicina, além
de artes com o “save the date” e a contagem regressiva para o dia do evento. Houve noventa e duas visualizações
no YouTube até o presente momento e o público na atividade síncrona foi ativo nos comentários, além de ter
demonstrado muito interesse na atividade.

Figura 3 – Arte para divulgação nas Redes Sociais da LITel do Webinar “Telemedicina no pós-pandemia: E agora?”

Fonte: Página da LITel no Instagram1


1
Disponível em: https://www.instagram.com/liteluerj/ Acesso em 31 ago 2021

Campanha “Ligas Contra Covid-19”


A Campanha “Ligas Contra Covid-19” foi criada pela Coordenação de Extensão da Faculdade de Ciências
Médicas UERJ e promovida pelo Comitê de Ligas Acadêmicas no ano de dois mil e vinte. Através dela as
ligas acadêmicas de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ se uniram para difundir
informações corretas e confiáveis ao público em geral. Tendo em vista que a pandemia da Covid-19 era um
dos assuntos mais debatidos em meio midiático e científico, o objetivo da campanha era trazer conteúdo
das diversas áreas da Medicina e suas relações com o Coronavírus SARS-CoV-2. A LITel participou nas
atividades nas Redes Sociais do Comitê, principalmente na rede social Instagram, com a promoção de
postagens informativas sobre a Telemedicina no contexto da Pandemia pela Covid-19. Foram feitas duas
publicações sobre a teleorientação – uma com a explicação sobre o que é e outra falando sobre como ter acesso
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – e uma sobre a telemedicina, informando a definição e a legislação em
vigência na época. A elaboração das postagens contou com a criação de um texto em uma linguagem acessível,
que pudesse ser facilmente compreendida pelo público interno e externo, além de conter menor quantidade
de termos técnicos. O design das postagens foi padronizado entre todas as ligas do comitê, atribuindo uma
identidade visual ao conteúdo publicado na rede. A LITel, com o propósito de ajudar na divulgação da iniciativa
e auxiliar na replicação do conhecimento, repostou em suas redes sociais Instagram e Facebook algumas dessas
publicações. Foi uma experiência exitosa e entusiasmante.

470
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Produção de Publicação Digital


A ideia inicial da criação do e-book surgiu em meados de abril de dois mil e vinte entre os integrantes
da LITel e começou então a ser discutida via teleconferência, para serem definidos o modelo de livro, a
estruturação dos capítulos e os recursos didáticos implementados ao longo de sua redação. A sua criação teve
como propósito o estímulo ao entendimento e discussão sobre Telemedicina no âmbito da graduação em
medicina, na qual foi verificado diminuto ensino formal referente à área. O processo de desenvolvimento do
livro em si foi de bastante proveito para os membros da LITel. Decidiram-se: abordar apenas um termo da
Telemedicina por capítulo; dividir cada capítulo nos tópicos essenciais “definição”, “exemplos e aplicações”
e “legislação federal”; e distribuir entre os membros da LITel atribuições da pesquisa para os capítulos.
Reuniões à distância semanais serviram para o sinergismo das pesquisas, refinamentos à estruturação e aos
recursos didáticos predefinidos, entre outras coisas. O e-book é dividido nos capítulos: histórico, telemedicina,
teleconsulta e teleatendimento, teleinterconsulta, teleassistência, telediagnóstico, teletriagem, televigilância
e telemonitoramento, teleorientação, telecirurgia, emissão de documentos médicos à distância. Ao final da
redação dos capítulos conceituais, redividiu-se o grupo de trabalho para: elaborar a introdução, o histórico
da Telemedicina e as considerações finais; definir o título do e-book; e deliberar a pessoa a ser convidada para
redigir o prefácio. O e-book foi denominado “Primeiros Passos para Entender a Telemedicina” está atualmente
em fase de últimos ajustes e revisão para posterior publicação. A pandemia pela Covid-19 ocasionou atraso
nas últimas etapas do projeto devido à suspensão de algumas atividades.

Participação na Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde


A Organização das Ligas Acadêmicas com foco na Telemedicina, Telessaúde e Saúde Digital com o
apoio da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms) é uma das ações desenvolvidas em
dois mil e vinte e dois mil e vinte e um para impulsionar atividades da extensão universitária e fortalecer a
troca de experiências que contribuam para a formação profissional. Foi feito o cadastramento e união das ligas
na ABTms, realizando atividades específicas e divulgando programação e conteúdo específico. Os encontros
reúnem importantes participações e temas que atravessam tanto a prática médica, como a pesquisa e o debate
filosófico, principalmente após a aceleração e atualização de cenários com a pandemia. Já foram realizados em
2021 os Webinars “Telemedicina no SUS”, “Telessaúde na Atenção Primária” e “Bioética e Ética Digital”. Tem
sido uma grande oportunidade de aprendizado com palestrantes referência nas áreas e com boa quantidade
de público e interatividade, indicando grande aceitação, principalmente por parte dos estudantes de medicina.
O I Fórum Nacional ABTms de Ligas de Telemedicina e Telessaúde foi promovido pela ABTms, com apoio
do Telessaúde UERJ, em novembro de dois mil e vinte. Houve a apresentação do relato de experiência de ligas
em Telemedicina e Telessaúde brasileiras, a citar: Liga Acadêmica de Inovação e Telemedicina da Faculdade de
Ciências Médicas da UERJ (Figura 4), Liga Acadêmica de Telemedicina da Faculdade de Medicina do ABC,
Liga de Telessaúde da Unicamp e Liga Acadêmica de Telemedicina e Telessaúde da UFCSPA. Foi um momento
muito enriquecedor e com muita troca de conhecimento. As ligas acadêmicas que têm como temática principal
a Telemedicina e a Telessaúde possuíam antes da pandemia uma menor visibilidade em relação ao período da

471
pandemia. Além disso, a reconfiguração e adaptação do modelo das atividades desenvolvidas por cada liga para o
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

meio eletrônico trouxe uma série de desafios e aprendizados. O contato com outras ligas trouxe uma nova visão à
gestão da LITel em relação a isso e auxiliou nesse processo de retomada das atividades de forma remota.

Figura 4 – Primeiro Slide da Apresentação da LITel do I Fórum Nacional ABTms de Ligas de Telemedicina e

Telessaúde. Fonte: Elaborada pelo autor

Considerações Finais

A LITel promoveu apenas atividades remotas devido ao necessário distanciamento social ocasionado pela
pandemia pela Covid-19. O momento atual da Telemedicina na forma da Lei tornou essencial à formação do
médico o conhecimento e a vivência na Telemedicina. Por isso, torna-se de extrema importância que o estudante de
medicina tenha um bom entendimento dos conceitos relacionados a essa área, tendo em vista a sua futura atuação
no mercado de trabalho. Espera-se continuar o debate sobre os temas ligados à inovação na Medicina e às questões
relacionadas ao ato médico por Telemedicina, principalmente. É, também, previsto um aumento no interesse dos
alunos pelas atividades da liga, tendo em vista a legislação atual que permite extraordinariamente e pela primeira
vez no Brasil durante a pandemia a Teleconsulta Médica e maior discussão em relação à Telemedicina devido à
pandemia da Covid-19. Por fim, cabe ressaltar que a experiência com a LITel na FCM UERJ tem sido desafiadora,
porém repleta de aprendizados que seguirão com os seus membros em suas carreiras na medicina.

Bibliografia

1. Brasil. Lei nº1643, de 07 de agosto de 2002. Define e disciplina a prestação de serviços através da
Telemedicina. Diário Oficial da União. 7 agos 2002; 205(secção1)
2. OMS afirma que Covid-19 é agora caracterizada como pandemia. Organização Mundial da Saúde
(OMS). Disponível emhttps://www.paho.org/pt/news/11-3-2020-who-characterizes-covid-19-
pandemic Acesso em 21 out 2021
3. Brasil. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo
surto de 2019. Diário Oficial da União 7 fev 2020; 27(secção 1):1

472
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Relato de experiência da Liga de Oncologia


da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na
pandemia da Covid-19: perspectivas e aprendizados
Matheus Figueiredo Moutela1; Larissa Silva Wermelinger1; Isabela Claudia Barbosa dos Santos Nascentes1; Rodrigo

Barcelos Alves1; Nathalia Johanson Meier de Castilho1; Daniel Esteban Herrera da Silva1; Willian Alves dos Santos1;

Tainá Ferreira Santos Vilhegas2; Antonio Carlos Paes Liger3; Maria Helena Faria Ornellas de Souza4

1
Aluno de graduação Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro FCM UERJ;
2
Aluno de graduação Enfermagem, Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ; 3Aluno

de graduação Medicina, Universidade Estácio de Sá; 4Professora Titular do Departamento de Patologia e Laboratórios da

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro FCM UERJ

Descritores em português: Infecções por coronavírus; Pandemias; Educação médica; Ligas acadêmicas.

Descritores em inglês: Coronavirus infections; Pandemics; Medical education; Academic Leagues.

Introdução

Ao levar em consideração os avanços industriais e farmacêuticos das últimas décadas, bem como a
associação desses com a transição demográfica, o envelhecimento da população e a transição epidemiológica,
evidenciou-se, nesse contexto, uma mudança do perfil prevalente das doenças crônico-degenerativas,
incluindo as neoplasias, frente às doenças infectocontagiosas. 1-4
Tendo em vista essa transição, o estudo
da oncologia mostra-se promissor para o planejamento sistêmico das políticas públicas voltadas à saúde e
consequentemente à sociedade. Dessa forma, aprecia-se a necessidade acadêmica e a potencialidade de uma
iniciativa complementar à formação de profissionais de saúde no aspecto do estudo do câncer 5. Nesse viés,
em 2008, sob a demanda de estudantes de medicina e enfermagem, e a orientação da Professora Dra. Maria
Helena Ornellas, demos início à história da Liga de Oncologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(LiOnco). Esta surge com o intuito de complementar o aprendizado e aprimorar os conhecimentos acerca da
cancerologia, o cuidado e o tratamento multiprofissional que envolve o paciente oncológico por meio da tríade
ensino, pesquisa e extensão.6-8
Sob essa ótica, a LiOnco promove a capacitação de futuros profissionais, médicos e enfermeiros e desenvolve
atividades que aspiram à promoção da saúde e à prevenção de doenças, abordando a oncologia como temática
principal, sempre permeando sua relevância no contexto da saúde pública na atualidade. 1. Essa liga também
encoraja atividades voltadas aos discentes com foco na elaboração de projetos de pesquisa integrada e na
organização de aulas, palestras, simpósios, discussões de casos e desenvolvimento de conhecimento por meio
de estudos científicos.6
Além disso, promove aos estudantes o exercício do papel social frente à comunidade acometida pelo câncer,

473
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

bem como os aproxima da temática e da atuação profissional, fomentando o contato com a comunidade externa
por meio dos novos canais de comunicação e mídias sociais, para cada vez mais promover o conhecimento
científico de maneira assertiva e profissional.15
Entretanto, no final do ano de 2019, uma doença respiratória ainda desconhecida surgiu na China,
com grande velocidade de disseminação globalmente, tendo o Brasil como um dos principais focos dessa
enfermidade. Mais tardiamente, essa patologia foi denominada de Covid-19. Dessa forma, com o advento
da pandemia do Sars-Cov 2, declarada em março de 2020, todo o planejamento de atividades teve que ser
adaptado a fim de que o compromisso da Liga se mantivesse. 16
A partir dessa perspectiva, as ações que antes eram ou seriam presenciais foram transformadas em
atividades que se valiam das plataformas digitais17, visto a necessidade do distanciamento social imposto pelo
coronavírus18,19,20. Foi então que a internet e as mídias sociais se demonstraram fundamentais nesse período, para
que a liga acadêmica se reinventasse e adotasse medidas que mantivessem a oportunidade de aprendizado dos
discentes, mesmo remotamente, e superasse os desafios impostos pela pandemia da Covid-19. 2. O objetivo deste
capítulo é relatar a experiência da Liga de Oncologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro durante o
distanciamento social imposto pela atual pandemia e as contribuições resultantes na formação em saúde.

Relato

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, de integrantes da Liga de Oncologia


da UERJ (LiOnco), levando em consideração as atividades realizadas pela Liga acadêmica no período da
pandemia da Covid-19, que se estende do mês de março de 2020 até o momento atual. A narrativa destaca
as experiências vividas pelo tripé ensino, pesquisa e extensão e discorre sobre vivências, desafios e conquistas
obtidas pela Liga, a qual utilizou-se de mídias sociais, estágios e aulas extracurriculares como ferramentas para
promoção e propagação de conhecimento.
A partir do distanciamento social e da impossibilidade de se estabelecer atividades presenciais, os projetos
universitários tiveram que se adaptar a esse novo contexto e dispor de métodos alternativos para a execução do
ensino acadêmico. No que tange aos projetos de extensão, cujo objetivo versa, dentre outras premissas, sobre a
questão do contato com a comunidade, a pandemia se tornou um grande desafio, ao mesmo tempo em que se
tornou um cenário de possibilidades no encorajamento do uso de meios remotos para a interação interpessoal
e de estratégias inovadoras de ensino-aprendizado.12
Nesse contexto, a LiOnco vislumbrou no uso das plataformas digitais uma oportunidade de estabelecer
contato e vínculo com a comunidade externa. As redes sociais se tornaram potentes ferramentas na pandemia,
destacando-se, entre elas, o Instagram, que é uma rede de fácil utilização que promove o compartilhamento de
conteúdos de imagens e vídeos.13 Assim, disponibilizamos, por meio de postagens periódicas com conteúdo na
área de oncologia, informações sobre a fisiopatologia do tumor, aspectos clínicos, tratamento, epidemiologia
e indicações de artigos científicos. Essa atividade exigia dos membros da LiOnco estudo prévio sobre os
temas, com pesquisa em literatura nacional e internacional para preparação dos conteúdos, gerando grande
aprendizado em relação aos temas abordados. Além disso, requereu o uso da criatividade para a confecção de
postagens lúdicas e informativas, exercendo-se de maneira inovadora a prática pedagógica de promoção do

474
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

conhecimento à comunidade externa dos mais variados níveis de escolaridade e ensino.


Logo, a Liga acadêmica de Oncologia proporciona o desenvolvimento de competências e habilidades
cruciais para a formação profissional e que são poucos exploradas pelo currículo tradicional, fazendo o
acadêmico enxergar para além da atenção centrada na doença, estabelecendo vínculos com a educação, a
prevenção e educação em saúde e a busca ativa pelo conhecimento, promovendo, acima de tudo, o papel social
e o senso de cidadania.11
Do ponto de vista da formação e prática profissional, com o intuito de tornar mais próxima e real a
experiência dos profissionais da saúde nas múltiplas vertentes do cuidado ao paciente com câncer, realizamos
aulas temáticas por meio de parceria com professores e palestrantes com expertise em diversos eixos de
atuação em centros oncológicos de referência, organizando lives com palestras expositivas gravadas e ao
vivo que permitiram interação entre os ouvintes, elucidação de dúvidas e exposição de inquietudes sobre
a formação deficitária da oncologia no cenário médico. Um ponto interessante a se destacar foi a palestra
sobre a Residência em oncologia, em que foram explanados os principais pilares da prática do oncologista,
permitindo um contato íntimo com a atuação diária dessa especialidade. Ademais, o relato de experiência
pessoal sobre residência médica de profissionais de diversas áreas da Oncologia, incluindo a de ex-integrantes
da LiOnco, se consolida como primordial instrumento de conhecimento sobre essa especialidade, auxiliando
o discente na tomada de decisão sobre qual carreira seguir.
Além disso, integramos à InterOnco, um congresso nacional de Ligas Acadêmicas de Oncologia com várias
entidades conveniadas, sendo a LiOnco a única liga de oncologia certificada do estado do Rio de Janeiro. A
integração destacou-se como potente meio de ensino e de articulação com outras instituições, proporcionando
a interação interpessoal e o intercâmbio de conhecimento com a multiplicidade de experimentações entre
os participantes e gerando grandes ganhos aos acadêmicos. A LiOnco participou, também, do Comitê das
ligas, uma iniciativa vinculada à Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, que possuía como objetivo a
divulgação de informações confiáveis ao público externo e interno acerca da Covid-19 em um cenário de
grande propagação de fake news. Nesse sentido, a Liga gerou materiais informativos, associando a temática
oncológica à Covid-19 e aos reflexos da pandemia no atendimento à população que convive com câncer.
Em 2020 firmamos um convênio inédito com o Hospital São Carlos Saúde Oncológica para que os
membros da LiOnco participassem de um estágio extracurricular com duração de 6 meses na unidade. Tal
vivência é uma oportunidade única, visto que em algum momento da prática da maioria das especialidades
médicas existirá o contato direto com pacientes oncológicos e na formação médica em geral ainda não contamos
com experiências e práticas satisfatórias ao pleno aprendizado da área. Muitas das técnicas terapêuticas e
exames complementares não são ofertados no Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE) e o Hospital São
Carlos Saúde Oncológica possui cuidados especializados em pacientes com câncer, disponibilizando variados
tratamentos oncológicos em um só lugar (“One stop care”), permitindo uma visão ampla e diferenciada do
atendimento e preenchendo possíveis lacunas de aprendizado dos alunos participantes.
Em março de 2021 iniciamos o estágio com o primeiro grupo de alunos, consistindo na imersão nos
diversos setores do hospital, tais como Radioterapia, Medicina Nuclear, Radiologia, CTI, Oncologia clínica e
Enfermaria, que, em sua maioria, não são de rotina na vivência da graduação em medicina. Com rodízios que
duravam um mês, cada aluno tinha um dia específico para acompanhar o médico responsável pelo setor, bem

475
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

como participava de uma reunião semanal multidisciplinar para discussão dos casos mais desafiadores.
Além da experiência prática, o estágio contou com uma parte teórica densa com aulas semanais obrigatórias
no modo presencial. As aulas teóricas foram ofertadas também no modelo remoto, para toda a comunidade
estudantil da UERJ, sendo ministradas por docentes da própria Universidade, professores convidados e pelo
corpo médico do hospital. Ao fim do curso, cada aluno apresentou um trabalho de conclusão para ratificar
tudo o que aprendeu durante o estágio. Tal vivência marcou de forma profunda e valiosa a formação dos alunos
envolvidos e objetivamos, com a manutenção da parceria com o Hospital São Carlos Saúde Oncológica,
fomentar o conhecimento teórico e prático da oncologia em suas diversas modalidades. Portanto, a Liga
representa uma poderosa ferramenta de desenvolvimento pessoal, lapidando profissionais mais seguros para
o mercado de trabalho.
Ademais, como forma de estimular a atualização dos discentes na área oncológica, bem como fomentar a
pesquisa e o estudo da oncologia, a Liga participou de eventos como congressos, simpósios e cursos que tinham
por objetivo contemplar o elemento científico proposto a todas as ligas acadêmicas, visto que a pesquisa se
mostra como uma ferramenta importante na construção da educação superior para o estudante universitário9.
Assim sendo, a LiOnco e as demais ligas de oncologia do Rio de Janeiro, se associaram para a realização
do curso gratuito “Oncologia para não oncologistas”, voltado para a comunidade acadêmica, tendo como
objetivo principal o oferecimento de módulos com aulas temáticas que abordavam semanalmente tópicos
importantes dentro da oncologia. Dessa forma, foi possível disponibilizar uma sequência de conteúdos
organizados didaticamente contemplando temáticas dentro da especialidade oncológica para mais de 2000
alunos inscritos. Além disso, a Liga de Oncologia da UERJ se associou à Associação Brasileira das Ligas
Acadêmicas de Cirurgias, estabelecendo uma associação de caráter científico-cultural por meio da parceria e
interação entre ligas de várias instituições e seus alunos participantes.
Outrossim, a Liga participou ainda da realização do 1º Simpósio Oncohemato Interligas, que também
dispôs da colaboração de ligas de oncologia e hematologia do estado do Rio de Janeiro, contando com a
participação de alunos da gestão fundadora, que ministraram aulas dentro da temática proposta. Ainda,
de forma a complementar, levando em consideração o tripé ensino, pesquisa e extensão, a Liga ingressou
na direção do Comitê Brasileiro de Ligas de Cancerologia – Cobralc, de forma a sedimentar as parcerias
estabelecidas pela Liga, determinando vínculos importantes para o estudo da oncologia.
Por fim, vale destacar que, apesar dos desafios para promover com qualidade atividades que contemplem
as funções da Liga Acadêmica de Oncologia na UERJ, foi possível viabilizar a realização de práticas que
assegurassem a oferta de conteúdos e eventos de excelência, voltados para a comunidade acadêmica e a população
além dos muros da Universidade. No entanto, é relevante evidenciar que, a partir da mudança no cenário, a liga
precisou adaptar-se para que a realização do planejamento anual fosse posto em prática. Nesse sentido, alguns dos
obstáculos que obrigaram a essas modificações se iniciam com a adaptação ao novo meio - a internet - visto que
anteriormente à pandemia esse não era um canal muito utilizado pela Liga para a realização de aulas e simpósios.
Além disso, reuniões e montagens de materiais a distância, associadas à instabilidade da rede de internet foram
dificuldades enfrentadas pela gestão. Importante destacar, também, que a extensão, tendo como objetivo principal o
alcance do público externo, precisou investir no aperfeiçoamento e interação nas redes sociais, uma vez que através
delas conseguimos manter contato com a comunidade externa à UERJ.

476
— PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS

Em suma, é possível notar que essas dificuldades resultam da ainda recente incorporação do meio acadêmico
às mídias digitais atuais. Isso demonstra a necessidade do investimento em plataformas que contemplem a
todos os estudantes, as quais possam ser ampliadas como forma de garantir o acesso pleno e de qualidade para
alunos e comunidade em períodos inconvenientes, como em uma pandemia.

Considerações Finais

O estudo da Oncologia é fundamental para a completa formação e atuação dos profissionais da área da
saúde, sendo que a LiOnco desempenha um papel central na promoção do conhecimento dessa área dentro
da comunidade acadêmica e profissional, bem como na divulgação de informações acuradas e acessíveis para
o público leigo. O contexto da pandemia de Covid-19 exigiu uma intensa readaptação das atividades da Liga
diante da imposição do isolamento social, sendo que as redes sociais, estágios e aulas extracurriculares foram
as ferramentas encontradas para a permanência da propagação de conhecimentos da Oncologia.
Obteve-se um êxito no desempenho da gestão, refletindo no aprimoramento das atividades futuras da
liga. Marcos importantes como a procura constante de profissionais especializados para promover parcerias,
o alto alcance de usuários pelas redes sociais e um conteúdo enriquecedor que promove retorno positivo,
refletem na metodologia organizada e no sucesso da perpetuação do conhecimento, havendo uma confluência
entre a arte e a ciência.
A importância da Liga de Oncologia – UERJ foi também reafirmada por meio de inúmeras integrações
e com a participação em eventos de cunho científico envolvendo outras organizações, possibilitando a
intercomunicação e a troca de conhecimento proporcionadas pela presença de outras ligas acadêmicas, todas
com o mesmo objetivo: o avanço gradual da oncologia. Além disso, foi possível desmistificar informações
duvidosas e divulgar dados sobre o contexto da pandemia. Realizou-se simpósios e cursos com órgãos
importantes na área médica, denotando a participação assídua e comprometida dos integrantes da LiOnco.
Destarte, salienta-se que a conjuntura pandêmica hodierna demonstrou-se um instrumento de aprendizado à
comunidade, ratificando a ideia de que o conhecimento e a erudição, independentemente das circunstâncias,
nunca significaram regresso, e sim uma solução.
A pandemia de Covid-19 apresentou entraves que precisaram ser superados pela LiOnco para possibilitar a
permanência das atividades do tripé ensino, pesquisa e extensão na divulgação de conhecimentos da Oncologia,
dentro e fora dos muros da Universidade. Dessa forma, o êxito obtido na promoção de atividades pela Liga demonstra
sua potência e importância na complementação do ensino oncológico e democratização do conhecimento.

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479
Experiências e Impacto
DA PANDEMIA PELA COVID-19 NO COMPLEXO DE

Saúde UERJ

Pós-Graduação, Pesquisa
e Inovação
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A Pós-graduação da Faculdade de Ciências


Médicas UERJ na pandemia de Covid-19

Maud Parise1; Cláudia Regina Machado2; Luciana Silva Rodrigues3;

Alexandra Monteiro4; Mário Fritsch Toros Neves5

1
Professora Associada da Disciplina de Neurocirurgia. Coordenadora da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas

FCM UERJ; 2Professora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia. Coordenadora da Comissão de Residência Médica da FCM

UERJ; 3Professora Adjunta da Disciplina de Patologia Geral . Coordenadora de Pesquisa da FCM UERJ; 4Professora Titular da

Disciplina de Radiologia. Vice-Diretora da FCM UERJ; 5Professor Titular da Disciplina de Clínica Médica. Diretor da FCM-

UERJ

Descritores em português: Covid-19; educação; programas de pós-graduação

Descritores em inglês: Covid-19; education; postgraduate programs

Introdução

O primeiro caso de síndrome respiratória aguda grave por coronavírus tipo 2 (SARS-CoV-2) foi relatado
em dezembro de 2019 tendo a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarado pandemia em março de
20201. O vírus causou estragos em todo o mundo, resultando em 240 milhões de casos de Covid-19 e 4,8
milhões de mortes até outubro 2021, com um impacto socioeconômico devastador2.
Para evitar a proliferação do vírus e a contenção da mortalidade a OMS recomendou uma série de
medidas sanitárias, que além da higiene e uso de máscaras, incluíam também quarentena e isolamento social3.
Neste contexto, a pandemia por Covid-19 apresentou muitos desafios para residentes em medicina, médicos
especializados, bem como para alunos de mestrado e doutorado e seus orientadores.
Nas áreas de biomedicina e de medicina, a maioria das pesquisas é conduzida por meio de experimentos de laboratório
que precisam da presença física na universidade. Além disso, os alunos que cursam programas de pós-graduação lato sensu
em medicina, como a residência médica e especialização, requerem acesso aos hospitais e ambulatórios para, em contato
com pacientes, desenvolver seu treinamento. A restrição das atividades presenciais e a obrigatoriedade do trabalho remoto
representaram um grande desafio para todos esses alunos e seus preceptores/orientadores4.
Vários artigos e editoriais têm chamado atenção para alguns desses desafios: a necessidade de adequação dos
conteúdos programáticos ao modelo remoto, as dificuldades de acesso internet para realização das atividades,
as dificuldades socioeconômicas repercutindo no desenvolvimento dos projetos e não menos importante, o
sofrimento psíquico agravado pela insegurança gerada pela pandemia4–7.
No ano de 2020, a Pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) possuía, no lato sensu, 54 programas de residência médica, com ingresso de mais de 200 residentes/

481
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

ano e 10 programas de especialização com ingresso anual de 55 alunos. No stricto sensu eram 6 programas com ingresso
anual de 40 alunos de doutorado, 85 alunos de mestrado e 52 de mestrado profissionalizante. Esse grande contingente
de alunos, que são formados em nossa instituição, foi impactado de maneira diversa pela pandemia de Covid-19. O
objetivo deste capítulo é relatar as dificuldades encontradas na formação, bem como adaptações e mudanças realizadas
nos cursos de Pós-Graduação da FCM-UERJ frente às exigências impostas pela pandemia.

Relato

Em março de 2020 as atividades educacionais foram suspensas com a perspectiva de que logo retornaríamos
à normalidade. Pouco tempo depois, fomos tomando consciência de que a pandemia poderia se estender
por um longo período e que teríamos que nos adaptar, buscar soluções, de maneira a manter nossos alunos
motivados e reduzir os danos ao aprendizado.
Fomos buscar então o conhecimento acumulado nos cursos de ensino à distância (EAD) que em nossa instituição
já existia de forma consolidada através do Telessaúde. O uso da plataforma moodle e a adaptação do Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) foram fundamentais como repositório de informações tais como aulas, textos, artigos, podcasts etc.
Surgia, então, um grande desafio para a maioria dos professores, pois não estavam habituados a gravar
aulas, disponibilizar conteúdos ou mesmo promover discussões através das plataformas de Tecnologia de
Informação e Comunicação (TICs).
Dentre tantas plataformas existentes, com suas facilidades e limitações, a FCM precisava disponibilizar uma
que atendesse não somente a graduação, mas também aos cursos de Pós-Graduação, uma vez que todas as aulas,
reuniões e defesas de teses passariam a ser feitas através dessa plataforma. Uma vez disponibilizada, para todos os
alunos e docentes, essa ferramenta tornou-se indispensável durante todo esse período, até o momento presente.
O ensino virtual proporcionou um ambiente de aprendizado mais flexível, permitindo que o aluno acessasse o
conteúdo quando e onde era mais conveniente para ele e por meio de um número ilimitado de visualizações,
quantas fossem necessárias, adequando o processo ao seu próprio ritmo de aprendizado (Figura 1).

Figura. 1: Imagem do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) onde aulas,

seminários e discussões de casos clínicos com professores e alunos, era disponibilizada, permitindo aos alunos acessar

482
quantas vezes fossem necessárias.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Evidentemente, muitas foram as dificuldades, como a adaptação dos conteúdos para o formato remoto,
sobrecargas nas plataformas de videoconferência, a internet de baixa qualidade ou velocidade que muitas vezes
inviabilizaram as atividades ou a participação dos alunos.

Na pós-graduação lato sensu:


Como relatado anteriormente, a UERJ suspendeu suas atividades em março de 2020. Em abril realizamos
uma reunião virtual com os Coordenadores dos Cursos de Especialização no sentido de conhecer quais as
atividades teóricas desenvolvidas no período de isolamento, a plataforma utilizada nas atividades à distância,
quais as atividades práticas que estavam ocorrendo (ambulatórios, cirurgias, procedimentos), como estavam
ocorrendo as avaliações e controles de frequência e a necessidade de prolongamento dos cursos.
Enquanto alguns cursos tiveram suas atividades práticas interrompidas, com fechamento dos ambulatórios
e cancelamento das cirurgias eletivas, outros trabalharam ativamente no atendimento de pacientes com
Covid-19.
No caso da residência médica, não foi diferente: havia o desafio de tentar de minimizar o impacto sobre
o aprendizado nos diversos programas e simultaneamente auxiliar na assistência, especialmente no Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE), que se tornou referência para o tratamento da Covid-19, mudando
radicalmente o perfil de pacientes atendidos.
As atividades eletivas do HUPE foram suspensas num primeiro momento, uma vez que a assistência
aos pacientes com Covid-19 era prioridade absoluta, e os residentes médicos estiveram durante todo o
processo, na linha de frente do atendimento. O HUPE foi, em grande parte, direcionado para pacientes graves
com Covid-19, mantendo, porém, serviços médicos essenciais que não podiam ser interrompidos, como o
tratamento das doenças cardiovasculares, oncológicas ou nas internações de urgência. Se por um lado houve
perda das atividades inerentes a cada programa, por outro lado estavam diante de uma doença complexa que
atingia todos os sistemas o que propiciava uma oportunidade única de conhecimento e integração entre as
especialidades.
Em agosto de 2020, aos poucos, todas as atividades práticas foram retornando, juntamente com as
atividades assistenciais de alta complexidade, características do HUPE, que reabria seus ambulatórios e voltava
a ter cirurgias eletivas. Tanto na residência médica, quanto nos cursos de especialização, a formação passou
a ter um modelo híbrido com atividades práticas presenciais e atividades teóricas, como aulas, seminários e
sessões clínicas, de forma remota.
Chegava então o momento de realizar novo processo seletivo para os cursos de especialização e residência
médica. Na época a AEDA 37/2020, em seu artigo 1, proibia expressamente processos seletivos presenciais na
pós-graduação da Uerj. Foi, então, discutido com os coordenadores dos cursos de especialização e chegado à
conclusão de que o processo seletivo remoto acarretaria prejuízos na escolha desses candidatos, e que, poder-se-
ia realizar um concurso de forma segura, respeitando todas as regras de distanciamento e proteção individual.
O assunto também foi discutido no Conselho Departamental da FCM, em setembro de 2020, que ratificou a
necessidade do modelo presencial de avaliação. Diante disso, foi feita uma consulta ao setor jurídico da UERJ

483
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

que se posicionou a favor da manutenção da avaliação presencial, uma vez que o formato remoto não estaria
adequado à seleção na área médica. Desta forma, o processo seletivo da residência médica e dos cursos de
especialização ocorreu normalmente, de forma presencial, não tendo havido nenhum caso de contaminação.
A partir de fevereiro de 2021, com o início da vacinação para profissionais da área da saúde, alguns
programas de residência médica e especialização reiniciaram atividades científicas presenciais, mantendo
também as atividades remotas. A pandemia de Covid-19 de forma irrefutável, levou a transformações na
forma de ensinar e produzir conhecimento que serão irreversíveis. A integração do ensino remoto e presencial
provavelmente vai persistir após a pandemia, aproveitando o melhor de cada formato.
Em abril de 2021, assumiu uma nova coordenação da Comissão de Residência Médica (COREME) e
algumas mudanças foram implementadas, como decisões em pequenos colegiados, revisão e atualização do
regimento interno e busca de uma participação mais ativa dos representantes dos residentes. As reuniões
mensais da COREME, permaneceram sendo realizadas de forma remota.
A partir de maio de 2021, foi iniciada a Sessão Clínica Multidisciplinar da Residência Médica, com a
presença de internos e demais alunos da graduação, também de forma remota.
A participação nas reuniões da Coordenação Estadual de Residência Médica se manteve ativa, servindo
de modelo para outras unidades, como no caso das residentes gestantes durante o período da pandemia.
Baseada em lei do ministério do trabalho e através de consulta à Procuradoria Geral da UERJ, afastamos
todas as residentes gestantes que não apresentaram atestados de seus médicos assistentes declarando que elas
poderiam realizar suas funções durante a pandemia. Essa decisão foi muito importante, uma vez que não havia
ainda um posicionamento a esse respeito por parte da Comissão Nacional de Residência Médica.
Ainda em 2021, apesar da pandemia foram realizados vários recredenciamentos de programas de residência
médica, bem como o credenciamento de novos programas, alguns forma remota e outros presenciais. Foi
possível ainda a participação como avaliadores de outros programas de residência médica em outras instituições.
Na residência médica, os casos de ansiedade, depressão e sinais de “Burnout” foram observados com
maior frequência durante a pandemia, seja em função do excesso de trabalho, medo de contaminação, pouco
conhecimento sobre a doença, perda de familiares e colegas, entre outras. Nesses casos, a intervenção do
Núcleo de Apoio Psicopedagógico dos Residentes (NAPPRE), foi de fundamental importância para redução
do sofrimento psíquico, ajudando o residente a superar esses momentos difíceis.

Na pós-graduação stricto sensu


Nos programas de Pós-graduação do stricto sensu, também houve a paralisação das atividades em março de
2020, com fechamento dos laboratórios e suspensão das pesquisas. Projetos de Mestrado e Doutorado foram
interrompidos. As pesquisas clínicas também foram prejudicadas, pois com o fechamento dos ambulatórios do
HUPE, os pacientes deixaram de ser avaliados, sendo necessário desenvolver alternativas de acompanhamento
desses pacientes através de contatos telefônicos ou videochamadas. Muitos alunos tiveram que adaptar seu
projeto, outros foram obrigados a retardar sua defesa de tese. Alguns laboratórios, porém, serviram de apoio
na testagem do SARS-CoV-2 e muitas equipes passaram a atuar nas pesquisas relacionadas à Covid-19. As
defesas de mestrado e doutorado passaram a ser de forma remota, mantendo-se públicas e sendo gravadas.

484
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

As aulas do stricto sensu também foram inicialmente interrompidas pois ainda não tínhamos o ensino
remoto e as plataformas virtuais eram pouco conhecidas por professores e alunos até então. No segundo
semestre de 2020 as aulas foram retomadas de forma remota, também reiniciaram reuniões quinzenais
de discussão de artigos e dos dados de projetos, para que os alunos não ficassem em casa sem suporte ou
desmotivados com a pesquisa. Mas todos enfrentavam perdas: vidas de familiares e amigos; desemprego de
familiares, e as bolsas começaram a fazer parte do orçamento essencial na casa. Também havia o medo de
sair de casa, e da contaminação, a ansiedade provocada pela interrupção do projeto e a possibilidade de não
concluir a pós-graduação no tempo previsto.
Nesse sentido, foi de fundamental importância a prorrogação dos prazos de defesa pela Capes e CNPq,
bem como a prorrogação das bolsas de mestrado e doutorado pelas agências de fomento. No entanto, em 2020
os editais de apoio à pesquisa foram bastante restritos e se voltaram todos para o enfrentamento à Covid-19.
Apenas em 2021 começaram a abertura para outros temas.
Os processos seletivos do stricto sensu foram inicialmente interrompidos e posteriormente realizados de
forma remota tanto a prova de inglês como a defesa oral do projeto.
No segundo semestre de 2020 o Departamento de saúde da UERJ (DESSAUDE) realizou vistoria dos
laboratórios, avaliando as condições de funcionamento, sinalizando os cuidados para impedir a disseminação
da Covid-19 nos espaços, para que fosse autorizada uma retomada organizada das atividades. Ao longo do
primeiro e, mais efetivamente, segundo semestre de 2021, os alunos começaram a voltar aos laboratórios para
retomar os projetos embora com restrição de acesso, escalas de permanência e convivência nos ambientes.
Se por um lado a pandemia afastou alunos dos trabalhos experimentais, e possa de alguma forma ter
retardado sua carreira acadêmica, eles foram estimulados a administrar o tempo, lendo e escrevendo artigos,
projetando novos experimentos, escrevendo e analisando dados de experimentos anteriores, e ampliando
horizontes científicos.

Considerações Finais

Durante a pandemia por Covid-19, assim como em outras instituições do mundo inteiro, professores,
alunos e gestores de instituições de ensino, em diversos níveis, inclusive na pós-graduação, precisaram
se adaptar a uma nova realidade representada pelo formato remoto de ensino, com o qual tinham pouca
ou nenhuma experiência prévia. Em tempos de pandemia, o ensino à distância com o uso da tecnologia
representou uma valiosa ferramenta para a continuidade do processo de ensino e aprendizagem. Essas
ferramentas provavelmente permanecerão como complementares na formação acadêmica. Além disso, alunos
e docentes deram uma grande demonstração de resiliência face à pandemia de Covid-19 e certamente essa
vivência e aprendizado ajudará a moldar os profissionais que formamos nessa instituição.

Bibliografia

1. WHO: World Health Organization, Director-General's opening remarks at the media briefing on

485
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Covid-19 - 11 March 2020. Edited by Director-General [https://www.who.int/director-general/


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march-2020]. World Health Organization; 2020.
2. WHO: World Health Organization, Coronavirus Disease (Covid-19) Dashboard. World Health
Organization; 2021. [https://Covid-19.who.int/]. Acessado 17 Outubro de 2021.
3. World Health Organization. Considerations for quarantine of individuals in the context of containment
for coronavirus disease (Covid-19): interim guidance. 2020. Disponível em https://apps.who.int/iris/
handle/10665/331299.
4. Börgeson E, Sotak M, Kraft J, Bagunu G, Biörserud C, Lange S. Challenges in PhD education due to
Covid-19 - disrupted supervision or business as usual: a cross-sectional survey of Swedish biomedical
sciences graduate students. BMC Med Educ. 2021;21(1):1–11.
5. Machado RA, Bonan PRF, Perez DE da C, Martelli DRB, Martelli-Júnior H. I am having trouble keeping
up with virtual teaching activities: Reflections in the Covid-19 era. Clinics (Sao Paulo). 2020;75:e1945.
6. Fernandes LC, Souza VR de, Borges L de F, Malinverni AC de M. Novo cenário da pós-graduação no
Brasil diante da Pandemia por Covid-19/ New scenario in post-graduation in Brazil towards Covid-19
Pandemia. Brazilian J Heal Rev. 2020;3(6):19359–67.
7. Wong CS, Tay WC, Hap XF, Chia FL-A. Love in the time of coronavirus coronavirus: training and
service during Covid-19. Singapore Med J 2020; 61(7): 384-386.

486
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Acompanhamento dos casos notificados de


Covid-19 pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto,
de março de 2020 a setembro de 2021

Renato Cerceau1 ; Alice Pereira Duque2 ; Luiz Rodrigues Junior3 ; Raimundo José Macário Costa4; Ricardo Cerceau5 ;

Leonardo de Almeida Cavadas6 ; Sérgio Manuel Serra da Cruz7 ; Ricardo Pires Mesquita8 ; Alexandra Monteiro9 ;

Karla Figueiredo10

1Médico, Pós-Doutorando no Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde, Faculdade de Ciências Médicas

FCM UERJ ; 2Graduanda Medicina FCM UERJ ; 3Docente, Instituto Nacional de Cardiologia INC e UNIRIO ; 4Docente,

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ ; 5Pesquisador e Gerente de Projetos, INC ; 6Ciência da Computação,

Técnico de Pesquisas pela Fundação Coppetec ; 7Docente, UFRRJ e UFRJ ; 8Professor, Instituto InfNet e UniCarioca ;

9Professora Titular, Faculdade de Ciências Médicas. no Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde ; 10Professora

Associado, Instituto de Matemática e Estatísca IME UERJ. Docente no Programa de Pós-graduação em Telemedicina e

Telessaúde.

Descritores em português: Covid-19; Epidemiologia; Ciência de Dados.

Descritores em inglês: Covid-19; Epidemiology; Data Science.

Introdução

Após ser classificada como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em 30
de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente, em 11 de março de 2020, a
caracterização da Covid-19 como uma pandemia. Essa doença infecciosa é causada pelo novo coronavírus,
nomeado anteriormente como 2019-nCoV, e atualmente identificado como Coronavírus 2 da Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV-2, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) em
virtude das suas manifestações predominantemente respiratórias.1
No Brasil, a vigilância da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) vem sendo desenvolvida pelo
Ministério da Saúde (MS), por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, desde a pandemia de Influenza A
(H1N1) [A(H1N1)pdm09] detectada pela primeira vez no Brasil em maio de 2009. Inicialmente, a prática era
direcionada para vigilância sentinela de Síndrome Gripal. Posteriormente, a ação foi estendida para constituir
uma rede de vigilância de Influenza e outros vírus respiratórios. Finalmente, a partir de 2020, a Doença por
Coronavírus 2019 (Covid-19 do inglês, Coronavirus Disease 2019) foi incorporada a esta rede de vigilância.
Com o advento da pandemia do novo coronavírus houve crescimento exponencial da produção científica
relacionada à doença. Nota-se que o número de estudos epidemiológicos e clínicos ampliou-se drasticamente
e, consequentemente, houve intensa produção e distribuição de amplo volume de dados. O avanço exponencial
e a explosão de dados aliado ao depósito de novos datasets (ou conjunto de dados) requisitou aprimoramento das

487
ferramentas de processamento tecnológico das informações e intensa demanda por novos perfis profissionais
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

para abordar o apoio ao enfrentamento da Covid-19. Este contexto impulsionou o crescimento da Ciência
de Dados aplicada à área da Saúde. No Brasil, diversos órgãos governamentais ou do terceiro setor publicaram
dados e relatórios consolidados sobre a pandemia, dentre eles o MS e o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística.
Dentre os datasets já disponibilizados sobre a pandemia, poucos tem sua proveniência explicitada (ou seja,
o registro informacional que garante a autenticidade das informações prestadas), indicando “como”, “onde”
e “por quem” os dados foram produzidos. Ademais, em geral os conjuntos de dados carecem de descritores
de metadados padronizados (ou seja, informação a respeito dos dados). Estes, por sua vez, devem ser de fácil
interpretação não só para profissionais de saúde como também para a maioria da população, devendo ser,
também, construídos de forma que possam ser facilmente localizados e manipulados por softwares dedicados
à análise de dados. O não cumprimento do somatório de todas essas condições acaba gerando um certo grau
de distanciamento e descrédito tornando ainda mais difícil o combate à pandemia de Covid-19.
Para este estudo, observou-se que os dados relacionados aos registros da SRAG vinham sendo produzidos
em demasia, entretanto com baixa integração entre os diferentes sistemas, com baixa qualidade e pouco controle
na sua produção. Os diagnósticos técnicos realizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de
Saúde (DATASUS) já sinalizavam esta necessidade de reorientação das práticas e implementações, inclusive
pelas propostas de aperfeiçoamento e modernização do sistema de registro de notificações de vigilância
epidemiológica, denominado e-SUS VE. Ainda, estavam em curso diversas iniciativas neste sentido, como
o Conecte SUS (que busca materializar a Estratégia de Saúde Digital do Brasil), tendo como principais
componentes a Rede Nacional de Dados em Saúde, que promove a plataforma nacional de interoperabilidade
de dados em saúde, e a Informatiza APS, responsável por apoiar a informatização das unidades de saúde e a
qualificação dos dados da Atenção Primária à Saúde de todo o país.
O DATASUS buscava a aceleração da Transformação Digital do SUS em meio à pandemia. Em 27 de
março de 2020, o sistema de registro relacionado ao Coronavírus foi aperfeiçoado para registro de casos de
Síndrome Gripal suspeitos de Covid-19 por meio da disponibilização do módulo e-SUS Notifica (ou e-SUS
VE módulo notificação), tendo apenas um único formulário por meio do qual se buscava delimitar uma forma
automatizada e padronizada, para envio pelos Estados dos dados de notificação de Covid-19, garantindo
consistência das informações. Diversas versões foram lançadas buscando aperfeiçoamento da ferramenta,
apresentando variações em ficha de notificações e nos respectivos dicionários de dados.
Desta forma, no período considerado, foram realizados diversos aperfeiçoamentos e ajustes nos dados e
datasets da vigilância de SRAG, que passaram a ser disponibilizados por intermédio da Secretaria de Vigilância
em Saúde. A Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações, do Departamento de Imunização e
Doenças Transmissíveis, passou a publicar de forma consolidada as informações a partir de Agosto de 2020,
no formato de dados abertos, o que permite grande possibilidade de cruzamentos e o aperfeiçoamento no
conhecimento sobre a epidemiologia da doença Covid-19.
Nesta análise, observamos que apesar de algumas informações e datasets sobre Covid-19 serem de acesso
simplificado através de hiperlinks na Internet, sua análise depende principalmente de compreender suas
estruturas, de filtrar determinadas variáveis, de realizar a correlação entre diversas variáveis ou de realizar
cruzamento entre vários datasets. Esse aspecto faz com que apenas quem possui pelo menos um conhecimento

488
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

básico sobre alguma ferramenta de Ciência de Dados (ou Análise de Dados) possa chegar a um resultado
minimamente aceitável ou cientificamente adequado. No entanto, a abordagem superficial não permite que se
desenvolvam cenários analíticos mais robustos.
A consolidação de informações é essencial para instrumentalizar ações de planejamento e gestão
direcionadas ao enfrentamento da Covid-19 em prol da população brasileira e para fortalecimento do
Sistema Único de Saúde bem como para gerir e buscar garantir a qualidade dos mesmos. Evidentemente
as informações, os dados e os datasets devem ser compartilhados nos serviços e em diferentes instâncias,
nacionais e internacionais. Neste contexto, este relato de experiência institucional busca a consolidação de
informações relacionadas aos procedimentos e desafios enfrentados para obtenção das bases abertas atreladas
às notificações de casos de Covid-19 realizados pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE).

Relato

Métodos
A partir de pesquisa documental e bibliográfica são narrados elementos relacionados à evolução do acesso,
por repositórios de dados ou de bases de dados abertas, para os registros dos casos notificados de Covid-19,
em especial na busca de informações oficiais fornecidas pelo MS sobre os casos notificados pelo HUPE. O
período compreende março de 2020 a setembro de 2021.

Análise
No cenário de aumento exponencial do número de casos, o essencial era estabelecer o foco na
capacidade de dar atenção a todos os infectados no momento em que fosse necessário. Como medida auxiliar
ao combate da pandemia, diversas legislações foram estabelecidas impondo medidas para o enfrentamento
da emergência de saúde pública nas instâncias Federal (Lei nº 13.979, de 06/02/2020), Estadual (Decreto
Estadual Nº 46.966, de 11/03/2020, do Estado do Rio de Janeiro) e Municipal (Decreto Municipal Nº
47246, de 12/03/2020, da Cidade do Rio de Janeiro). 2-5.
Percebia-se que os dados sobre os eventos estavam sendo registrados no Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN) e no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe
(SIVEP-Gripe), a partir da Ficha de Registro Individual (que era destinada para Unidades com Internação)
denominada “Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)-Internada ou Óbito por SRAG (CID-J11)”. O
código J11 representa a morbidade “Influenza (gripe) devida a vírus não identificado”, conforme a Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10).
Naquele tempo, a Vigilância de Influenza empregava uma ficha que era utilizada em caso de internação
(SRAG-INTERNADA) ou óbito, tendo a seguinte definição de caso: “indivíduo de qualquer idade, internado
com síndrome gripal e que apresente Dispneia OU Saturação de O2 < 95% OU desconforto respiratório; deve
ser registrado o óbito por SRAG independente de internação”. Dessa forma, a coleta de dados era orientada

489
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

conforme a seguinte disposição1:


• Caso de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) hospitalizado – caso notificado, coletada
amostra e digitado de forma individual em sistema informatizado específico: Sivep-gripe;
• Surto de Síndrome Gripal – caso notificado, coletada amostra e digitado de forma agregada no
módulo de surto do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan NET);
• Caso de Síndrome Gripal de Unidades Sentinelas de Influenza - caso notificado, coletada amostra e
digitada no Sivep-gripe.

Considerando a possibilidade de acesso aos datasets, os registros destes casos permitiam o acompanhamento
da incidência, faixa etária e eventos-sentinela. Os exames laboratoriais registravam informações referentes
a situação dos exames (positivo, negativo, casos sem teste laboratorial reportado, indivíduos aguardando
resultado e casos sem informação referente a exame laboratorial) e positividade de testes relacionados ao:
vírus Influenza A, vírus Influenza B, vírus sincicial respiratório, Adenovírus e Parainfluenza (tipos 1, 2 e 3).
No entanto, o acesso aos datasets não estava facilitado pelo MS, em especial pela utilização de argumentos
que envolviam aspectos éticos, como a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD). Ainda, é importante mencionar que aspectos tecnológicos surgiram como importantes limitadores
à disponibilização de dados naquela oportunidade.
Considerando aspectos éticos, qualquer resultado de pesquisa, estudo ou avaliação que tenha utilizado as
informações cedidas deve ser apresentado de forma consolidada, sendo vedada a identificação das informações
pessoais dos indivíduos. As normas éticas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) tratam deste tema.
No contexto da pandemia por Covid-19, diversas questões relevantes foram abordadas pelo CNS com o objetivo de
minimizar os potenciais riscos à saúde e a integridade dos participantes de pesquisas, pesquisadores e membros dos
Comitês de Ética em Pesquisa.

Conforme inciso V, do § 3º, do art. 31 da LAI, para realização de pesquisas, o órgão de pesquisa deve
apresentar as razões que demonstrem, de forma evidente, que o acesso às informações pessoais presentes nos
sistemas é necessário para a proteção do interesse público e geral preponderante. A Consultoria Jurídica junto
ao MS2 verificou que os dados dos Sistemas de Informação em Saúde custodiadas pelo MS continham, entre
seus dados, grande quantidade de informações pessoais, cujo conhecimento irrestrito ou divulgação poderia
acarretar a violabilidade da vida privada e da intimidade das pessoas, pois além de apresentar dados pessoais
cadastrais, como endereço ou número do cadastro de pessoa física (CPF), também apresentam informações
sobre a saúde dos pacientes, o que diz respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem dos indivíduos. De
fato, houve grande dificuldade no entendimento da aplicação da LAI e da LGPD para permitir acesso aos
dados dos sistemas sob custódia do DATASUS/MS.
Aspectos tecnológicos relacionados aos instrumentos de coleta e às ferramentas computacionais precisaram
ser rediscutidos, em especial pela falta de integração entre diferentes sistemas de informação existentes
[6]. Como exemplo, pode ser mencionado que o Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL),
empregado para registro dos resultados dos exames, não tinha o número da notificação feita no SINAN. Por
fim, as fichas de notificação foram revisadas e a tecnologia de informação e comunicação foi aperfeiçoada,

1 Conforme orientava a PCSP

490
2 CONJUR-MS/CGU/AGU - Parecer n. 00217/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

sendo empregado como estruturante o sistema SIVEP-Gripe, a partir da experiência de desenvolvimento da


plataforma e-SUS. A tecnologia de programação e a infraestrutura computacional não conseguiram suportar
a intensa demanda de processamento e armazenamento de informações. Somente em 27 de março de 2020
foi lançado o módulo “e-SUS Notifica” para receber notificações de Síndrome Gripal suspeita e confirmada
de Covid-19 no Brasil.
Destaca-se que a vigilância nacional de eventos da Influenza e outros vírus respiratórios contava com
o serviço online denominado InfoGripe3, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele foi concebido para
monitorar e apresentar níveis de alerta para os casos reportados de SRAG, notificados no SINAN. A partir
da evolução tecnológica experimentada no âmbito federal para coleta dos dados, diversas iniciativas oficiais
buscaram empregar estes dados para a elaboração de sistemas de monitoramento. No entanto, constam relatos
de limitações nos dados de notificação de Covid-19, em especial para avaliações baseadas em critérios [7] e
estudos de qualidade de dados [8].
Predominantemente, os dados eram empregados para elaboração de painéis visuais (dashboards). Não
havia previsão de uso de dados abertos e nem registros de proveniência de dados. Percebia-se ainda a completa
ausência de descrição semântica através de metadados. Basicamente, isto levava os pesquisadores ao emprego de
técnicas computacionais baseadas em esforços de programação fundamentadas em scripts (que correspondem
a “roteiros” seguidos por sistemas computacionais) para extrair os dados, como Data scraping (“raspagem de
dados”, que executa extração de dados a partir de aplicativos ou serviços da Web), Web Scraping (“raspagem
Web”, que extrai e reúne conjuntos de dados a partir de portais da Web) ou Web crawler (“rastreador Web”,
que corresponde a uma implementação de software que rastreia dados disponibilizados na Internet). Eram
empregados processos intensivos de computação, para captura, processamento e armazenamento das
informações em datasets. Em síntese, estes datasets não oficiais careciam de características de confiabilidade,
em especial por não possuírem proveniência registrada e metadados.
A verificação e certificação de datasets é cada vez mais essencial. Tais checagens de dados podem ser
realizadas por agências com alta credibilidade ou grupos de competência, permitindo um melhor entendimento
das diferentes facetas dos dados coletados via scrap ou crawler, porém, a ausência de tais checagens pode
impulsionar a difusão de conteúdos de desinformação. Logo, classificar e utilizar datasets com procedência
assegurada ajuda a compreender e evitar esta dinâmica, e é de fundamental importância para mitigar análises
enviesadas ou os danos causados por conteúdos falsos. Um exemplo atual são os mecanismos que identificam
conteúdos de desinformação sobre a pandemia da Covid-19.
Uma das formas adequadas de tratar os dados e datasets é pelo emprego dos "Princípios Orientadores
para a gestão de dados científica", que estabelecem que o dado deve ser Achável, Acessível, Interoperável e
Reutilizável. Estes são os conhecidos princípios FAIR (do inglês, Findable, Accessible, Interoperable, Reusable).
Este acrônimo e os princípios foram publicados em março de 2016 no Journal Scientific Data por um consórcio
de cientistas e organizações [9], que têm por objetivo fornecer um guia para a gestão de dados de investigação.
Na Ciência Aberta (ou open science), é fundamental a implementação destes princípios no acesso aos resultados
da investigação. No contexto da Covid-19, verificou-se como fundamental a divulgação das bases em acesso
aberto para ampliação e qualificação das informações para aperfeiçoar o acompanhamento e planejamento do

491
3 http://info.gripe.fiocruz.br/
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

enfrentamento da doença.
Abordando os aspectos computacionais, Gonçalvez e colaboradores [10] discutiram a importância de
registrar e disponibilizar para a sociedade um conjunto de dados (datasets) curados4, anotados e enriquecidos
com metadados de proveniência e aderente aos princípios FAIR sobre a Campanha Nacional de Vacinação
contra a Covid-19. A abordagem por inteligência artificial de Covid-19 e dados de pesquisa de câncer foi
proposta por Campos e colaboradores [11], focando na interoperabilidade promovida pelo FAIR, destacando
a necessidade de que os dados e metadados sejam legíveis por softwares dedicados à análise de dados.
Finalmente, em Agosto de 2020, foram disponibilizadas as fontes de dados contendo os registros
epidemiológicos de SRAG da rede de vigilância da Influenza e outros vírus respiratórios, desde o início da sua
implantação (2009) até os dias atuais (2021), com a incorporação da vigilância da Covid-19. Em Setembro
de 2021, o sistema oficial para o registro dos casos e óbitos de SRAG passou a ser representado pelo SIVEP-
Gripe. Este banco de dados vem sendo constantemente atualizado, o que permite o acompanhamento das
notificações [12-13].

Casos notificados pelo HUPE relacionados à Covid-19


As bases de dados relacionadas a SRAG estão disponíveis como dados abertos (SRAG 2021), no formato
de valores separados por um delimitador (CSV do inglês, Character-separated values), conforme preconizado
pela ciência aberta. O MS fornece a ficha atualizada de notificação de casos5 e o dicionário de dados6
correspondente ao SIVEP-Gripe. O software R, versão 4.0.3, foi empregado para extrair os dados relacionados
ao HUPE. Registra-se que o conjunto de dados é muito grande para ser utilizado o software Excel®.
Os dados de SRAG utilizados foram obtidos em 19 de setembro de 2021, correspondendo ao arquivo
“SRAG 30/08/2021”, obtido no Portal Brasileiro de Dados Abertos (https://dados.gov.br/dataset/bd-
srag-2021), do Governo do Brasil. Os seguintes passos são necessários para obtenção das bases de dados:

1. Acesso ao Portal Brasileiro de Dados Abertos.


2. Identificação do conjunto de dados “SRAG 2021 - Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda
Grave - incluindo dados da Covid-19”
3. Obtenção dos registros consolidados no arquivo denominado “SRAG XXX”, onde XXX corresponde
a data da última consolidação (por exemplo,“SRAG 30/08/2021”).

Os conjunto de dados tornados disponíveis contêm todo o legado dos bancos de dados epidemiológicos
de SRAG, da rede de vigilância da Influenza e outros vírus respiratórios, desde o início da sua implantação
(2009) até os dias atuais (2021), com a incorporação da vigilância da Covid-19. O arquivo está em formato
CSV, com separação dos elementos por ‘ponto-e-vírgula’.
As definições atualizadas de casos, critérios de confirmação e encerramento dos casos, dentre outras, podem

4 banco de dados realizados sob supervisão especializada nos processos de geração e revisão de características.
5 FICHA DE REGISTRO INDIVIDUAL - CASOS DE SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE HOSPITALIZADO-
23/03/2021. https://dados.gov.br/dataset/bd-srag-2021/resource/bd725e4c-c869-400f-a479-9b544c2812b4

492
6 Dicionário de Dados. https://dados.gov.br/dataset/bd-srag-2021/resource/b3321e55-24e9-49ab-8651-29cf5c8f3179
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

ser verificadas no Guia de Vigilância Epidemiológica - Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional
pela Doença pelo Coronavírus 2019 [14]. O caso de SRAG hospitalizado (SRAG-HOSPITALIZADO) se
caracteriza por:

Indivíduo com *SG que apresenta: dispneia/desconforto respiratório OU pressão


persistente no tórax OU saturação de O2 menor que 95% em ar ambiente OU
coloração azulada dos lábios ou rosto. (*Síndrome Gripal: Indivíduo com quadro
respiratório agudo, caracterizado por pelo menos 2 (dois) dos seguintes sinais e
sintomas: febre (mesmo que referida), calafrios, dor de garganta, dor de cabeça, tosse,
coriza, distúrbios olfativos ou gustativos. Para efeito de notificação no Sivep-Gripe,
devem ser considerados os casos de SRAG hospitalizados ou os óbitos por SRAG
independente de hospitalização.

Até 30/08/2021, a base de dados do MS apresentava 1.434.798 registros, correspondendo a um arquivo de


768 MB de dados. Os dados foram processados no software R (Quadro 1). O código do script foi simplificado
para apresentação, sendo assim, a parte da configuração ampliada que contém as diversas configurações e
parâmetros para importação de dados foi suprimida.
A partir dessa base de informações, os dados específicos do HUPE podem ser extraídos. Segundo o
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES7, são 04 (quatro) as unidades vinculadas à UERJ
(Tabela 1).

Quadro 1: Script empregado para obtenção dos dados.


## CONFIGURAÇÕES

PATH_DATA <- “C:/Users/<login>/Downloads/”

PATH_DATA_FILE <- paste0 (PATH_DATA, "INFLUD21-30-08-2021.csv")

## OBTENDO OS DADOS

library(readr)

INFLUD21_30_08_2021 <- read_delim(PATH_DATA_FILE,

";", quote = "\\\"", escape_double = FALSE, trim_ws = TRUE)

493
7 http://cnes.datasus.gov.br/pages/estabelecimentos/consulta.jsp
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 1: Unidades da UERJ segundo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Setembro, 2021.
UF Município CNES Nome Fantasia Natureza Gestão*
Jurídica (Grupo)
RJ Rio de 2269392 POLICLINICA Administração Estadual
Janeiro Pública
PIQUET CARNEIRO
RJ Rio de 7325401 UERJ CAPS Administração Municipal
Janeiro Pública
UNIVERSITÁRIO
RJ Rio de 2269783 UERJ HOSPITAL Administração Estadual
Janeiro Pública
UNIV PEDRO
ERNESTO
RJ Rio de 7031246 UERJ NÚCLEO TEC Administração Estadual
Janeiro Pública
CIENTÍFICO
TELESSAÚDE BRASIL
REDES DO EST RJ

Os dados relacionados ao HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO (CNES 2269783)


foram obtidos conforme script evidenciado no Quadro 2. No ano de 2021 foram registradas 148 notificações
(até 30/08/2021).

Quadro 2: Script empregado para extração de dados específicos do HUPE.


## OBTENDO OS DADOS

## CNES Nome Fantasia

## 2269392 POLICLINICA PIQUET CARNEIRO

## 7325401 UERJ CAPS UNIVERSITÁRIO

## 7031246 UERJ NÚCLEO TÉC CIENTÍFICO TELESSAÚDE BRASIL REDES DO EST RJ

## 2269783 UERJ HOSPITAL UNIV PEDRO ERNESTO

table (INFLUD21_30_08_2021$`"CO_UNI_NOT"` == "2269783")

# FALSE TRUE

# 1434650 148

choose <- which(INFLUD21_30_08_2021$`"CO_UNI_NOT"` == ("2269783"))

HUPE <- INFLUD21_30_08_2021[choose, ]

Considerações finais

A análise de dados é essencial em vários setores da sociedade, no entanto, recentemente ela se mostrou
crítica na área da Saúde, buscando trazer a agilidade e apoio na tomada de decisão. A baixa integração e

494
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

a frágil capacidade tecnológica das ferramentas de informação estabelecidas para atendimento ao sistema
de notificação de casos de agravos foram sobrecarregadas pela alta demanda provocada pela Covid-19. Em
especial, ficou evidente a dificuldade na integração de informações laboratoriais e de notificação.
No curso da pandemia, foi marcante o esforço para o aperfeiçoamento da tecnologia digital para
armazenamento, compartilhamento, reuso e processamento de dados.A evolução do entendimento sobre a
Covid-19, bem como a disponibilização dos dados sobre essa doença infecciosa foi gradativa e conturbada.
Dessa forma, a implementação prática da política de dados abertos para os dados relacionados aos casos
de SRAG hospitalizados, em atenção à LAI e à LGPD, possibilitou o entendimento e acompanhamento
de eventos ocorridos no HUPE, favorecendo o reconhecimento local da morbidade e o planejamento dos
microsserviços.

Finaciamento

A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) financiam as bolsas de pesquisadores
(FAPERJ E-26/201.476/2021 e FAPERJ E-26/200.267/2021, CAPES Processo Nº 88881.506840/2020-01.).

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495
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

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bd-srag-2020.
13.Brasil.SRAG 2020 [homepage na internet]. Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave
- incluindo dados da Covid-19. [acesso em 19 Set 2021]. Disponível em: https://dados.gov.br/dataset/
bd-srag-2021.
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19 set 2021]. Disponível em:https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2021/03/Guia-de-
vigila%CC%82ncia-epidemiolo%CC%81gica-da-Covid-19_15.03_2021.pdf.

496
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Análise comparativa da evolução hospitalar das


intervenções coronarianas percutâneas na Síndrome
Coronariana Aguda em pacientes com e sem
Covid-19: A experiência do setor de Hemodinâmica
do Hospital Universitário Pedro Ernesto

Thales Cardoso Whately1; Esmeralci Ferreira2; Ana Salomé Eurico3; Ana Luiza Iannarella Lacerda4; Barbara Bezerra

de Almeida4; Karen Sanae Takehara Vieira4; Mayara Bastos Souza4; Constantino Gonzalez Salgado5 ; João Addison

Pessoa5; Roberto Pozzan6

1
Residente do Setor de Hemodinâmica do Hospital Universitário Pedro Ernesto HUPE; 2 Professor Associado do Departamento

das Doenças do Tórax Faculdade de Ciências Médicas FCMUERJ; 3 Integrante do Programa de Pós-graduação para Médicos

Estrangeiros (PEME); 4 Estudante de graduação em Medicina FCM UERJ; 5 Médico do Setor de Hemodinâmica do HUPE; 6

Médico do Setor de Cardiologia HUPE

Descritores em português: intervenção coronariana percutânea; síndrome coronariana aguda; Covid-19; SARS-CoV-2; coronavírus.

Descritores em inglês: percutaneous coronary intervention; acute coronary syndrome coronary; Covid-19; SARS-CoV-2; coronavirus.

Introdução

As doenças cerebrovasculares são as principais causas de mortalidade no Brasil, sendo registradas em 2015,
aproximadamente trezentos e trinta e nove mil mortes causadas por estas doenças, das quais 38.172 ocorreram
no estado do Rio de Janeiro.1 O tratamento das Síndromes Coronarianas Agudas (SCA), através das terapias
de reperfusão como fibrinólise, estratégia fármaco-invasiva e angioplastia primária constituem os pilares para
melhores resultados hospitalares e de longo prazo nestes pacientes.2 Os principais diagnósticos das SCA
são: infarto agudo do miocárdio com e sem supra-desnível e anginas instáveis. Desde o início da pandemia
provocada pela Covid-19, estudos preliminares demonstraram redução no atendimento nas unidades de
emergência.3 Entretanto, Tam et al mostraram que no tratamento de pacientes com infarto agudo com supra
desnível do segmento ST, houve não somente a redução no número de intervenções, assim como retardo nas
horas de procura pelo atendimento, o que pode impactar em aumento da mortalidade.4
Não obstante, especialistas sinalizam que grandes metrópoles apresentaram elevação no número
de mortes domiciliares, mas com redução da procura pelas unidades de emergência.5 O crescimento dos
óbitos domiciliares por causas cardíacas pode estar relacionado ao fato de que indivíduos cardiopatas, com
sintomatologia anginosa, têm evitado atendimento em hospitais com pessoas infectadas. Outros motivos
podem estar relacionados a ausência de sintomatologia anginosa devido a redução das atividades físicas ou
ainda pelo estresse causado pelo confinamento domiciliar. 6-8
Foi observado que a Covid-19 representa um risco adicional ao paciente cardíaco e potencializa os

497
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

fatores que levam a deterioração clínica. Os dados atuais de literatura apontam que a Covid-19 é um preditor
independente da mortalidade, quando associada a SCA. 6-8
No Setor de Hemodinâmica do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), os pacientes graves com
quadros de angina instável, infarto sem supradesnível de ST (IAMSSST) e infarto com supradesnível de ST
(IAMCSST) são encaminhados para coronariografia e Intervenção coronariana percutânea (ICP), conforme
a indicação angiográfica.
Desde o início da pandemia, em pacientes com SCA tratados por ICP, se observou um potencial aumento
dos desfechos de mortalidade e complicações hospitalares. Diante destas observações preliminares e pelo fato
de não haver dados relacionados às ICP na Covid-19 este trabalho se iniciou. O objetivo primário foi de
avaliar a mortalidade hospitalar em pacientes com e sem Covid-19 e SCA, submetidos a ICP de urgência
no Setor de hemodinâmica. O objetivo secundário foi avaliar de forma comparativa nesses grupos a causa
da mortalidade e a associação entre a morte e as diferentes formas de apresentação clínica, fatores de risco,
aspectos clínicos e angiográficos.
No período de março de 2020 até maio de 2021, foram realizadas 2656 coronariografias, sendo que 676
pacientes foram submetidos a ICP. Entre as ICP, 598 se apresentavam em SCA, dos quais 76 apresentavam
quadro de infecção pela Covid-19 (Grupo I) e 522 pacientes sem a doença (Grupo II) – Figura 1

Figura 1 – Coronariografias e intervenções coronarianas percutâneas (ICP) nas Síndromes Coronarianas Agudas

(SCA) no período de março de 2020 a maio de 2021.

Métodos
Neste estudo comparativo, retrospectivo e consecutivo, durante a pandemia da Covid-19, foram
avaliados 2656 pacientes submetidos a coronariografia e 676 foram submetidos a ICP, dos quais 598
eram ICP de urgência devido a quadros de SCA. Todos os pacientes eram do SUS e foram atendidos no
Hospital Universitário Pedro Ernesto, entre março de 2020 até maio de 2021. Os pacientes eram oriundos
das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Unidades Hospitalares do estado do Rio de Janeiro ou do
próprio HUPE. Os pacientes foram divididos em dois Grupos. O Grupo I era constituído de indivíduos

498
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

submetidos a ICP nas SCA com Covid-19. O Grupo II era de pacientes com mesmo tratamento e quadro
clínico, mas sem Covid-19. As informações foram colhidas do prontuário eletrônico da Instituição e do banco
de dados do setor de hemodinâmica. Foram incluídos dados do perfil clínico, angiográfico e da evolução
hospitalar do paciente. Os indivíduos diagnosticados com Angina Instável, Infarto Agudo com Supradesnível
do Segmento ST (IAMSSST) e Infarto Agudo com Supradesnível de Segmento ST (IAMCSSST) foram
incluídos na pesquisa. Por se tratar de estudo retrospectivo não houve necessidade de assinatura de um termo
de consentimento específico.
Os procedimentos foram feitos seguindo os protocolos de segurança para proteção de pacientes e equipe
de profissionais. O uso de equipamentos de proteção individual (EPI) era mandatório, tanto para pacientes
quanto para equipe. Todos os pacientes, de ambos os grupos, foram tratados no momento do diagnóstico
angiográfico (ad hoc). Os tratamentos por ICP foram feitos de acordo com as lesões obstrutivas encontradas
na árvore coronariana. Foram consideradas passíveis de tratamento as lesões obstrutivas acima de 70% da
luz, em vasos epicárdicos de calibre igual ou acima de 2,25 mm de diâmetro, conforme a disponibilidade do
tamanho dos Stents (variação de 2,25 a 4,0 mm de diâmetro e de 12 a 38 mm de comprimento). Todos os
pacientes foram tratados com Stents Farmacológicos de última geração. As lesões foram avaliadas, através
da quantificação visual por um ou mais observadores experientes. O diagnóstico confirmando a presença de
Covid-19 foi feito através de testes, no próprio HUPE ou nas unidades de origem. O estudo foi encaminhado
para o comitê de ética e pesquisa da instituição e aguarda aprovação e número de parecer.
Os dados foram analisados através do software da IBM SPSS versão 28.0.0.0(190)1989,2021. Variáveis
contínuas foram descritas através de sua média e desvio padrão e as variáveis categóricas através desse o
número absoluto em percentual. Os dados categóricos foram expressos como a frequência (n) e percentagem
(%) e comparados pelo teste qui quadrado ou teste exato de Fisher quando necessário. Dados numéricos com
distribuição normal foram expressos como média + desvio padrão e comparados pelo teste T de Student para
dados independentes. Realizada regressão logística e análise multivariada.

Resultados
No período março de 2020 até maio de 2021, 2656 cateterismos foram realizados, sendo que 598 pacientes
foram encaminhados para ICP. A maioria da população era constituída de indivíduos do sexo masculino (68%)
para ambos os grupos. A média de idade do GI foi de 63,6(+ 12,88) e no GII de 61,07 + 10,96. (p=0,13). As
variáveis clínicas diabetes tipo I e II, obesidade, dislipidemia, tabagismo, ex-tabagismo, DAC prévia (Doença
Arterial Coronariana) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) foram semelhantes para ambos os Grupos. A
HAS foi o fator de risco mais frequente: GI com 68,8% e o GII com 69,2% (p=0,99). A insuficiência renal
foi mais prevalente no GI [(9 (11,7%) x 19 (3,6%); p=0,005)], assim como a Cirurgia de Revascularização
Miocárdica prévia (CRM). [GI (9 (11,7%) x 1 (0,2%); p<0,001)] (Tabela 1).
Entre as diferentes formas de SCA, não foram observadas diferenças na prevalência em nenhum dos
Grupos. Sendo que os quadros de IAMCSST foram globalmente os mais frequentes [(GI= 44 (57,1%); GII
321 (61,5%); p=0,53)], seguidos dos IAMSSST [(GI= 27 (35,1%); GII=131 (25,1%); p=0,07 )] e menos
frequentemente das anginas instáveis [(GI= 5 (6,5%); GII= 70 (13,4 %); p=0,09)]. (Tabela 1).

499
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Nos pacientes com IAMCSST não observamos diferenças significativas entre GI e GII no que se refere
ao tratamento através da trombólise [(GI=33 (75%); GII=192 (59,8 %); p=0,07)]. A análise específica do
sucesso da trombólise também não foi diferente entre os dois Grupos.
A avaliação realizada para a manifestação eletrocardiográfica da parede ventricular no IAMCSST não
mostrou diferenças significativas entre os grupos, para o envolvimento da parede anterior, anterior extenso,
lateral e inferior. (Tabela 1).

Tabela 1: Variáveis clínicas e comorbidades dos grupos estudados


Variável Clínica Grupo I Covid-19 – Grupo II Não Covid-19 - 522 Valor de p

76
Média de idade (anos) + DP 63,16 ± 12,86 61,07 ± 10,96 0,11
n % n %
Sexo masculino n (%) 59 68 401 68 0,99
Comorbidades
Hipertensão 53 68,8 361 69,2 0,99
Diabetes Mellitus NID 20 26,0 141 27 0,89
DM ID 5 6,5 16 3,1 0,17
Dislipidemia 22 28,6 88 16,9 0,02
Tabagismo 19 24,7 137 26,2 0,89
Ex-tabagismo 15 19,5 131 25,1 0,33
DAC prévia 15 19,5 114 21,8 0,77
Insuficiência Renal 9 11,7 19 3,6 0,005
Insuficiência Cardíaca 7 9,1 26 5 0,17
CRM prévia 9 11,7 1 0,2 <0,001
Motivo da Internação
Angina Instável 5 6,5 70 13,4 0,09
IAMSST 27 35,4 131 25,1 0,07
IAMCSST 44 57,1 321 61,5 0,53
No caso de IAMCSST
Trombólise 33 75 192 59,8 0,07
Sucesso trombólise 23 69,7 137 71,4 0,8
Anterior extenso 7 15,9 30 9,3 0,18
Anterior 23 52,3 148 46,1 0,52
Lateral 6 13,6 15 4,7 0,03
Inferior 12 27,3 133 41,4 0,09

Valores demonstrados em n (%). DP, Desvio padrão; NID, Não Insulino-Dependente; ID, Insulino-Dependente. FE, Fração de Ejeção; CRM,

Cirurgia de Revascularização Miocárdica; ICP, Intervenção Coronariana Percutânea; IAMSST, Infarto Agudo do Miocárdio Sem Supradesnível de

ST; IAMCST, Infarto Agudo do Miocárdio Com Supradesnível de ST

No que se refere as artérias tratadas, observamos uma frequência muito mais acentuada de intervenções
na Artéria Descendente Anterior, principalmente no Grupo II: [(GI=33 (42,9%); GII=307 ( 58,8%); p=
0,01)], seguida da Artéria Coronária Direita [(GI=10 (13,3%); GII=182 (34,9%); p<0,001)] e da Artéria
Circunflexa [(GI=5 ( 6,5%); GII=88 (16,9 %); p=0,02)], que apresentaram a mesma tendência em relação ao

500
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

GII. (Tabela 2). No que se refere a via de acesso, a radial foi utilizada em 95,7% dos casos em ambos os grupos.
O sucesso angiográfico da ICP foi alcançado em todos os pacientes do GI e na grande maioria do GII.
[(GI=76 (100%); GII=519 (99,4%); p=0,99)]. A presença angiográfica de trombo residual após a ICP não foi
significativa par ambos os grupos. (Tabela 2). Para ambos os grupos não houve relatos de sangramentos, AVC
e trombose de Stent.

Tabela 2: Variáveis angiográficas dos grupos estudados

Variável Angiográfica Grupo I Covid-19 Grupo II Não Covid-19 Valor de p


n % n %
Artéria Tratada
33 42,9 307 58,8 0,01
Descendente Anterior
2 2,6 32 6,1 0,29
Diagonal 5 61,5 88 16,9 0,02
10 13,3 182 34,9 < 0,001
Circunflexa
1 1,3 4 0,8 0,5

Coronária Direita 0 0 9 1,7 0,61


2 2,6 11 2,1 0,68
Tronco Coronariano

Descendente Posterior
5 6,6 53 10,2 0,41
Ventricular Posterior

Marginal Esquerda
Sucesso na ICP 76 100 519 99,4 0,99
Trombo residual 2 2,6 26 5 0,56

Valores demonstrados em n (%). ICP, Intervenção Coronariana Percutânea;

A mortalidade foi significativamente maior do GI [(GI=17 (22,3%); GII=19 (3,6%); p<0,001)] e esteve
relacionada a presença de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Grave (SDRAG) [(GI=8 (47,0%);
GII=1(5,3%) p<0,001)]. A presença de choque cardiogênico, foi bem elevada em ambos os Grupos, mas foi
mais significativa no GII: [(GI=7 (41,2%); GII=15(78,9%) P<0,001)]. O choque séptico foi semelhante nos
dois grupos: [(GI=2 (11,8%); GII=2(10,6%) p=0,90)]. Um paciente do GII evoluiu com óbito não cardíaco,
por complicações inerentes de um linfoma não Hodgkin. (Tabela 3).

501
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 3: Resultados hospitalares dos Grupos estudados


Variável Grupo I Covid-19 Grupo II Não Covid-19 Valor de p
Resultados n % n %
Óbito Hospitalar 17 22,3 19 3,6 0,001
Choque cardiogênico 7 41,2 15 7 <0,001
8 47,0 1 5,3 <0,001
SDRAG
2 11,8 2 10,6 0,90

Choque séptico - - 1 5,3 0,90

Linfoma não Hodgkin

Valores demonstrados em n (%).; SDRAG, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Grave.

Na Tabela 4 estão listadas as variáveis que se mostraram associadas a presença de óbito na população
estudada. Na análise multivariada observou-se que apenas a presença de Covid-19 (OR= 3,84; IC95%= 1,56
– 9,45; p= 0,003), a idade (OR= 1,05; IC95% 1,01 – 1,09; p= 0,014) e o envolvimento da Artéria Descendente
Anterior (OR= 2,79; IC95%= 1,02 – 7,62; p= 0,046), mantiveram associação positiva e significativa com o
óbito intra-hospitalar. Tabela 5.

Tabela 4: Regressão Logística Relacionada ao Óbito

Variável Odds Ratio Intervalo de Valor de p


Confiança – 95%
Sexo 1,28 0,61 – 2,72 0,52
Idade 1,07 1,03 – 1,10 < 0,01
Covid-19 7,50 3,70 – 15,21 < 0,001
Doença Renal 4,92 1,86 – 13,04 = 0,001
Crônica
Insuficiência 4,99 1,99 – 12,44 < 0,001
Cardíaca
Tronco de Coronária 6,84 2,50 – 18,73 < 0,001
- Obstrução < 50%
Tronco de Coronária 8,92 2,87 – 27,69 <0,001
- Obstrução > 50%
Artéria Descendente 2,84 1,16 – 6,94 0,022
Anterior
Artéria Circunflexa 2,40 1,20 – 4,79 0,013
Artéria Marginal 2,30 1,13 – 4,69 0,022
Angioplastia de 0,32 0,12 - 0,84 0,021
Coronária Direita

502
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 5: Análise Multivariada Relacionada ao Óbito


Variável OR Intervalo de Valor de p
Confiança – 95%
Covid-19 3,84 1,56 – 9,45 0,003
Idade 1,05 1,01 – 1,09 0,014
Artéria Descendente Anterior 2,79 1,02 – 7,62 0,046

Este estudo mostrou que, em um período avaliado durante a pandemia, nos pacientes submetidos a ICP
com SCA a mortalidade foi significativamente maior nos indivíduos que apresentavam quadros de Covid-19
e que fatores como a idade e a ICP realizada na Artéria Descendente Anterior também se relacionaram
a presença de óbito. Apesar da amostra reduzida, a Insuficiência renal também foi relacionada a morte,
notadamente no Grupo de pacientes com Covid-19.
A infecção pelo SARS-CoV2 é causada pela ligação da espícula proteica do vírus ao receptor da enzima
conversora de angiotensina 2 (ECA2) presente nos alvéolos (sintomas respiratórios) e miocárdico (sintomas
cardíacos). A desregulação do ECA2 provoca uma intensa ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona
provocando vasoconstricção, fibrose e edema pulmonar. 9
Na Covid-19 grave, diversos mecanismos deletérios ao sistema cardiovascular ocorrem, tais como: injúria
miocárdica direta e indireta, estresse oxidativo, com disfunção endotelial e instabilidade de placa ateromatosa.
A microangiopatia, com aumento dos estados pró-trombóticos, aumento do dímero D e vasculite estão
associados a alteração de perfusão e vaso espasmo. A soma destes fatores ocasiona aumento de troponina e
quadros de infarto agudo do miocárdio que na sua maioria estão associados a hipoxemia e desequilíbrio entre
oferta e demanda de oxigênio. Outro mecanismo como invasão viral e instabilidade de placa aterosclerótica
também pode ocorrer. 8-10 A Figura 2 sintetiza o envolvimento da Covid-19 no sistema cardiovascular.

Figura 2 – mecanismos fisiopatológicos da Covid-19 e coração. ECA2: enzima conversora de angiotensina 2.

Tipo I e Tipo II (tipos de infarto). Fonte: o autor

503
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Teoricamente a fisiopatologia da Covid-19 induz ao aumento dos eventos coronarianos, entretanto, a exata
incidência da SCA nesta doença é desconhecida, embora os registros chineses mostram 4,2% de associação,
em que se observa uma mortalidade elevada de 22,7% dos casos em que as doenças se superpõem. 11,12

Atendimento das SCA na Covid-19


A despeito dos números alarmantes da mortalidade das SCA na Covid-19 observou-se redução nos
atendimentos hospitalares da SCA. Os efeitos globais nas taxas de admissões nas SCA foram demonstrados
através de uma grande metanálise envolvendo 40 estudos, com um total de 67.489 pacientes, onde observaram
uma redução de 28,1% de atendimentos na SCA, comparando período per e pré-pandemia.13
Este efeito também foi demonstrado em nosso meio, através de uma análise de 1427 pacientes a qual
mostrou a redução de 36,5% dos atendimentos. 14
A importância destes números pode estar relacionada a um possível aumento da mortalidade hospitalar
consequente a um retardo na procura das unidades de emergência. Isto foi comprovado em um grande registro
multicêntrico (6.609 pacientes) com dados comparativos de 2019 e 2020, onde se observou a redução de
19% de ICP primária por milhão de habitantes, aumento do tempo de isquemia, do tempo porta-balão e da
mortalidade.15 Em nosso estudo não podemos avaliar estes números uma vez que somos uma instituição que
presta atendimentos terciários à população.

Mortalidade x SCA e Covid-19


No que tange aos pacientes com IAMCSST e Covid-19, Solano-López et al.16 demonstraram, em
187 pacientes, que a mortalidade global foi de 25% nas SCA com Covid-19 comparada aos 3,8% nas SCA
sem Covid-19 (p <0,001). A mortalidade cardiovascular foi de 1,5 versus 15,2, respectivamente (p <0,001).
Embora não tenha analisado os quadros de IAM no âmbito das ICP, este trabalho está em consonância com
nosso estudo, que também mostra uma elevação significativa da mortalidade na SCA com Covid-19 de 22,3%
dos casos e de 3,6% de morte nas SCA sem Covid-19.

Variável Grupo I Covid-19 Grupo II Não Covid-19 Valor de p


Resultados n % n %
Óbito Hospitalar 17 22,3 19 3,6 0,001
Choque cardiogênico 7 41,2 15 78,9 <0,001
8 47,0 1 5,3 <0,001
SDRAG
2 11,8 2 10,6 0,90

Choque séptico - - 1 5,3 0,90

Linfoma não Hodgkin

Outro dado importante é a presença de choque cardiogênico, com evolução fatal que em nossa casuística
foi de 41,2 % nas SCA com Covid-19. Os dados do registro norte americano avaliando 230 pacientes com

504
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

IAM e Covid-19, mostraram 18% de choque cardiogênico. No que se refere a mortalidade, esta foi de 33%,
comparada aos 4% de morte nos 430 pacientes com IAM mas sem Covid-19 (p< 0,001).17
Nossos dados mostram que no GI 47,0 % dos pacientes morreram por SDRAG , 41,2% em choque
cardiogênico e 11,8% em choque séptico. Em que pese sejam populações com as mesmas patologias, mas
abordagens diferentes, a elevada mortalidade de ambas as casuísticas de SCA e Covid-19 (33%17 x 22,3% da
nossa série) são alarmantes. Por outro lado, nas SCA sem Covid-19 a mortalidade de 3,6% está na faixa que
se encontra nos dados de literatura. Observamos ainda, neste GII, uma prevalência de choque cardiogênico
mais elevada do que no GI: [(GI=7 (41,2%); GII=15(78,9%) P<0,001)].
Em um grande estudo, 55 centros internacionais realizaram um registro prospectivo de 265 pacientes
com Covid-19 na SCA. 18 Os pacientes eram Covid-19 positivos (ou tinham um alto índice de suspeita
clínica) e foram submetidos a angiografia coronária invasiva. Os resultados foram comparados com bancos de
dados nacionais pré- Covid-19 (MINAP [Myocardial Ischaemia National Audit Project] 2019 e BCIS [British
Cardiovascular Intervention Society] 2018 a 2019). Independente de apresentarem quadros de IAMCSST ou
IAMSSST o grupo com Covid-19, apesar de ser constituído de uma população mais jovem apresentava mais
fatores de risco cardiovascular. Estes dados não são semelhantes aos encontrados em nossa população, onde
os fatores de risco foram distribuídos de forma semelhante, exceto para presença de insuficiência renal, CRM
prévia e dislipidemia que predominaram no GI.
No grupo com Covid-19, a procura mais demorada pelo atendimento foi novamente observada, embora
o tempo porta-balão não tenha sido elevado (atribuído à disponibilidade de sala de exames por haver poucos
procedimentos eletivos). Os tempos de isquemia prolongados aumentaram 10% na mortalidade para os
pacientes com Covid-19-SCA, para cada atraso de 10 minutos, justificando em parte a taxa de mortalidade
quatro vezes maior nas SCA com Covid-19 (22,9 % x 5,7% no IAMCSST; p< 0,001) (6,6 % x 1,2% no
IAMSSST).18 Estes números referentes a mortalidade das SCA com Covid-19 são muito próximos aos
encontrados na nossa casuística.
Taxas significativamente maiores de choque e necessidade de admissão em unidade de terapia intensiva e
suporte ventilatório e / ou hemodinâmico foram encontradas na associação SCA e Covid-19. Os quadros de
Covid-19 na SCA aumentaram significativamente o risco de morte em pacientes sem choque cardiogênico,
mas o choque per se foi o principal determinante de mortalidade.18
Observamos em nosso estudo uma nítida associação nos quadros de SDRAG e choque cardiogênico com
elevação da mortalidade do GI em relação ao GII. A mortalidade foi significativamente maior neste grupo,
mostrando que fatores inflamatórios, o quadro respiratório, a gravidade da SCA e estado pró-trombótico
apresentaram grande influência. Isto pode ser demonstrado pelo fato de que, independentemente do bom
resultado angiográfico pós ICP no grupo Covid-19, um elevado percentual de pacientes evoluiu para óbito
hospitalar. A idade, a função renal e a abordagem das lesões na descendente anterior chamam a atenção especial
para este Grupo. No GII, um esperado aumento na mortalidade por choque cardiogênico ocorreu, também
de forma independente do elevado índice de sucesso da angioplastia. Os dados referentes a mortalidade deste
Grupo também estão de acordo com os encontrados na literatura.

505
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Limitações do estudo
As principais limitações da casuística apresentada para fundamentar este capítulo foram por ser um
estudo retrospectivo e as características das doenças que envolvem os grupos não permitirem nenhum tipo
de randomização. Outra limitação importante é a falta de acompanhamento dos pacientes que receberam
alta hospitalar. Apesar das limitações, o estudo nos mostra dados de grande relevância, não somente por se
tratar de uma casuística bastante considerável, como pelo ineditismo da comparação e ainda por demonstrar
o importante papel do HUPE no tratamento das SCA no trágico cenário da pandemia.

Considerações Finais

Os atendimentos de emergência e a avaliação hemodinâmica das SCA assumiram grande importância


nos dias atuais, principalmente durante a pandemia. Este estudo, desenvolvido no Setor de Hemodinâmica do
HUPE, comprovou que a presença da Covid-19 foi o principal preditor da mortalidade das SCA no cenário
das Intervenções Coronarianas Percutâneas. A elevada mortalidade ocorreu principalmente devido a quadros
SDRAG e das diversas modalidades de choque. Além da Covid-19, a mortalidade também esteve relacionada
a idade, envolvimento da artéria descendente anterior e disfunção renal.

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507
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Análise da mortalidade cardiovascular hospitalar no


Estado do Rio de Janeiro pré e per-pandemia por
SARS-CoV-2

Luciana Ludwig Nigri1; Cláudia da Silva Lunardi2; Ivana Picone Borges Aragão3; Sara Cristina Marques dos Santos4;

Esmeralci Ferreira5

1
Egressa do Mestrado em Saúde de Medicina Laboratorial e Biologia Forense da UERJ; 2 Médica contratada do HUPE;
3
Professora do Departamento de Cardiologia da Universidade de Vassouras; 4 Estudante de medicina da Universidade de

Vassouras; 5 Professor Associado do Departamento de Doenças do Tórax da FCM-UERJ.

Descritores em português: mortalidade e Covid-19; síndrome coronariana aguda; Covid-19; SARS-CoV-2, coronavírus.

Descritores em inglês: mortality and Covid-19; acute coronary syndrome coronary; SARS-Cov-2; SARS-CoV-2; coronavirus.

Introdução

No final do ano de 2019, na província de Wuhan, China, foi identificado, pela primeira vez em humanos, o
primeiro caso de infecção pelo vírus SARS-CoV-2, integrante da família viral Coronaviridae.2 Nos meses
que se seguiram, seu nível de contágio atingiu proporções mundiais, tornando-se um problema de saúde
pública e declarado como pandemia pela World Health Organization (WHO).3,4 A rápida ascensão da linha
de infectados com necessidade de internação e cuidados intensivos hospitalares gerou o colapso dos sistemas
de saúde de diversos países, afetando também o atendimento de outras patologias.5
O cenário hospitalar brasileiro, antes da grande demanda de internações devido a pandemia pela Covid-19,
já era de sobrecarga, em decorrência de epidemias de Dengue, Febre Amarela, Zika e Chikungunya.6 Associado
ao colapso hospitalar, houve a redução da procura aos serviços médicos pelo temor, por parte da população, em
relação à contaminação por Sars-Cov-2, tendo em vista a alta transmissibilidade, mesmo naqueles com doenças
sistêmicas e que necessitam de acompanhamento médico de forma regular.7 Os relatos de atendimento
aos departamentos de acidentes e emergências do Reino Unido demonstraram redução desde o início do
bloqueio nacional, havendo relatórios que mencionaram quase o desaparecimento dos eventos cardiovasculares
agudos e cerebrovasculares, em níveis hospitalares, assim como o retardo na procura do socorro hospitalar.8-10
As doenças isquêmicas do coração são as principais causas da mortalidade no mundo, com 17.900 milhões
de óbitos por ano, correspondendo a 32% do número total, sendo acima de 75% em países em desenvolvimento e
emergente, principalmente por Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) ou Acidente vascular Cerebral (AVC).1 O
infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCSST) e Acidente Vascular Cerebral (AVC) são
condições para as quais o tratamento hospitalar é altamente eficaz, e retardos nos atendimentos para início
das terapias de reperfusão apresentam graves consequências. Entre as repercussões observadas, o aumento no
número de mortes domiciliares por parada cardiorrespiratória foi visto ao se analisar os dados de atendimento

508
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) em Belo Horizonte, Minas Gerais. 11 O crescimento
dos óbitos domiciliares por causas cardíacas pode estar relacionado ao fato de que indivíduos cardiopatas, com
sintomatologia anginosa, têm evitado atendimento em hospitais com pessoas infectadas. Segundo motivo: pode
estar relacionado à ausência de sintomatologia anginosa devido a redução das atividades físicas e do estresse
causadas pelo confinamento domiciliar. Não obstante, a Covid-19 representa, pelo potencial inflamatório e de
trombogenicidade, um risco adicional ao paciente cardíaco, potencializando fatores que levam a deterioração
clínica. As partículas virais que se espalham pela mucosa respiratória e infectam simultaneamente outras células,
podem precipitar uma tempestade de citocinas e uma série de respostas imunes. Em pacientes com Covid-19,
o desequilíbrio das respostas relacionadas aos linfócitos T helper 1 e T helper 2 resulta em uma tempestade de
citocinas, que contribui para lesão miocárdica. A liberação de citocinas inflamatórias após a infecção causa
redução no fluxo sanguíneo coronariano, diminuição do suprimento de oxigênio, desestabilização da placa
coronariana e microtrombogênese.12-14
Estudos anteriores evidenciaram que, comparativamente, ao ano de 2019, houve redução das taxas de
internação e óbito por Doença Cardiovascular (DCV) entre março e maio de 2020 com aumento da taxa
de letalidade.15 Estes fatores relatados acima e a falta de dados epidemiológicos relacionados à Covid-19
e mortalidade no nosso Estado nos estimularam a realizar este estudo, cujo objetivo principal foi avaliar
de forma comparativa, temporal, a mortalidade cardiovascular hospitalar nas regiões metropolitanas e não
metropolitanas do Estado do Rio de Janeiro pré e per pandemia de SARS-Cov-2 em pacientes do Sistema
Único de Saúde (SUS).

Métodos
Estudo epidemiológico descritivo (ecológico), populacional, retrospectivo, com uso do banco de dados
de domínio público, Sistema de Informações Hospitalares - SIHSUS do Departamento de Informática do
Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). 16
O período avaliado foi de três anos, sendo os anos de 2018 e 2019, identificados como fase pré-pandemia
e o ano de 2020 e o primeiro quadrimestre de 2021, como fase per-pandemia por Covid-19.
O estudo foi submetido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro com o CAAE 31781660.9.000.5259, número do parecer 4089800.
Foram identificadas a mortalidade cardiovascular hospitalar por cada ano em todo o período estudado e
disponível no sistema de dados.
As variáveis sociodemográficas analisadas foram: todos os indivíduos que contemplassem o diagnóstico,
independentemente da idade, sexo biológico. Os dados de mortalidade foram obtidos pelo Código Internacional
de Doenças (CID), ocorridos no Estado do Rio de Janeiro. Excluídos todos os CID não compatíveis. A
mortalidade hospitalar foi obtida no grupo total e nos quatro grupos de doenças cardiovasculares no Rio de
Janeiro e nas regiões, no período estipulado para o estudo. Foram comparadas, também, por faixa etária e sexo
biológico. A aplicação dos testes de comparação de grupos foi realizada quando apropriado.
Os casos de óbitos cardiovascular foram selecionados utilizando-se os diagnósticos pela Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) (https://cid10.com.

509
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

br),17 sendo divididos em quatro grupos. No GRUPO 1 (G1) foram incluídos os casos óbitos por doenças
isquêmicas do coração utilizando os CID I20, I20.0, I20.1, I20.8, I20.9, I21, I21.0, I21.1, I21.2, I21.3, I21.4,
I21.9, I22, I22.0, I22.1, I22.8 e I22.9. GRUPO 2 (G2) incluiu os casos de óbito por insuficiência cardíaca e
choque cardiogênico utilizando-se os CID R57.0, I50, I50.0, I50.1, I50.9 e I11.0. GRUPO 3 (G3) incluiu os
casos referentes a arritmia cardíaca e parada cardiorrespiratória pelos CID I46, I46.0, I46.1, I46.9, I49.0, I49.1,
I49.2, I49.3, I49.4, I49.5, I49.8, I49.9 e I47.2. GRUPO 4 (G4) incluiu os casos referentes ao diagnóstico de
miocardite pelos CID I40, I40.0, I40.1 e I40.9. Tabela 1

Tabela 1. Grupos de doença segundo os CID com os diagnósticos de origem cardiovascular associados à mortalidade,

existentes no DATASUS

GRUPOS SEGUNDO O DIAGNÓSTICO ORIGEM CARDIOVASCULAR PELO CID

GRUPO 1
CID 10 - I20 Angina pectoris
CID 10 - I20.0 Angina instável
CID 10 - I20.1 Angina pectoris com espasmo documentado
CID 10 - I20.8 Outras formas de angina pectoris
CID 10 - I20.9 Angina pectoris, não especificada
CID 10 - I21 Infarto agudo do miocárdio
CID 10 - I21.0 Infarto agudo transmural da parede anterior do miocárdio
CID 10 - I21.1 Infarto agudo transmural da parede inferior do miocárdio
CID 10 - I21.2 Infarto agudo transmural do miocárdio de outras localizações
CID 10 - I21.3 Infarto agudo transmural do miocárdio, de localização não especificada
CID 10 - I21.4 Infarto agudo subendocárdico do miocárdio
CID 10 - I21.9 Infarto agudo do miocárdio não especificado
CID 10 - I22 Infarto do miocárdio recorrente
CID 10 - I22.0 Infarto do miocárdio recorrente da parede anterior
CID 10 - I22.1 Infarto do miocárdio recorrente da parede inferior
CID 10 - I22.8 Infarto do miocárdio recorrente de outras localizações
CID 10 - I22.9 Infarto do miocárdio recorrente de localização não especificada
GRUPO 2
CID 10 - I11.0 Doença cardíaca hipertensiva com insuficiência cardíaca (congestiva)
CID 10 - I50 Insuficiência cardíaca
CID 10 - I50.0 Insuficiência cardíaca congestiva
CID 10 - I50.1 Insuficiência ventricular esquerda
CID 10 - I50.9 Insuficiência cardíaca não especificada
CID 10 - R57.0 Choque cardiogênico
GRUPO 3
CID 10 - I46 Parada cardíaca
CID 10 - I46.0 Parada cardíaca com ressuscitação bem-sucedida
CID 10 - I46.1 Morte súbita (de origem) cardíaca, descrita desta forma
CID 10 - I46.9 Parada cardíaca não especificada
CID 10 - I49.0 Flutter e fibrilação ventricular
CID 10 - I49.1 Despolarização atrial prematura
CID 10 - I49.2 Despolarização juncional prematura
CID 10 - I49.3 Despolarização ventricular prematura
CID 10 - I49.4 Outras formas de despolarização prematura e as não especificadas
CID 10 - I49.5 Síndrome do nó sinusal

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

CID 10 - I49.8 Outras arritmias cardíacas especificadas


CID 10 - I49.9 Arritmia cardíaca não especificada
CID 10 - I47.2 Taquicardia ventricular
GRUPO 4
CID 10 - I40 Miocardite aguda
CID 10 - I40.0 Miocardite infecciosa
CID 10 - I40.1 Miocardite isolada
Miocardite aguda não especificada
CID 10 - I40.9

CID: código internacional das doenças

A análise estatística dos casos de óbito de origem cardiovascular hospitalar das fases pré e per-pandemia foi
avaliada, segundo as frequências, médias e desvios-padrão, da mediana e dos quartilhes conforme necessidade.
Os dados foram analisados descritivamente, por meio de frequências absolutas e percentuais para as
variáveis categóricas. Os dados utilizados foram obtidos pelos arquivos reduzidos das internações hospitalares
ocorridas no estado do Rio de Janeiro e convertidos em planilhas EXCEL e o programa utilizado para
obtenção dos cálculos estatísticos foi o IMB SPSS na versão 25.

Resultados

Em um total de 2.357.755 internações no estado do Rio de Janeiro (ERJ), entre 01/2018 e 04/2021,
observou-se que 79.643 (3,37%) foram devido à Doença Cardiovascular (DCV). Entre o total de internações,
ocorreram 176.691 desfechos de óbito, sendo que 13.128 (7,42%) foram por DCV.
Ao analisar anualmente, as internações e o desfecho em epígrafe das doenças cardiovasculares, podemos observar
que em 2018 foram registrados 25.427 óbitos, em 2019 houve registro de 27.050 e, em 2020, durante o período
per-pandêmico da Covid-19, 23.118 casos. A internação por doença cardiovascular reduziu 15,6% em 2020, quando
comparado a 2019 e, 11,4%, em relação a 2018. Quanto aos óbitos durante as internações, a ocorrência no ano de
2020 foi menor em 13,4% quando comparado à 2019 e, 9,5% em relação à 2018. A redução de óbitos por doença
cardiovascular não refletiu o panorama de óbitos gerais, que aumentaram em 19,3% no período per-pandêmico da
Covid-19, independentemente, de manter o padrão de redução na internação geral (Tabela 2 e 3)

Tabela 2. Total geral e de doença cardiovascular sobre hospitalizações e óbitos no Estado do Rio de Janeiro.

Total geral e de doença cardiovascular sobre hospitalizações e óbitos no estado do Rio de

Janeiro no período entre 01/2018 e 04/2021


Hospitalizações Hospitalizações por óbitos DCV
Óbitos geral RJ
geral RJ DCV RJ RJ
n (%)
n (%) n (%) n (%)
Período 2.357.755 79.643 13.128
176.691 (100)
Total (100) (3,37) (7,42)

511
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

773.403 25.410 4.133


01/2018 a 12/2018 47.826 (100)
(100) (3,46) (8,64)
753.665 26.672 4.318
01/2019 -12/2019 49.856 (100)
(100) (3,53) (8,66)
671.489 22.504 3.737
01/2020 -12/2020 59.483 (100)
(100) (3.35) (6,28)
199.198 5.057 940
01/2021 - 04/2021 19.526 (100)
(100) (2,53) (4,81)

Tabela 3 – Distribuição dos 79.643 óbitos entre as internações no estado do Rio de Janeiro entre 2018 e abril de 2021

que apresentavam doenças cardiovasculares entre pacientes hospitalizados e óbitos por ano.

Hospitalizações Óbitos Óbito/internação


N % N % % (1)
Total 79.643 100,0 13.128 100,0 16,5
Ano
2018 25.410 31,9 4.133 31,5 16,3
2019 26.672 33,5 4.318 32,9 16,2
2020 22.504 28,3 3.737 28,5 16,6
2021 (1)
5.057 6,3 940 7,2 18,6
(1) Dados de janeiro a abril do ano de 2021

(2)

Objetivando realizar uma análise comparativa mais apurada, as internações e óbitos, foram descritas por
bimestre, região de saúde, grupos de diagnósticos e faixa etária. Sendo assim, o primeiro bimestre do ano de
2021 apresentou queda de 26,5% de hospitalizações por DCV em relação à 2020 e, 28,6% em relação à 2019.
A queda da hospitalização no ano de 2020 foi 2,9%, em relação à 2019, sendo menor quando comparada ao
mesmo período entre 2021 e 2019, por se tratar de período pré-pandêmico. O segundo bimestre de 2021
apresentou queda de 45,2% ao ano de 2020 e, 49,9%, em relação à 2019 na hospitalização. A redução em
2020 foi de 8,6% em relação ao ano anterior, no mesmo período. No período per-pandêmico, o terceiro
bimestre, o qual coincide com o pico da primeira onda da Covid-19, https://painel.saude.rj.gov.br/arquivos/
Cenario_Covid-19_Setembro_2021.pdf,18 demonstrou redução de 23,6% nas hospitalizações, em relação ao
ano de 2019, por DCV. (Tabela 4 e 5).

512
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 4 – Distribuição dos pacientes que internaram por doença cardiovascular, por bimestre, no estado de RJ, segundo

o ano da ocorrência.

Ano da ocorrência - hospitalizações


2018 2019 2020 2021 Grupo Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
25410 26672 22504 5057
TOTAL 79643 (100,0)
(100,0) (100,0) (100,0) (100,0)
Bimestre
4222 3011
Primeiro 3675 (14,5) 4098 (18,2) 15006 (18,8)
(15,8) (59,5)
4086 2046
Segundo 4043 (15,9) 3732 (16,6) 13907 (17,5)
(15,3) (40,5)
4301
Terceiro 4253 (16,7) 3283 (14,6) - 11837 (14,9)
(16,1)
4996
Quarto 4574 (18,0) 4033 (17,9) - 13603 (17,1)
(18,7)
4782
Quinto 4576 (18,0) 3918 (17,4) - 13276 (16,7)
(17,9)
4285
Sexto 4289 (16,9) 3440 (15,3) - 12014 (15,1)
(16,1)

Tabela 5 – Distribuição dos pacientes que evoluíram para óbito, por doença cardiovascular, por bimestre, no estado do

Rio de Janeiro, segundo o ano da ocorrência.


Ano da ocorrência – óbitos hospitalares
2018 2019 2020 2021 Grupo Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
4133 4318 3737 940 13128
TOTAL
(100,0) (100,0) (100,0) (100,0) (100,0)
Bimestre
627 626 520
Primeiro 565 (13,7) 2338 (17,8)
(14,5) (16,8) (55,3)
669 545 420
Segundo 635 (15,4) 2269 (17,3)
(15,5) (14,6) (44,7)
786 592
Terceiro 719 (17,4) - 2097 (16,0)
(18,2) (15,8)
820 693
Quarto 766 (18,5) - 2279 (17,4)
(19,0) (18,5)
745 675
Quinto 763 (18,5) - 2183 (16,6)
(17,3) (18,1)
671 606
Sexto 685 (16,6) - 1962 (14,9)
(15,5) (16,2)

Ao analisar o comportamento das internações por região de saúde, podemos verificar uma redução nas
regiões da Baixada Litorânea (21,2%), Centro-Sul (14,5%), Médio Paraíba (20,9%), Metropolitana I (18,4%),
Metropolitana II (5,3%), Norte (19,4%) e Serrana (16,4%), em relação a 2019 e um aumento nas regiões da
Baia da Ilha Grande (7,0%) e Noroeste (1,7%). Consequentemente, podemos observar queda em relação à
mortalidade nas regiões Centro-Sul (5,1%), Médio Paraíba (25,4%), Metropolitana I (18,1%), Metropolitana

513
II (2,4%), Norte (11%) e Serrana (11,7%) e aumento nas regiões da Baía da Ilha Grande (11,3%) e Noroeste
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

(9,3%), exceto na Baixada Litorânea que refletiu a série histórica (Tabela 6 e 7).

Tabela 6 – Distribuição das internações por doença cardiovascular, por região, no estado de RJ, segundo o ano da

ocorrência.

Ano da ocorrência – hospitalização


2018 2019 2020 2021 Grupo Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
TOTAL 25410 (100,0) 26672 (100,0) 22504 (100,0) 5057 (100,0) 79643 (100,0)
Região do estado
Baia da Ilha Grande 551 (2,2) 570 (2,1) 610 (2,7) 104 (2,1) 1835 (2,3)
Baixada Litorânea 991 (3,9) 943 (3,5) 743 (3,3) 133 (2,6) 2810 (3,5)
Centro-Sul 1682 (6,6) 1724 (6,5) 1474 (6,5) 408 (8,1) 5288 (6,6)
Médio Paraíba 2855 (11,2) 3025 (11,3) 2394 (10,6) 535 (10,6) 8809 (11,1)
Metropolitana I 10334 (40,7) 11382 (42,7) 9291 (41,3) 2093 (41,4) 33100 (41,6)
Metropolitana II 2592 (10,2) 2746 (10,3) 2600 (11,6) 600 (11,9) 8538 (10,7)
Noroeste 1300 (5,1) 1166 (4,4) 1186 (5,3) 320 (6,3) 3972 (5,0)
Norte 2400 (9,4) 2351 (8,8) 1894 (8,4) 394 (7,8) 7039 (8,8)
Serrana 2705 (10,6) 2765 (10,4) 2312 (10,3) 470 (9,3) 8252 (10,4)

Tabela 7- Distribuição dos óbitos, por doença cardiovascular, por região, no estado do Rio de Janeiro, segundo o

ano da ocorrência.

Ano da ocorrência – óbitos hospitalares


2018 2019 2020 2021 Grupo Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
TOTAL 4133 (100,0) 4318 (100,0) 3737 (100,0) 940 (100,0) 13128 (100,0)
Região do estado
Baia da Ilha Grande 107 (2,6) 106 (2,5) 118 (3,2) 17 (1,8) 348 (2,7)
Baixada Litorânea 186 (4,5) 181 (4,2) 181 (4,8) 28 (3,0) 576 (4,4)
Centro-Sul 164 (4,0) 138 (3,2) 131 (3,5) 49 (5,2) 482 (3,7)
Médio Paraíba 391 (9,5) 520 (12,0) 388 (10,4) 85 (9,0) 1384 (10,5)
Metropolitana I 2007 (48,6) 2123 (49,2) 1739 (46,5) 440 (46,8) 6309 (48,1)
Metropolitana II 613 (14,8) 584 (13,5) 570 (15,3) 168 (17,9) 1935 (14,7)
Noroeste 117 (2,8) 97 (2,2) 106 (2,8) 30 (3,2) 350 (2,7)
Norte 232 (5,6) 254 (5,9) 226 (6,0) 62 (6,6) 774 (5,9)
Serrana 316 (7,6) 315 (7,3) 278 (7,4) 61 (6,5) 970 (7,4)

Na Tabela 8, as internações de 2020, por grupo de diagnósticos, apresentam redução em todos os grupos
em comparação a 2019, sendo mais marcante no grupo de diagnóstico que se refere a insuficiência cardíaca
(GRUPO 2), uma queda de 22,6%, seguida do GRUPO 3 (19,3%) e GRUPO 4 (18,9%).
Ao avaliar os óbitos no mesmo período (Tabela 9), chamou a atenção o aumento de 91,67% de óbitos
por miocardite (GRUPO 4), quando comparados a 2019, inferindo que a doença concomitante possa ter

514
corroborado no diagnóstico.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 8 – Distribuição das internações por doença cardiovascular, por grupo de diagnóstico, no estado de RJ, segundo

o ano da ocorrência.

Ano da ocorrência - hospitalizações

2018 2019 2020 2021 Grupo Total

n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

25410 26672 22504 79643


TOTAL 5057 (100,0)
(100,0) (100,0) (100,0) (100,0)

Diagnóstico principal

Grupo 1 13465 (53) 14327 (53,7) 12916 (57,4) 2882 (57,0) 43590 (54,7)

Grupo 2 11132 (43,8) 11335 (42,5) 8772 (39,0) 1899 (37,6) 33138 (41,6)

668 888 717 240 2513


Grupo 3
(2,6) (3,3) (3,2) (4,7) (3,2)
145 122 99 36 402
Grupo 4
(0,6) (0,5) (0,4) (0,7) (0,5)

Tabela 9 - Distribuição dos óbitos cardiovasculares no estado do Rio de Janeiro segundo o ano da ocorrência.

Ano da ocorrência – óbitos hospitalares

2018 2019 2020 2021 Grupo Total

n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)


4133 4318 3737 940 13128
TOTAL
(100,0) (100,0) (100,0 (100,0) (100,0)
Diagnóstico principal
1298 1293 1136
Grupo 1 275 (29,3) 4002 (30,5)
(31,4) (29,9) (30,4)
2514 2547 2211
Grupo 2 506 (53,8) 7778 (59,2)
(60,8) (59,0) (59,2)
290 466 367 1273
Grupo 3 150 (16,0)
(7,0) (10,8) (9,8) (9,7)
9 75
Grupo 4 31 (0,8) 12 (0,3) 23 (0,6)
(1,0) (0,6)

Nas Tabelas 10 e 11 revela-se o impacto da pandemia nas internações e óbitos por faixa etária em relação
à 2019. Nas internações (Tabela 10) observa-se queda em todas as faixas etárias, a mais expressiva na faixa
etária de 0 a 9 anos (32,6%), seguidas pelas faixas de 20 a 39 anos (26,1%); 70 a 79 anos (16,4%); 80 a 89 anos
(16,0%); 60 a 69 anos (15,3%); 40 a 59 anos (13,9%), 90 a 99 anos (13,8%) e 10 a 19 anos (6,7%) (Tabela 10).
No que se refere a mortalidade (Tabela 11) observamos queda nas faixas etárias de 20 a 39 anos (25,2%),
seguida da 09 a 9 anos (24,2%), 60 a 69 anos (21,3%), 80 a 89 anos (14,3%), 70 a 79 anos (10,7%) e 40 a 59 anos (7,2%)
e aumento nas faixas de 10 a 19 anos (17,6%) e 90 a 99 anos (3,1%).

515
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 10 – Distribuição das internações por doença cardiovascular, por faixa etária, no estado de RJ, segundo o ano da

ocorrência.

Ano da ocorrência - hospitalização


Grupo
2018 2019 2020 2021
Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
25410 26672 22504 5057 79643
TOTAL
(100,0) (100,0) (100,0) (100,0) (100,0)
Faixa etária (anos)
0a9 112 (0,4) 138 (0,5) 93 (0,4) 22 (0,4) 365 (0,5)
10 a 19 110 (0,4) 90 (0,3) 84 (0,4) 15 (0,3) 299 (0,4)
2953
20 a 39 921 (3,6) 1037 (3,9) 766 (3,4) 229 (4,5)
(3,7)
6914 24308
40 a 59 7813 (30,7) 8033 (30,1) 1548 (30,6)
(30,7) (30,5)
6959 24438
60 a 69 7694 (30,3) 8216 (30,8) 1569 (31,0)
(30,9) (30,7)
4905 17386
70 a 79 5525 (21,7) 5864 (22,0) 1092 (21,6)
(21,8) (21,8)
2321 8267
80 a 89 2707 (10,7) 2764 (10,4) 475 (9,4)
(10,3) (10,4)
1627
90 a 99 528 (2,1) 530 (2,0) 462 (2,1) 107 (2,1)
(2,0)

Tabela 11 - Distribuição dos óbitos pacientes que por doença cardiovascular por faixa etária no estado do Rio

de Janeiro segundo o ano da ocorrência.

Ano da ocorrência – óbitos hospitalares

2018 2019 2020 2021 Grupo Total

n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)


4133 4318
TOTAL 3737 (100,0) 940 (100,0) 13128 (100,0)
(100,0) (100,0)
Faixa etária (anos)
34 33 25 8 100
0a9
(0,8) (0,8) (0,7) (0,9) (0,8)
12 17 20 3 52
10 a 19
(0,3) (0,4) (0,5) (0,3) (0,4)
51 433
20 a 39 118 (2,9) 151 (3,5) 113 (3,0)
(5,4) (3,3)
2462
40 a 59 789 (19,1) 767 (17,8) 712 (19,1) 194 (20,6)
(18,8)
3360
60 a 69 1057 (25,6) 1156 (26,8) 910 (24,4) 237 (25,2)
(25,6)
3526
70 a 79 1074 (26,0) 1163 (26,9) 1039 (27,8) 250 (26,6)
(26,9)
2547
80 a 89 842 (20,4) 835 (19,3) 716 (19,2) 154 (16,4)
(19,4)
43 648
90 a 99 207 (5,0) 196 (4,5) 202 (5,4)
(4,6) (4,9)

516
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Discussão

Este estudo mostrou que em uma análise comparativa de três anos (2018, 2019 e 2020), o período per-
pandemia (2020) apresentou nítida redução das internações por DCV. Os óbitos por DCV também foram
reduzidos (em 2020 foi menor em 13,4% e 9,5% comparados à 2019 e 2018), embora os óbitos de forma
geral se elevaram em 19,3% neste período, talvez por reflexo da própria gravidade da Covid-19. (Tabela 2 e
3). Na avaliação por bimestre, no período pandêmico do segundo bimestre de 2021 a queda de internações
por DCV foi a mais expressiva, comparada aos mesmos períodos de 2020 e 2019, sendo de 45,2 e 49,9%,
respectivamente (Tabela 4 e 5). No terceiro trimestre de 2021, coincidente com o pico da primeira onda de
Covid-19 a tendência de redução das internações por DCV se manteve, embora de forma menos acentuada
(23,6%) em relação a 2019.
No que se refere aos quatro tipos de diagnóstico cardiovascular analisados (GRUPOS de 1 a 4), todos
apresentaram redução nas internações no período da pandemia, sendo a insuficiência cardíaca a que mais
diminuiu (Tabela 8). No que tange aos óbitos e ao diagnóstico cardíaco, se observou um expressivo aumento
de 91,67% de óbitos por miocardite (GRUPO 4), quando comparados a 2019, certamente relacionados à
infecção pelo Coronavirus. (Tabela 9).
Na análise das internações e consequente mortalidade pela DCV por região no Estado do Rio de Janeiro
(ERJ), todas mostraram redução, exceto na Baia da Ilha Grande e Noroeste que mostraram elevações em
ambos os parâmetros (Tabela 6 e 7).
Em relação a faixa etária a redução das internações na pandemia foi encontrada em todas elas. No que
tange a mortalidade ela foi maior nas faixas de 10 a 19 anos (17,6%) e 90 a 99 anos (3,1%), provavelmente
sem relação com a Covid-19.
Regra geral nossos dados são coincidentes com os dados de literatura, onde se observa uma redução das
internações cardiovasculares, uma vez que o temor dos ambientes hospitalares ainda ocorre. Um estudo mostrou
que a redução no atendimento dos quadros de SCA foi mais acentuada nos infartos sem supra desnível do
segmento ST (IAMSSST- 27%) e menos nos infartos com supra desnível do segmento ST (IAMCSST-
21%).19 Em nossa casuística, apesar de não ter sido avaliado o tipo de IAM, o número de internações nos
quadros de doença arterial coronariana (GRUPO I) não mostrou redução significativa. Especula-se que possa
haver uma redução da internação por DCV às custas de aumento na mortalidade residencial e também, que a
SCA associada à infecção possa elevar a mortalidade cardíaca. Guimarães e col.11 mostram um aumento nos
óbitos domiciliares por parada cardiorrespiratória (PCR) em março de 2020, se comparados com o mesmo
período em 2018 (p < 0,001) e março de 2019 (p = 0,050). Dos óbitos relatados por PCR em 2020, 63,8% dos
pacientes tinham 60 anos ou mais; 63,7% das ocorrências foram à tarde e, aproximadamente 87% dos casos
de parada cardiorrespiratória notificados apresentavam comorbidades clínicas. Não obstante, especialistas
sinalizam que grandes metrópoles apresentaram, associada a redução de atendimento das SCA nas unidades
de emergência, uma elevação no número de mortes domiciliares. Relatos do corpo de bombeiros da cidade
de Nova York, mostram que entre 30/03 até 5/04/2020 o atendimento de emergência da corporação recebeu
1990 ligações com relatos de infarto. O número total de chamadas resultou em 1429 mortes por problemas

517
cardíacos graves, número oito vezes maior do que o registrado em 2019, no mesmo período.20-
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Estes dados foram corroborados em recente metanálise de 40 estudos, com 67.839 pacientes onde os
dados do ano de 2019, confrontados com os de 2020, durante a pandemia, revelaram uma queda de 28,1%
nos atendimentos das SCA.12
A incidência exata da SCA na Covid-19 é desconhecida, mas o centro chinês de controle e prevenção de
doenças, avaliando 44.672 casos da Covid-19 encontrou 4,2% de associação, sendo que 22,7% do binômio
Covid-19 e SCA foram de casos fatais. Muito maior que a mortalidade da Covid-19, sem SCA, que se
apresentou em 2,3 % dos pacientes. 21
Nos dados que apresentamos, no ERJ, não se estabeleceu um aumento efetivo da mortalidade cardiovascular
relacionado a pandemia. Estas hipóteses, ancoram-se na inexistência de estudos conclusivos que determinem
a escalada de morte por problemas cardíacos decorrentes da pandemia.

Limitações do estudo
Nosso estudo, a despeito de ser um levantamento bastante relevante para a população do Rio de Janeiro
e para o conhecimento global das DCV na pandemia, apresenta várias limitações. Por se tratar de um estudo
retrospectivo e se basear em banco de dados, pode haver vários vieses de interpretação e na análise de dados.
O fato de não termos nesta casuística os dados sobre óbitos domiciliares, cria uma lacuna sobre o impacto da
mortalidade das DCV no período da pandemia.

Considerações finais

Em consonância com os dados de literatura houve redução das internações por DCV no período per-
pandemia (2020 e 2021). Os óbitos por DCV também foram reduzidos, mas com elevação da mortalidade
global, certamente relacionada a pandemia. As internações dos quatro grandes Grupos de DCV foram
reduzidas, sobretudo nos pacientes com Insuficiência Cardíaca. Houve um expressivo aumento da mortalidade
por miocardite, provavelmente relacionada ao vírus. As áreas que tiveram elevação nas internações e consequente
mortalidade foram a Baia da Ilha Grande e o Noroeste fluminense. A avaliação complementar deste estudo,
com a análise dos óbitos domiciliares, está em andamento e certamente nos trará maiores informações sobre
a DCV e a Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro.

Bibliografia

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520
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Avaliação do uso de um aplicativo móvel para


prevenção e controle de sobrepeso e obesidade em
adultos durante a pandemia da Covid-19

Giselle Christina Felix da Silva Palma1; Alexandra Monteiro2; Marcia Ito3

1
Aluna do curso de Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e

Telessaúde. Telessaúde UERJ. Faculdade de Ciências Médicas FCM;


2
Professora Titular na Faculdade de Ciências Médicas e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e

Telessaúde; 3Doutora em Engenharia Elétrica. Professora na Faculdade de Tecnologia de São Paulo.

Descritores em português: Design centrado no usuário; Teste de usabilidade; Aplicativo móvel; Telessaúde; Obesidade.

Descritores em inglês: Mobile health applications; Digital health; Obesity; Overweight; Weight loss; Usability.

Introdução

Os Aplicativos Móveis para saúde podem ser utilizados para realizar tarefas como gestão de bem-estar,
mudança de comportamento, coleta de dados, gerenciamento de doenças, autodiagnostico, reabilitação, bem
como atuar como um portal eletrônico do paciente para acesso às informações e como lembretes de medicação.
Uma série de resultados de estudos em aplicativos para saúde indicaram que se bem projetados, podem
capacitar os pacientes, melhorar a adesão à medicação, além de reduzir o custo da assistência à saúde. No
entanto, estudos também apontam que cerca de metade dos usuários de aplicativos para saúde deixam
de usá-los por várias razões como custos ocultos, consumo de dados móveis e perda de interesse, que são
essencialmente considerados fatores atrelados a problemas de usabilidade, levantando-se a importância de
uma boa usabilidade para aplicativos móveis de saúde.1
Embora a usabilidade seja considerada um dos aspectos mais importantes da qualidade do software por
diversos autores, ainda são poucas as pesquisas disponíveis na literatura.2 Desta maneira, apesar da promessa
que os aplicativos se propõem a cumprir, os respectivos efeitos relatados nas avaliações dessas intervenções são
frequentemente pequenos. A explicação potencial seria o nível de aceitação e envolvimento, onde “aceitação”
como sendo o ato de baixar e instalar um aplicativo e “envolvimento” definido como frequência de uso.3-4
Usabilidade é, portanto, um conjunto de elementos que garantem que os sistemas projetados sejam fáceis
de aprender, efetivos no uso e agradáveis para seus usuários, além de considerar a capacidade do usuário em
concluir uma determinada tarefa.4
Mundialmente, a epidemia da obesidade cresce de forma acelerada e potencializada em função da
pandemia e suas medidas restritivas, assim como a oferta de soluções em aplicativos móveis como apoio para o
controle de peso e para o emagrecimento. O estudo "Health Effects of Overweight and Obesity in 195 Countries
over 25 Years", analisou os dados de 68,5 milhões de pessoas durante 25 anos e identificou que a prevalência
de sobrepeso e obesidade dobrou em mais de 70 países entre crianças e adultos entre os anos de 1980 e 2015.

521
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Segundo o relatório da reunião técnica do World Health Organization (WHO) realizada na Suíça, em
maio de 20155, observa-se que muito tem sido feito, mas poucos são os resultados alcançados para doenças não
transmissíveis como a obesidade que permanecem como um grande desafio para a saúde e o desenvolvimento.
Além disso, WHO é apoiador do Plano de Ação Global sobre Doenças Não Transmissíveis (DNTs) 2013-
2020, que inclui um conjunto de ações para os Estados-Membros, parceiros internacionais da WHO, com o
objetivo de prevenir as DNTs através da promoção de dietas saudáveis e da atividade física a fim de alcançar
as nove metas globais, que inclui o controle do aumento de casos de diabetes e da obesidade, até 2025.
No cenário nacional, a obesidade é, também, uma epidemia, fato atestado em pesquisa publicada pelo
Ministério da Saúde, realizada em 2019 em capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal que
identificou um cenário de 55,4% da população brasileira no quadrante de sobrepeso e obesidade.6
Nesse contexto do uso de tecnologias digitais como apoio à promoção da saúde, na prevenção de doenças
e no cuidado na doença, nomeado como Saúde Digital, destacam-se o uso de dispositivos vestíveis que são em
geral de alto custo, com um mercado estimado de $ 27 bilhões até 2022, e os aplicativos móveis que podem ser
incluídos em celulares que estão cada vez mais no cotidiano da mobilidade da população brasileira e mundial.
Assim, o desenvolvimento de aplicativos com foco no usuário e os testes de usabilidade tornam-se fundamentais
como apoio ao controle da epidemia obesidade. Entretanto, ainda não estão estabelecidos protocolos de uso de
aplicativos como o meio mais efetivo para contribuir para o controle da epidemia da obesidade o que parece estar
associado a baixa validação dos aplicativos por testes de usabilidade cientificamente validados, o que poderia
ajudar a identificar as melhorias a serem implementadas e o sucesso no combate à epidemia da obesidade.7
Neste estudo, realizamos a avaliação da usabilidade do aplicativo móvel Healthfy, que foi programado
para atender à demanda do controle da obesidade e do sobrepeso em 2017, O mesmo encontra-se disponível
nas lojas Google Play e App Store desde 2020 e registrado no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual
(INPI) sob o número BR512020002289-8. O aplicativo tem foco no usuário, com o objetivo de promover um
estilo de vida saudável ao se basear nos seis pilares da Medicina de Estilo de Vida, a saber: utiliza abordagens
terapêuticas de estilo de vida baseadas em evidências, como nutrição predominantemente baseada em dieta
com vegetais e alimento integral, atividade física regular, sono adequado, administração do estresse, evitar
uso de substâncias de risco, e outras modalidades não farmacológicas, com a intenção de prevenir, tratar
e, por vezes, reverter as doenças crônicas relacionadas ao estilo de vida que são tão prevalentes, além do
estabelecimento de conexões pessoais e interpessoais.
O aplicativo foi adaptado para o contexto pandêmico em relação às recomendações de isolamento social, a
fim de promover a humanização em tempos de distanciamento. Com essa finalidade, as práticas das atividades
ficaram disponíveis no formato síncrono e assíncrono, possibilitando ao participante, realizá-las em casa.
O instrumento de avaliação da usabilidade utilizado foi elaborado através de cocriação com a empresa
coparticipante da pesquisa com base na escala de uMARS. A pesquisa foi realizada no formato digital, através
de um link do Google Formulário, disponibilizado pelo aplicativo através de uma notificação push no último
dia do uso do aplicativo para avaliação por parte dos usuários que cumpriram toda jornada de 21 dias proposta
pelo aplicativo. O objetivo deste capítulo é apresentar os resultados preliminares do uso de um aplicativo
móvel para prevenção e controle de sobrepeso e obesidade em adultos durante a pandemia Covid-19.

522
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Relato

Métodos
Estudo experimental tecnológico qualiquantitativo através da análise dos 26 sujeitos respondentes com
sobrepeso ou obesidade colaboradores adscritos a uma empresa privada. Destes, 19 são mulheres e 6 homens,
que possuem uma média de idade de 36,7 anos, desvio padrão de 6,6 anos.
O componente quantitativo foi realizado através de análise estatística descritiva de variáveis oriundas dos
resultados da adaptação transcultural do teste de usabilidade de aplicativos móveis uMARS, composto por
perguntas fechadas e respostas no formato Likert.O componente qualitativo inclui a análise do corpo textual
e conteúdo do texto das mensagens espontâneas ao grupo on-line de participantes, por meio do método de
análise de conteúdo temático-categorial segundo Bardin.
O aplicativo Healthfy, baseado nos seis Pilares da Medicina do Estilo de Vida, possui funcionalidades
como: gamificação, jogos para saúde, redes sociais. A iniciativa baseada na gamificação de saúde tem por
objetivo divertir e engajar as equipes de funcionários que ao longo de 21 dias seguiriam competindo pelo
ranking, vencendo os desafios do aplicativo e com a possibilidade de ganhar um iPhone, patrocinado pela
empresa, como premiação do vencedor.
Entre as metas do desafio estão incluídas refeições balanceadas, sugestões de exercícios, lembretes para
beber mais água, e outras ações que possam contribuir e apoiar para a perda de perda de peso. Além disso, os
pacientes do Desafio e também sujeitos da nossa pesquisa poderiam compartilhar seus resultados e engajar
amigos e familiares por mídias e redes sociais e, dessa forma, contribuir também para o estímulo e o cuidado
com outras pessoas.
O teste foi disponibilizado aos participantes, através de um link para o Google Formulário, inserido no
último dia de utilização do aplicativo no Desafio de 21 dias.

Análise dos Dados


O teste de uMARS utiliza uma escala tipo Likert que permite respostas entre um (um dos piores que já utilizei)
a cinco (um dos melhores que já utilizei), tendo sido avaliado pelos usuários (21,7%) como um dos melhores que já
utilizaram (60,9%), como um bom aplicativo, e (17,4%) como mediano, demonstrados no Gráfico 1.

523
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Gráfico 1: Avaliação geral do aplicativo, pelo usuário. Fonte: O autor, 2021.

Essa escala também usa uma adaptação da avaliação NPS (Net Promoter Score), cujo resultado representado
no Gráfico 2 mostra que existem 100% de promotores dentre os quais (34,8%) recomendariam o aplicativo
para todo mundo, (43,5%), recomendariam para muitas pessoas e (21,7%) o recomendariam o aplicativo para
várias pessoas.

Gráfico 2: Percentual de pessoas que recomendaria o aplicativo Healthfy para outras pessoas. Fonte: O autor, 2021.

Em respeito à pesquisa qualitativa realizada a partir da análise dos registros e temas, verificamos na Tabela
1, a recorrência de 53 registros, segmentados em Eixos Temáticos e a sua respectiva proporção. Podemos
verificar que existe uma maior recorrência de registros relativos ao planejamento e execução das atividades
propostas pelo aplicativo Healthfy, seguidas de mensagens de agradecimento e interações entre participantes
no fórum para troca de receitas.

524
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Houve recorrência semelhante quanto aos depoimentos de resultados alcançados e mensagens de


parabenização aos demais participantes pelo desempenho conquistado com o aplicativo Healthfy. Também
foram considerados os registros a respeito dos sentimentos em relação ao Desafio 21 Dias MDS Brasil,
conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1: Análise de conteúdo quanto aos eixos temáticos das unidades de registro e recorrência x N x %.

Eixos temáticos Recorrência %


Mensagens de agradecimento 9 17%
Sentimentos em relação ao uso do aplicativo Healthfy 4 8%

Planejamento e Execução das atividades propostas pelo 24 45%


aplicativo Healthfy

Interações entre participantes no fórum para troca de receitas 6 11%

Mensagens de parabenização pelo desempenho com o aplicativo 5 9%


Healthfy

Depoimentos de resultados alcançados com o aplicativo 5 9%


Healthfy
Fonte: O autor, 2021.

Considerações Finais

A avaliação preliminar realizada durante a pandemia identificou que o aplicativo móvel parece provocar
impacto no estilo de vida dos adultos com maior adesão e avaliação do uso em pessoas eutróficas do que em
pessoas com sobrepeso e obesidade.

Bibliografia

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525
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

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526
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Covid-19: subnotificação e políticas públicas

Maria Isabel de Castro de Souza1;Karla Tereza Figueiredo2; Luis Cristóvão Porto3; Roberto Medronho4

1
Professora Titular Odontologia/UERJ; Professora Curso Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde/UERJ;
2
Professora Adjunto IME/UERJ; Professora Curso Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde UERJ; 3Professor

Titular IBRAG/UERJ; Coordenador do Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação; 4Professor Faculdade de

Medicina/Instituto de Estudos em Saúde Pública/UFRJ

Descritores em português: Pandemia; Covid-19; monitoramento epidemiológico; subnotificação

Descritores em inglês: Pandemic; Covid-19; epidemiological monitoring; underreponting

Introdução

O surto de um novo coronavírus detectado inicialmente em um mercado de carnes na cidade de Wuhan,


na China, causou apreensão global devido à sua rápida disseminação para diversos países, gerando impactos
na saúde pública e na economia em escala mundial1,2. Este evento gerou uma reação das autoridades sanitárias
de todos os países afetados, coordenada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), exigindo reforço das
barreiras de controle e aumento da vigilância do transporte internacional de passageiros, dentre outras ações
para retardar ou evitar sua disseminação3,4.
A doença por coronavírus 2019 (Covid-19, do inglês Coronavirus Disease 2019), como nomeado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), é causada pelo vírus SARS-CoV-2 (do inglês, Severe acute respiratory
syndrome coronavirus 2)5,6.
Muitos estudos têm demonstrado a transmissão da doença através de pacientes assintomáticos ou pré-
sintomáticos durante o período de incubação, assim como no início da doença quando os sintomas ainda
podem ser brandos ou mesmo inespecíficos7,8. Pesquisas demonstram que a identificação e isolamento de
indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves podem contribuir na redução do contágio da doença na
população2,9,10.
Dentre as ações realizadas por equipes governamentais para o entendimento da evolução da Covid-19
é sua notificação compulsória. Isto permite conhecer sua evolução espaço-temporal, subsidiar as ações de
prevenção e controle da doença, assim como o planejamento da assistência à saúde da população. A baixa
capacidade de identificação dos casos por testagem específica ou pela falta de notificação aos órgãos
competentes (subnotificação), geram incertezas no controle da doença11.
As pandemias, além dos problemas causados à saúde da população, também promovem impactos negativos
do ponto de vista fiscal e econômico aos países atingidos. O comportamento dos indivíduos é modificado, o
medo provoca uma aversão ao consumo, pode ocorrer instabilidade política, ruptura social e econômica e por
fim, gerar violência entre instituições ou cidadãos12.

527
No ano de 2003, a pandemia provocada pela SARS causou um efeito imediato e dramático na economia
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

dos países asiáticos, muito embora outros países no mundo tenham sido impactados direta ou indiretamente,
gerando uma perda econômica global num montante próximo a 80 bilhões de dólares.13 O impacto da
pandemia do vírus influenza em 2009 no Reino Unido produziu uma queda de pelo menos 4,5% do produto
interno bruto do país, com uma retomada lenta de crescimento da economia14.
O relatório da United Nations Develop Program sobre a pandemia do vírus Zika, que atingiu um total de
76 países, revelou uma perda de 7 a 18 bilhões de dólares em países da América Latina e Caribe, destacando
que tais doenças afetam primariamente, as populações mais pobres, com implicações sociais e econômicas
para comunidades inteiras, regiões e nações, sendo assim um desafio o desenvolvimento de respostas ágeis dos
sistemas de saúde e econômicos15.
As funções essenciais da saúde pública podem ser listadas como: monitoramento de uma doença numa
população, investigação e diagnóstico, mobilização de parceiros para identificar e busca de soluções para os
problemas, desenvolvimento de políticas e planos individuais e comunitários de saúde, reforço de legislações
e regulamentações, capacitação e recrutamento de recursos humanos, avaliação, acessibilidade e qualidade dos
serviços públicos, engajamento e preparo para redução dos impactos de situações emergenciais12.
O aparecimento e avanço da Covid-19 aconteceram rapidamente na China, atingindo o país inteiro num
período de trinta dias. A doença não só se expandiu geograficamente como também acometeram de forma
exponencial vários indivíduos, surpreendendo as autoridades governamentais chinesas.3 Em decorrência do estado
emergencial de pandemia pela Covid-19, visando guiar estratégias de combate e mitigação a este evento se faz
necessária geração urgente de dados estruturados acerca dos pacientes suspeitos e confirmados de infecção pelo
SARS-CoV-2, com o intuito de estabelecer políticas públicas para o enfrentamento da doença.
Na atualidade, não existe país no mundo que tenha condições de realizar testagem por RT-PCR
para toda a população. Os indivíduos infectados sem sintomas contaminam outros indivíduos. Diferentes
estratégias de predição para detecção de novos casos e taxas de transmissibilidade da doença foram relatadas
para que uma projeção mais próxima da realidade em termos de pico da doença pudesse auxiliar o manejo de
políticas públicas16. Sendo assim, uma questão estratégica para a devida resposta para epidemias de doenças
infectocontagiosas, de forma geral, é a informação e uniformidade adequada na coleta desta para que, em
um curto período de tempo, ações possam ser tomadas, evitando-se, assim, gastos excessivos, além de perdas
desnecessárias de vidas12, 17.
Neste sentido, este trabalho pretendeu estimar o número de casos subnotificados na população a partir
do uso de um questionário eletrônico a ser respondido pela internet e usando inteligência artificial para sua
classificação, vislumbrando conhecer a magnitude da infecção por SARS-CoV-2, subsidiar políticas públicas
de controle da doença e orientar estratégias seguras de flexibilização do isolamento social.

Métodos
Trata-se de estudo seccional que realizou levantamento de informações demográficas e epidemiológicas por
meio de preenchimento de questionário eletrônico para estimar o número de casos de infecção pelo SARS-
CoV-2, para subsidiar a formulação e o direcionamento das ações de saúde pública.
O questionário eletrônico foi disponibilizado para acesso gratuito, seguindo as normas vigentes

528
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

estabelecidas pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Ministério da Saúde), sendo analisados de
forma anônima, sem identificação nominal assim como os resultados serão apresentados de forma agregada (CAAE
31413020.9.0000.5259/HUPE/UERJ).
Para a elaboração e aplicação do questionário eletrônico foi utilizado o sistema Research Eletronic Data
Captur3 (RedCap/https://projectredcap.org/partners/termsofuse/). Esse questionário foi disponibilizado na
internet, com ampla divulgação dos seus objetivos para maximizar o número de respondentes.
Os dados foram organizados em um banco de dados para, em seguida, serem submetidos à análise
estatística. Também foi utilizada uma base de dados de pacientes com sinais e sintomas coletados em ambiente
hospitalar, que apresentavam resultados de testes RT-PCR positivo e negativo para Covid-19.
Assim, para atingir os objetivos, a metodologia do desenvolvimento de classificadores para identificar
possíveis casos subnotificados de Covid-19 foi iniciada por uma análise, utilizando medidas estatísticas, das
características dos respondentes que informaram resultados positivos de exames no questionário eletrônico
cotejando com as características de pacientes com exames positivos por RT-PCR para SARS-CoV-2,
disponibilizada pela PPC/UERJ. Dessa forma, foi realizada uma avaliação comparativa das duas amostras
de dados: uma utilizando dados rotulados em ambiente de saúde (pacientes com e sem Covid-19) e dados
rotulados do questionário eletrônico (respondentes que indicaram resultados positivo, negativo de teste para
Covid-19 e também, sem testagem).
Além da análise estatística, também foi desenvolvida análise exploratória dos dados utilizando técnicas
de Machine Learning, voltadas para seleção de variáveis, visando explorar as características indicadas nos
sinais e sintomas que potencializam a identificação do subconjunto de respondentes considerados como
subnotificados para Covid-19.
Entre as técnicas exploradas, no processo para avaliar os sinais e sintomas mais correlacionados ao
diagnóstico de Covid-19, considerando os pacientes da base de dados da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ,
está a análise de correspondência, Qui-quadrado, ReliefF e, Correlation Based Feature Selection (CFS)18. O
objetivo foi analisar a importância dos sinais e sintomas no diagnóstico da Covid-19, tendo como guia uma
base rotulada (positivo ou negativo para Covid-19) em ambiente de saúde.
Neste contexto, a partir do conhecimento extraído das bases rotuladas da PPC/UERJ, pretendeu-se
inferir, na base de respondentes não testados, quais seriam os que poderiam estar com Covid-19.
Considerando a existência de semelhança entre as bases da PPC/UERJ e do questionário eletrônico (após
avaliação das semelhanças entre as distribuições), pretendeu-se explorar métodos e modelos de classificação
baseados em Machine Learning, visando mapear as entradas (sinais e sintomas) em saídas (positivo ou negativo
para Covid-19).
Entre os métodos explorados foram destacados: Random Forest, Naive Bayes, k-NN e SVM. Com isso, foi
obtido ao final um modelo que, a partir dos sinais e sintomas relatados, o algoritmo informasse as chances de
ser Covid-19 nos respondentes do questionário eletrônico.
Também foi avaliado um modelo baseado em Computação Evolucionária, visando a busca e a identificação
dos sinais e sintomas da base fornecida pela PPC/UERJ, de forma a maximizar a capacidade discriminatória
dos modelos de classificação.

529
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Considerando o período de 16/maio/2020 a 04/ julho/2020 a amostra final apresentou 33.841


respondentes, sendo 28.926 respondentes do Estado do Rio de Janeiro (CEP válido, mas sem a exigência de
CPF) e 4.915 respondentes de outros estados do Brasil (Figura 1).

Figura 1 – Distribuição amostra total de questionários capturados do bando de dados no período de 16/05/20 a

04/07/2020.

A partir desta extração, a descrição e análise dos resultados do estudo procuram demonstrar, principalmente:
1) a estimativa de casos subnotificados baseada em avaliação dos sinais e sintomas observados em banco
de dados construído por meio das respostas obtidas por questionário eletrônico e validado através de
comparação com banco de dados de indivíduos testados com resultado positivo de RT-PCR pela PPC/UERJ
e, 2) desenvolvimento de modelo baseado em Inteligência Artificial, utilizando base de dados com sinais e
sintomas rotulados (positivo e negativo) para Covid-19 PPC/UERJ para avaliação da possível subnotificação
dos respondentes do questionário eletrônico.
A avaliação de subnotificados foi realizada a partir da base de dados de sinais e sintomas de pacientes
PPC/UERJ (SS-PPC) avaliados no período de 18/Março/2020 a 27/Maio/2020. A base de dados SS-PPC
utilizada no modelo contém um total de 5.011 pacientes testados para Covid-19, dos quais 2.640 tiveram
resultados de PCR positivo e 2.371 negativo (Figura 2).

530
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 2 – Distribuição amostra total de pacientes PPC/UERJ usada para base de testes e treinamento, avaliada no

período de 18/03/2020 a 27/05/2020.

Essa base foi aleatoriamente separada em dois conjuntos de dados (treinamento/TR e testes/TE) para ajuste
e avaliação dos modelos de classificação que serão utilizados. Na base TR havia 122 pacientes sem sintomas,
sendo que 44 com e 78 sem Covid-19. Na base TE havia 21 pacientes sem sintomas, sendo oito testados
positivos para Covid-19 e 13 testados com resultado negativo. Para efeito deste estudo, essa inconsistência foi
tratada considerando que todos os pacientes sem sintomas foram considerados sem Covid-19.
Assim, o conjunto TR continha a seguinte distribuição final: 2.068/1.940 de pacientes com e sem
Covid-19, respectivamente, totalizando 4.008 pacientes. O conjunto TE possuía 1.003 pacientes com a
distribuição 520/483 de pacientes com e sem Covid-19, respectivamente. Originalmente, esta base possuía 25
sinais e sintomas que foram reduzidos para apenas 11, visando compatibilizar com os 11 atributos de sinais e
sintomas coletados no questionário eletrônico: febre, tosse, espirro, coriza, dor de garganta, cefaleia, náusea/
vômitos, dificuldade de respirar, anosmia/hiposmia, diarreia e dor no corpo (Figura 3).

Figura 3 – Distribuição amostra total de pacientes PPC/UERJ usada para base de testes e treinamento, após remoção

de inconsistências e considerando 11 sinais e sintomas usados no questionário eletrônico.

531
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A partir da base TR desses sinais e sintomas foram a avaliados alguns modelos de seleção de variáveis visando
identificar alguns sinais e sintomas menos relevantes. A tabela abaixo indica ordem de importância das dos atributos
segundo os modelos de seleção de variáveis ReliefF e Taxa de Ganho de Informação Chi-quadrado19.
O modelo ReliefF apresenta em ordem de importância os atributos, que possua registros, amostrados
aleatoriamente, mais próximos (distância euclidiana ou manhatan) da mesma classe e das classes diferentes,
atribuindo pesos a estes atributos a partir da sua capacidade de discriminação das amostras. Nesse modelo
foram usados 10 vizinhos e o peso baseado na distância euclidiana das amostras vizinhas.
O Chi-quadrado avaliou o valor de um atributo calculando o valor da estatística Chi-quadrado em relação
à classe e a Taxa de Ganho avalia o valor de um atributo medindo a taxa de ganho em relação à classe.

Tabela 1 – Avaliação de Atributos.


ReliefF Taxa de Ganho de informação Chi-quadrado
Anosmia/hiposmia Anosmia/hiposmia Anosmia/hiposmia
Tosse Febre Febre
Dor de garganta Dor no corpo Dor no corpo
Febre Tosse Tosse
Cefaleia Cefaleia Cefaleia
Dor no corpo Dor de garganta Dor de garganta
Diarreia Diarreia Diarreia
Coriza Coriza Coriza
Dificuldade de respirar Espirro Espirro
Espirro Náusea/vômitos Dificuldade de respirar
Náusea/vômitos Dificuldade de respirar Náusea/vômitos

De forma geral, os modelos indicaram sinais e sintomas com ordem de importância semelhante.
A Figura 4 apresenta o gráfico de Análise de Correspondência para a base TR do SS-PPC. Pode-se observar que,
próximos aos resultados de Covid-19 positiva (Resultado sim) no quarto quadrante, há os sintomas anosmia, febre e dor
no corpo, corroborando com o que os métodos de seleção de variáveis também indicaram.
Após a avaliação dos atributos do banco de dados (PPC/UERJ), o segundo passo foi o desenvolvimento de modelo
baseado em Inteligência Artificial, utilizando esta base com sinais e sintomas rotulados (resultado positivo e negativo)
para Covid-19 para avaliação da possível classificação como subnotificação dos respondentes do questionário eletrônico.
Foram utilizados os algoritmos de classificação Support Vector Machine (SVM), Multi-Layer Perceptron (MLP),
Decision Tree, Random Forest, k-Nearest Neighbors (kNN), Adaptive Boosting (AdaBoost) e Naïve Bayes e, todos os modelos
foram verificados com base de treinamento considerando validação cruzada com 5 k-folds (k=5)20,21, 22, 23, 24, 25, 26.

532
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 4 – Análise de correspondência para a base TR do SS-PPC.

Os modelos baseados em Machine Learning obtiveram resultados semelhantes, destacando-se o algoritmo


Random Forest com melhor valor de acurácia média no conjunto de treinamento da PPC/UERJ (Tabela 2).

Tabela 2 – Acurácias médias de treinamento e acurácia com base TE para os melhores modelos avaliados.
Algoritmos Treinamento (média Teste
validação cruzada)
SVM 0.69 0.64
MLP 0.68 0.62
Arvore de Decisão 0.67 0.65
Random Forest 0.71 0.66
kNN 0.61 0.59
AdaBoost 0.68 0.66
Naive Bayes 0.66 0.65
Regressão 0.68 0.66

Ao se considerar os dados PPC/UERJ dos 5.011 pacientes, removidas as inconsistências e, somando base
de TE e TR, perfaz um total de 2.423 pacientes sem Covid-19 e 2.588 com Covid-19 (verificados pelo Teste
PCR), quando avaliados pelo critério do Ministério da Saúde para a Síndrome Gripal (SG) obtemos o total
de 2.594 pacientes com indicativo de Covid-19, sendo que desses 976 pacientes não apresentavam Covid-19
(PCR negativo) e 1.618 teriam o diagnóstico de Covid-19 confirmados pelo PCR positivo.

533
No entanto, 1.022 pacientes que possuíam PCR positivo não foram incluídos pelo critério do MS da SG
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

e 1.395 pacientes, que apresentavam o PCR negativo, foram acertadamente incluídos pelo critério do MS
como não possuindo Covid-19.
Assim, segundo o critério do MS, 2.594 pacientes PPC/UERJ teriam Covid-19. Esses resultados denotam
que o critério do MS apresenta uma estimativa um pouco pior do que o critério aprendido pelos próprios
dados PPC/HUPE, considerando o algoritmo Random Forest, por exemplo.
Também foi avaliado um modelo de seleção de variáveis do tipo wrapper, baseada em algoritmo genético,
com cromossomo binário, representado pela presença ou ausência do atributo e steady state (elitismo) com 4
indivíduos. A avaliação de cada indivíduo foi realizada a partir de modelo de classificação Random Forest.
O modelo baseado em algoritmo genético foi modelado com a seguinte estrutura: cromossoma binários
com 11 genes, cada um para um sintoma, 50 gerações, com 30 indivíduos, crossover de 2 ponto, 1% de taxa
de mutação e 60% taxa de crossover. Avaliação da melhor solução após a 3ª. geração indicou o processo de
convergência do obteve a acurácia de 0,6640.
A melhor solução: [1 0 1 0 1 1 0 1 1 0 1] proposta pelo algoritmo genético sugeriu que, entre os 11
sintomas, tosse, coriza, náusea, diarreia, seriam menos importantes.

Resultados

Para análise e comparação de resultados, a amostra utilizada para respondentes do questionário,


considerando os critérios de exclusão e inclusão assim como, extraídas inconsistências, 28.926 respondentes
(Figura 5).
A amostra foi analisada, considerando também o critério de sinais e sintomas para a subnotificação
definidos pelo MS, além dos obtidos com a pesquisa que utilizou a relação de sinais e sintomas selecionados
por modelos a partir dos dados da PPC/UERJ.
Desse total amostral foram considerados subnotificados os respondentes que apresentaram algum sinal e
sintoma, mas não procuraram o ambiente de saúde e também não fizeram qualquer tipo de teste, totalizando
24.208 respondentes.
Porém, foram considerados como prováveis subnotificados, os respondentes que apresentaram os sinais e
sintomas expostos acima, procuraram ambiente de saúde e não foram testados, pois, eventualmente, podem
ter sido incluídos em algum tipo de sistema de notificação, em decorrência dos sintomas observados pelos
profissionais de saúde que os tenham atendido, totalizando para este grupo 3.227 respondentes.

534
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 5 – Distribuição amostral questionário eletrônico, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão e, aplicação

de sinais e sintomas Ministério da Saúde e PPC/HUPE.

Os dados coletados via questionário eletrônico e estimados por Inteligência Artificial (a partir do banco
de dados PPC/UERJ), considerando o algoritmo Random Forest, apresentou o seguinte resultado para os
casos de subnotificação, 3.615 indivíduos (13,39% da amostra de respondentes do questionário).
Buscando-se uma análise mais robusta, a partir dos resultados de um conjunto de modelos composto por
Random Forest, Adaboost e SVM, configurando-se um comitê de modelos (ensemble), obteve como resultado
para os casos subnotificados, 2.531 indivíduos. (10,45% da amostra de respondentes do questionário).
Uma nova avaliação, considerando os algoritmos Random Forest, Adaboost e SVM, foi realizada a partir de
um conjunto de atributos (febre, tosse, espirro, coriza, dor de garganta, cefaleia, náusea/vômitos, dificuldade
de respirar, anosmia/hiposmia, diarréia e dor no corpo) selecionados por Algoritmos Genéticos, treinados
utilizando a base PPC/UERJ, e foram aplicados à base de subnotificados obtendo-se 2.540 indivíduos (10,49%
da amostra de respondentes do questionário).
Por fim, uma última avaliação foi feita considerando a interseção entre os atributos selecionados por GA
(algoritmo genético) e os atributos apontados nos métodos de seleção de variáveis indicados na Tabela 1 (febre,
tosse, espirro, coriza, dor de garganta, cefaleia, náusea/vômitos, dificuldade de respirar, anosmia/hiposmia, diarreia e
dor no corpo), e os algoritmos de classificação Random Forest, Adaboost e SVM. O modelo resultante foi aplicado à
base de subnotificado obtendo-se 2.656 indivíduos (10,97% da amostra de respondentes do questionário).

535
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 6 – Representação de indivíduos considerados como casos subnotificados a partir da aplicação dos modelos

sobre os respondentes do questionário eletrônico, baseados na amostra PPC/UERJ.

Os modelos e suas combinações, de forma geral (exceto o Random Forest), mostraram-se consistentemente
aderentes. Seja o modelo baseado em Ensemble (RF+AdaBoost+SVM), considerando o processo de aprendizado
a partir dos dados da PPC/UERJ com todos os atributos ou os que consideraram um conjunto restrito de
atributos definidos por conjunto de técnicas de seleção de variáveis e/ou Algoritmos Genéticos (Figura 6).

Considerações finais

A tentativa de rastreamento dos casos de subnotificação é apenas uma das formas da ciência buscar
mecanismos para identificação desta população, bem como reduzir o contágio da doença entre pessoas.
Em Minas Gerais, o estudo desenvolvido por Amaral e colaboradores (2020), concluiu a importância
significativa na consideração da leitura dos casos de subnotificação não somente sobre o item mortes como
também sobre os casos de infecção, impacto da etnia e distribuição geográfica.27
Bastos e Cajueiro (2020), analisaram as informações do banco de dados do Ministério da Saúde, entre
25 de fevereiro de 2020 e 30 de março de 2020 destacando neste período a falta de dados das características
epidemiológicas da doença, assim como os casos subnotificação frente ao número de pessoas realmente
infectadas, chamando a atenção para a comparação entre os números oficiais e o número de leitos disponíveis
em hospitais28.
A subnotificação foi notada também sobre a população infantil, de acordo com Pinto, Borges e Amorim
(2020), que compararam a incidência de hospitalizações e óbitos por síndrome respiratória aguda grave
(SRAG) nos anos de 2019 e 2020, revelando um aumento de 3,4 vezes o número de casos e 9,3 vezes o
número de óbitos por SARG sem etiologia definida29.
A análise de Prado e colaboradores (2020) sobre os casos de subnotificação e casos confirmados da
Covid-19, através da nota técnica 07 de 11 de abril de 2020, destacou que o elevado grau de subnotificação
pode sugerir uma falsa ideia de controle da doença e, como consequência, o declínio na implementação de

536
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

ações de contenção, como o distanciamento social. Os dados analisados na nota técnica ainda sugerem que o
número real de casos no Brasil seria 12 vezes maior que o oficialmente reportado30.
Sem a possibilidade da testagem em toda a população e ausência de políticas rígidas de distanciamento
social, o presente estudo pretendeu através de questionário eletrônico, de fácil preenchimento e baixo custo,
alcançar o maior número possível de pessoas da população para que, através dos seus resultados, medidas
preventivas e políticas públicas possam ser desenvolvidas a partir de seus resultados.
A aplicação de modelos matemáticos e Inteligência Artificial sobre os resultados dos questionários
preenchidos foi pautado na necessidade de ratificação ou retificação das informações preenchidas pelos
respondentes (informações autogeridas).
O banco de dados rotulado da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ e também os rótulos estabelecidos pelo
Ministério da Saúde foram testados através dos modelos matemáticos revelando um percentual de acurácia da
ordem de 66%. Com base nestes resultados e, através das comparações estabelecidas entre PPC/UERJ, MS e
questionário eletrônico, este resultado de acurácia poderia ser estendido para o banco de dados das respostas
do questionário eletrônico.
Tendo em vista a falta de recursos humanos, econômicos, físicos (ambientes hospitalares) e equipamentos,
a utilização de um questionário eletrônico de preenchimento simplificado pode ser uma ferramenta importante
no processo de identificação de indivíduos e clusters da doença durante a pandemia da Covid-19.

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scholar?q=cache:W107FpGLAF UJ:scholar.google.com/+Prado+et+al+(2020)+&hl=pt-BR&as_
sdt=0,5>

539
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Desafios no desenvolvimento de um novo projeto


de pesquisa durante a pandemia da Covid-19: relato
de uma experiência multidisciplinar

Patrícia Maria Lourenço Dutra1, Silvia Amaral Gonçalves da Silva, Wânia F. Pereira Manfro2, Shayane Gomes

Rodrigues Martins4; Andrea Carolinne S. Brito4; Roberto Stefan A. Ribeiro5;

Luciana Silva Rodrigues3

1
Docente na Disciplina de Parasitologia; Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, Faculdade de Ciências

Médicas FCM UERJ; 2 Docente na Disciplina de Microbiologia e Imunologia, DMIP FCM UERJ; 3Disciplina de Patologia

Geral, Departamento de Patologia e Laboratórios (DPL), FCM/UERJ;


4
Técnico/Biólogo na Disciplina de Parasitologia; Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, Faculdade de

Ciências Médicas FCM UERJ; 5 Técnico/Biólogo Disciplina de Patologia Geral, Departamento de Patologia e Laboratórios

(DPL), FCM/UERJ

Descritores em português: Covid-19; projeto de pesquisa; resposta imune celular; citocinas.

Descritores em inglês: Covid-19; research project; cellular immune response; cytokines.

Introdução

A pandemia da Covid-19 impôs ao mundo mudanças radicais e o desenvolvimento rápido de estratégias


em diferentes áreas de conhecimento, em especial, nas ciências médicas e da saúde, no que se refere ao
enfrentamento direto ao novo vírus, o conhecimento de sua biologia, interação com o hospedeiro, mecanismos
da fisiopatologia, complicações e formas de mitigar a dispersão da doença. Neste sentido, o esforço concentrado
e direcionado de uma variedade de especialistas se fez premente e, este foi sustentado pela vontade legítima de
profissionais em contribuir, de alguma forma, para o avanço consciente e racional da ciência neste momento
da história da humanidade no qual nossa geração jamais tinha vivenciado.
O presente capítulo conta a experiência vivida por um grupo de pesquisadores, alunos e biólogos da
Faculdade de Ciências Médicas da UERJ no desenvolvimento de uma nova linha de pesquisa abrangendo
as disciplinas de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia e Patologia Geral, além de grupos na assistência
direta aos pacientes no complexo de saúde da UERJ, com o objetivo principal de contribuir para uma melhor
compreensão da resposta imune celular na Covid-19. Inicialmente, pretendemos explorar aspectos gerais
relacionados à epidemiologia, principais testes diagnósticos e resposta do hospedeiro que motivaram nossas
ações, perpassando pelo processo de planejamento e desenvolvimento da pesquisa.

540
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Relato

Aspectos epidemiológicos da Covid-19 na escala do tempo


Em dezembro de 2019 surgiram vários casos de pneumonia de causa desconhecida em Wuhan, Hubei,
China. Esses casos apresentavam manifestações clínicas semelhantes às de uma pneumonia viral.1 A análise do
sequenciamento de amostras do trato respiratório inferior desses pacientes sugeriu um novo coronavírus como
o agente etiológico. Especialistas do Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) denominaram,
então, esse novo coronavírus como Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS-CoV-2),
por sua semelhança ao vírus que causou o surto de SARS (SARS-CoV) em 2002. A doença causada pelo
SARS-CoV-2 foi denominada, pela Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO), como Doença do
Coronavírus 2019 (Covid-19).2
Ainda em janeiro de 2020, vinte países notificaram uma sequência de novos casos de Covid-19, incluindo
Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos, Macau, Singapura, Malásia, França, Vietnã, Nepal, Canadá, Austrália,
Alemanha, Sri Lanka, Camboja, Finlândia, Filipinas, Índia, Rússia Itália e Reino Unido. Em 26 de fevereiro
de 2020, o número de casos registrados nos países pelo mundo já havia ultrapassado o total de casos na China.
A Covid-19 também já havia chegado à América Latina. No Brasil, em São Paulo, um homem de 61 anos
recém-chegado da Itália foi diagnosticado como o primeiro portador da Covid-19 na América Latina.3 No
mês seguinte, em 11 de março, a OMS declarou o surto de Covid-19, iniciado na China, como pandemia.
Naquela data, 118.000 casos e 4.291 mortes foram notificados em 114 países.4
Lamentavelmente, a despeito das estratégias para mitigação da cadeia de transmissão e início da
imunização contra o vírus (por meio das diferentes plataformas de vacinas aprovadas e disponibilizadas para
uso emergencial), o primeiro semestre de 2021 alcançou novas ondas onde elevados índices de infecção e
morte foram observados em diferentes países pelo mundo, inclusive no Brasil. Verificamos, ainda, ao final
de 2021 uma preocupante desigualdade de acesso à vacinação, o que tem causado grande disparidade na
cobertura vacinal entre os países. Na África somente 77 milhões de pessoas foram totalmente vacinadas, o
que corresponde a apenas 5,58% da meta estabelecida pela OMS.5 Essa é uma grande preocupação, pois, a
exposição de pessoas não vacinadas ao SARS-CoV-2, pode permitir o surgimento de variantes capazes de
evadir a imunidade preventiva promovida pela vacinação. Com a globalização e a facilidade de mobilidade
entre os países/continentes, a dispersão rápida de novas variantes é uma consequência plausível.
Atualmente, de acordo com o Coronavirus Research Center da Johns Hopkins University (em 30/10/2021,
15h21min), 247.047.062 casos de Covid-19 e 5.009.037 mortes foram relatados em 213 países ou regiões. No
Brasil, 21.793.401 pessoas já foram infectadas pelo SARS-CoV-2, tendo ocorrido 607.504 óbitos. O Brasil
é o segundo país em número absoluto de óbitos por Covid-19, estando atrás apenas dos Estados Unidos da
América.6 Contudo, a ampliação da cobertura vacinal segue em ritmo de crescimento e índices epidemiológicos
atuais indicam uma tendência global de estabilidade e queda do número de casos, internações e óbitos, o que
coloca em perspectiva o retorno de atividades presenciais ou semipresenciais em diversos setores.

541
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A resposta do hospedeiro frente à Covid-19


Embora tenha um alto grau de disseminação, a Covid-19 é considerada uma doença mais benigna do
que as promovidas pelos coronavírus anteriores (SARS-Cov e MERS-Cov). Cerca de 81% das pessoas
infectadas com o SARS-CoV-2 são assintomáticas ou apresentam formas leves ou moderadas da doença, se
recuperando sem a necessidade de hospitalização. Aproximadamente 14% dos infectados desenvolvem uma
forma grave da doença, necessitando de internação, e 5% apresentam manifestações clínicas de quadro crítico,
necessitando de tratamento em unidades de terapia intensiva (UTI). Idosos e pessoas de todas as idades
portadores de comorbidades (como hipertensão, doença cardíaca, doença pulmonar, obesidade e/ou diabetes)
são mais propensos ao desenvolvimento de doença grave do que as pessoas saudáveis. 7 Todas essas condições
de saúde pré-existentes estão associadas a processos inflamatórios e podem contribuir para a hiperinflamação
e agravamento da Covid-19.
Em linhas gerais, durante a resposta imune a uma virose, o reconhecimento por células da resposta imune
inata, principalmente células dendríticas, por meio de receptores de reconhecimento de padrões (PRR),
induz a produção de interferons do tipo I8 entre outros mediadores. Posteriormente, ocorre a apresentação
de antígenos virais e ativação de linfócitos T e B específicos, gerando a resposta imune celular e humoral,
respectivamente. Além da ativação de células T citotóxicas que reconhecem e matam células infectadas por
vírus e a produção de anticorpos específicos, a resposta imune adaptativa também amplifica a produção de
citocinas e mediadores inflamatórios, os quais têm importante papel na orquestração da resposta imune contra
a infecção. Esse processo costuma ser bem modulado e resolve a infecção viral 9
Vários estudos têm mostrado que um dos motivos do agravamento da Covid-19 é uma exacerbação da
resposta imune, resultando em um processo de hiperinflamação que pode gerar falência múltipla dos órgãos em
adultos 10,11 e uma síndrome de inflamação multissistêmica pediátrica em crianças e adolescentes12, ou mesmo
em adultos. 13 Adicionalmente, pode ocorrer a cronificação da resposta imune inflamatória frente ao SARS-
CoV-2, como na síndrome pós-Covid-19 ou Covid-19 de longa duração que cursam com a persistência de
sinais, sintomas e sequelas mesmo após meses da infecção. Contudo, alguns trabalhos têm demonstrado que a
imunidade celular parece ser mais constante e mais duradoura em indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2,
ainda que assintomáticos.14, 15
Tendo em vista que a pandemia de Covid-19 exigiu e tem, ainda, exigido da comunidade científica mundial
um grande esforço para o desenvolvimento de pesquisas que permitissem o entendimento dos mecanismos
envolvidos na patogenia dessa nova doença, vislumbramos a possibilidade de reunimos a expertise de docentes,
discentes e técnicos nas áreas de estudos de imunopatologia e da relação parasito-hospedeiro para contribuir
neste desafio. E um novo período de aprendizado mútuo se iniciou para todos nós.

A ideia
Os métodos para o diagnóstico da Covid-19 se baseiam na detecção direta do material genético viral em
amostras de secreção respiratória (naso- e orofaringe, lavado brônquico ou secreção traqueal) ou de maneira
indireta, pela detecção ou quantificação de anticorpos contra as proteínas do SARS-CoV-2. 16 A reação da
transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-qPCR) foi estabelecida como padrão

542
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

ouro para o diagnóstico laboratorial da Covid-19. A detecção da carga viral, em média, costuma ser viável
entre o terceiro e 12º dia após o início dos sintomas, podendo ocorrer detecção prolongada em situações de
maior gravidade. Contudo, existem limitações e diversas variações de sensibilidade do teste nas diferentes
amostras respiratórias e de acordo com a gravidade da manifestação dos sintomas, com o tempo de infecção
e com a carga viral presente no paciente. 16 O início dos sintomas (dia 0) ocorre, geralmente, 5 dias após a
infecção (dia –5). Nesta fase inicial correspondente à janela ou período assintomático, a carga viral pode estar
abaixo do limite de detecção do RT-PCR e o teste pode apresentar resultados falso-negativos. O mesmo
acontece no final da doença, quando o paciente está se recuperando, reduzindo a chance da detecção do
material genético do vírus nas amostras do paciente para o período aproximado entre o 5º e o 16º dias após o
surgimento dos sintomas. 17
Dentre os testes imunológicos utilizados no Brasil encontram-se a quimioluminescência (CLIA), o ensaio de
imunoabsorção enzimática (ELISA) e a imunocromatografia (teste rápido). Em um estudo realizado por uma rede
de laboratórios de análises clínicas no Brasil, com 91 pacientes internados com Covid-19, a sensibilidade geral para
o método de CLIA encontrada foi de 73,9% para IgM e de 56% para IgG, sendo a maioria das amostras de soro
estudadas colhidas com menos de sete dias de início dos sintomas. Quando a sensibilidade foi reavaliada acima da
janela imunológica, encontrou-se uma sensibilidade de 82% para IgM e de 86,6% para IgG. 18 A soroconversão,
geralmente, pode ser detectada entre 5–7 dias e 14 dias após o início dos sintomas; portanto, na primeira fase da
doença, os testes têm maior probabilidade de dar resultados falso-negativos. 17 Deste modo, os testes sorológicos
também têm sua acurácia dependente de parâmetros associados à gravidade e ao tempo de infecção pelo SARS-
CoV-2. 17,19 Ensaios sorológicos têm sido úteis, ainda, no monitoramento e controle de eficácia frente à imunização
contra a Covid-19. Estes testes buscam avaliar a produção efetiva de anticorpos contra diferentes antígenos do
SARS-CoV-2. No entanto, um estudo mostrou que plasmas de indivíduos curados (convalescentes) tiveram um
menor grau de neutralização frente a cepa variante Gama (anteriormente descrita como P.1). Além disso, plasmas
de indivíduos que receberam a vacina CoronaVac (Sinovac) falharam em neutralizar esta variante.20, 21
Deste modo, a falta de uma um método diagnóstico acurado para a detecção do SARS-CoV-2 e o
diagnóstico da Covid-19, assim como para a avaliação da resposta vacinal contra a Covid-19, nos estimulou
a propor um estudo que visasse avaliar a resposta imune celular, uma vez que essa resposta tem se mostrado
mais constante e duradoura nos indivíduos infectados com o SARS-CoV-2. Consequentemente, levantamos
a hipótese de que o diagnóstico baseado em parâmetros da resposta imune celular poderia possibilitar a
detecção da infecção em indivíduos sintomáticos e assintomáticos com mais acurácia que os testes sorológicos.
De maneira adicional, ensaios que medissem a resposta celular poderiam ser úteis e, talvez, considerados
superiores no monitoramento da geração de imunidade e/ou proteção em indivíduos convalescentes ou
indivíduos vacinados contra a Covid-19, além de promover uma melhor compreensão da fisiopatologia da
doença em sua fase aguda ou prolongada como na Síndrome Pós-Covid-19. Assim, nossa ideia foi avaliar a
resposta imune celular frente à estimulação com a proteína S do SARS-CoV-2 em sangue total de indivíduos
expostos ou não ao SARS-CoV-2, com até 2 meses a partir da infecção, os quais apresentavam ou não
sintomas persistentes no período da coleta. A partir desta perspectiva, avaliamos a produção de um conjunto
de citocinas e quimiocinas a fim de tentar identificar diferentes perfis de resposta imunológica antígeno-
específica, buscar biomarcadores de infecção e, ainda, correlaciona-los com a clínica do paciente (Figura 1).

543
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 1: Desenho experimental do ensaio de resposta imune celular em sangue total. Sangue periférico de voluntários

foi coletado em tubo heparinizado e estimulado com a proteína S do SARS-CoV-2, fitohemaglutinina (PHA, controle

positivo), ou não estimulado por 24h. O plasma foi coletado e a concentração de citocinas e quimiocinas foi avaliada.

Planejando a pesquisa e reunindo a equipe


Em agosto de 2020, com a ideia de iniciarmos as pesquisas sobre a resposta imune celular à infecção pelo
SARS-CoV-2, quatro professoras da Faculdade de Ciências Médicas, Patricia M. L. Dutra, Silvia Amaral G.
da Silva, Wânia F. Pereira Manfro (Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia) e Luciana
Silva Rodrigues (Departamento de Patologia e Laboratórios; Laboratório de Imunopatologia), se associaram
à equipe da Policlínica Piquet Carneiro (PPC/UERJ), representados pelo professor Agnaldo José Lopes
(Disciplina de Pneumologia da FCM, responsável pelo ambulatório pós-Covid-19 da PPC), professor Thiago
Thomaz Mafort (Disciplina de Pneumologia da FCM, Ambulatório pós-Covid-19, PPC) e professor Luis
Cristovão Porto (Laboratório de Histocompatibilidade, IBRAG/PPC), para desenvolver o projeto que visava
investigar a resposta celular in vitro frente à estimulação antígeno-específica para a produção de mediadores
inflamatórios em sangue periférico de indivíduos com diferentes graus de exposição ou infecção pelo SARS-
CoV-2, conforme mostrado na Figura 1. Além destes colegas, tivemos a colaboração da Professora Leda

544
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Castilho da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a qual produz a proteína S recombinante
de SARS-CoV-2 e, somente assim foi possível realizar os ensaios de estimulação com antígeno do vírus.
Finalmente, o planejamento do desenho experimental e análise estatística dos dados que seriam obtidos foram
delineados com a colaboração do Dr. Marcelo Ribeiro Alves, tecnologista em saúde pública pelo Instituto
Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Somamos esforços para a realização dos experimentos, ainda, entre estudantes e biólogos, servidores
técnicos dos diferentes departamentos e, como participantes efetivos, também fizeram parte da equipe
os biólogos Andréia Carolinne de S. Brito e Roberto Stephan A. Ribeiro, além da aluna de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Microbiologia (PG-Micro/FCM), Shayane Martins R. Gomes e a estudante
de Medicina Mariana Soares da Cal (aluna de iniciação científica envolvida na pesquisa do ambulatório Pós-
Covid-19 da PPC). O trabalho consistiu, então, na coleta de amostras de sangue de indivíduos não expostos
ao SARS-CoV-2 e de pacientes positivos para SARS-CoV-2 com até 2 meses após a confirmação por RT-
PCR, que apresentavam ou não sintomas no período da coleta. Essas amostras foram estimuladas com a
proteína S do SARS-CoV-2 e, posteriormente, citocinas dos padrões Th1, Th2 e Th17 foram quantificadas
por Citometria de Fluxo (colaboração do biomédico Vinícius da Cunha Lisboa) e Ensaio Imunoenzimático.

O retorno ao laboratório durante a pandemia e a infraestrutura para a


realização da pesquisa
Em 16 de março de 2020, com o início da pandemia de Covid-19 declarado em 11 de março pela OMS,
o Magnífico Reitor da UERJ publicou a AEDA013, onde estabeleceu a suspensão das aulas e de todas as
atividades presenciais da Universidade. Com essa suspensão, a AEDA visava conter a propagação do SARS-
CoV-2 e proteger a comunidade acadêmica da desconhecida Covid-19. A partir deste período, somente as
atividades imprescindíveis poderiam ser realizadas, como por exemplo, o cuidado com os animais de laboratório
(Biotérios) e pesquisas associadas à pandemia. Assim, para realizarmos a pesquisa, adaptamos os laboratórios
a todas às novas exigências estabelecidas pelos protocolos de cuidado e prevenção para Covid-19. Apenas um
número restrito de pessoas poderia frequentar o laboratório ao mesmo tempo.
Com esforços somados, tínhamos em mãos uma ampla infraestrutura de pesquisa a partir da associação dos
laboratórios alocados: i) na FCM/UERJ: Laboratório de Bioquímica e Protozoários e Imunofisiologia do Exercício
(LIFE) e Laboratório de Imunofarmacologia Parasitária (LIFP) – na disciplina de Parasitologia; Laboratório de
Imunopatologia e Laboratório de Patologia Geral (Imunofenotipagem) – na Disciplina de Patologia Geral; ii) na
PPC/UERJ: Serviço de Pneumologia, Ambulatório Pós-Covid-19 e a infraestrutura do Laboratório de Imunidade
a Vacinas) e iii) na UFRJ: Laboratório de Cultivo de Engenharias Celulares (LECC). Assim, contemplamos os
ambientes com níveis de biossegurança adequados para a manipulação de amostras biológicas potencialmente
infectantes, contendo cabine de fluxo laminar, estufa de CO2, centrífugas de diferentes capacidades, freezers e
geladeiras na fase de processamento e estimulação do sangue periférico com a proteína S recombinante de SARS-
CoV-2, dosagens paralelas de anticorpos anti-Proteína S do SARS-CoV-2. E, numa fase posterior do projeto,
dispomos ainda de equipamentos como espectrofotômetro e citômetro de fluxo, os quais foram necessários para a

545
quantificação dos marcadores inflamatórios propostos, como mostrado na Figura 2.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 2: Diferentes laboratórios que deram suporte à pesquisa em etapas distintas do projeto. A) Processamento das

amostras de sangue de voluntários expostos ou não ao SARS-CoV-2 manipuladas no Laboratório HLA da PPC/

UERJ. B) Ensaio de estimulação de sangue de indivíduos sadios em um dos laboratórios da Disciplina de Parasitologia.

C) Realização do ensaio citométrico baseado em esferas fluorescentes para quantificação de citocinas. D) Aquisição e

análise por Citometria de Fluxo no Laboratório de Patologia Geral, Imunofenotipagem.

Já com esse trabalho em andamento, a vacinação contra Covid-19 foi iniciada e nossa equipe foi convidada,
pelo Dr. Luis Cristóvão Porto, para avaliar a resposta imune celular frente à vacina CoronaVac. O Dr. Cristóvão
Porto conduzia uma grande pesquisa sobre a resposta imune à vacinação com as diferentes vacinas utilizadas
na UERJ. Para esta proposta, seguimos com as avaliações da produção de citocinas em sangue não fracionado
estimulado com a proteína S recombinante de SARS-CoV-2 em diferentes tempos antes e após a vacinação
(Figura 3).

546
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 3: Equipe formada por (da esquerda para a direita) Silvia A. G. da Silva, Wânia F. Pereira Manfro, Patricia

M. L. Dutra, Shayane Martins R. Gomes, Andréia Carolinne de S. Brito, Roberto Stephan A. Ribeiro e Luciana S.

Rodrigues no campus UERJ Maracanã em posto montado para a vacinação contra a Covid-19 e coleta de amostras

para a pesquisa.

Reflexões sobre a experiência


Durante esse período nossa equipe teve inúmeros desafios para desenvolver o projeto de pesquisa. Foi
necessário nos adaptarmos às novas exigências dos protocolos sanitários e à escassez de verba para a pesquisa.
Cabe ressaltar que, no início, não dispúnhamos de verba específica para estudos em Covid-19 e neste sentido,
as parcerias estabelecidas foram essenciais para suprir as demandas iniciais e a realização dos diferentes ensaios.
Várias reuniões virtuais foram realizadas entre partes da equipe para discutirmos as estratégias e dados. Além
disso, os dados na literatura sobre a resposta imune na Covid-19 eram muito dinâmicos e atualizações diárias
eram necessárias.
Com empenho, conseguimos construir o projeto e obter resultados interessantes sobre a resposta imune
de pacientes com Covid-19 e na síndrome pós-Covid-19, sobre os quais foi possível gerar um manuscrito que
está em fase final de redação para submissão para revista internacional de alto impacto, além de dois resumos
aprovados e apresentados em formato oral (e que concorreu a prêmio) no XVIII Congresso de Pneumologia
e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (Pneumo in Rio, outubro de 2021) (Figura 4), intitulados:
Perfil de citocinas Th1xTh2xTh17 antígeno-específicas para SARS-CoV-2 em sangue total de indivíduos
recuperados e com síndrome pós-Covid-19;
Avaliação da produção de interferon-gama (IFN-γ) antígeno-específico em sangue total de indivíduos
com diferentes graus de exposição à Covid-19.

547
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 4: Resumos apresentados no XVIII Congresso de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro em

outubro de 2021.

Considerações Finais

Nossa percepção dessa vivência de fazer pesquisa em meio a uma pandemia foi de um grande aprendizado
pessoal e profissional. Com persistência e resiliência, conseguimos reunir uma equipe multiprofissional muito
competente e comprometida, além de ampliarmos nossas colaborações dentro e fora da UERJ, com parcerias
importantes em outras instituições de ensino e pesquisa de excelência. A obtenção de dados significativos
neste estudo, os quais estão sendo divulgados na comunidade científica por meio de apresentação em congresso
nacional e a publicação de artigo científico, permitirá compartilhar conhecimento e contribuir para uma
melhor compreensão da imunopatologia na Covid-19. Adicionalmente, os resultados obtidos possivelmente
trarão impacto na identificação de marcadores associados à infecção e o desenvolvimento da síndrome pós-
Covid-19. Finalmente, registramos aqui o fato de termos estreitado nossa amizade, o que nos deu, ainda, mais
força para prosseguir nessa caminhada.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos a todos os voluntários participantes da pesquisa pelo nobre intuito de
contribuírem para o avanço da pesquisa num momento desafiador para todos. Aos colegas colaboradores da
pesquisa citados ao longo do texto: Dr. Agnaldo José Lopes, Dr. Luís Cristóvão Porto, Dr. Thiago Thomaz
Mafort, Dra Leda Castilho, Dr. Marcelo Ribeiro-Alves, Mariana Soares da Cal e Vinícius da Cunha Lisboa,

548
e ao diretor da PPC, Dr. Rogério Rufino.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

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550
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Endometriose e dor pélvica: interferência da


pandemia da Covid-19
Mônica Barbosa Monteiro1; Daniele Gasparini Santa Pessanha1; Alessandra Viviane Evangelista Demôro2; Marco

Aurélio Pinho de Oliveira2; Thiers Soares Raymundo3; Thiago Rodrigues Dantas Pereira3

1
Aluna de pós-graduação – Residência Médica em Endoscopia Ginecológica no Hospital Universitário Pedro Ernesto HUPE

UERJ; 2 Professor Assistente de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas FCM/UERJ e médico no setor de ginecologia no

Hospital Universitário Pedro Ernesto HUPE UERJ ; 3 Médico no setor de Ginecologia no Hospital Universitário Pedro Ernesto

HUPE UERJ

Descritores em português: endometriose; Covid-19, dor

Descritores em inglês: endometriosis; Covid-19; pain

Introdução

A endometriose é uma das principais afecções ginecológicas. Segundo a Federação Brasileira de


Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), é definida como uma doença inflamatória crônica, estrogênio-
dependente, caracterizada pela presença de tecido endometrial, seja glândula ou estroma, fora da cavidade
uterina. Sua etiologia ainda não está bem definida, mas existem diversas teorias para tentar justificá-la,
como a da menstruação retrógrada, metaplasia celômica e implantes à distância por disseminação de células
endometriais via linfa-hematogênica.
Essa doença atinge cerca de 7 a 10% das mulheres em idade fértil, 70% das que apresentam dor pélvica
crônica e 50% das mulheres inférteis, sendo a idade média do diagnóstico entre 25 e 30 anos. Os principais
sintomas destas pacientes são dor e a infertilidade, embora possam ser assintomáticas. Donnez classificou
a endometriose em três formas distintas, que são endometriose peritoneal, endometrioma de ovário e
endometriose profunda. Sendo a primeira quando há lesão superficial seja no peritônio parietal ou visceral;
a segunda quando há formação cística no ovário; e terceiro quando penetra mais de 5 mm da superfície
peritoneal.
A queixa álgica junto com infertilidade são as queixas mais frequentes. A dor pode se apresentar de
diversas formas, entre elas: disúria, disquezia, dispareunia, dismenorreia entre outras. 1 Esses sintomas podem
estar relacionados com a tração de fibrose cicatricial e/ou pela pressão de nódulos endometrióticos embebidos
por tecido fibrótico, além do processo inflamatório gerado pela endometriose.
A presença de tecido ectópico leva a liberação de citocinas e prostaglandinas, o que atrai células do
sistema imune, culminando no processo irritativo. Cabe ressaltar que as células endometriais são umas das que
mais possuem esses mediadores químicos e que, com a persistência do foco existe o desenvolvimento outras
características da enfermidade, como a dor pélvica crônica e a fibrose. 2
Entretanto, não apenas as queixas somáticas são manifestas. Transtornos psiquiátricos são comuns em
pacientes com esse distúrbio ginecológico, em especial, ansiedade e depressão. Sua prevalência pode variar de

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

29 a 87,5% e de 14,5 a 86,5%, respectivamente. A persistência da dor pélvica crônica é fator primordial para
progressão da condição psiquiátrica, entretanto não exclusiva. Acredita-se que a falta de acesso a tratamento
especializado possa agravar a condição pregressa.3 Essa soma de sintomas gera grande impacto na qualidade
de vida dessas mulheres, suas relações familiares e impactos econômicos aos serviços de saúde, podendo ser
considerado um problema de saúde pública.
O diagnóstico da endometriose é feito com base em história minuciosa, exame físico, marcadores sorológicos,
exame de imagem, embora permaneça na literatura a necessidade de exame histopatológico através de laparoscopia
como padrão-ouro. O tratamento pode ser medicamentoso ou cirúrgico. O primeiro baseia-se no bloqueio
hormonal, o qual pode ser feito com anticoncepcionais combinados em suas diversas apresentações, progestágenos
isolados, agonista do GnRH, danazol e inibidores da aromatase. Lembrando sempre que o tratamento clínico não
objetiva a redução das lesões e sim controle da dor. O segundo está mais indicado em casos de falha ao tratamento
medicamentoso, infertilidade e comprometimento de órgão, como por exemplo, hidronefrose por compressão de
ureter, estenose intestinal por endometriomas ou invasão vesical. 4
Durante a pandemia do novo Coronavírus, também conhecido como SARS-CoV-2, diversos centros
de saúde precisaram redirecionar seus recursos para atendimento dos pacientes com o novo vírus. Portanto,
os atendimentos ambulatoriais e cirurgias eletivas foram suspensos, temporariamente. Com isso, indivíduos
portadores de doenças crônicas, dentre elas a endometriose, permaneceram meses sem acesso ao serviço de
saúde especializado em suas enfermidades. 5
A interrupção, mesmo que momentânea, do acompanhamento dessas mulheres podem ter consequências
orgânicas como dores de forte intensidade com necessidade de procura de emergências, o desenvolvimento
de lesão compressiva de estruturas com necessidade de intervenção cirúrgica de urgência como em casos de
oclusão intestinal ou insuficiência renal aguda pós-renal. Ou mesmo a impossibilidade de gestação, visto que
a taxa de gestação é menor nas portadoras de endometriose, quando comparadas à população geral, o que é
agravado com o avançar da idade.
Diante do exposto, esse trabalho se propõe a estudar os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre as mulheres
com endometriose. Objetiva-se avaliar os efeitos psicológicos do quadro epidemiológico sobre as portadoras
de endometriose no que tange à dificuldade de acesso ao tratamento de sua doença e se houve piora dos
sintomatomas álgicos das mesmas durante esse período.

Relato

Métodos
Este é um estudo observacional, transversal, realizado entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021. As pacientes
do ambulatório de endometriose do Hospital Universitário Pedro Ernesto preencheram um questionário
neste período. O preenchimento não foi obrigatório e as pacientes que optaram por não responder, não
obtiveram qualquer prejuízo. O estudo foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética da Plataforma Brasil.
Todas as pacientes incluídas neste estudo concordaram com o termo de consentimento livre e esclarecido.
Os dados obtidos a partir do preenchimento dos questionários foram colocados em uma planilha do

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Excel, programa que foi usado para analisar os dados, fazer os cálculos e gerar os gráficos utilizados no
presente estudo.
As variáveis do perfil epidemiológico das pacientes foram analisadas, como a idade, o grau de escolaridade
e a renda familiar média. Além disso, foram anotadas as comorbidades, e variáveis relacionadas à endometriose,
como os sintomas e o tratamento realizado. Foi investigado se houve ou não piora da dor durante o período de
estudo e se houve relação da dor com a infecção viral e questionamentos sobre a dificuldade de atendimentos
em relação à pandemia.

Resultados

O questionário foi aplicado em 87 pacientes no período do estudo. Oitenta e um deles foi respondido de
forma completa, sendo uma excluída por duplicidade de dados, resultando em 80 questionários analisados.
A mediana da idade foi de 39 anos e a média de 38,6. Dentre as participantes da pesquisa, no que tange
à escolaridade, a maior parte (67,1%) possui até o ensino médio completo, sendo 12,7% com primeiro grau
incompleto e 54,4% com o mesmo completo. Já com relação à renda familiar média, 72,4% relataram ter até
2 salários-mínimos e 23,7% entre 2 e 5 salários-mínimos.
Cinquenta e um por cento negaram comorbidades. Dentre as que possuem, o que se destaca são as
doenças psiquiátricas (43,6%), seguidas das cardiovasculares (35,8%), pulmonares (23%), autoimunes (7%) e
diabetes (5%).
Aproximadamente oitenta e quatro por cento das entrevistadas disseram que a dor foi o que levou ao
diagnóstico de endometriose, como mostra a figura 1. Dez por cento foi por sinais clínicos ou cirúrgicos,
dentre estes, metade foi por achados em exames de imagem e outra por achados em cirurgias devido a outras
indicações. Quatro por cento relataram infertilidade como causa do diagnóstico. Trinta e cinco das oitenta
pacientes entrevistadas nunca engravidaram e apenas 30 % tiveram duas gestações ou mais.

Figura 1- Proporção de queixa para diagnóstico de endometriose

553
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Em relação ao tratamento já realizado até o momento, 67,5% utilizaram progestágenos isolados; 43,75
% contraceptivos combinados com estrógeno associado a progestágeno e 8,8% fizeram uso de análogo de
GnRH. No tocante à parte cirúrgica, cinquenta e cinco por cento negaram sua realização. Dentre as operadas,
oitenta por cento foram submetidas a retirada de focos de endometriose, em 33% houve ressecção de porção
intestinal, 16% porção vesical e 16% histerectomia, como visto na figura 2. No momento da pesquisa, oitenta e
dois porcento mantinham bloqueio hormonal, sendo a principal medicação o dienogeste, como visto na figura
3. A mediana do tempo de utilização da medicação hormonal é de 24 meses.

Figura 2 - Tratamento cirúrgico realizado

Quando questionadas sobre a manutenção de tratamento durante a pandemia da Covid-19, 58,8% relataram
conseguir fazê-lo. Dentre as que não mantiveram, a maior parte foi por suspensão das consultas (46%), seguida por
suspensão de exames (25%) e medo de sair de casa (18%). Outros motivos como não conseguir aquisição de medicação
por falta de receita, não conseguir aplicação ou falta de recurso financeiro tiveram menor representatividade.
Metade das pacientes negou que a pandemia tenha atrapalhado seu tratamento para endometriose.
Noventa e um por cento disseram que iriam às consultas durante a pandemia caso não houvesse suspensão das
mesmas e cinquenta e nove por cento aceitariam ser submetidas a procedimento cirúrgico, mesmo correndo
risco de infecção pelo vírus.

Figura 3- Medicação de uso atual

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Vinte e seis por cento das entrevistadas precisaram procurar atendimento em emergência por queixa
álgica. Dentre as que precisaram de auxílio em unidade de pronto atendimento, sessenta e cinco por cento
foram até duas vezes, trinta por cento entre 3 e 5 vezes e uma paciente relatou ter ido dez vezes para alívio da
dor. Onze por cento das pacientes precisou de internação hospitalar, por qualquer motivo, sendo uma destas
com necessidade de abordagem cirúrgica de urgência para desvio de trânsito por obstrução intestinal por
endometriose.
Foi questionado às pacientes se houve piora da dor em uma escala de 0 a 10, em que zero não houve piora
da queixa álgica, mantendo-se no basal da paciente previamente à pandemia. Das oitenta entrevistadas, trinta
e nove não tiveram alteração na dismenorreia ou na dispareunia, quarenta e quatro na disquezia e vinte e sete
na dor pélvica crônica. A média de piora da dor pélvica foi de 7,0, da dispareunia foi de 6,5, dismenorreia 6,4,
e da disquezia, 6,0.

Figura 4 - Média de piora da dor

Sessenta e cinco das 80 mulheres avaliadas negaram ter tido Covid-19, onze foram casos suspeitos, mas
sem confirmação laboratorial e apenas 4 apresentaram caso confirmado. Dentre os sintomáticos, as queixas mais
frequentes foram a perda de olfato e paladar (17,5%), seguida de dor no corpo (13,8%). Dos que apresentaram
suspeita ou confirmação diagnóstica,oitenta e oito por cento negaram que a infecção viral tenha piorado os sintomas
da endometriose. Contudo, dos que relataram piora da dor pélvica crônica foi a de maior importância. Apenas uma
paciente relatou que a dor relacionada à endometriose permaneceu pior após a infecção pelo vírus da Covid-19.

Resultados

A endometriose afeta cerca de 10 % das mulheres em idade fértil, com média de idade de diagnóstico entre
a vigésima ou trigésimas décadas de vida, com média de 7 anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico. A
mediana de idade apresentada pelas pacientes do presente estudo foi de 39 anos, o que não está na faixa etária

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

principal, entretanto, ainda se encontram dentre as mulheres em idade fértil. Além disso, as participantes do
estudo já têm a confirmação da doença em média há 5 anos.
A dor pélvica é a principal queixa das acometidas por essa doença crônica inflamatória. Esse fato condiz
com o visto na presente avaliação, pois 84% das mulheres relataram ser este o motivo da busca por atendimento.
Dentre as comorbidades, é sabido que a ansiedade, a depressão e até mesmo o transtorno bipolar têm alta
prevalência nessas pacientes. Tal dado também vai ao dos encontrados, uma vez que, dentre as comorbidades,
os transtornos psiquiátricos foram os mais relatados pelas pacientes.6
A endometriose é uma doença crônica inflamatória que acomete predominantemente a pelve. De modo
semelhante, a infecção pelo coronavírus também tem essa característica. Pouco ainda se sabe sobre esse novo
vírus, mas estudos recentes mostram que há desregulação do sistema imune com excreção excessiva de citocina
pró inflamatórias principalmente interleucinas, interferon e fator de necrose tumoral. 7
Uma vez que ambas as doenças apresentam tal peculiaridade em comum, esse estudo investigou se a
infecção poderia ter piorado a dor crônica dessas pacientes. Entretanto, a prevalência de paciente com casos
suspeitos ou confirmados de Covid-19 foi pequena (19%), o que pode interferir na reprodutividade global
dos dados. Ainda, dentre as que foram infectadas, oitenta e oito por cento negaram que a tenha piorado
seu quadro algo durante ou após a infecção viral. Os dados apresentados, portanto, não corroboram com a
hipótese criada pelo estudo.
Não obstante, porcentagem considerável das mulheres relataram que houve piora da dor apresentada, com
média de piora apreciável, entre 6 e 7 dependendo do tipo, sendo maior na dor pélvica crônica e menos na
disquezia. Questiona-se então, qual seria o motivo para a piora se não há efetiva causa orgânica.
A intensificação pode ter relação, então, com os distúrbios psiquiátricos encontrados em grande parte das
mulheres entrevistadas, uma vez que os transtornos mentais e a dor têm relação bidirecional. Cerca de 30 a 60
% de pacientes que possuem algum tipo de dor crônica relatam depressão e 50% das pacientes que possuem
diagnóstico de depressão ou ansiedade afirmam ter alguma dor física.8
A interrupção dos tratamentos de doenças crônicas pode aumentar o grau de ansiedade, com piora dos
transtornos psiquiátricos. Além disso, a insegurança gerada pelas mudanças oriundas da pandemia, tanto
sociais quanto econômicas, isolamento social e o medo frente ao desconhecido gerou distúrbios mentais
ou piorou os pré-existentes em muitas pessoas. Essas alterações podem ser vistas principalmente sobre as
pacientes com endometriose, uma vez que estas já possuem, em sua maioria, tanto queixa álgica quanto
ansiedade e depressão.

Considerações Finais

As pacientes com endometriose possuem, em sua maioria, dor crônica e algum distúrbio psiquiátrico, o
qual pode ter sido agravado pela pandemia da Covid-19. Não foi observada relação significativa entre infecção
viral e piora da dor dessas pacientes.
Pelo contrário, a maioria delas negou infecção confirmada ou suspeita e mesmo assim a graduação de
piora álgica foi considerável. Isso corrobora com a hipótese principal do estudo de que a pandemia influenciou

556
negativamente com piora da queixa dolorosa relacionada a distúrbios psicológicos.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Bibliografia

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557
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Experiência com o telemonitoramento de pacientes


com Diabetes durante o distanciamento social de
2020: aprendizado para o futuro

Roselee Pozzan1; Lucianne Righeti Monteiro Tannus2; Raphaela Mazon Zapelini3; Alessandra Saldanha de Mattos

Matheus4; Carolina Alves Cabizuca4; Cátia Cristina Silva Sousa Vergara Palma4; Fernanda Oliveira Braga4; Raquel

de Carvalho Abi-Abib4; Roberta Arnoldi Cobas5

1
Professora Adjunta da Disciplina de Diabetes Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ. Coordenadora da Residência

Médica em Endocrinologia; 2Médica do Serviço de Diabetes HUPE PPC UERJ. Chefe da UDA de Diabetes; 3Pós-Graduanda

em Endocrinologia FCM UERJ; 4Médica do Serviço de Diabetes HUPE/PPC/UERJ; 5Professora Adjunta da Disciplina de

Diabetes FCM UERJ. Coordenadora da Disciplina de Diabetes

Descritores em português: Telemonitoramento; Diabetes Mellitus; Distanciamento social, pandemia Covid-19.

Descritores em inglês: Telemonitoring, Diabetes Mellitus, Social distancing, Covid-19 pandemic.

Introdução

Em março de 2020, com o distanciamento social imposto pela pandemia da Covid-19-19 em diversos
países do mundo, os serviços que prestam atendimento a pacientes com diabetes (DM) viram-se diante de uma
situação desafiadora. Já naquele momento, relatos provenientes da experiência de atendimento à Covid-19 na
China1, apontavam o DM como um dos fatores de risco de pior prognóstico na evolução da doença. Portanto,
se por um lado os pacientes com DM eram considerados como um dos maiores beneficiários de medidas
rigorosas de isolamento ou distanciamento social, por outro lado, tais medidas pareciam na contramão das
recomendações para o tratamento do DM que incluem exercícios físicos regulares, alimentação saudável e
contato frequente entre o paciente e a equipe de saúde para avaliação, prescrição e medidas educativas.2
Além disso, havia o receio de que o distanciamento social trouxesse maiores dificuldades que as habituais no
acesso aos medicamentos e insumos necessários ao controle da doença. Frente a esta situação, e considerando
a necessidade de manter contato com os pacientes com DM, diversos países desenvolveram rapidamente
estratégias de telemedicina, via telefone, e-mail ou plataformas de vídeo conferência, com maior ou menor
grau de organização e complexidade.3-8
A telemedicina é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS)9 como “a prestação de serviços
de saúde, onde a distância é um fator crítico, por todos os profissionais de saúde, usando tecnologias de
informação e comunicação para a troca de informações válidas, para diagnóstico, tratamento e prevenção
de doenças e lesões, pesquisa e avaliação, e para a educação continuada de prestadores de cuidados de saúde,
tudo no interesse de promover a saúde de indivíduos e suas comunidades”. Embora a telemedicina já exista
há várias décadas, o seu emprego como ferramenta de consulta clínica ainda não ocorre em larga escala
no mundo, devido a fatores diversos tais como dificuldade de acesso às tecnologias necessárias e falta de

558
conhecimento no manejo das mesmas, fatores culturais e considerações legais e regulatórias10-11. No Brasil, a
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Portaria 467 de 20 de março de 2020 do Ministério da Saúde, embasada na Lei 13.979 de 6 de fevereiro de
2020, autorizou em caráter excepcional e temporário o uso de ações de telemedicina para o acompanhamento
clínico dos pacientes, dentro do escopo das ações para o enfrentamento da situação de emergência em saúde
daquele momento.12
Com o estabelecimento do distanciamento social na cidade do Rio de Janeiro em março de 2020, e a
determinação de suspensão das atividades não essenciais em saúde13, os profissionais da Disciplina/Serviço de
Diabetes da Faculdade de Ciências Médicas/Policlínica Piquet Carneiro/Hospital Universitário Pedro Ernesto/
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/PPC/HUPE/UERJ) se organizaram de forma ágil. Dentro
das possibilidades tecnológicas existentes, buscou-se viabilizar o contato com os pacientes diabéticos, de forma
a fornecer informações e orientações para o adequado tratamento e prevenção de doenças e lesões. O objetivo
do presente trabalho é o de relatar a forma de organização do telemonitoramento, os resultados e dificuldades
encontrados bem como o aprendizado obtido no processo, visando a consolidação futura destas ações.

Métodos
Trata-se do relato da experiência da Disciplina/Serviço de Diabetes da FCM/HUPE/PPC/UERJ, com o
telemonitoramento de seus pacientes, durante o período de distanciamento social decorrente da pandemia da
Covid-19, nos meses de março a junho 2020. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local do centro e
da Plataforma Brasil (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE)/ 31780320.3.0000.5259).
Pacientes ambulatoriais com DM que tinham consultas agendadas para o período de março a junho de
2020 foram elegíveis para telemonitoramento e tiveram seus nomes e telefones extraídos manualmente das
agendas físicas ou do prontuário eletrônico (MV). No presente trabalho foram excluídos os dados referentes
aos pacientes com DM tipo 1, uma vez que já foram objeto de outra publicação.14
Dados clínicos, demográficos e laboratoriais registrados na última consulta antes da pandemia foram
obtidos do prontuário eletrônico e incluíram: idade, tipo de DM, duração do DM, uso ou não de insulina,
valor da hemoglobina glicada (HbA1c), índice de massa corporal (IMC), diagnóstico de hipertensão arterial,
retinopatia diabética, neuropatia diabética e taxa de filtração glomerular (TFG) calculada pela fórmula CKD-
EPI, a partir dos valores de creatinina. 15 O estágio de doença renal foi classificado de acordo com os valores
da TFG (ml /min /1,73m2)16, sendo considerados estágios 1 se TFG >90; estágio 2 entre 60-89; estágio 3 entre
30-45; estágio 4 entre 15-29 e estágio 5 quando TFG<15. Os pacientes foram considerados com sobrepeso
ou obesos se IMC ≥ 25 ou ≥ 30 kg / m2, respectivamente.17
Os profissionais do serviço, incluindo staffs, residentes e alunos realizaram ligações telefônicas para
levantamento das seguintes informações:
1. Dados clínicos: presença de sintomas sugestivos de Covid-19 (febre, tosse, dor de cabeça, anosmia,
perda do paladar, mialgia e dificuldade respiratória, bem como fadiga e sintomas gastrointestinais), realização
de exames para confirmação da doença, hospitalização ou morte.
2. Dados epidemiológicos: adesão ao distanciamento social e à recomendação de uso de máscaras e
vacinação contra influenza. O uso adequado de máscaras foi considerado quando a recomendação de usá-
la fora de casa estava sendo respeitada sempre. Considerou-se que o distanciamento social estava sendo

559
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

mantido, quando o paciente saía de casa apenas para as atividades essenciais ou não saía.
3. Dificuldades no acesso a medicamentos e insumos (seringas, lancetas e fitas de glicemia capilar) para
tratamento do DM.
4. Aderência ao controle do DM: em relação à medicação (escala de 0 a 10), dieta (escala de 0 a 10) e
realização de exercícios físicos (sim ou não).
5. Efeitos psicológicos decorrentes da pandemia da Covid-19: presença de sintomas como
ansiedade, medo e insônia, tendo sido avaliado junto ao paciente a necessidade de teleconsulta por um
profissional de saúde mental.
Para os pacientes que relatavam histórico de hipo ou hiperglicemia foi dada orientação quanto ao ajuste
na dose dos medicamentos durante o telemonitoramento ou solicitado que enviassem os valores de glicemia
capilar por e-mail para posterior contato. Se os pacientes não tivessem acesso a computador ou não possuíssem
domínio sobre a tecnologia, solicitou-se que um parente mais capacitado enviasse os dados solicitados ou um
familiar mais jovem (menor risco) o levasse até a PPC. Nesse último caso, considerou-se o risco/benefício do
deslocamento do familiar. Condições clínicas agudas identificadas durante os telefonemas foram orientadas
caso a caso, com indicação de que o paciente comparecesse ao ambulatório da PPC ou eventualmente se
dirigisse a uma unidade de emergência. Em caso de necessidade de receita médica, que não pudesse ser
resolvida junto à unidade de atenção primária próximo à residência do paciente, orientou-se que um familiar
mais jovem comparecesse à PPC.
As variáveis contínuas estudadas serão apresentadas como mediana (mínimo e máximo), pois não
apresentavam distribuição normal, e as categóricas como frequências.

Resultados

Foram elegíveis para o telemonitoramento 1241 pacientes, sendo 1214 (97,8%) portadores de DM
Tipo 2, sendo o restante portador de outros tipos de DM, com exceção do DM tipo 1. As características
dos pacientes encontram-se descritas na tabela 1. Setecentos e cinquenta e sete pacientes (61%) eram do
sexo feminino e a mediana de idade era de 66 (19-94) anos, sendo que 74,1% tinham 60 anos ou mais. A
mediana da duração da doença era de 16 (1-59) anos, com 74,7% deles apresentando 10 anos ou mais de
DM. Oitocentos e quarenta e um pacientes (67,8%) faziam uso de insulina e a mediana da HbA1c foi de
7,9 (4,4-16,9)%, sendo que 48,9% e 14% apresentavam valores de HbA1c ≥ 8% e 10%, respectivamente. O
percentual de sobrepeso e obesidade era de, respectivamente, 35,2 e 48%, e a prevalência de hipertensão arterial
encontrada foi de 86,3%. Doença renal crônica, estágio ≥ 2 estava presente em 68% dos pacientes, havendo 22
(1,8%) pacientes em terapia dialítica. A neuropatia e a retinopatia foram confirmadas em respectivamente em
41,5% e 57,6% dos pacientes.

560
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 1: Características dos pacientes elegíveis para telemonitoramento.

Variáveis N=1241
Idade (anos) 66 (19-94)
Sexo Feminino, N (%) 757 (61)
Duração do DM (anos) 16 (1-59)
Uso de insulina, N (%) 841 (67,8)
Hemoglobina Glicada (%) 7,9 (4,4-16,9)
IMC (Kg/m2*) 29,5 (15-57,1)
● Sobrepeso (%) 35,2
● Obesidade (%) 48
Hipertensão arterial, N (%)

1071 (86,3)

TFG**-(ml / min /1,73m2) 77,8 (3,3-137)


● Estágio 1, N (%) 395(32)
● Estágio 2, N (%) 472(38,2)
● Estágio 3, N (%) 298(24,1)
● Estágio 4, N (%) 41(3,3)
● Estágio 5, N (%) 30(2,4)
Terapia dialítica, N (%) 22 (1,8)
Retinopatia ***, N (%) 487 (41,5)
Neuropatia-*****, N (%) 343 (57,6)

*8 pacientes sem dados de IMC por impossibilidade física de pesar; **5 sem dados para cálculo da TFG; ***67 sem

dados sobre retinopatia; **** 646 sem dados sobre neuropatia. DM, diabetes mellitus; IMC, índice de massa corporal;

TFG, taxa de filtração glomerular. Dados apresentados como mediana (mínimo-máximo) ou percentual (em relação

aos pacientes que possuíam o dado em questão).

Conseguiu-se contato telefônico com 816 (65,7% dos pacientes). Em relação aos demais, a ligação ou não
foi atendida ou o número estava errado. Dos pacientes contactados e que responderam aos questionamentos,
116 (14,2%) referiram sintomas gripais no período. Setenta e seis (9,3%) pacientes referiram suspeita de
Covid-19 e 16 (2%) tiveram diagnóstico confirmado de Covid-19. Dez (1,2%) pacientes referiram história
de hospitalização, mas apenas em 4 destes, houve diagnostico de Covid-19. Durante o telemonitoramento
identificou-se o óbito de 17 (2,0%) pacientes. As causas mortis colhidas com as informações dos familiares
foram: 3 casos com suspeita ou confirmação de Covid-19, 3 casos com suspeita ou confirmação de infarto
agudo do miocárdio (IAM), 1 caso de óbito em paciente com câncer em estágio terminal e em 10 casos não
foi possível identificar a causa da morte. Seiscentos e quarenta e cinco (80,9%) pacientes já haviam recebido
vacinação para influenza.
O percentual de pacientes fazendo uso adequado de máscaras e mantendo o distanciamento social foi de,
respectivamente, 93,2% e 96%. Apenas 153 (19,2%) pacientes estavam conseguindo realizar algum tipo de exercício

561
físico regular e a autoavaliação dos pacientes quanto à aderência ao tratamento e à dieta encontra-se descrita na tabela 2.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tabela 2: Distribuição dos pacientes em relação à autoavaliação (0 a 10) em relação à aderência, ao tratamento e à dieta.

Nota de aderência Dieta* Tratamento**

N (%) N (%)

0a4 52 (6,5) 6 (0,8)

5a7 388 (48,8) 52 (6,6)

8 a10 355 (44,7) 735 (92,7)

*21 pacientes sem resposta ao item **23 pacientes sem resposta ao item.

Cento e vinte e sete (16,1%) pacientes relataram dificuldades no acesso aos insumos para o tratamento do
DM, 365 (45,8%) referiram sintomas de medo e/ou ansiedade e 176 (22,1%) tinham relato de insônia. Vinte
e um (2,6%) pacientes enviaram e-mail para ajuste de doses de insulina ou outras demandas em relação ao
seu tratamento.

Discussão
Os pacientes com DM identificados nas agendas de março a junho de 2020, durante o período do
distanciamento social, eram na maioria idosos, hipertensos, com sobrepeso/obesidade, com um percentual
expressivo de complicações do DM e muitos com mau controle glicêmico. Todas essas condições os colocavam
nos grupos de pior prognóstico em caso do diagnóstico de Covid-19.18 Com o telemonitoramento, conseguiu-
se acesso a 65,7% deles, o que, embora aquém do desejado, foi bastante expressivo, tendo em vista os recursos
existentes e a premência de tempo. Destaca-se que o prontuário eletrônico existente no serviço, não permite a
consolidação de dados sobre a condição clínica dos pacientes, seu tratamento, comorbidades e complicações,
de forma que todo o levantamento teve que ser manual. Além disso, o ambulatório de diabetes conta apenas
com duas linhas telefônicas, o que implicou na necessidade do uso dos telefones pessoais dos profissionais.
Um problema significativo identificado, foi o erro no número do telefone dos pacientes. Sabendo-se que
muitos pacientes mudam frequentemente o número de seus celulares, é necessário que se estabeleça a cultura
de checagem dos mesmos a cada consulta com o aviso para que informem ao serviço, em caso de troca.
No telemonitoramento, o percentual de pacientes com DM e Covid-19 confirmada foi pequeno, o que
era esperado dada a baixa disponibilidade de testes na ocasião.
O percentual de pacientes que estava fazendo uso correto de máscara na amostra estudada, foi próximo
ao observado na população do estudo ELSI-Brasil, que avaliou adultos brasileiros, com 50 anos ou mais,
através de inquérito telefônico no ano de 2020 (93,2% vs 97,3%, respectivamente).19 O distanciamento social
também foi semelhante nos dois estudos (96% no presente estudo vs 94,2% em mulheres e 94,4% em homens
no estudo Elsi-Brasil).19 O telemonitoramento permitiu reforçar a importância das medidas de prevenção da
Covid-19 na nossa população.
Entre os nossos pacientes, foi possível identificar um percentual expressivo de sintomas de medo e/ou
ansiedade (45,8%), sendo esta prevalência bem abaixo dos 88,4% destes sintomas observados em pacientes

562
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

idosos com DM2 em um estudo de telemonitoramento na Polônia20 e um pouco abaixo dos 52,9% observado
em pacientes com DM2, em um estudo em Porto Alegre.21 Na amostra de pacientes com DM tipo 1 do
serviço de diabetes14, o percentual de pacientes com estes sintomas foi de 60,4%. Na presente avaliação,
onde os pacientes eram idosos em sua maioria, muitos relataram uma rede de apoio familiar para entrega
de alimentos e medicamentos, que pode ter aliviado o estresse imposto pelo isolamento e pelas notícias
veiculadas pela mídia.
A autoavaliação dos pacientes permitiu identificar uma baixa aderência à prática de exercícios físicos e
uma aderência à dieta aquém da ideal, durante o distanciamento social, sabendo-se que estes importantes
pilares do tratamento do DM são de difícil implementação, mesmo em condições habituais.22 Situações de
estresse são muitas vezes associadas a hábitos alimentares beliscadores e ao consumo aumentado de alimentos
doces, o que foi observado numa amostra de pacientes com DM tipo 2 durante o distanciamento social, na
Cidade de Madri.23 No mesmo estudo, a aderência à prática de exercícios físicos, que já era baixa antes da
pandemia, teve piora de 50% ou mais no período.23
Na nossa população, a aderência ao tratamento e o acesso a medicamentos e insumos foi considerada
adequada por grande parte dos pacientes, talvez como consequência da descentralização da distribuição destes
itens pelas unidades básicas de saúde da cidade do Rio de Janeiro.
Como benefícios do telemonitoramento observados no presente estudo destacamos:
1- Do ponto de vista da relação equipe de saúde-paciente: a viabilização de uma linha de contato para que
os pacientes se sentissem acolhidos e tivessem a segurança de um canal de acesso no caso de necessidade de
ajuste nas medicações, orientação frente a possíveis condições agudas e apoio em caso de condições psíquicas
negativas, geradas pelo distanciamento social.
2- Do ponto de vista do ensino aos residentes e pós-graduandos: permitiu a manutenção do contato
com os pacientes e do aprendizado, sem prejuízo a sua formação em decorrência da drástica redução do
número de consultas ambulatoriais. Pelo contrário, considerou-se bastante positiva a experiência com uma
nova tecnologia de atenção aos pacientes.
O aprendizado com a experiência do período do distanciamento social, nos leva a considerar a
necessidade de implementar ações de telemedicina de forma rotineira na atenção aos nossos pacientes.
Metanálises avaliando o efeito da telemedicina sobre o controle glicêmico de pacientes com DM (24,25)
têm mostrado resultados significativos em termos de queda nos níveis de HbA1C. As reduções nem sempre
foram clinicamente expressivas (-0,61% a -0,26%) (25), o que possivelmente é decorrente da heterogeneidade
das estratégias adotadas (teleconsulta, tele-educação, telemonitoramento, entre outros) e do curto tempo de
acompanhamento.
No entanto, encontramos limitações em relação à prática do telemonitoramento, principalmente
dificuldades em obtenção e extração de dados clínicos e laboratoriais do prontuário eletrônico, com necessidade
de levantamento manual dos dados e dificuldade de contato com o paciente, seja por número reduzido de
linhas telefônicas, rede de internet instável ou erro no número de telefone dos pacientes.

563
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Considerações Finais

A telemedicina foi uma importante ferramenta para o cuidado dos pacientes com DM durante o período
do isolamento social, os ajudando a obter uma maior conexão com os profissionais de saúde, possibilitando
melhor atenção à doença, maior esclarecimento em relação à Covid-19 e minimizando sofrimento e angústias.
Além disso, foi possível reduzir as despesas com transporte e exposição desnecessária de pacientes com
maior risco. Concluímos que a telemedicina pode ser uma ferramenta adicional na rotina de atendimento de
pacientes com diabetes, permitindo maior contato e troca de informações, principalmente para pacientes com
maior dificuldade no controle metabólico. Diversas barreiras precisam ser superadas, tais como otimização do
prontuário eletrônico de forma a permitir a extração dos dados dos pacientes, o registro das teleconsultas e
a emissão de receitas digitais, cumprindo todas as determinações legais e regulatórias. Melhorias em termos
tecnológicos e processos de organização do trabalho, também se fazem necessárias, para que se possa fazer
frente às demandas crescentes impostas pelo aumento exponencial do DM no mundo (26).

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566
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A experiência da Disciplina de Emergências


Médicas durante a pandemia da Covid-19: o
modelo de telessimulação e ensino à distância para o
treinamento de habilidades

Mitsue Senra Aibe1; Renata Wrobel Folescu Cohen1; Caroline da Silva Carneiro2; Greisson Peixoto Rangel2;

Ludmyla Silva Martins2; Natan de Araujo Aragão2; Katia Telles Nogueira1; Francisco João Sahagoff de Deus Vieira

Gomes1; Thaise Pereira Matos1; Frederico Mota Ribeiro1

Docentes da Disciplina de Emergências Médicas, Faculdade de Ciências Médicas UERJ; 2Aluno(a) de graduação em Medicina
1

FCM UERJ

Descritores em português: Medicina de Emergência; Treinamento por simulação; Faculdades de Medicina; educação à distância,

pandemia por Covid-19.

Descritores em inglês: Emergency Medicine; Simulation training; Education training; Schools Medical; Covid-19 pandemic.

Introdução

A Disciplina de Emergências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ foi incluída
no novo currículo do curso de Medicina a partir de 2018. A cadeira é administrada para os primeiros três
semestres da graduação, no internato médico em forma de oficinas de treinamento de habilidades e como
disciplina integradora entre outras cadeiras da FCM. Essa disciplina já nasceu com uma vocação para aulas
majoritariamente práticas utilizando os recursos de simulação realística, intercalados por encontros de
fundamentação teórica. Durante as aulas ministradas na sala de simulação, a turma era dividida em grupos
menores para que os alunos pudessem usar os diferentes manequins e equipamentos para desenvolver e
treinar habilidades importantes em situações de emergência. Dessa forma, era criado um ambiente protegido
de aprendizado que respeitava a segurança tanto dos pacientes quanto dos alunos. Apesar de os primeiros
modelos de manequins para simular atendimentos médicos já existirem desde a década de 60, a simulação
realística foi incorporada, de modo definitivo, como ferramenta de ensino para aquisição e automatização de
habilidades médicas apenas nos últimos 20 anos1. A tecnologia atualmente disponível permite que situações
complexas sejam divididas em partes menores constituintes, de forma que cada etapa seja repetida o número
de vezes preciso para permitir a aquisição da competência necessária2.
Diante da necessidade de distanciamento físico imposta pela pandemia da Covid-19 no Brasil em
março de 2020, o cenário da educação médica mudou de maneira drástica e em tempo recorde. Assim como
na maioria dos países do mundo, as aulas expositivas e práticas para os alunos da graduação de Medicina
da UERJ foram imediatamente suspensas visando preservar a segurança de alunos, professores e demais
funcionários frente a um novo vírus e a uma doença pouco conhecida 3. Nesse contexto adverso, os alunos
perderam diversas oportunidades de encontro, de apoio mútuo e de aprendizado conjunto, o que trouxe maior

567
dificuldade na criação de unidade entre as turmas e de sentimento de pertencimento ao grupo 4. Uma vez
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

que a realização de atividades presenciais não era mais possível, a reestruturação do curso para o modelo de
ensino à distância (EAD) se fez necessária e demandou o uso do ambiente virtual de aprendizagem (AVA)
e da plataforma digital Teams. Nesse cenário, foi essencial que corpo docente, bem como os monitores da
disciplina, buscassem se adaptar o quanto antes ao campo virtual, tendo em vista a manutenção da estrutura
da disciplina e o engajamento do corpo discente.

Relato

No início da pandemia da Covid-19, o temor frente ao vírus desconhecido e as notícias e informações


conturbadas vindas do outro lado do mundo obrigaram as autoridades nacionais a traçar estratégias para
evitar a superlotação e a sobrecarga nos sistemas de saúde público e privado do país. De tal modo, as medidas
de distanciamento físico foram adotadas de forma abrupta, o que resultou na suspensão das atividades
docentes presenciais nas faculdades de Medicina. A interrupção da estrutura educacional tradicional obrigou
a formulação de novas estratégias pedagógicas para manter a continuidade da formação acadêmica 5.
Mesmo antes da pandemia da Covid-19, a utilização do canal do AVA já era algo usual no âmbito da
Disciplina de Emergências Médicas da FCM-UERJ. O canal era direcionado para a transmissão de conteúdo
de suporte à matéria ministrada no formato presencial, tais como vídeos e textos complementares. Contudo,
com a exigência de isolamento social, o EAD passou a ser a principal forma de contato com os discentes.
Nesse contexto, os professores da disciplina foram orientados a participar de atividades do Programa de
Desenvolvimento Docente (PDD) oferecido pela FCM, tendo em vista a obtenção do conhecimento e o
desenvolvimento das habilidades necessárias para viabilizar a utilização do campo virtual de forma mais
produtiva. Portanto, a preparação dos professores foi fundamental para uma adaptação pedagógica rápida e
efetiva com o uso do modelo de sala de aula invertida e questionários interativos.
O treinamento da prática ministrado pelo corpo docente no período pré-pandemia utilizava a simulação
realística como ferramenta pedagógica. Dessa forma, o grande desafio foi utilizar ferramentas que permitissem
a interação do aluno com os temas e a sua participação efetiva. Assim, após o acesso no AVA a videoaulas e
leitura do material didático sobre o Suporte Básico de Vida, foi então proposta uma atividade de aplicação
do conhecimento em que os alunos do primeiro semestre letivo do curso de medicina construíram seus
próprios manequins de compressão torácica com itens disponíveis em suas residências, como garrafas PET,
camisetas, almofadas e enchimentos variados. Essa experiência já vinha sendo utilizada para treinamento de
população leiga para compressão torácica com resultados positivos 6. Depois da confecção dos manequins,
os alunos gravaram um vídeo individualmente realizando a manobra de compressão torácica na reanimação
cardiopulmonar. Os professores assistiram os vídeos que foram postados na plataforma AVA da FCM, e
a seguir enviaram feedback para cada um dos cerca de 100 alunos, com comentários sobre o que estava
correto e o que precisava melhorar. A atividade garantiu engajamento do corpo discente e docente, usando
os recursos disponíveis em um cenário de pandemia e isolamento social, nos aproximando e permitindo uma
troca construtiva. Foi possível observar com a realização da atividade proposta que houve uma melhoria
na autoconfiança dos alunos, minimizando a frustração de estarem afastados do ambiente hospitalar, dos
pacientes e de seus pares por tanto tempo.

568
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Para os alunos do terceiro semestre letivo, que haviam cursado previamente dois semestres da Disciplina
de Emergências Médicas, as avaliações também foram adaptadas para o contexto de EAD. Foram propostas
três atividades avaliativas com ênfase na aplicação, síntese e avaliação dos conteúdos abordados. As tarefas
solicitadas foram a aplicação da técnica de lavagens de mãos, a análise dos pontos de vulnerabilidade para
acidentes domésticos na residência dos alunos e apreciação crítica sobre vídeos contendo cenários de reanimação
cardiopulmonar em unidade hospitalar. Para cada uma das atividades os alunos recebiam feedbacks individuais
dos professores via AVA, garantindo assim integração, troca e estímulo.
Na primeira avaliação, o aluno deveria produzir um vídeo onde ele realizava a técnica de assepsia das mãos
com a escova cirúrgica. Para fazer as vezes de escova cirúrgica, os alunos deveriam utilizar para a simulação
um objeto de fácil acesso em sua residência, como uma esponja de lavar louças, por exemplo. Ao executar a
tarefa, o aluno deveria explicar, passo a passo, o que estava sendo realizado, de modo que fosse possível ao
docente avaliar a demonstração prática desta habilidade. No contexto da pandemia da Covid-19, o tema de
higiene das mãos com diferentes soluções estava sendo bastante divulgado nas mídias sociais e na imprensa e,
portanto, esta atividade teve uma ótima participação dos alunos.
Com o objetivo de conectar os temas abordados na disciplina à realidade dos alunos, na segunda avaliação
foi proposto o tema de prevenção de acidentes domésticos, em que os alunos foram instigados a fotografar
em suas residências ou arredores quais seriam os locais que poderiam oferecer riscos de acidentes domésticos
para populações mais vulneráveis, tais como crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Os alunos
precisavam descrever o risco que havia em cada cena, criticar o cenário observado e propor modificações
possíveis para diminuir ou eliminar o risco encontrado.
Na avaliação final do primeiro semestre letivo de 2020, os alunos assistiram dois vídeos com cenários de
simulação de ressuscitação cardiopulmonar em ambiente hospitalar. No modelo de ensino presencial realizado
antes da pandemia da Covid-19, os alunos realizavam o atendimento de simulação realística em equipe e, ao
término da atividade, os professores faziam o debriefing, analisando o trabalho da equipe, sugerindo melhorias
e corrigindo eventuais erros. No modelo EAD, coube aos alunos gravar um vídeo realizando o debriefing
dos dois cenários apresentados, incluindo comentários sobre a técnica de compressão torácica, a técnica de
ventilação e o trabalho em equipe. A atividade exigia que os alunos tivessem amplo conhecimento sobre o
tema para que pudessem examinar o que foi executado e realizar uma síntese do cenário, propondo correção
às falhas observadas nos vídeos. Essa proposta resumia todos os conceitos aprendidos nos três semestres da
disciplina e os alunos participaram com grande empenho, alcançando resultados excelentes.
No segundo semestre letivo de 2020, para as atividades dos alunos do segundo período, pensando também
em como inovar e adaptar-se para mais um período de ensino remoto, o corpo docente optou por realizar
também as aulas síncronas com o professor na sala de simulação mostrando as manobras e os materiais em
tempo real, as chamadas “lives”, que propiciavam interação ao vivo com os alunos. Esses alunos já começaram
a faculdade no modelo EAD, eles ainda não haviam tido a oportunidade de frequentar a sala de simulação e
manusear os manequins e equipamentos disponíveis. Assim, a atividade foi muito bem recebida pelo corpo
discente e, portanto, realizada diversas vezes ao longo do semestre.
Em 2020, a Disciplina de Emergências Médicas conseguiu a aprovação de bolsas para monitoria. O
projeto de monitoria tinha por objetivo geral estimular e favorecer a aproximação dos estudantes com as

569
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

atividades de ensino e pesquisa, desenvolvendo habilidades específicas para a participação orientada em aulas
teóricas e práticas e estimulando o aluno na busca do conhecimento e de ferramentas para a transmissão do
conhecimento. O início das atividades praticamente coincidiu com o início da pandemia da Covid-19 e o
ensino remoto. Nesse contexto, todos nós vimos impelidos a configurar um modelo que funcionasse para a
atividade dos monitores.
Os encontros dos monitores com os professores aconteciam de maneira virtual regularmente onde era
realizado discussão de artigos científicos e planejamento das atividades a serem executados com os alunos.
Propusemos encontros virtuais de tutoria dos monitores com os alunos, retomando os temas já ministrados
pelos professores, através da plataforma digital Teams. Nestes encontros, a ideia era utilizar notícias e vídeos de
domínio público para mostrar a relevância dos temas estudados e a aplicação na vida cotidiana dos alunos. Nas
atividades, sempre com a supervisão de um professor, os monitores apresentavam cenários contextualizados
e interagiam com os alunos, tirando dúvidas e propondo casos clínicos dinâmicos na forma de questionário
para estimular a participação de todos. No tema de obstrução e desobstrução de vias aéreas, por exemplo, os
monitores mostraram vídeos e notícias de ocorrências de obstrução de vias aéreas e como foi o desenrolar real
e provocaram a discussão de como poderiam agir caso houvesse conhecimento das manobras de desobstrução
de vias aéreas ensinadas na disciplina. Imediatamente após a atividade, o professor responsável se reunia com
os monitores da atividade para feedbacks sobre a tutoria.
No intuito de desenvolver o senso crítico dos monitores acerca de seu papel na educação médica, além
das reuniões regulares entre professores, professor coordenador e monitores para debater acerca de artigos
relacionados e da nova realidade da monitoria à distância, foram realizadas avaliações acerca das dificuldades
encontradas e sugestões de melhorias. A monitoria acadêmica à distância apresentou-se como uma novidade
para todos os envolvidos. Foi necessário garantir aos alunos a atenção durante o estudo para promover a
absorção do conteúdo didático, com compreensão das limitações da ausência das atividades presenciais. Na
tutoria do modelo de EAD, os monitores precisaram ser dinâmicos e ativos, buscando, com auxílio de com
material de multimídia e notícias da imprensa, o conteúdo para a realidade diária dos alunos.
Ainda diante dessa perspectiva de EAD, surgiu um projeto de criação de materiais didáticos, aliando
monitores e professores da disciplina, em prol da capacitação e fundamentação dos elementos cruciais que
envolvem a atuação do socorrista: vídeos de procedimentos, executados seguindo protocolos atualizados dos
manuais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e com uso dos materiais disponíveis para
simulação realística. As gravações foram realizadas em cenário montado na sala de simulação com manequins
disponíveis e filmadas em câmeras de celular da própria equipe, editadas e legendadas pelos próprios envolvidos.
Nesta etapa, foram enfocados sete vídeos iniciais para o projeto piloto sobre temas de emergências médicas.
Todos os arquivos são didáticos, com legendas e mídia de curta duração com os logos das organizações
envolvidas, incluindo o logo da disciplina que que foi criado concomitantemente ao projeto com propósito de
fornecer a identidade visual e criativa dos vídeos executados.
Os próximos passos da disciplina incluem a confecção e disponibilização de mais vídeos didáticos
sobre os temas de Emergências Médicas, de modo a formar uma biblioteca virtual. Além disso, no primeiro
semestre letivo de 2021, houve o retorno parcial às atividades presenciais de simulação realística para os
alunos do terceiro semestre da graduação, com um modelo híbrido de ensino presencial e EAD. Assim, é

570
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

possível ampliar o treinamento prático e avaliação do conhecimento adquirido no período da pandemia da


Covid-19 de forma que seja concluído o ciclo de orientação global dos discentes dos primeiros três semestres
da graduação de Medicina.

Considerações Finais

As discussões cada vez mais intensas sobre o modelo ideal ensino-aprendizagem nas escolas de medicina
pelos docentes já evidenciavam necessidade de mudança e adaptações às novas tecnologias. Todavia, com
o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, isto se tornou uma urgência. O corpo docente
compreendeu a necessidade de implantar novas ferramentas de estudo e novos métodos de ensino. O modelo
ensino-aprendizagem tem que ser ativo e dinâmico, onde a habilidade e criatividade do aluno está alocada
no centro desse processo. Desta forma, o estudante tem acesso a videoaulas, que podem assistir a qualquer
momento e com a frequência que considerarem necessário para fixar seu conteúdo, enquanto o tempo na
sala de aula pode ser preenchido com atividades dinâmicas em grupo, as quais visam englobar conteúdos
interdisciplinares para o desenvolvimento de habilidades e competências 7.
A Disciplina de Emergências Médicas, apesar da conjuntura adversa que a pandemia da Covid-19
representa, conseguiu levar o conteúdo aos alunos de maneira inovadora, demonstrando grande capacidade
de adaptação e permitindo o enriquecimento acadêmico de alunos, monitores e professores. As aulas
síncronas realizadas na sala de simulação e transmitidas ao vivo para os alunos pela plataforma digital Teams
promoveram a participação dos alunos e integração com os professores. Os modelos de avaliação onde os
alunos produziam conteúdo em vídeos e fotos de assuntos relacionados aos temas de emergências médicas
tiveram bom engajamento por parte dos alunos e atingiram ótimos resultados. Os feedbacks individuais que os
alunos receberam após cada tarefa executada foram úteis para fixar o conteúdo ensinado e corrigir possíveis
falhas, aproximando professores e alunos no momento de distanciamento físico.
Além disso, nesse período da pandemia da Covid-19, os professores da disciplina incluíram mais material
didático auxiliar no AVA, tanto de produção própria, quanto textos e vídeos complementares, abrangendo todo o
conteúdo abordado nos três semestres de graduação. Esse material constitui um arquivo permanente de referências
bibliográficas que pode continuar a ser utilizado após o retorno das atividades presenciais, principalmente para o
modelo de sala de aula invertida. As reuniões com os monitores para discussão de artigos científicos e preparo das
monitorias, assim como os feedbacks após cada monitoria, capacitaram os monitores com ferramentas didáticas para
auxiliar os alunos no aprendizado dos temas abordados. As monitorias realizadas ao vivo pela plataforma digital
Teams tiveram boa adesão e participação por parte dos alunos.
Desse modo, acreditamos que nossa experiência na disciplina possa contribuir com o desenvolvimento
de novas formas de participação de professores, monitores e alunos na construção do conhecimento sobre as
Emergências Médicas, com repercussões até mesmo após o retorno completo das atividades presenciais e fim
da pandemia da Covid-19.

571
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Bibliografia

1. Rosen KR. The history of medical simulation. Journal of Critical Care. 2008 Jun;23(2):157–66.
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médica e a percepção de professores antes da pandemia da Covid-19. Interface - Comunicação, Saúde,
Educação. 2021;25(suppl 1).

572
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Fatores de risco associados à mortalidade em


pacientes hospitalizados por Covid-19 no Rio de
Janeiro, Brasil

Julio César Delgado Correal1; Victor Edgar Fiestas Solórzano2; Paula Hesselberg Damasco3; Ana Clara de Siebra

Mecenas4; Maria de Lourdes Martins1; Adriana Guerreiro Soares de Oliveira1 ; Carla Salles Campos1; Rogério Lopes

Rufino Alves5; Elzinandes Leal de Azeredo2; Paulo Vieira Damasco5

1
Médico, Hospital Rio Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; 2 Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz,

Rio de Janeiro, RJ, Brasil; 3 Aluna de graduação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil; 4 Aluna de graduação da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; 5 Médico e docente da Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Descritores em português: Covid-19; Análise de Kaplan-Meier; Mortalidade; Brasil

Descritores em inglês: Covid-19; Kaplan-Meier analysis ; Mortality ; Brazil

Introdução

O SARS-CoV-2 é um patógeno viral que causou rapidamente uma devastadora pandemia por Covid-19.
Em 12 de dezembro de 2020, a Covid-19 causou 71.704.885 infecções e 1.604.978 mortes em todo o mundo.
Em 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. Quase
um ano após a pandemia, o Brasil apresentou o terceiro maior número de casos confirmados e o segundo
maior número de mortes no mundo.
Embora a maioria dos pacientes que desenvolve Covid-19 tenha sintomas leves, cerca de 20% dos pacientes
hospitalizados são admitidos em uma unidade de terapia intensiva (UTI), 15% requerem ventilação mecânica
(VM) e até 20% dos pacientes hospitalizados morrem. Os estudos sobre fatores de risco para intubação e
mortalidade em pacientes hospitalizados por Covid-19 concentraram-se principalmente em pacientes da
China, Europa e Estados Unidos da América.
Em contraste, na América Latina, as características dos pacientes hospitalizados, comorbidades,
sintomas apresentados, parâmetros laboratoriais e desfechos clínicos não foram completamente investigados.
Considerando que ainda não foi esclarecido se as características fenotípicas e genotípicas da população causam
diferenças na resposta à infecção por SARS-CoV-2, acreditamos que compreender os fatores associados à
mortalidade em pacientes com Covid-19 pode impactar nas decisões clínicas e orientar políticas de saúde
pública em países da América Latina, e em particular no Estado do Rio de Janeiro.

573
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Métodos

Foi realizado um estudo longitudinal retrospectivo que incluiu pacientes adultos internados no Hospital
Rio Botafogo com suspeita ou confirmação de Covid-19, segundo os critérios clínicos, radiológicos e
laboratoriais do Ministério da Saúde do Brasil, e os que faleceram ou tiveram alta entre 4 de março de 2020
e 21 de junho de 2020. Durante a pandemia de Covid-19 este hospital foi um dos hospitais de referência na
zona sul do Rio de Janeiro para atendimento de pacientes com suspeita de Covid-19.
Por meio de formulário elaborado para o estudo de casos, validado com o prontuário hospitalar, foram
obtidas informações gerais a partir dos relatórios da Unidade de Pronto Atendimento e coletadas as variáveis
registradas durante os exames físicos e laboratoriais realizados na admissão. Além disso, foram obtidas
informações sobre hospitalização, incluindo tempo de internação, admissão na UTI, tratamento, uso de VM,
complicações e desfecho (alta / óbito). O número final de pacientes incluídos no estudo foi de 98 após a
exclusão de cinco pacientes devido a informações incompletas, e os dados ausentes não foram imputados. Para
a análise descritiva, as variáveis contínuas são apresentadas como médias com desvios-padrão (DPs) ou como
medianas com intervalos interquartílicos (IQRs), conforme o caso. As análises univariadas para identificar as
variáveis associadas ao desfecho (alta / óbito) foram realizadas usando o teste Qui quadrado, teste exato de
Fisher, teste t de Student ou teste U de Mann-Whitney, conforme apropriado.
O método de Kaplan-Meier foi usado para a análise de sobrevida. O tempo calculado desde a data da
admissão hospitalar até a data do óbito ou último dia de internação foi considerado como variável dependente.
O teste de log-rank foi usado para comparar as curvas de sobrevivência, e o modelo de riscos proporcionais de
Cox foi usado para identificar as variáveis de linha de base que estavam independentemente associadas com
óbito na admissão hospitalar após ajustes para idade, sexo e comorbidades. A análise de resíduos de Schoenfeld
foi realizada para verificar a proporcionalidade dos riscos, e a análise de resíduos de Cox-Snell foi usada para
ajustar os modelos. As análises foram realizadas no STATA versão 15.0 (StataCorp, College Station, TX, EUA)
e a significância estatística foi estabelecida em p <0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Casa Rio Botafogo em julho de
2020 e pela Plataforma CONEP Brasil sob o CAAE número 47885515.8.0000.5279. Todos os procedimentos
foram realizados de acordo com os princípios da Declaração de Helsinque, 1964, conforme revisado em 1975,
1983, 1989, 1996 e 2000.

Resultados

Mais da metade dos pacientes (51%) eram homens com idade acima de 70 anos, e a maioria (91%)
tinha pelo menos uma comorbidade, sendo as mais frequentes hipertensão (72%), diabetes mellitus (30%),
obesidade (21%) e acidente vascular cerebral (19%). Uma proporção considerável residia em instituições de
cuidados geriátricos (20%) e havia sido internada anteriormente nos últimos 3 meses (21%) (Tabela 1).

574
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Na admissão, os sintomas mais frequentes foram tosse (81%), dispneia (77%) e fadiga (51%) (Tabela 2).
O maior número de internações (79%) e óbitos (75%) ocorreu entre as semanas epidemiológicas 16 e 20,
coincidindo com o observado na região metropolitana do Rio de Janeiro (Figura Suplementar 1).

575
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 1 suplementar: Hospitalizações e resultados dos pacientes por semanas epidemiológicas

576
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A maior proporção de óbitos estatisticamente significantes foi encontrada em pacientes idosos (p =


0,039), naqueles com maior índice de comorbidade de Charlson (p = 0,018) e naqueles com história de AVE
(p = 0,022). No entanto, também encontramos uma proporção maior de mortes em pacientes que viviam em
instituições de cuidados geriátricos (60%, 12/20).
Além disso, os seguintes parâmetros foram encontrados na admissão hospitalar com maior frequência
em pacientes que morreram: pressão arterial média <70 mm Hg (p = 0,002); saturação periférica de oxigênio
de <95% (p = 0,007); maior valor de leucócitos (p <0,001), contagem de neutrófilos (p <0,001), proporção
de neutrófilos / linfócitos (NLR) (p <0,001), proporção de monócitos/linfócitos (MLR) (p = 0,027), nível de
nitrogênio da ureia no sangue (BUN) (p = 0,025), nível de lactato desidrogenase (LDH) (p = 0,017), nível
de bilirrubina total (p = 0,001), nível de aspartato aminotransferase (AST) (p = 0,029), nível de proteína C
reativa (CRP) (p = 0,001); nível mais baixo de albumina sérica (p = 0,001); um escore II de Fisiologia Aguda
e Doença Crônica (APACHE) II mais alto (p = 0,001) e um escore de Avaliação Sequencial de Falha de
Órgãos (SOFA) (p <0,001); e menor valor na escala de Glasgow (p <0,001) (Tabela 2).
A infecção por SARS-CoV-2 foi confirmada em laboratório por reação em cadeia da polimerase de
transcrição reversa em tempo real (RT-PCR) em 58 pacientes (59%). A coinfecção com o vírus influenza A
(H1N1) foi confirmada em dois pacientes de 75 anos que faleceram. Além disso, uma mulher de 53 anos com
infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), mas sem outras comorbidades, evoluiu para óbito.
A maioria dos pacientes (86%) foi admitida na UTI. Ventilação mecânica, hemodiálise e hemotransfusão
estiveram mais associadas ao grupo de pacientes que faleceu; entretanto, apenas a VM foi estatisticamente
significativa (p <0,001). Por outro lado, sepse (98%), choque séptico (98%), síndrome do desconforto
respiratório agudo (91%), insuficiência renal aguda (84%), insuficiência hepática aguda (52%), coagulação
intravascular disseminada (36%) e encefalite (27%) foram mais frequentemente associadas à mortalidade
(Tabela 1 complementar).

577
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

No momento da observação, houve 44 mortes (45%) e uma taxa de mortalidade de 38,2 (intervalo de
confiança de 95% [IC], 28,3–51,4) por 1000 pacientes-dia. Óbito após 48 horas, 7 dias e 30 dias de admissão
ocorreu em 3 (7%), 23 (52%) e 42 pacientes (96%), respectivamente. Todos os pacientes que tiveram alta
hospitalar e 40 (48%) dos pacientes que tiveram tratamentos intensivos sobreviveram.
A Tabela 3 apresenta a taxa de mortalidade por 1000 pacientes-dia e a razão de risco estimada (RR) de óbito
para as variáveis demográficas, clínicas e laboratoriais na admissão que foram significativas na análise univariada.

578
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Observamos que idade> 70 anos, história de acidente vascular cerebral, índice de comorbidade de
Charlson ≥4, escore APACHE II ≥4, escore SOFA ≥2, escala de coma de Glasgow <15, pressão arterial
média <70 mmHg, saturação periférica de oxigênio <95%, NLR> 5, nível de LDH> 840 U / L, nível de
albumina <3 g/dL, nível de bilirrubina total> 0,5 mg / dL, nível de AST> 50 U / L e nível de PCR> 9 mg
/ L foram associados com um risco aumentado de mortalidade. No modelo de regressão multivariável de
Cox stepwise, apenas um escore SOFA ≥2 (RR = 4,614, IC 95% = 2,210–9,634, p <0,001) e um NLR>
5 (RR = 2,616, IC 95% = 1,303–5,252, p = 0,007) foram independentemente associados à mortalidade
(Figuras suplementares 2 e 3).

579
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura suplementar 2: curvas Kaplan-Meier da análise de sobrevivência pelo escore de Avaliação sequencial de falência

de órgão (SOFA). RR: razão de risco; IC: intervalo de confiança

Figura suplementar 3: curvas Kaplan-Meier de análise de sobrevivência pela razão neutrófilo/linfócito (NLR). RR:

razão de risco; IC: intervalo de confiança.

Considerações finais

Durante o período desta investigação clínica e epidemiológica, o estado do Rio de Janeiro apresentou o
quarto maior número de casos confirmados de Covid-19 no Brasil, atrás apenas dos estados de São Paulo,
Bahia e Minas Gerais. Em termos de número absoluto de óbitos, a cidade do Rio de Janeiro estava em
segundo lugar da lista do Ministério da Saúde, somente uma posição atrás da cidade de São Paulo. Até onde

580
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

sabemos, este foi o primeiro estudo a avaliar os fatores associados à mortalidade em pacientes hospitalizados
por Covid-19 no Rio de Janeiro, Brasil.
As características basais associadas à mortalidade observadas neste estudo estão de acordo com os achados
de outros estudos, como uma maior proporção de desfecho para óbitos no grupo de pacientes geriátricos com
comorbidades, com coinfecção por bactérias hospitalares ou com infecção pelo H1N1, maior valor do índice
de comorbidade de Charlson e histórico de Acidente Vascular Encefálico(AVE). Também encontramos
maior proporção de óbitos em pacientes que residiam em lares de cuidados geriátricos (60%), de acordo com
estudos realizados no Brasil e em outros países, que destacaram a alta vulnerabilidade de pacientes residentes
nessas instituições geriátricas.
Todas as características clínicas e parâmetros laboratoriais avaliados já foram analisados em diversos
estudos, embora ainda não haja consenso sobre quais são os mais importantes. Descobrimos que as contagens
de leucócitos e neutrófilos foram significativamente maiores nos pacientes mais gravemente afetados que
faleceram, o que pode estar relacionado a uma infecção secundária ou tempestade de citocinas induzida
por infecção. Além disso, esses pacientes também tinham contagens de linfócitos mais baixas, embora isso
não fosse significativo. A linfopenia é uma característica comum de muitas infecções virais e pode resultar
da infecção direta de linfócitos ou apoptose celular; portanto, o monitoramento do NLR em pacientes com
Covid-19 foi sugerido.
Também encontramos níveis significativamente mais elevados de biomarcadores de dano a tecidos
e órgãos, como LDH, AST e ureia. Postulou-se que essa associação poderia ser explicada pelo vírus que
causa danos diretos aos órgãos ao se ligar aos receptores da enzima conversora de angiotensina 2; isso leva
à hiperinflamação sistêmica causada por uma tempestade de citocinas ou hipóxia resultante de insuficiência
respiratória. Além disso, como esperado, devido à gravidade da doença, maiores escores APACHE II e SOFA,
e menores valores na escala de Glasgow foram encontrados em pacientes que faleceram quando comparados
aos que tiveram alta.
Em relação às coinfecções identificadas, na literatura, tem sido descrita maior frequência de complicações e
óbitos em pacientes graves com Covid-19 que tiveram coinfecção pelo vírus influenza. No entanto, o mesmo não
foi relatado nos estudos publicados durante a investigação clínica e epidemiológica sobre coinfecção com HIV.
Apesar de ter uma amostra pequena de pacientes, não encontramos diferenças estatisticamente significativas
em relação ao uso de hidroxicloroquina, macrolídeos, ivermectina, heparina de baixo peso molecular ou
corticoides entre os pacientes que sobreviveram e os que tiveram alta. Algumas dessas observações foram
inconsistentes com os achados de outros estudos, como o efeito protetor dos anticoagulantes nos desfechos
de pacientes com Covid-19.
Da mesma forma, constatou-se maior uso de antibióticos, embora sem significância estatística, no grupo
de pacientes que faleceram. A ceftriaxona foi usada com mais frequência em ambos os grupos; no entanto,
carbapenêmicos, linezolida e polimixina B foram usados com mais frequência no grupo de pacientes que
morreram. Isso pode ter sido um reflexo da presença de infecções secundárias nesse grupo de pacientes,
especialmente naqueles com pneumonia associada à ventilação.
Este estudo mostrou que um escore SOFA ≥2 e um NLR> 5 na admissão foram independentemente
associados à mortalidade em pacientes hospitalizados por Covid-19, como já foi demonstrado em estudos

581
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

na China, Europa e Estados Unidos. Assim, acreditamos que em pesquisas futuras, esses parâmetros possam
contribuir para estabelecer pontuações que permitirão uma avaliação inicial dos pacientes com Covid-19 e,
portanto, fornecer atendimento oportuno.
Por outro lado, levando-se em consideração que os idosos constituíam quase a maioria da população
deste estudo, caracterizamos um grupo significativo de alto risco que pode se beneficiar de um distanciamento
social mais rígido, principalmente, quando as restrições decorrentes da Covid-19 são flexibilizadas.

Agradecimentos:

Este estudo usou dados de prontuários médicos que foram criteriosamente atualizados pelos corajosos
médicos de emergência da linha de frente da Covid-19 e a equipe de terapia intensiva em um momento de
pânico generalizado sobre uma doença desconhecida. Além disso, sem o apoio dos pacientes, dos estudantes
de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e da Universidade Federal Fluminense
(UFF) não teríamos a oportunidade de escrever este capítulo do livro digital publicado durante a “Jornada
Acadêmica FCM 86 anos” promovida pela Faculdade de Medicina de Ciências Médicas da UERJ.

Apoio Financeiro:

CNPq, Conselho Nacional Brasileiro de Ciência e Desenvolvimento Tecnológico TWAS, The Academy
of Sciences para o mundo em desenvolvimento.

Bibliografia

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Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University ( JHU) [Internet]. Maryland, USA: Coronavirus
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583
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Grupos remotos para autogerenciamento da dor


crônica na pandemia de Covid-19: a experiência do
Centro Multidisciplinar de Dor da UERJ

Fernanda Martins Pereira1, Claudia Zornoff Gavazza2, Guilherme Salcedo Areunete3, Adalgisa Ieda Maiworm4, Paulo

Farinatti5, Maud Parise6, Nivaldo Ribeiro Villela7

1
Docente da Disciplina de Saúde Mental e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ; 2Aluna da Pós-

graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ; 3Aluno da Pós-graduação em

Fisiopatologia Clínica e Experimental da UERJ; 4Fisioterapeuta da Policlínica Piquet Carneiro da UERJ; 5Docente do Programa

de Pós-Graduação em Ciências do Esporte e Exercício da UERJ; 6Docente da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de

Ciências Médicas da UERJ; 7Docente Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ

Descritores em português: dor crônica; Covid-19; consulta remota.

Descritores em inglês: chronic pain; Covid-19; remote consultation.

Introdução

O início da pandemia de Covid-19 impactou a população mundial, trazendo a necessidade imediata


de modificações comportamentais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou uma série de
restrições sanitárias para evitar a proliferação do vírus e a contenção da mortalidade1. O uso de álcool gel,
máscaras, quarentena, isolamento social e lockdown (medida de bloqueio total para evitar a circulação de
pessoas) começaram a fazer parte do cotidiano da população.
A alta letalidade do novo vírus e a insegurança diante de um cenário de incertezas trouxeram vários
estressores psicossociais. As pessoas passaram a conviver, diariamente, com o medo da contaminação e da
morte, com o impacto emocional do distanciamento social e com os efeitos do retraimento da economia.
Diante disso, a OMS expressou preocupação não só em relação à saúde física, como também mental dos
indivíduos2. Essa preocupação foi legitimada pela identificação, em vários países do mundo, de aumentos de
sintomas de depressão, ansiedade, estresse, insônia e estresse pós-traumático3.
O acesso aos serviços de saúde, em geral, ficou mais limitado, fazendo com que as pessoas tivessem
maiores dificuldades para iniciar ou dar continuidade a seus tratamentos de saúde. No Brasil, esse quadro
tornou-se ainda mais grave, acrescendo-se à precarização dos serviços de saúde no país4.
Entre os pacientes que foram gravemente afetados estavam os que possuíam o diagnóstico de dor crônica.
Em definição recentemente revisada, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceitua a
dor como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada,
a uma lesão tecidual real ou potencial”5. É denominada dor crônica aquela que persiste por mais de três
meses, constituindo-se uma doença por si só. A dor crônica exerce um enorme impacto sobre a saúde e a vida
dos indivíduos, gerando limitações de movimentos, incapacidade funcional, sofrimento emocional e piora na

584
qualidade de vida. Afeta mais de 30% da população mundial6 e imprime altos encargos socioeconômicos aos
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

sistemas de saúde.
O ciclo da dor crônica inclui limitação ou medo extremo do movimento (cinesiofobia), baixa autoeficácia
e autoestima, sensação de incapacidade, isolamento social e pensamentos catastróficos. Associam-se a esse
quadro sintomas de ansiedade e depressão, sobrepeso, aumento da dor e maior consumo de medicação. Esses
agravos à saúde física e mental, no entanto, podem ser diminuídos através da aprendizagem de estratégias de
enfrentamento que incluam mudanças cognitivas, emocionais e comportamentais, modificando a rotina de
vida e buscando o resgate gradual de movimentos.
A combinação de fatores biológicos e estressores psicossociais funciona como um gatilho para o surgimento
da dor crônica. Para aqueles que precisam de tratamento, sua ausência ou descontinuidade pode tornar os
indivíduos mais vulneráveis a outras doenças, inclusive a infecção pelo coronavírus4,7. O adoecimento por
Covid-19, por sua vez, também pode aumentar o risco de desenvolvimento de dor crônica ou exacerbar
quadros pré-existentes8,9.
A pandemia promoveu o fechamento dos centros de tratamento da dor em todo mundo. Recursos
precisaram ser mobilizados para o combate da Covid-19 e os atendimentos eletivos de rotina e não
emergenciais foram cancelados por meses em hospitais com níveis de atendimento secundário e terciário.
Por outro lado, a atenção primária precisou orientar que os pacientes permanecessem socialmente distantes.
Antes da pandemia, o teleatendimento em saúde, voltado para a população com dor crônica, já era assunto de
interesse da comunidade científica. Questões relacionadas ao modelo que funciona e a dificuldade de acesso
da população eram os temas mais abordados10. Subitamente, tratar e dar suporte aos pacientes com dor crônica
à distância da unidade hospitalar passou a ser imperativo. Diante desse cenário de urgência, novas formas de
tratamento passaram a ser pesquisadas, a fim de atender às necessidades da população. As consequências de
saúde pública, os riscos do não tratamento e as evidências clínicas das terapias remotas incentivaram ações de
monitoramento e assistência via telessaúde, inclusive no Brasil4,10.
O objetivo desse capítulo é apresentar as adaptações realizadas nos grupos presenciais de autogerenciamento
da dor crônica da Clínica da Dor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) frente às exigências
impostas pela pandemia de Covid-19. Para isso, será feito um relato de experiência acerca da implementação
de grupos remotos síncronos e da elaboração de conteúdos assíncronos para o manejo da dor, discutindo os
ganhos, limites e desafios da transposição do real para o virtual.

Relato

Projeto de Extensão Universitária da Clínica da Dor da UERJ: da


modalidade presencial à virtual.
O modelo biopsicossocial acredita que a dor e incapacidade são consequências de interações dinâmicas
multidimensionais entre fatores biológicos, psicológicos e sociais que sofrem influência recíproca11. Os
guidelines para o manejo da dor sugerem a abordagem multidisciplinar12 centrada no paciente, com um
suporte de autogerenciamento conduzido por profissionais13 através de um modelo de tomada de decisão
compartilhada14,15. No entanto, esse tipo de cuidado está limitado às clínicas multidisciplinares, que em muitos

585
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

casos não estão integradas aos serviços de Atenção Primária16.


Dentro dessa perspectiva de abordagem biopsicossocial, surge o projeto “Atendimento Multidisciplinar
de Pacientes com Dor Crônica no Centro Multidisciplinar de Dor da UERJ”. Trata-se de uma extensão
universitária que desenvolve ações de ensino, pesquisa e assistência a pacientes com diferentes tipos de dores
crônicas. O Projeto envolve uma equipe composta por profissionais de diferentes especialidades, entre técnicos,
alunos de graduação, pós-graduação e docentes da UERJ. São atendidas pessoas de todo território fluminense,
com financiamento da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.
Os pacientes chegam à Clínica da Dor da UERJ encaminhados pela Atenção Primária, via Sistema de
Regulação em Saúde. Inicialmente, são recebidos na unidade ambulatorial do Hospital Universitário Pedro
Ernesto (HUPE), onde são avaliados por técnicos de enfermagem, psicólogos, fisioterapeutas e médico. Nesse
momento, recebem acolhimento, são avaliados, examinados, solicitados novos exames, quando necessário,
sendo então estabelecido um diagnóstico e uma proposta terapêutica. Tal proposta é específica para cada
paciente, podendo incluir medicamentos, procedimentos anestésicos, cirúrgicos, entre outros. Em seguida,
os pacientes são encaminhados para uma proposta multidisciplinar grupal para autogerenciamento da dor
crônica.
O programa apresenta estratégias de manejo da dor dentro de um enfoque mente-corpo. O objetivo da
intervenção é ampliar as estratégias de enfrentamento da dor entre os pacientes. Com isso, busca-se promover
redução na intensidade da experiência álgica; diminuição da incapacidade funcional e dos níveis de ansiedade
e depressão; melhora da função física e alimentação. O objetivo é voltado mais para o incremento da qualidade
de vida do que para a redução da dor crônica, pois apesar de ainda não haver cura para muitos, o sofrimento
relacionado à doença pode ser diminuído.
É necessário que o indivíduo assuma uma postura ativa em seu processo de tratamento. O paciente deve,
primeiro, compreender o papel de múltiplos fatores que influenciam na piora ou melhora da intensidade
da dor para que, posteriormente, comece a gerenciar melhor seus sintomas. A educação em dor surge como
peça fundamental nesse processo. Durante o autogerenciamento, os pacientes são sensibilizados a refletir
sobre a necessidade de flexibilização de crenças, a superação das limitações impostas pela dor e o resgate dos
movimentos. Procura desmistificar crenças incapacitantes, promovendo o reestabelecimento da confiança e
da autoeficácia para a realização de atividades, melhorando com isso a autoestima e segurança no movimento.
São ensinadas técnicas cognitivo-comportamentais para manejo da dor crônica, exercícios de reabilitação física,
práticas de atividade física (particularmente caminhadas e exercícios de resistência e mobilidade) e orientação sobre
alimentação saudável. Entre as intervenções realizadas estão ações de psicoeducação; reestruturação cognitiva;
treino de assertividade; higiene do sono; relaxamento muscular progressivo e respiração diafragmática. Todas essas
estratégias foram adaptadas e aplicadas especificamente para o enfrentamento da dor.
Os grupos são conduzidos por 1 psicólogo, 1 fisioterapeuta, 1 educador físico e 1 nutricionista. Cada
grupo de autogerenciamento da dor é realizado semanalmente, por um período de 6 semanas. Contém, em
média, 10 pacientes e possui duração de 2 horas. Semanalmente são conduzidos 8 grupos, contemplando,
nesse período, cerca de 80 pacientes. Os encontros sempre se deram no campus da UERJ, em um espaço
amplo e adaptado para a prescrição de atividades físicas multimodais no Laboratório de Atividade Física e
Promoção da Saúde do Instituto de Educação Física e Desportos (LABSAU-UERJ).

586
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Até o início de 2020, os grupos eram realizados presencialmente nas instalações físicas da UERJ. Em
março de 2020, com a efetiva chegada da pandemia de Covid-19 em nosso país, a imposição de limitações
sanitárias e a necessidade de isolamento exigiu a interrupção abrupta dos grupos vigentes. Em agosto de
2020, houve retorno do atendimento ambulatorial no HUPE, não sendo possível, entretanto, o atendimento
multidisciplinar em grupo. A impossibilidade de acesso ao atendimento dessa população nos meses anteriores
gerou uma elevada taxa de suspensão de uso de medicamentos, por dificuldade de acesso às receitas na atenção
primária, piora da saúde mental e aumento da incapacidade funcional. Diante de um cenário de restrições e
incertezas, houve necessidade de readaptação da proposta grupal para que a assistência não fosse interrompida
e, por consequência, sobreviessem mais danos à saúde dos pacientes. A fim de procurar soluções para o novo
cenário de saúde pública, a equipe multidisciplinar realizou uma sequência de reuniões a fim de buscar a melhor
proposta para garantir a continuidade do atendimento. Com esse intuito, optou-se por adaptar o protocolo
de intervenções presenciais para a modalidade remota. Os objetivos de cada encontro foram mantidos, mas
alterou-se a forma como seriam desenvolvidos.
Primeiramente, foi discutida a escolha da melhor plataforma virtual para a população assistida, de forma
que fosse mais acessível à realidade dos pacientes. Devido à popularidade do aplicativo WhatsApp, optou-se
pela realização dos encontros grupais através desse meio. Assim sendo, o único critério de inclusão estabelecido
para participação do autogerenciamento online era ter acesso à internet e um número de telefone vinculado
ao aplicativo supracitado. Essa exigência foi necessária, uma vez que o Projeto não tinha recurso financeiro
destinado especificamente para compra de chips de celulares. Cada paciente possuía seu próprio grupo de
WhatsApp, pelo qual recebia informações sobre o autogerenciamento, como data de início e horário, assim
como os links para participação nos encontros virtuais síncronos semanais. Esses eram feitos através de salas
virtuais feitas pelo Facebook Messenger, que também foi escolhido por sua popularidade.
Após cada encontro virtual entre os pacientes com dor crônica e profissionais de saúde, eram enviados
vídeos do Youtube elaborados pela equipe multidisciplinar do Projeto, contendo material explicativo e exercícios
para o manejo de dor e melhoria da qualidade de vida em geral. Esse material foi elaborado pela necessidade
de otimização do tempo dos grupos nas sessões online. Desse modo, os pacientes poderiam assistir conteúdo
disponibilizado sempre que lhes fosse conveniente. Os vídeos eram disponibilizados através de links privados
somente para os pacientes do Projeto. A equipe se colocava à disposição ao longo da semana, para esclarecer
eventuais dúvidas.
Em resumo, o autogerenciamento na modalidade remota funcionava através de duas etapas: (1) encontros
virtuais simultâneos semanais com os pacientes com dor conduzidos um psicólogo, um fisioterapeuta, um
educador físico e um nutricionista na sala virtual; e (2) envio dos vídeos do Youtube, com recomendações e
atividades que deveriam ser realizadas ao longo da semana pelos pacientes. A cada semana, nos encontros
remotos síncronos, eram apresentados não só novos conteúdos como também discutidas as dificuldades
apresentadas pelos pacientes em relação as atividades propostas. O apoio emocional permeava todo esse
processo, a fim de que os membros do grupo se sentissem acolhidos e à vontade para expor seus medos e
angústias não só em relação à dor, como também aos desafios impostos pelo cenário pandêmico.

587
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Desafios encontrados para adesão à modalidade remota


Serão discutidas, a seguir, as limitações e desafios vividos pela equipe multidisciplinar e pacientes durante
o processo de adesão à modalidade virtual dos grupos de autogerenciamento da dor.
A modalidade on-line pode ser uma opção cansativa, ainda mais para as pessoas com dor crônica, devido
ao tempo de exposição em tela, parados uma única posição. Para atenuar essa dificuldade, estimulava-se os
pacientes a se movimentarem durante os encontros, podendo ficar em pé, sentados ou deitados se assim
achassem necessário. Também foi identificada a necessidade de redução da duração das sessões de cada grupo,
no intuito de evitar que os pacientes e membros da equipe ficassem extenuados. A proposta inicial foi a
redução de 2 horas para 1 hora e meia. No entanto, isso nem sempre foi possível, uma vez que os participantes
apresentavam muita demanda para discussão com os profissionais de saúde.
Outro obstáculo foi a falta de familiaridade dos pacientes com as salas virtuais pelo aparelho telefônico.
O manejo das funções “microfone” (para que pudessem ser ligados e desligados com o objetivo de diminuir
ruídos externos) e “câmera” (para que pudessem se expor visualmente para outros participantes) eram
constantemente explicados, tomando tempo do grupo. Foi feito, então, um pequeno tutorial pela equipe,
sendo este apresentado no início de cada grupo, o que amenizou um pouco o problema.
Idosos que normalmente acessam a internet para obter informações sobre saúde melhoram o conhecimento
sobre a sua condição clínica, a comunicação com profissionais de saúde, são mais participativos nas decisões
médicas e melhoram o acesso à saúde. Infelizmente, essa não é a realidade de todos os idosos da nossa sociedade.
Aqueles que possuem menor nível socioeconômico e que pertencem a grupos raciais/étnicos minoritários
apresentam maior dificuldade no uso de internet17. Durante os grupos, foi identificado que globalmente os
idosos possuíam mais limitações para acessar os encontros.
Para não deixar de participar do autogerenciamento, contudo, vários participantes com idades mais
avançadas pediam ajuda a seus filhos e netos durante a intervenção, para que os auxiliassem no manejo
dos comandos das salas virtuais. Tal iniciativa foi sugerida e incentivada pela equipe multidisciplinar. A
equipe procurava sempre orientar os pacientes em suas dificuldades, para que pudessem aprender e participar
ativamente das intervenções. Uma outra solução discutida foi a de voltar a oferecer, presencialmente, os
encontros de autogerenciamento para esse subgrupo. No entanto, para isso ainda é necessário aguardar a
liberação das autoridades, a fim de que as medidas de segurança sanitária possam ser respeitadas.
Uma das principais dificuldades encontradas relacionou-se ao acesso dos pacientes à internet de banda
larga. Alguns não possuíam acesso à rede, sendo excluídos logo no início já que este era o único critério para
participação no autogerenciamento remoto. Outros tinham acesso limitado ou de baixa qualidade, causando muitas
interrupções durante os encontros (as chamadas “quedas” no espaço virtual). Frente a essa dificuldade, alguns
participantes iam para casa de outros familiares ou vizinhos, locais nos quais o acesso era melhor. Também havia
pacientes que se conectavam a partir dos seus ambientes de trabalho. Observou-se, também, que os grupos virtuais
tinham uma frequência mais baixa do que os presenciais. Talvez isso possa ser explicado através dos desafios listados
acima: cansaço pela exposição em tela, falta de familiaridade com os recursos digitais, idade avançada, dificuldade
de acesso a uma rede de banda larga e preferência pelo contato humano presencial.

588
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Considerações Finais

A dificuldade de acesso ao sistema de saúde durante os piores momentos da pandemia comprometeu


muito a saúde da população atendida. O uso da internet passou a ser uma possibilidade real de oferecer um
tratamento da dor crônica com as melhores evidências científicas. Entretanto, foram muitos os desafios. A
exclusão digital, sobretudo no cenário pandêmico, limita o acesso a recursos que poderiam a amenizar danos
à saúde mental e física dos pacientes. Essa dificuldade ainda é um problema para a boa parte da população
brasileira. Obstáculo especial foi encontrado entre os idosos. A pandemia fez com que muitos tivessem que
se adaptar abruptamente ao manejo de uma tecnologia que, para muitos, não era necessária anteriormente.
Apesar dos desafios, a equipe multidisciplinar compreende que foi feito o que era possível dentro de
um cenário de urgência sanitária e identificou a obtenção de outros ganhos. Entende-se que o objetivo
principal do Projeto, qual seja, minimizar o impacto da severidade da dor sobre a saúde física, psíquica e
social de pacientes com dor crônica, foi cumprido na modalidade remota. Para muitos pacientes foi também
uma oportunidade única de romper com o isolamento imposto pela pandemia. Avaliações feitas através de
inventários de dor e saúde mental, antes e após a intervenção, identificaram que as sessões de atendimento aos
grupos contribuíram para a melhora da qualidade de vida, diminuição de sintomas de ansiedade, depressão, e
sofrimento relacionado à experiência contínua de dor.
Constatou-se que vários participantes se beneficiaram da psicoeducação, da aprendizagem de habilidade
cognitivas e emocionais, dos exercícios de aptidão e reabilitação física e instruções nutricionais, aumentando
suas estratégias de enfrentamento para a dor crônica. A possibilidade de experimentar no corpo os efeitos
benéficos da incorporação dessas ferramentas como estratégias na rotina diária produziu sensações de bem-
estar que aumentaram a autoeficácia para o movimento. Como consequência, houve entre os participantes
maiores níveis de atividade física, menos isolamento social, queda nos níveis de ansiedade e depressão e com
isso, menor impacto da dor nas atividades do dia a dia.
A transformação dos grupos de autogerenciamento da dor do formato presencial para o remoto propiciou
o acesso seguro a muitos pacientes que moravam em outras cidades do Estado do Rio de Janeiro e também
aos que se viam impossibilitados de receber assistência por pertencerem a grupos de riscos para infecção pelo
coronavírus. Mesmo que virtual, a troca de experiências no grupo empoderou os pacientes no processo do “ser
ativo” e serviu como incentivo e força para aumentar a adesão à proposta de autogerenciamento. Com isso, a
dor pôde ser amenizada, provocando menor impacto na sua rotina e qualidade de vida.
A possibilidade de troca entre indivíduos com dificuldades decorrentes de uma mesma condição patológica
parece ser especialmente útil em tempos de isolamento social. A formação de grupos de atendimento provê
espaço fértil para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas como o compartilhamento de informações,
instilação de esperança e aprendizagem vicária18. Em um cenário complexo, repleto de desafios que afetam a
saúde física e mental em um país socialmente desigual, a possibilidade de escutar e ser escutado, respeitando
e aprendendo com o outro, em um ambiente seguro e acolhedor, pode constituir-se em estratégia eficaz para
a diminuição do sofrimento dos pacientes acometidos de dor crônica.
Gostaríamos de agradecer aos demais profissionais do autogerenciamento que, com toda dedicação e

589
empenho, tornam esse projeto possível: Anna Paola Porgiúncula Beltrão G. Montes, Isabela Teixeira Bonomo,
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Odiléa Rangel Gonçalves, Patricia Arruda de Albuquerque Farinatti, Raphael Almeida Silva Soares, Raphael
de Oliveira do Amaral, Simara Cândido da Silva e Taiana Gomes Lima.

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591
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Machine Learning para triagem diagnóstica de


pacientes com suspeita de Covid-19 utilizando
clínicos de pacientes

Erito Marques de Souza Filho1; Leandro Guimarães Marques Alvim2; Filipe Braida do Carmo2; Rodrigo de Souza

Tavares3; Bruno José Dembogurski2; Alexandra Monteiro4

1
Aluno do Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde,

Faculdade de Ciências Médicas UERJ; 2Professor do Departamento de Computação do Instituto Multidisciplinar da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ; 3Professor do Departamento de Direito do Instituto Multidisciplinar da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ; 4 Professora Titular e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em

Telemedicina e Telessaúde, Faculdade de Ciências Médicas UERJ

Descritores em português: aprendizado de máquina; infecções por coronavírus; sinais e sintomas;

Descritores em inglês: machine learning; Covid-19; signs and symptoms

Introdução

Em dezembro de 2019, um grupo de pessoas na cidade de Wuhan, na China, manifestou sinais e sintomas
de acometimento respiratório de curso clínico grave e desfecho avassalador que foi diagnosticado inicialmente
como pneumonia por causa desconhecida e posteriormente pelo Coronavírus SARS-CoV-21. A disseminação
foi rápida na China e no mundo, recebendo posteriormente o status de pandemia pela Organização Mundial
de Saúde. O agente causador foi identificado como pertencente à família dos coronavírus, cuja apresentação
clínica guarda relação com aquela observada durante a epidemia de síndrome respiratória aguda grave em
20032. A nova enfermidade foi nomeada posteriormente pela Organização Mundial de Saúde como Covid-19.
Trata-se de uma doença infecciosa com expressão clínica variável que tem a febre e a tosse (geralmente seca)
como sintomas predominantes, mas que também pode cursar com diarreia, náuseas, vômitos, dispneia, fadiga,
mialgia, anosmia/hiposmia, ageusia/hipogeusia2-4. O Ministério da Saúde definiu em suas “Diretrizes para
diagnósticos e tratamento da Covid-19”, publicadas em 2020, que os casos suspeitos da doença seriam àqueles
de indivíduos com: a) síndrome gripal: entendida como um quadro respiratório agudo com sensação febril
ou febre e que pode vir acompanhado de tosse ou coriza ou dor de garganta ou dificuldade respiratória; b)
indivíduos com Síndrome Respiratória Aguda Grave, podendo apresentar dispneia, desconforto respiratório
e até diminuição da saturação de oxigênio. Essa instituição também destaca que outros sintomas são
relacionados à doença, tais como a presença de mialgias, a perda ou diminuição do olfato (anosmia/hiposmia),
a presença de distúrbios gastrointestinais (diarreia/náuseas/vômitos) ou a perda ou diminuição do paladar
(ageusia/hipogeusia). Em idosos, deve-se considerar ainda sintomas como, síncope, sonolência em excesso,

592
confusão mental, falta de apetite e irritabilidade. O diagnóstico definitivo pode ser obtido por critérios clínico
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

e/ou epidemiológicos e por exames laboratoriais, tais como, biologia molecular, ensaio imunoenzimático,
imunocromatografia e imunoensaio por eletroquimioluminescência5.
A situação de emergência de saúde pública que se estabeleceu e os novos desafios impostos pela Covid-19
configuram um panorama complexo que demanda um conjunto de ações coordenadas e possui a inovação como
um de seus pilares. Nesse contexto, as ferramentas de Inteligência Artificial (IA) podem ser de fundamental
valia. Esta engloba um complexo arcabouço de sofisticados modelos matemático-computacionais que
permitem a construção de algoritmos a serem utilizados para emular a realização de diversas tarefas humanas,
como por exemplo, o reconhecimento de padrões, a resolução de problemas e a compressão da linguagem.
Existe uma subárea da IA chamada de Machine Learning (ML), que traz a possibilidade de aprendizado a
partir da experiência obtida com bases de dados de grande porte coletadas e processadas de maneira adequada6.
Diversas ferramentas de ML foram construídas ao longo do tempo e em particular, vale destacar algumas
delas, como o Support Vector Machine, Gradient Boosting, Random Forests e as redes neurais artificiais7-10. Além
disso, há um grande crescimento desta última, principalmente de uma subclasse de modelos chamada Deep
Learning (DL)11. Vale destacar vantagens dos modelos de ML: a) escalabilidade e flexibilidade quando
comparadas com os métodos bioestatísticos convencionais, o que seguramente traz um grande potencial para
realização de tarefas como a estratificação de risco e a avaliação diagnóstica e prognóstica. b) habilidade de
analisar diversos tipos de dados, como por exemplo, dados clínicos, ômicos, laboratoriais, dados de imagem e
dados demográficos e de incorporá-los em predições de risco e no desenvolvimento de condutas médicas12.
Nesse ínterim, vale destacar que os modelos de ML têm se mostrado bastante úteis e relevantes em diversos
cenários. Em particular, com relação à triagem diagnóstica pode-se destacar algumas aplicações importantes.
Than e colaboradores desenvolveram um algoritmo de ML visando estimar a probabilidade de um
determinado paciente apresentar infarto agudo do miocárdio. Para alcançar tal objetivo, o modelo analisa
variáveis clínicas e laboratoriais, tais como, idade sexo, concentração de troponina e taxa de variação da
troponina. Trata-se de um estudo multicêntrico com a participação de 11000 pacientes. Foi utilizado um
modelo chamando Gradient Boosting. No tocante ao desempenho, vale ressaltar que os resultados foram
bastante animadores. A performance verificada foi melhor que a obtida por escores tradicionais como o da
Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC 0/3-hour pathway). A sensibilidade obtida foi de 82,5% [74.5-
88.8%] enquanto a especificidade foi de 92,2% [90.7-93.5%]13.
Hair e colaboradores em seu trabalho combinaram dois modelos de ML (Stochastic self-organizing maps
e Random Forests) para analisar o perfil clínico de 523 casos de dengue. A ideia era identificar características
úteis que poderiam ser utilizadas para desenvolver um critério de gravidade nesses pacientes. Trata-se de um
estudo unicêntrico e retrospectivo. Foram encontrados 4 grupos, com distintos perfis em relação à doença.
Dois deles estão relacionados ao surgimento de sintomas leves, outro associado à evolução intermediária e um
relacionado à maior gravidade. Eles concluíram que a idade dos pacientes foi considerada pelo algoritmo como
uma variável chave. Além disso, reiteraram que os sinais de alarme devem receber um acompanhamento estrito,
principalmente em crianças14. Kwon e colaboradores, por sua vez, fizeram um estudo de coorte retrospectiva
com 52131 pacientes de dois hospitais diferentes para avaliar se um modelo de ML seria capaz de predizer
que pacientes estariam em risco de parada cardíaca. O modelo utilizado foram as redes neurais artificiais (DL).
Foram utilizadas apenas 4 variáveis, a saber, pressão sistólica, frequência cardíaca e temperatura corporal. No

593
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

tocante a predição de parada cardíaca, o algoritmo teve um bom desempenho, a área abaixo da curva ROC
(AUC) foi de 0,85 no primeiro hospital e 0,83 no segundo. Os autores também avaliaram o desempenho do
algoritmo no tocante a predição de morte de um paciente caso não receba ressuscitação cardiopulmonar. As
AUC obtidas nesse caso foram, respectivamente, 0,92 e 0,91. Eles reiteram que os sistemas tradicionais (track-
and-trigger) possuem algumas limitações como a baixa sensibilidade e a elevada taxa de alarmes falsos e que,
portanto, o algoritmo de DL poderia contribuir de maneira significativa para melhorar esse tipo sistema15.
Nesse contexto, a pandemia por Covid-19 trouxe consigo diversos desafios sócio-econômicos. Por outro
lado, as ferramentas de Machine Learning (ML) têm tido diversas aplicações na medicina, em particular em
relação ao diagnóstico e prognóstico dos pacientes. Considerando o panorama de não disponibilidade para
todos dos testes diagnósticos, a quantidade de diagnósticos diferenciais e o medo dos pacientes de saírem
de suas residências para comparecer a uma unidade de saúde, o desenvolvimento de uma ferramenta capaz
de fazer uma triagem diagnóstica a partir dos sintomas dos pacientes através de ferramentas de Inteligência
Artificial pode colaborar bastante na orientação e condução dos pacientes.
O termo Inteligência Artificial foi cunhado pela primeira vez em uma conferência realizada na cidade
de Dartmouth em 1956 entretanto seu desenvolvimento se confunde em partes com a própria história da
computação, tendo tido contribuição fundamental de diversos autores, tais como Alan Turing, John Von
Neumann, dentre outros6,16,17. Em particular, com o advento de uma classe de modelos específicos denominada
DL permitiu-se que problemas de elevada complexidade na área de saúde pudessem ser resolvidos. As redes
neurais têm suas origens nos trabalhos de McCulloch e Pitts que lançaram as bases para a construção de
modelos matemáticos que tivessem alguma proximidade com os neurônios biológicos18. De modo superficial,
sem aprofundar nos detalhes sob o ponto de vista da matemática, pode-se afirmar que a base do modelo é
a utilização de um conjunto de entes matemáticos denominados neurônios artificiais. Eles são dispostos em
camadas e possuem conexões entre si para os quais são associados valores numéricos denominados pesos.
Em última análise, o algoritmo visa encontrar um conjunto de pesos dito ótimos, considerando as conexões
existentes na rede neuronal, um conjunto de entradas e um conjunto de funções matemáticas denominadas
funções de ativação. O primeiro desses modelos foi proposto por Rosenblat e denominado “Perceptron”19.
Entretanto, em 1969, Minky e Papert provaram que o uso de redes neurais dessa natureza teria uma utilidade
limitada, na medida em que seus melhores resultados só ocorreriam em problemas que possuíssem uma
característica especial: serem linearmente separáveis20. O desenvolvimento das redes neurais artificiais nas
décadas posteriores seguiu certo período de latência sob o ponto de vista da pesquisa, ainda que alguns
avanços importantes tenham sido alcançados.
O trabalho de Broomhead e Lowe sobre as chamadas Funções de Base Radial, é um exemplo21. Essa
situação sofreu uma significativa mudança devido a pelo menos três fatores. O primeiro deles foi o trabalho
seminal de Rumelhart e colaboradores, que permitiu a realização da atualização dos pesos em complexas redes
com múltiplas camadas de neurônios – DL – denominado backpropagation10. Além disso, o uso de computação
paralela para realização de cálculos complexos de maneira mais rápida foi outro ponto fundamental. Trata-se
das chamadas Unidades de Processamento Gráfico (UPGs). A inspiração nesse caso foi nas placas gráficas que
já eram utilizadas pela indústria do entretenimento para produção dos jogos modernos. Alguns desses jogos,
como por exemplo, o Grand Theft Auto e Assassin’s Creed emulam personagens com grande realismo. O uso das

594
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

UPGs como paradigma para os modelos de ML foi fundamental para acelerar a obtenção dos resultados dos
modelos matemático-computacionais. O terceiro fator fundamental foi a existência de um ambiente de BIG
DATA, com grande importância no processo de treinamento dos modelos de ML6.
A construção das redes neurais artificiais traz no seu bojo pelo menos dois tipos de aprendizado distintos.
No primeiro, denominado aprendizado supervisionado, existe um objetivo claro de predizer o resultado
de um desfecho (ou de uma medida desse desfecho) tendo como entrada uma quantidade de exemplos
rotulados. Por exemplo, predizer se o indivíduo tem ou não Covid-19 tendo como base os dados obtidos
anteriormente relativos a outros indivíduos. O aprendizado supervisionado, por sua vez, tem como objetivo
descrever associações e padrões a respeito de um conjunto de dados de entrada, como por exemplo, quando
se deseja agrupar um conjunto de indivíduo como relação a um determinado critério, como a propensão a ser
infectado por SARS-CoV-222. Após a coleta e processamento dos dados a serem utilizados, segue-se uma fase
denominada engenharia de atributos. Nessa etapa, definem-se quais variáveis serão utilizadas nos processos de
treinamento, validação e teste dos modelos. O processo de treinamento consiste no treinamento dos modelos
visando encontrar os melhores ajustes dos seus parâmetros. O processo de validação consiste na avaliação do
desempenho dos modelos, visando selecionar qual deles teve a melhor performance23. Neste capítulo, iremos
apresentar os resultados preliminares do algoritmo para triagem diagnóstica de Covid-19, a partir de dados
clínicos dos pacientes, utilizando um modelo de redes neurais artificiais (DL).

Métodos

O projeto foi desenvolvido em três fases. A primeira trata da coleta e processamento dos dados que
serão utilizados para treinamento, validação e teste das redes neurais artificiais bem como da construção do
modelo per si. Na segunda fase, foi construída uma plataforma (“on-line”) para o qual o paciente insere suas
informações clínicas e recebe um feedback a respeito da probabilidade de diagnóstico de Covid-19. Na última
fase, foi desenvolvido um módulo na plataforma contendo informações para os pacientes a respeito da doença
e orientações em função da probabilidade calculada pelo algoritmo.

Fase 1: Coleta e processamento de dados e desenvolvimento do modelo de ML


As informações utilizadas para treinamento dos modelos de ML foram obtidas de artigos científicos,
como por exemplo, a seleção dos sintomas mais comuns e a presença de outras características clínicas
importantes, bem como as prevalências de cada uma encontradas na literatura. Além disso, bancos de
dados públicos e gratuitos também foram consultados, como por exemplo, o tradicional site da Kaggle24 e o
repositório Covid-19 Data Sharing25. Os dados coletados foram utilizados para aprendizado supervisionado,
sendo 80% utilizado no treinamento do modelo, 20% na validação e o restante para teste. A avaliação do
desempenho do modelo será realizada por meio de um conjunto de métricas tradicionais que incluem:
sensibilidade, especificidade, acurácia e da área abaixo da curva característica de operação do Receptor
(AUC). Os modelos foram implementados nas linguagens Python26 e Julia27, escolhidas por serem gratuitas,

595
open source e de fácil utilização.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Fase 2: Desenvolvimento da plataforma on-line


Após o treinamento do modelo na Fase 1, este foi utilizado no desenvolvimento de uma plataforma on-
line. Essa plataforma pode ser consultada tanto em português quanto em inglês. Ela permite que o paciente
informe os sintomas apresentados nos últimos 15 dias bem como seus dados clínicos e receba como retorno
qual a probabilidade de ter o diagnóstico de Covid-19. Valores de probabilidade inferiores a 50% foram
considerados baixa probabilidade, entre 50 e 69% média e maiores ou iguais a 70% alta probabilidade. A
plataforma não solicita nem armazena informações de cadastro dos usuários nem coleta informações dos
aparelhos e dispositivos utilizados para acesso ao site e à aplicação. Entretanto, é solicitado que o usuário
concorde com os seus termos de uso e privacidade, os quais incluem o propósito da ferramenta, suas limitações
e compliance com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)28. No tocante a implementação, o layout foi
desenvolvido tendo como base a estratégia mobile first29. Além disso, o desenvolvimento seguiu princípios
básicos da literatura de desenvolvimento de software, como o clean code30 e SOLID. O clean code tem subsídio
na busca de técnicas simples para tornar fácil tanto a leitura quanto a escrita e compressão do código. SOLID
é um acrônimo para 5 princípios importantes de design de código, criados por Robert C. Martin: S (Single
Responsibility – Princípio da Responsabilidade Única), O (Open/Closed – Princípio aberto/fechado), L
(Liskov Substitution- Princípio da Substituição de Liskov), I (Interface Segregation – Princípio da Segregação
de Interfaces e D (Dependency Inversion – Princípio da Inversão de Dependências31,32. O uso desses princípios
permite maior facilidade de manutenção, adaptação e alterações ao escopo do projeto. Além disso, foram
seguidos princípios básicos de segurança visando aumentar a confiança e proteção dos usuários, como por
exemplo, o uso de Secure Socket Layer (SSL), que é um dos protocolos mais populares usados na internet com
o intuito de facilitar uma comunicação segura através de processos de autenticação e criptografia33.

Fase 3: Desenvolvimento de um módulo com informações e orientações aos


pacientes
Nessa fase, seguindo os mesmos princípios da fase anterior, foi construído um módulo visando fornecer
informações e orientações aos pacientes sobre a Covid-19. O conteúdo do material tem como base informações
de artigos científicos, do Ministério da Saúde34 e da Organização Mundial de Saúde35.

Resultados

Conforme se visualiza na Figura 1, ao entrar no link da ferramenta o usuário acessa uma tela inicial,
que possui a opção de clicar para saber mais informações sobre o sistema (botão “Saiba Mais”) – que traz
informações sobre o que é projeto, sua motivações e especificidades sobre a parte de programação ou iniciar a
inserção de suas informações clínicas (botão “Iniciar”).

596
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 1 – Tela de apresentação do projeto. Fonte: https://tools.atislabs.com.br/Covid-19

Ao clicar em “Iniciar”, conforme se vislumbra na Figura 2, o paciente tem acesso a uma tela, na qual
deve selecionar os sintomas que ele apresenta nos últimos 15 dias. Além disso, na tela subsequente, como se
verifica na Figura 3, ele deve informar se possui mais de 60 anos, se tem alguma comorbidade, qual seu gênero
e também deve aceitar os termos e condições e a política de privacidade. Caso clique em “Anterior”, o usuário
é remetido para a tela anterior em que estava navegando.

Figura 2 – Tela de identificação e marcação dos sintomas. Fonte: https://tools.atislabs.com.br/Covid-19

597
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 3 – Tela de solicitação de outras informações e do aceite das políticas de privacidade. Fonte: https://tools.

atislabs.com.br/Covid-19

Ao clicar em “Analisar”, o algoritmo de DL desenvolvido no âmbito desse projeto retorna ao usuário


qual a probabilidade de o paciente naquelas condições possuir a doença. Na Figura 4 tem-se um exemplo de
um usuário com menos de 60 anos, sem comorbidades e que apresentou os sintomas de artralgia, hiposmia,
tosse, febre e calafrios. A ferramenta indicou uma probabilidade de 80% de um usuário com essas características
clínicas possuir a doença.

Figura 4 – Tela de saída com a estimativa de probabilidade. Fonte: https://tools.atislabs.com.br/Covid-19

Ao entrar no link (https://tools.atislabs.com.br/Covid-19) e clicar no botão “Iniciar”, o paciente deve


selecionar os sintomas que ele apresenta nos últimos 15 dias. Além disso, ele deve informar se possui mais
de 60 anos, se tem alguma comorbidade, qual seu gênero e também deve aceitar a política de privacidade. A
partir dessas informações o algoritmo retorna ao usuário a probabilidade de o paciente naquelas condições
possuir a doença.
No presente projeto foi desenvolvido um algoritmo de suporte a tomada de decisão capaz de avaliar
a probabilidade de diagnóstico de Covid-19 em pacientes com suspeita da doença. Do melhor de nosso

598
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

conhecimento, esse é a primeira aplicação em língua portuguesa que apresenta uma avaliação probabilística
da suspeita da doença utilizando modelos de ML exclusivamente a partir dos sintomas e de características
clínicas dos usuários. Essa probabilidade foi considerada elevada se maior ou igual a 70%, média se superior
a 50% e inferior a 70% e baixa caso contrário. Todas as aplicações avaliadas no âmbito desse trabalho não
fizeram uso de modelo de ML e não fizeram uma abordagem probabilística. A aplicação de ferramentas para
estimar a probabilidade de uma doença tem sido de grande valia em diversos contextos clínicos distintos.
Um estudo recém publicado por Liu e colaboradores36, por exemplo, utilizou, com sucesso, redes neurais
para estimar a probabilidade de Acidente Vascular Encefálico (AVE) de natureza isquêmica a partir de
dados clínicos. Nesse contexto, esse tipo de ferramenta probabilística não havia sido, até a presente aplicação,
utilizada no âmbito da infecção por Coronavírus SARS-CoV-2 para triagem automatizada a partir de
sintomas e dados clínicos. Outro ponto importante foi a dispensa de utilização de informações obtidas por
exames complementares. Ademais, o sistema web desenvolvido possui como vantagem, conforme pontuado
por Handl e colaboradores37, a possibilidade de livre utilização (sem custo) pelas pessoas, desde que possuam
acesso à Internet. A ferramenta desenvolvida neste projeto também tem como vantagem a não necessidade
de preenchimento, por parte do usuário, de informações pessoais como nome, telefone e e-mail - o acrescenta
uma segurança adicional com respeito a anonimização do usuário e segurança de dados sensíveis. O usuário do
sistema web tem a opção de saber mais a respeito do trabalho e em seguida selecionar quais os sintomas possui.
Os sintomas são apresentados tanto pela nomenclatura formal quanto pelo nome popular, diferentemente de
outras plataformas disponíveis. Além disso, o usuário deve concordar com os termos e condições e a política
de privacidade - prática importante, conforme destacado por Mbunge38 e que se alinha às necessidades de
transparência e compliance ressaltadas por Lucivero e colaboradores39. Essas características se alinham às
diretrizes preconizadas na LGPD, já em vigor, com relação à proteção de dados dos usuários do sistema.
A ferramenta desenvolvida aqui neste projeto tem a vantagem de ser bilíngue. Por outro lado, a escolha de
todos os sintomas a partir de uma tela única permite maior usabilidade no tempo de preenchimento quando se
compara a um conjunto de várias telas sequenciais. Além disso, é importante o uso de outras ferramentas como
o uso do Google Analytics (GA)40 para avaliação de estatísticas de acesso e outras características dos usuários
– informações que podem ser utilizadas por pesquisadores e gestores de saúde pública. Uma experiência bem
sucedida com o uso do GA (e de outras ferramentas) foi obtida por Gesualdo e colaboradores com o intuito
de disponibilizar acesso a informações de qualidade sobre segurança de vacinas41. A aplicação desenvolvida no
âmbito desse trabalho é capaz de fornecer esse tipo de dado anonimizado.

Considerações Finais

Este estudo experimental tecnológico está finalizando o desenvolvimento de uma ferramenta para
triagem de pacientes com sinais e sintomas suspeitos para a doença provocada pelo Coronavírus Covid-19
que tem por diferencial o cálculo automatizado da probabilidade de risco da infecção propriamente dito
utilizando um modelo de ML.

599
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

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602
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

O caso da Telessaúde para a Saúde do Trabalhador


como enfrentamento da pandemia pela Covid-19

Flávio Alves Brasil1; Alexandre dos Reis2, Carlos Magno Lucas3; Joselaine Rampini4; Rita de Cassia Oliveira5; Talita

Müller6; Tiago Pereira Côrtes Saisse Bastos7; Juliana Magalhães Aguiar Cardoso8; Alexandra Monteiro9

1
Médico. Coordenador do Setor de Saúde On-Line da Firjan. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e

Telessaúde UERJ; 2Superintendente SESI/RJ. Diretor Executivo SESI/SENAI RJ;


3
Gerente Geral de Relacionamento e Negócios da Firjan; 4Gerente Operacional do Centro de Referência em Saúde e

Segurança do Trabalho da Firjan; 5Médica. Coordenadora de Saúde Ocupacional da Divisão de Saúde Ocupacional (DISAO);
6
Coordenadora de Desenvolvimento de Produtos de Saúde Integrada para Negócios Firjan; 7Especialista em Gestão de Projetos

da Firjan. 8Aluna de graduação em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas FCM UERJ. Bolsista de Iniciação Científica;
9
Alexandra Monteiro. Professora Titular UERJ. Docente orientador e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu

Telemedicina e Telessaúde UERJ

Descritores em português: Telessaúde; Teleconsulta Síncrona; Saúde do Trabalhador; Serviços de Saúde do Trabalhador;

Covid-19.

Descritores em inglês: Telehealth; Synchronous Teleconsult; Ocupational Health; Covid-19.

Introdução

A Federação da indústria do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) é uma organização privada e sem fins lucrativos
que representa a indústria do Estado do Rio de Janeiro, com mais de 7.500 empresas e 100 sindicatos industriais
associados, presente em 22 municípios do Estado por meio das suas 70 unidades. A Firjan tem como missão
promover a competitividade empresarial, educação e qualidade de vida do trabalhador da indústria e de toda
a sociedade, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do Estado do Rio de Janeiro. A Firjan é composta
por Firjan CIRJ (Centro Industrial do Rio de Janeiro), Firjan SESI, Firjan SENAI e Firjan IEL, instituições que
trabalham de forma integrada, promovendo ações no campo econômico, político e social como prestadoras de
serviços às empresas e à sociedade. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Social
da Indústria (Sesi) fazem parte do Sistema ‘S’, cujo orçamento é gerado pelas contribuições do próprio setor
privado, revertidas exclusivamente para o trabalhador e a comunidade em geral, não derivando de recursos
governamentais.
O Programa Resiliência Produtiva da Firjan representa o conjunto de ações desenvolvidas para o
enfrentamento da crise provocada pela pandemia de Covid-19 e tem como objetivos principais a redução
dos impactos negativos na produtividade das empresas, a busca por alternativas para a saída da crise, a
mobilização das empresas em prol das comunidades, a conexão entre as esferas produtivas, institutos de
pesquisa e universidades, além do desenvolvimento de soluções para o atendimento à saúde da sociedade e
produção de conteúdos informativos.1,2

603
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Visando contribuir com o Programa de Resiliência Produtiva e considerando as diversas necessidades


impostas pelo isolamento e, posteriormente, o distanciamento social, a Firjan instituiu estratégias alternativas
ao atendimento presencial, inclusive na oferta de trabalho tipo home office aos seus profissionais e
implementando o teleatendimento multiprofissional por Telessaúde.
O objetivo deste relato é apresentar a experiência da Firjan com a Telessaúde aplicada à Saúde dos seus
próprios trabalhadores.

Relato

Métodos
A partir da decretação de Emergência de Saúde Pública pela pandemia de Covid-19 foi planejado,
desenvolvido e implementado de forma colaborativa por diversas áreas da organização (Figura 1) uma solução
de comunicação síncrona para o teleatendimento pelo staff de profissionais de saúde do próprio SESI integrada
ao sistema de registro eletrônico SESI, um sistema de prontuário eletrônico próprio intitulado plataforma
Sesi Viva +. O objetivo da comunicação síncrona foi promover a humanização no atendimento a despeito do
isolamento e posteriormente distanciamento social pela pandemia. Local de origem do relato: Programa de
Pós-graduação stricto sensu Telemedicina e Telessaúde.

Figura 1: Áreas da Firjan envolvidas no projeto. GDN: Gerência de Desenvolvimento de Negócios. GSI: Gerência de

Sistemas da Informação. GSA: Gerência de Saúde Integrada. GGO: Gerência Geral de Operações. GJN: Gerência

Jurídica de Negócios. DICOP: Divisão de Comunicação. Fonte: Firjan.

Com base no estudo de cada área foi estabelecido um cronograma de implementação do projeto, prevendo
duas fases estruturantes: a fase piloto e a fase de validação do produto e do processo para o teleatendimento
(Quadro 1).

604
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Quadro 1: Cronograma geral contemplando as fases piloto 1 e 2 e validação do produto. O lançamento amplo dos

atendimentos ocorreu em junho de 2020. Fonte: Firjan.

O processo operacional do serviço foi estruturado em uma sequência de 4 etapas principais: agendamento,
confirmação do agendamento, atendimento médico por videoconferência e avaliação do serviço pelo cliente e
pelo médico usuário (Figura 2).

Figura 2: Descrição geral de todo o processo e suas etapas. Fonte: Firjan.

Na primeira etapa os agendamentos foram realizados por meio de ligações telefônicas junto à Central
de Relacionamento do SESI e, posteriormente, por meio de um calendário eletrônico (Calendly), cujo link
encontra-se disponível na página da intranet institucional. Os clientes pacientes colaboradores na Firjan
receberam um e-mail com confirmação, detalhes do agendamento e orientações necessárias ao atendimento
virtual. Os atendimentos ocorreram por meio de videoconferências utilizando o aplicativo Microsoft Teams,
com chamadas de áudio e vídeo compatíveis com computadores, notebooks, tablets e celulares. Todos os
atendimentos foram registrados e armazenados no prontuário do SESI (plataforma Sesi Viva +).
Por se tratar de um novo serviço, foi necessária a adequação das agendas para oferta do teleatendimento,
abertura e disponibilização dos horários dos profissionais, treinamento e preparação da equipe de atendimento
e dos médicos, além da avaliação da oferta de atendimentos x demanda inicial pelo público-alvo.

605
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A equipe de médicos e psicólogos teleconsultores realizou treinamento para o teleatendimento pela


equipe técnica do Setor de Saúde da Firjan (GSA), incluindo a utilização da plataforma Sesi Viva + que se
encontrava em implantação na empresa.
Os critérios de inclusão aplicados para pacientes colaboradores da Firjan para a primeira fase de
implementação do teleatendimento foram: idade igual ou maior do que 60 anos, afastamento recente por
motivo de síndrome gripal e colaboradoras em licença maternidade. No total para esta fase, 382 colaboradores
foram considerados aptos para serem atendidos por Telessaúde.
Ao final de cada teleatendimento foi realizada a pesquisa de satisfação para os pacientes colaboradores
da Firjan utilizando um questionário próprio desenvolvido pela equipe Firjan. O questionário foi estruturado
prevendo respostas do tipo Likert, escala de 01 a 05, sendo 01 totalmente insatisfeito e 05 totalmente
satisfeito, com múltiplas escolhas e campos livres. Visando avaliar agendamento, funcionamento e
qualidade do atendimento, as seguintes perguntas foram elencadas: “Como você avalia o agendamento do
seu teleatendimento”; “Você conseguiu realizar com sucesso o seu teleatendimento”; “Como você avalia o
funcionamento do seu atendimento virtual”; Como você avalia o atendimento realizado pelo profissional da
Firjan SESI; Como você avalia a comunicação com o profissional que lhe atendeu; De uma forma geral, como
você avalia o teleatendimento da Firjan”.
Na fase 2 do piloto, além da pesquisa de avaliação do usuário, foi também instituído um questionário visando
compreender a percepção dos profissionais envolvidos nos primeiros atendimentos. Prevendo respostas diretas
(sim / não) e textos livres, foram elaboradas perguntas com foco em opinião sobre a modalidade de atendimento,
comunicação, infraestrutura, uso de ferramentas digitais e características das consultas (Figura 3).

606
Figura 3: Questionário aplicado aos profissionais que realizaram os primeiros atendimentos do projeto de Telessaúde.

Fonte: Firjan.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Resultado

Na fase 1 de testes realizada internamente foram feitos 16 agendamentos, dos quais apenas 07 redundaram
em atendimentos efetivos, perfazendo taxa de insucesso média de 44% (Quadro 2). Tivemos como causas
principais de insucessos nos atendimentos os seguintes problemas: computador do médico não funcionou no
momento do atendimento, cliente não conseguiu utilizar o Microsoft Teams no momento do atendimento,
cliente não entrou na consulta na hora agendada e houve erro no agendamento pela unidade. Nesta fase, 06
usuários responderam à pesquisa de satisfação com avaliação 05 (totalmente satisfeito) para todas as perguntas
feitas no questionário.
Após a equalização das falhas, aprimoramento dos processos e assimilação das lições aprendidas na fase
1 (Figura 4), criamos uma infraestrutura e instituímos a fase piloto 2 prevendo a participação de algumas
empresas parceiras (Figura 5).

Quadro 2: Números obtidos na fase de testes 1 do projeto relacionando os agendamentos e atendimentos realizados

com colaboradores de três unidades operacionais do SESI (UNOP). Em percentual as taxas de sucessos. Fonte: Firjan.

Figura 4: Lições aprendidas na fase 1 de testes. Fonte: Firjan.

607
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 5: Infraestrutura criada para a fase 2 do projeto. Médicos treinados e disponíveis de diversas unidades do SESI.

Potencial de atendimentos com a infraestrutura criada. Fonte: Firjan.

Na primeira semana após a validação do produto, foram realizados 36 agendamentos e efetuados 32


atendimentos, com taxa média de sucesso de 88%, o dobro do obtido na fase de testes (Quadro 3).

Quadro 3: Resultados do número de teleatendimento na primeira semana após a validação do produto, taxas de

insucessos e motivos. Fonte: Firjan.

A equipe médica que participou da fase piloto e dos primeiros atendimentos após o lançamento do
produto emitiu 40 respostas ao questionário específico de avaliação (Figura 6). Apesar da pouca casuística, os
dados obtidos trouxeram informações relevantes, especialmente em relação a dificuldades dos profissionais
no uso do prontuário eletrônico (70%) e do aplicativo Microsoft Teams (30%) (Figura 6) o que nos levou
a realizar reuniões com os profissionais para compreender as fragilidades, buscar apoio em outras áreas da
empresa e reforçar as estratégias de treinamentos.

608
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 6: Questionário de avaliação dos profissionais envolvidos nos atendimentos. Das 40 respostas obtidas, 28

referiram alguma dificuldade no uso do prontuário eletrônico e 14 referiram alguma dificuldade no uso do aplicativo

Microsoft Temas. Fonte: Firjan.

A percepção dos profissionais em relação às expectativas do serviço oferecido foi muito boa, reforçando
que o desenvolvimento do projeto encontrava respaldo nas duas faces dos atendimentos, tanto nos pacientes
quanto nos profissionais da saúde (Figura 7).

Figura 7: Percepção dos profissionais após os atendimentos iniciais. Segundo a opinião dos profissionais que

responderam ao questionário, os atendimentos atenderam as suas expectativas (92%) e as expectativas dos clientes

(97%). Fonte: Firjan.

Desde junho de 2020 até setembro de 2021 foram realizadas um total de 1723 consultas aos nossos
colaboradores, destas 1259 consultas de telemedicina e 464 consultas de telepsicologia.
Um total de 840 colaboradores fizeram atendimentos médicos e 142 colaboradores foram ou estão sendo
acompanhados pelo serviço de telepsicologia.
Neste período, 760 usuários responderam à pesquisa de satisfação, que é enviada por e-mail logo após as
consultas, 94% declarando-se totalmente satisfeitos com os serviços.

609
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

A pesquisa detalhada sobre a experiência e a satisfação do usuário do serviço de teleatendimento síncrono


é objetivo específico do projeto no Mestrado Profissional em Telemedicina e Telessaúde UERJ.

Impacto no Processo Operacional


A operação de saúde do SESI, que trabalhava somente no modelo presencial, passa a contar com o novo
setor de saúde digital, dedicado não apenas a operacionalizar e gerenciar os atendimentos, mas também para
pensar e desenvolver o novo modelo e novas soluções, tornando-se referência técnica dentro da instituição no
assunto.
Foi fechado contrato interno com o setor de Recursos Humanos (RH) da Firjan que passa a contar
com um forte aliado nas suas impactantes políticas de apoio e de desenvolvimento de resiliência dos seus
colaboradores por meio de serviços realizados por profissionais da própria instituição, adaptados e conhecedores
dos processos internos e da cultura organizacional.
O novo centro de referência em Saúde e Segurança do Trabalho do SESI passa a agregar no seu portfólio
os serviços de telessaúde.

Considerações Finais

O teleatendimento síncrono com registro em prontuário eletrônico do setor privado mostrou-se eficaz
e eficiente no cuidado à saúde do trabalhador durante a pandemia Covid-19. A avaliação qualitativa e
quantitativa dos atores envolvidos no teleatendimento, próxima etapa na pesquisa, será objeto de orientação
para a manutenção e ampliação da oferta de telemedicina, também para esse público-alvo.

Bibliografia

1. SESI Rio e SENAI Rio em Defesa do Desenvolvimento. Firjan. Disponível em {https://www.firjan.


com.br/o-sistema-firjan/sistema-s/entenda/default.htm} Acesso em 14 abr 2020.
2. Firjan: Quem somos. Firjan. Disponível em {https://www.firjan.com.br/o-sistema-firjan/quem-somos/
default.htm} Acesso em 14 abr 2020.

610
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

O caso de uso da Teleinterconsulta médica no


cuidado de crianças com suspeita de doenças raras
durante a pandemia da Covid-19

Lívia Maria Ferreira Sobrinho1; Melissa Machado Viana2; Marcos José Burle de Aguiar3; Alexandra Monteiro4

1
Médica Geneticista. Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde. Faculdade de Ciências

Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2 Médica Geneticista. Serviço Especial de Genética do Hospital das Clínicas

da Universidade Federal de Minas Gerais; 3Professor titular. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Minas Gerais; 4

Professora Titular. Coordenadora do Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do

Estado do Rio de Janeiro.

Descritores em português: Telemedicina; interconsulta; genética; pediatria.

Descritores em inglês: Telemedicine; referral and consultation; genetics; pediatrics.

Introdução

Doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100.000 indivíduos ou 1,3 a cada 2.000
pessoas. Embora individualmente raras, como um grupo, acometem um percentual significativo da população1.
No Brasil, estima-se que cerca de 13 milhões de pessoas tenham algum tipo de doença considerada rara2.
Neste grupo de doenças, 80% têm origem genética. Em 2014, foi publicada pelo Ministério da Saúde (MS),
a portaria que instituiu a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema
Único de Saúde. As doenças raras foram classificadas de acordo com sua natureza: origem genética ou não
genética. As de origem genética foram subdivididas em: 1) anomalias congênitas ou de manifestação tardia; 2)
deficiência intelectual e 3) erros inatos do metabolismo. Já as de origem não genética foram classificadas em:
1) infecciosas; 2) inflamatórias; 3) autoimunes e 4) outras1.
As anomalias congênitas são um fenótipo anatômico, de origem pré-natal, presente desde o nascimento
e que podem ser causadas por fatores ambientais, químicos, biológicos ou genéticos3. Estas anomalias
representam um desvio substancial quando em comparação com uma população de referência4.
Sabe-se que a identificação da maioria das anomalias congênitas depende de adequado exame físico
dos recém-nascidos por profissionais de saúde treinados. Parmar e colaboradores5 analisaram a incidência de
anomalias congênitas em 4.210 recém-nascidos no período de janeiro de 2006 a julho de 2007 no Hospital
Sir T, Índia. A incidência de anomalias congênitas foi de 0,88%. Porém, os autores alertam que a incidência
mundial é maior do que a encontrada e amplamente variável entre os países5.
Estima-se que, só em 2015, 8,5% das mortes neonatais em menores de cinco anos foram causadas por
anomalias congênitas6. O coeficiente de mortalidade infantil vem apresentando tendência ao declínio no
Brasil nos últimos anos, porém, a proporção de óbitos por malformações congênitas aumentou nos últimos

611
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

anos (9,74% em 1996 para 18,22% em 2008)7. O tratamento desses defeitos compreende assistência médica
clínica e cirúrgica, reabilitação e cuidados paliativos7.
Visando obter maior conhecimento sobre o estado de saúde da população brasileira, o Ministério da
Saúde tem realizado investimentos específicos nos sistemas nacionais de informação nos últimos anos. Em
1990, foi implementado o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), com o objetivo de reunir
informações sobre os nascimentos ocorridos em todo o território nacional. Para melhoria das informações
repassadas ao SINASC, na Declaração de Nascidos Vivos (DNV), há um campo, denominado Campo Seis,
com três opções para preenchimento quanto à presença de anomalias congênitas: “sim” (quando há anomalias
congênitas), “não” (quando as anomalias congênitas estão ausentes) ou “ignorado” (quando esta informação não
está disponível para o profissional que preencheu o documento). Em 1999, instituiu-se um novo campo na DNV,
denominado Campo 34 (atualmente designado Campo 41), com o objetivo de permitir uma descrição detalhada
da anomalia congênita informada no Campo Seis. A partir daí, foi possível elaborar estudos epidemiológicos
baseados no padrão de malformações encontradas em diferentes regiões do país e, consequentemente, foram
introduzidas novas políticas para o manejo desse grupo de pacientes8. No entanto, para que o SINASC seja
efetivo no monitoramento e planejamento de ações em saúde pública, a informação coletada precisa ser confiável.
Isso somente é possível com o preenchimento correto dos instrumentos de coleta.
O médico geneticista tem papel proeminente no diagnóstico e manejo de condições como as anomalias
congênitas, visto que os fatores genéticos são importantes causas de defeitos congênitos. No entanto, existem
cerca de 300 médicos geneticistas ativos em todo o país, sendo esta a segunda especialidade médica com
menor número de profissionais9. Por outro lado, como já colocado, a relevância das doenças genéticas vem
aumentando exponencialmente nos últimos anos.
Atualmente a genética médica no Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta demanda reprimida e poucos
profissionais especializados10. Uma das maneiras de diminuir esse impasse é o uso da telemedicina, mais
especificamente a telegenética, que tem sido estudada nos últimos anos11.
Para diminuir tal discrepância, contribuir para o registro mais adequado e melhor abordagem de crianças
com doenças raras em Minas Gerais, foi implantado o projeto piloto com o objetivo de aplicar a teleinterconsulta
médica para obter segunda opinião de um médico geneticista em casos de crianças com suspeita de doenças
raras no município polo da macrorregião norte de Minas Gerais.

Métodos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UERJ (Parecer número: 4.308.260) e teve
início no dia 29 de setembro de 2020.
Os critérios de seleção para o local do estudo piloto foram: distribuição de médicos geneticistas por
macrorregião/ município polo e o percentual de preenchimento do Campo seis da DNV como ignorado
por meio de avaliação dos dados publicados no SINASC. O município de Montes Claros foi o selecionado
pois além de preencher os critérios de inclusão está localizado a 422 km de Belo Horizonte. Os médicos
de seis hospitais gerais, sendo um público, dois privados e três filantrópicos, foram convidados a participar

612
e concordaram prontamente pela carência de especialistas no local e com o agravamento do isolamento e,
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

posterior, distanciamento secundário à pandemia. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e


Esclarecido da pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UERJ. Tal termo apresenta, em
linguagem acessível aos participantes, os objetivos, a metodologia, os riscos e benefícios que o estudo poderia
proporcionar. Foi desenvolvido e aplicado formulário específico, adaptado das fichas de pacientes e controles
do Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) como ferramenta para
o protocolo de teleinterconsulta para obtenção de dados clínicos dos pacientes com suspeita clínica de doenças
raras. O ECLAMC é um programa de pesquisa clínica e epidemiológica das anomalias do desenvolvimento,
que trabalha com nascimentos hospitalares em países latino-americanos. O formulário desenvolvido para
inclusão de informações continha espaços destinados ao preenchimento de informações de história familiar,
da gestação, do parto, achados clínicos, fotografias e exames de imagem do paciente com suspeita de doença
rara. Tal formulário foi inserido na plataforma de teleassistência “Doutor ao vivo” (https://multigenetics.
clinica.dav.med.br/).

Médicos Geneticistas Teleconsultores


A equipe de médicos teleconsultores especialistas em genética médica foi composta por três médicos
especialistas geneticistas, dois com mais de dez anos de titulação.

Resultados preliminares
Cabe ressaltar, que houve dificuldade para o início da pesquisa nos hospitais participantes (que estavam
comprometidos com reestruturações para atendimento a pacientes infectados pelo Sars-Cov2) bem como
redução do número das solicitações conforme se agravava o cenário pandêmico no Brasil. No período de
29/09/2020 a 01/07/2021, 21 teleinterconsultas foram solicitadas por médicos pediatras localizados no
município polo e respondidas em menos de 72 horas.
No que diz respeito à genética no Brasil, Horovitz e colaboradores (2013) publicaram um trabalho em que
foram levantados os principais problemas para a implantação da genética no Brasil, a saber: 1) disponibilidade
reduzida de consultas especializadas, 2) centralização dos serviços em grandes centros urbanos, 3) dificuldades
de acesso aos serviços especializados, 4) dificuldades na referência e na contrarreferência e 5) inexistência do
cargo de profissional em atenção em genética médica no SUS. Estimou-se que, em 2003, apenas 30% do total
de pessoas com essas doenças chegavam a ser atendidas em centros especializados em genética médica10. De
fato, tais questões contribuíram e ainda contribuem para a falta de assistência a famílias que tenham pessoas
com doenças genéticas.
O Serviço de Informações sobre Erros Inatos do Metabolismo é um serviço gratuito e pioneiro na
prestação de serviço de telegenética no país. Implantado em 2001 em Porto Alegre tem por objetivo prestar
suporte via telefônica e internet aos profissionais da área da saúde envolvidos com o diagnóstico e manejo
de pacientes com suspeita de doenças metabólicas. Ao receber uma solicitação, esta é avaliada por médicos
geneticistas do serviço, com emissão de parecer sobre o caso em até 48 horas15.
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do

613
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Município de Porto Alegre (PROCEMPA) desenvolveu um sistema via internet com o objetivo de diminuir
a mortalidade infantil por malformações congênitas, utilizando a orientação de profissionais de saúde por
especialistas em genética médica. Por este sistema, os profissionais não geneticistas que necessitarem de
auxílio no diagnóstico e tratamento de pacientes com malformações congênitas entram em contato por site
específico e recebem as sugestões de conduta de um médico geneticista. O projeto foi inaugurado em 2015 e
permanece ativo16.
No estado de Minas Gerais, a Rede de Teleassistência de Minas Gerais (RTMG) foi criada em 2005 e
é uma parceria entre universidades públicas mineiras com o objetivo de desenvolver, implementar e avaliar
sistemas de telessaúde17. No entanto, não há teleconsulta em genética médica implementada de forma efetiva
na RTMG e no estado de Minas Gerais, como um todo. Pensando nesta lacuna, em 2019, foi criado no
estado o website TelegeneticaMG. (www.telegeneticamg.com.br), com o intuito de divulgar informações
sobre doenças raras de origem genética a pacientes, seus familiares e profissionais de saúde. Esse website é
composto por duas seções de acesso restrito: uma voltada a pacientes, seus familiares e população em geral e
outra, que contempla informações específicas para profissionais de saúde envolvidos no cuidado dos pacientes
com doença rara. Embora o TelegeneticaMG seja uma proposta inovadora em Minas Gerais, seu foco é a
educação da população. Assim, nosso projeto foi o primeiro a implantar efetivamente a teleinterconsulta em
genética médica no estado de Minas Gerais.
Além disso, observando os dados de preenchimento do Campo Seis das DNVs por meio da avaliação
do banco de dados do SINASC entre 2017 e 2020, nota-se que esse campo apresenta percentual alto de
preenchimento como ignorado (Tabela 2). No entanto, há de se destacar um decréscimo significativo nessas
porcentagens em 2020 (14%), ano de vigência do projeto, sendo este um possível impacto epidemiológico do
nosso estudo, apesar de não ser possível comprová-lo com rigor científico.

Tabela 2- Evolução temporal do preenchimento do campo de anomalias congênitas no SINASC nos anos de 2017,

2018, 2019 e 2020.


2017 2018 2019 2020
Sim 45 (0,7%) 33 (0,5%) 46 (0,74%) 38 (0,64%)
Não 4.101 (65,3%) 4.793 (71,3%) 4.165 (67,1%) 5.105 (85,4%)
Ignorado 2.129 (34%) 1.894 (28,2%) 1.996 (32,2%) 834 (14%)
Total 6275 (100%) 6720 (100%) 6207 (100%) 5977 (100%)

Fonte: Datasus 2020.

Os dados específicos estão sob análise estatística mas de forma preliminar podemos afirmar que houve
engajamento pelos médicos pediatras generalistas com orientação de desfecho clínico e encaminhamento que,
quando realmente necessário, estava inserido no sistema estadual de regulação do mesmo estado da equipe de
teleconsultores facilitando a referência e contrarreferência no Sistema Único de Saúde (SUS),

614
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Considerações finais

Mesmo com o impacto causado pela pandemia de Covid-19 para o início da pesquisa nos hospitais
participantes foi possível a implantação efetiva da teleinterconsulta em genética médica. Este estudo piloto
pode ser o primeiro passo para a implantação do serviço de telegenética efetivo em Minas Gerais / Brasil.
Faz-se necessário estudos posteriores para avaliação de aspectos relacionados à efetividade do projeto
implantado, bem como satisfação dos usuários com a teleinterconsulta recebida.

Bibliografia

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(SUS). Minist da Saude - Portaria [Internet]. 2014;(1):1–41. Available from: http://conitec.gov.br/
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JMPHC| J Manag Prim Heal Care. 2021;12(spec):1–2 | ISSN 2179-6750.
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Em Recém-Nascidos Do Município De São Paulo No Período De 2010 a 2014. Rev Paul Pediatr.
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morphology: General terms for congenital anomalies. Am J Med Genet Part A. 2013;161(11):2726–33.
5. Parmar A, Rathod SP, Patel V, Patel M. A Study of Congenital Anomalies In Newborn. Njirm.
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systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1459–544.
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8. Pedraza DF. Qualidade do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc): Análise crítica da
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14.Castilla EE, Orioli IM. ECLAMC: The Latin-American Collaborative Study of Congenital

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

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15.Giugliani R, Lobato CMD, D’Andréa LS, Rosa AT, Cardoso, ARS, Vairo F. et al. Serviço de Informações
sobre Erros Inatos do Metabolismo-2015." Salão de Extensão (16: 2015: Porto Alegre, RS). Caderno de
resumos. Porto Alegre: UFRGS/PROREXT, 2015.
16.Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de Porto Alegre - PROCEMPA.
Projeto Telegenética. 2006.
17.Marcolino MS, Alkmim MBM, Assi TGP, Palhares DMF, Da Silva GAC, Cunha LR, et al. A Rede
de Teleassistência de Minas Gerais e suas contribuições para atingir os princípios de universalidade,
equidade e integralidade do SUS - relato de experiência - DOI: 10.3395/reciis.v7i2.775pt. Reciis.
2013;7(2).

616
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

O caso de uso da Telessaúde pelo Núcleo de


Cuidados Paliativos do Hospital Universitário Pedro
Ernesto tempos de pandemia causada pela Covid-19
Caroline Peixoto dos Santos1; Andrea Augusta Castro2; Alexandra Monteiro3; Ana Cláudia Santos Chazan4; Luiz

Fernando Chazan5; Elza Maria Bayer Candal6; Patrícia Cristina dos Santos Ferreira7

1
Fonoaudióloga no Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Mestranda no Programa de

Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde, Faculdade de Ciências Médicas UERJ; 2Médica e Professora Assistente do

Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária FCM UERJ, Coordenadora do Núcleo de Cuidados Paliativos

HUPE UERJ; 3Médica e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde FCM UERJ; 4 Médica e

Professora Adjunta do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária FCM UERJ, núcleo de Cuidados Paliativos

HUPE/UERJ; 5 Médico e Professor Adjunto do Departamento de especialidades Médicas, Disciplina de Saúde mental e

Psicologia Médica FCM UERJ; 6 Psicóloga, Núcleo de Cuidados Paliativos HUPE UERJ; 7 Médica, Núcleo de Cuidados

Paliativos HUPE/UERJ.

Descritores em português: cuidados paliativos; telemonitoramento; infecções por coronavírus; Práticas Interdisciplinares;

pandemia; neoplasia

Descritores em inglês: palliative care; telemonitoring; coronavirus infections; interdisciplinary practices; pandemic; neoplasms

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em


2002, “Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva
a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por
meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento
de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.1
Cuidados paliativos (CP) é uma modalidade assistencial a ser oferecida a todos que recebem o diagnóstico
de uma doença que ameaça a vida, havendo ou não a possibilidade de intervenções curativas. O foco do
cuidado é a pessoa, para a qual há muito a oferecer, mesmo quando a doença está ativa e o tempo de vida é
limitado.2
Uma forma de minimizar o sofrimento tem relação à prevenção e controle de sintomas, sendo fundamental
considerar a definição de sintoma como tudo aquilo que o paciente avalia como um problema.3 Saunders tem
um papel muito importante na área de cuidados paliativos. Esta cunhou o conceito de dor total, pelo qual
é possível compreender que não são somente os componentes físicos da dor que devem ser considerados.
Atualmente, expande-se tal conceito para quaisquer sintomas, ou seja, coloca-se como fundamental evidencias
o caráter individual e subjetivo dos sintomas, bem como a interação entre fatores biológicos, sensoriais, afetivos,

617
cognitivos, comportamentais, sociais e culturais na determinação, interpretação e expressão de qualquer
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

sintoma apresentado pelo paciente, sempre com a atenção aos detalhes.4


Segundo Gamondi e colaboradores, a prática colaborativa de uma equipe interprofissional é o modelo de
atenção almejado para o atendimento das necessidades apresentadas pelos indivíduos em CP e pelas famílias
deles2. Entre as competências centrais da equipe, são ressaltados a defesa da autonomia, dignidade e qualidade
de vida dos pacientes, a comunicação e a construção de vínculos.5
De acordo com Costa e Othero, a prevenção e o controle de sintomas são um “núcleo duro” da assistência
em cuidados paliativos. Ainda que existam especificidades de cada área profissional, todos que atuam devem
ser capazes de identificar sintomas e conhecer técnicas básicas de manejo e/ou seus encaminhamentos. Escuta,
apoio e orientação aos familiares são inerentes aos cuidados.6
A Telessaúde na forma de visitas em vídeo representa uma abordagem para mitigar o risco de exposição
viral para pacientes e profissionais, e foi proposta como um meio de garantir cuidados continuados no cenário
de desastres. Para uma variedade de especialidades médicas, o Telessaúde pode representar um meio de
manter o acesso ao atendimento ao paciente no cenário da Covid-19, facilitando o distanciamento físico e
diminuindo a carga dos cenários da prática clínica.7
Telessaúde pode ser definida como a prestação de serviços de saúde por profissionais da área, em que a
distância é um fator crítico, usando Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para o intercâmbio
de informações válidas para o diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças e lesões, para a pesquisa e
avaliação, e para a educação continuada dos profissionais de saúde, com o interesse de promover a saúde dos
indivíduos e suas comunidades.8 O Telessaúde está crescendo e sua aplicação em cuidados paliativos é vista
como uma solução para as demandas nos serviços de cuidados paliativos.9
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a nova doença de coronavírus 2019 (Covid-19) uma
emergência de saúde pública de interesse internacional em 30 de janeiro de 2020 e, em 11 de março de 2020,
a OMS a classificou oficialmente como uma pandemia.1 No Rio de Janeiro devido a pandemia, o isolamento
social foi recomendado em 17 de março de 2020.
A pandemia da Covid-19 causou uma grande mudança na distribuição dos cuidados de saúde,
tanto no panorama internacional quanto no nacional. A garantia do direito ao acesso à saúde de
grupos invisibilizados como o dos pacientes em CP foi confrontada por essa calamidade da saúde pública,
mas não poderia ser negligenciada.10
À medida que os casos Covid-19 aumentavam, os sistemas de saúde enfrentaram os desafios. É necessário
diminuir a exposição do fornecedor e minimizar o uso de equipamentos de proteção individual (EPI). A
medicina telepaliativa tem sido usada para grandes efeitos em cuidados paliativos ambulatoriais e domiciliares.11
A Lei Federal de 2020 número 13.989, dispôs sobre a autorização da telemedicina e os conselhos de cada
categoria profissional que compõe a equipe multiprofissional emitiram seus pareceres sobre a autorização do
uso do teleatendimento.12
Em uma revisão de literatura, Worster e Swartz em 2017 buscaram examinar o uso da telemedicina como
forma de expandir o acesso aos cuidados paliativos, contribuindo como uma forma de atendimento
para pacientes e famílias que moram em regiões remotas. Sem dúvidas uma barreira quanto ao uso da
tecnologia é a população que geralmente é idosa, frágil nem sempre ficam confortáveis com os cuidados
médicos não presenciais.13

618
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tanto a telemedicina quanto os cuidados paliativos têm se tornado cada vez mais reconhecidos como
cuidados úteis e de qualidade ao paciente. A combinação da capacidade de evitar que nossos pacientes mais
enfermos e frágeis tenham que deixar suas casas para obter cuidados médicos e maior atenção ao gerenciamento
de sintomas e objetivos de cuidados de uma perspectiva de cuidados paliativos é um passo necessário para
melhorar a qualidade de vida. A telemedicina pode provar ser uma parte indispensável do atendimento
ao paciente com câncer no futuro. Ainda na infância, houve resultados positivos para pacientes, famílias e
fornecedores ao empregar tecnologia eletrônica em pacientes com câncer avançado, incluindo controle de
sintomas melhorado e menor uso de salas de emergência ou hospitalizações.13
À medida que continuamos a explorar este modo de atendimento, atenção especial deve ser dada ao
fato de que nunca podemos substituir completamente o benefício de uma interação face a face e as dicas não
verbais sutis que você pode perder através da tecnologia eletrônica que guiar-nos em discussões difíceis nos
pacientes mais gravemente enfermos.13

Relato

Fluxograma de atendimento antes da Pandemia


Em 2009, foi criado o Núcleo de Cuidados Paliativos (NCP), no processo de acreditação do Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), como um
Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Em 2016, a equipe multiprofissional
do NCP foi reestruturada, mas vem dando continuidade às ações de atenção, educação, extensão e pesquisa
em CP, para difundir e consolidar essa modalidade de cuidado na rede do Sistema Único de Saúde (SUS),
considerada um direito humano.
O atendimento era quase que exclusivamente presencial no NCP e com perfil clínico de pacientes
oncológicos. Agendamento através de uma marcação em agenda física e intervalo de 1 a 2 meses para retorno.
Os atendimentos acontecem de maneira interdisciplinar, no mesmo ambiente físico e com apoio de várias
especialidades. A saber: medicina, fonoaudiologia, nutrição, fisioterapia, serviço social, psicologia e musicoterapia.

Plano de ação com o decreto da pandemia


Em 17 de março de 2020, o governador do estado do Rio de Janeiro decretou o isolamento social como
forma de combate a pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), e o HUPE tornou-se referência para
a internação de pacientes com as formas moderada e grave da doença, sendo necessária a reorganização dos
serviços ambulatoriais para oferecer o cuidado aos pacientes de maior risco e, ao mesmo tempo, protegê-los e
a equipe de saúde da infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2.14
Pode-se depreender a importância da manutenção do atendimento aos pacientes em CP e aos
familiares deles, dada a ampliação da angústia e do medo diante de mais uma ameaça a uma saúde já
fragilizada. Nesse sentido, a equipe do NCP/HUPE fez a transição do seu processo de trabalho para
incluir o Telessaúde (TS) na continuidade do cuidado destinado aos pacientes. Em poucos dias, a

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

equipe definiu seu plano de ação com alteração em seu fluxo de atendimentos e com uso de estratégias
de Telessaúde como telemonitoramento, teleconsultas especializadas e tele-educação para a capacitação da
equipe neste novo cenário de atuação.
Após a definição do plano de ação para evitar ausência nos atendimentos presenciais, aglomeração na sala de
espera do ambulatório, sofrimento e angústia dos pacientes pelo período confuso e risco de contaminação com
a Covid-19, a equipe estabeleceu uma escala, com equipe presencial, equipe para atendimento remoto e reuniões
regulares para ajustes ao processo de trabalho que se iniciava.

Novo protocolo operacional padrão


Para organização da equipe foi elaborado um Protocolo Operacional Padrão conforme exemplificado na
Figura 1. Esta organização se deu diante da necessidade de orientação frente ao novo processo de trabalho e
está dividido de acordo com as etapas necessárias para oferecer o telemonitoramento para os pacientes.

Figura 1 – Protocolo Operacional padrão elaborado para atuação durante a pandemia

Fonte: Núcleo de Cuidados Paliativos, 2020

Agendamento
Neste período de isolamento social, o ponto de partida para facilitar a comunicação da equipe sobre o fluxo

620
de atendimento aos pacientes do NCP foi a criação e o compartilhamento de uma agenda virtual armazenada
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

em uma nuvem (drive) pela equipe, além do armazenamento de formulários elaborados especificamente para
este período de pandemia.
Foi enviado para todos os profissionais um protocolo operacional padrão de como os atendimentos
deveriam ser feitos, evolução, assinados e carimbados. Neste início da pandemia nossa estrutura estava
estabelecida de maneira física no NCP, desde a agenda quanto ao prontuário.
A confirmação das consultas era feita pelas psicólogas da equipe que, além fornecerem suporte emocional
aos pacientes, identificavam as necessidades específicas de teleconsulta e as comunicavam aos respectivos
profissionais de saúde por WhatsApp e as registravam no drive. O reagendamento era feito de acordo com
a complexidade: baixa, média ou alta conforme os indicadores de desempenho e funcionalidade da KPS, e o
monitoramento de sintomas da ESAS (Telemonitoramento). Após a teleconsulta especializada, os pacientes
seguiam, se necessário, em acompanhamento por essas profissionais ou, caso contrário, aguardavam o próximo
contato da equipe, na véspera da data do agendamento seguinte.
Outro ponto importante foi a definição de que o telemonitoramento seria oferecido aos pacientes
que tivessem tido ao menos uma consulta presencial com a equipe e que optassem por não ir à consulta
presencial. Para a teleconsulta especializada entende-se o atendimento remoto com profissional especializado
de acordo com sua área de formação, por exemplo: telemedicina para médicos, telefonoaudiologia para
fonoaudiólogos, telepsicologia para psicologia etc.
Cabe ressaltar que os pacientes que estavam presencialmente no ambulatório e evoluíam com sintomas
respiratórios e suspeita de Covid-19 eram encaminhados à triagem específica do HUPE, evitando-se, dessa
forma, o contato com a equipe de CP e outros pacientes.

Capacitação dos profissionais com a nova modalidade de atendimento


Durante esse período, a equipe se reuniu por webconferências, quinzenalmente, para o aperfeiçoamento
dos fluxos e procedimentos acordados em média três vezes por mês, de modo a melhorar a gestão do tempo
da consulta presencial e ampliar o acesso de pacientes de “primeira vez”. Além disso, a equipe interagiu mais
frequentemente por WhatsApp, investiu na educação permanente, organizou um colóquio virtual sobre CP
e Covid-19 e participou de dois webgrupos de suporte e reflexão sobre o trabalho, coordenados por um
psiquiatra psicanalista.

Evolução em prontuário:
Para registro desses atendimentos foram confeccionados formulários para telemonitoramento e
para teleconsulta especializada. Após preenchimento, eles eram assinados e anexados ao prontuário físico.
Para o telemonitoramento foi utilizado o acompanhamento da evolução dos sintomas pelo uso da Escala de
Avaliação de Sintomas Edmonton (Edmonton Symptom Assessment System – ESAS) e do prognóstico pela
Escala de Performance de Karnofsky (Karnofsky Performance Status Scale – KPS)15.

621
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Tecnologias de informação e comunicação (TIC’s)


Quanto às tecnologias de informação e comunicação, foram utilizados recursos
de áudio através de ligações telefônicas e de áudio e vídeo através da interação pela
plataforma Cisco webex disponibilizada pelo Telessaúde UERJ. A plataforma Cisco Webex apresenta o selo
da Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA) que estabelece um conjunto de regras nacionais
para proteção de certas informações de saúde.
Sabemos quanto a dificuldade de muito pacientes para se comunicar, tanto pela idade, quanto pelos
cuidadores serem idosos além de interferências quanto a conectividade e uso de hardware compatível. Neste
sentido, a maioria das interações remotas aconteceu através de ligações telefônicas. Os pacientes que
optaram pela videoconferência foram orientados pela equipe quanto à instalação do software. Realizou-se um
treinamento para o uso, recebiam em seu WhatsApp a data, horário e link para realização da teleconsulta, além
de autorizarem através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a realização do procedimento
onde a confirmação entendia-se como aceite ao procedimento.

Atendimento remoto x Atendimento presencial


O atendimento presencial foi mantido durante todo o período desde a decretação da pandemia. Com
o uso da TS pode-se diminuir o fluxo presencial de acordo com a classificação de complexidade realizada
no telemonitoramento e teleconsulta especializada. Pacientes que desejassem ir presencialmente ou
apresentavam alta complexidade clínica eram recebidos pela equipe no ambulatório. Segue abaixo um gráfico
(Figura 4) sobre o atendimento remoto e presencial de abril de 2020 a fevereiro de 2021.

Figura 4 – Gráfico Atendimento presencial X Atendimento remoto

Fonte: Núcleo de Cuidados Paliativos, 2021

622
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Relato da experiência da equipe multidisciplinar com o uso de Telessaúde


A equipe observou durante este novo processo de trabalho, potencialidades e desafios com o uso do
atendimento remoto. São eles:
Potencialidades
• Fortaleceu a identidade de equipe por meio da ampliação dos espaços de reflexão sobre o trabalho e as
situações vivenciadas.
• Fortaleceu o vínculo de confiança e afeto entre equipe, pacientes e famílias.
• Melhorou a comunicação, o respeito mútuo e a confiança no trabalho interprofissional, qualificando a
atenção aos pacientes e familiares.
• Permitiu o aperfeiçoamento da gestão de casos pela maior integração da equipe com os demais serviços
do HUPE e com a rede de atenção primária do SUS.
• Permitiu o desenvolvimento de empatia da equipe, dada a maior aproximação com os contextos familiares
e comunitários dos pacientes.

Desafios
• Estimar a necessidade da ampliação da carga horária dos profissionais por causa do acompanhamento
contínuo aos pacientes e familiares.
• Administrar mensagens e ligações de familiares em qualquer dia da semana ou horário.
• Lidar com a diminuição de profissionais na equipe, impedidos de trabalhar por estarem com suspeita
ou com a Covid-19, por cuidarem de familiares vulneráveis ou por atuarem em outros serviços do HUPE.
• Observar a regulamentação específica nos ambientes remotos visando à garantia da segurança do
paciente e dos profissionais.
• Implementar a incorporação de ambientes virtuais institucionais em um novo processo de trabalho.
• Construir a rede de atenção integrada para a transição de cuidados (atenção ou internação domiciliar
e hospice), retaguarda hospitalar e serviços de urgência requeridos.
Com a pandemia, o cenário dos CP tornou-se mais complexo. A crise planetária trouxe uma ameaça
compartilhada por todos, profissionais, pacientes e famílias. A necessidade de proteger e se proteger da exposição
ao coronavírus promoveu uma proximidade afetiva inédita. A carga emocional eleva-se e torna-se necessário
ajustar melhor as necessidades dos pacientes com as possibilidades da equipe de saúde. Possibilidades que
estão diretamente relacionadas à resiliência.

Impacto no processo operacional padrão


Com o novo processo de trabalho, o exercício de refletir e pensar sobre a experiência relatada mostra-se um
desafio, pois o trabalho ainda está em curso e a equipe mantém a oferta de acompanhamento remoto aos que
desejam mantê-lo. A atuação da equipe interdisciplinar ajuda a romper o ciclo dor-medo-mais dor, auxiliando
os pacientes e seus familiares a resgatar suas forças, dando oportunidade para falarem de suas dores, de seus
receios e das novas perspectivas, e também das dificuldades em lidar com a ameaça da Covid-19, uma doença

623
com baixo nível de conhecimento e de recursos terapêuticos16,17. A TS surgiu rapidamente neste cenário,
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

como uma opção à consulta presencial, para mitigar o risco de exposição viral para pacientes e profissionais,
visto que muitos apresentam alto risco de desenvolver morbimortalidade relacionada à Covid-19. Foi proposta
como um meio de garantir cuidados continuados, facilitando o distanciamento físico e diminuindo a carga
dos cenários da prática clínica. Observamos a melhoria no manejo dos sintomas, conforto no atendimento e
satisfação do paciente e da família. A carga de trabalho da equipe do NCP aumentou durante a pandemia,
e ficamos disponíveis aos nossos pacientes por meio das tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Os processos que antes eram realizados quase exclusivamente de forma presencial foram maximizados para
atendimento a distância – revisões regulares, demandas de intercorrências, dúvidas e agendamentos –, ficando
o atendimento presencial restrito a casos novos com alto grau de complexidade e quando o paciente assim o
desejasse.

Considerações finais

A equipe multidisciplinar do NCP demonstrou empatia, flexibilidade e resiliência ao se adaptar às


necessidades impostas pela pandemia para manter o cuidado destinado aos pacientes. Neste cenário, a equipe
desenvolveu competências clínicas e socioemocionais, permitiu que se acompanhasse de perto o desfecho da
vida dos pacientes e minimizasse as angústias e sofrimento que o momento impunha, além de oferecer uma
qualidade de assistência e um plano de cuidado integrado.

Bibliografia

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Estado; 19 mar 2020 [acesso em: 9 ago 2020]. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/
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625
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

O caso de uso do Telemonitoramento Síncrono em


um serviço de hemodiálise domiciliar como apoio ao
enfrentamento à pandemia pela Covid-19

Raquel Scofano1; Alexandra Monteiro2; Luciana Motta3

1
Médica. Mestre em Telemedicina e Telessaúde, Programa de Pós-Graduação em Telemedicina e Telessaúde, Faculdade de

Ciências Médicas UERJ; 2Professora Titular e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Telemedicina e Telessaúde

UERJ; 3Médica no Núcleo de Apoio ao Idoso. Hospital Universitário Pedro Ernesto HUPE UERJ

Descritores em português: insuficiência renal; terapia de substituição renal; telemedicina; consulta remota; telemonitoramento;

Coronavírus.

Descritores em Ingles: renal insufficiency; renal replacement therapy; telemedicine; remote consultation; telemonitoring; Coronavirus.

Introdução

A hemodiálise domiciliar (HDD) assistida é uma modalidade de hemodiálise realizada na residência, por
enfermeiros treinados e está indicada para pacientes com restrições motoras ou funcionais que impedem o
paciente de ir a clínicas satélites ou realizar seu próprio tratamento.1
Os pacientes que recebem hemodiálise em casa têm percepções positivas em relação aos cuidados e a
experiência com a hemodiálise domiciliar. A aderência a esta modalidade terapêutica esta diretamente
relacionada à maior comodidade do domicílio1,2. No entanto, possuem preocupações com o isolamento social,
a falta de conexão com cuidados médicos, dúvidas, insegurança e medo de intercorrências1. Isso sugere que há
espaço para fornecer maior suporte aos pacientes de diálise em casa em um esforço para melhorar a satisfação
e a aderência ao tratamento.
A Telemedicina pode proporcionar a presença dos profissionais de saúde remotamente com o intuito de
melhor aderência ao regime de hemodiálise e para que sintam-se conectados aos profissionais de saúde.1 Além
disso a telemedicina é uma grande ferramenta para monitorização do tratamento, ajuste de medicamentos,
esclarecimento de dúvidas e educação continuada tanto para pacientes como também outros profissionais de
saúde2,3,4.
A principal desvantagem da telemedicina na hemodiadiálise domiciliar é a limitação do exame físico à
distância, dificultando a avaliação do paciente. Com o avanço da saúde digital e da internet das coisas, novos
dispositivos estão sendo desenvolvidos para auxiliar no suporte de saúde a distância.
Hoje a experiência do paciente é reconhecida como um dos três pilares da qualidade em saúde ao lado da
eficácia clínica e segurança do paciente para identificar qualidades e pontos críticos da assistência recebida.
A sua inclusão como pilar é justificada como meio de melhorar a segurança e eficácia do tratamento, além
de agregar empatia a uma assistência mais humanizada. Informação clara, empática, comunicação bilateral

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

e o respeito pelas crenças podem levar a um paciente mais informado e envolvido nas tomadas de decisão,
criando um ambiente mais disposto a compartilhar informações e colaborar com o diagnóstico e tratamento.
Esta troca gera decisões clínicas mais acertadas, reduz a solicitação de exames complementares desnecessários
e erros de tratamento. Entender a expectativa do paciente sobre seu tratamento, o estimula a relatar efeitos
colaterais ou intercorrencências, traz informações sobre cuidados diários, como controle da dor, avaliação do
ambiente físico e coordenação dos cuidados como a interação de uma equipe multidisciplinar5.
Este estudo objetiva avaliar a experiência do telemonitoramento médico em pacientes com diagnóstico de
doença renal crônica adscritos a um programa de hemodiálise domiciliar assistida e enfermeiros que realizam
o tratamento, durante o período de pandemia pelo Coronavírus SARS-CoV-2.

Métodos

Após submissão e aprovação ao Comitê de Ética em Pesquisa, foram selecionados 21 pacientes e 17


enfermeiros. Foram incluídos pacientes com no mínimo 3 meses em programa de hemodiálise domiciliar,
idade igual ou superior a 18 anos, concordaram em responder ao questionário de avaliação. Foram excluídos
participantes que não tivesse acesso à Internet e/ou transmissão de dados ineficaz, paciente sem condições
clínicas de interagir com o médico durante telemonitoramento, pacientes que evoluíram a óbito durante o
período de telemonitoramento e enfermeiros que foram afastados do programa por qualquer razão. Durante
o estudo, 2 pacientes foram a óbito, 1 mudou de empresa prestadora de serviço de hemodiálise e 1 paciente
recuperou a função renal. Dos 15 enfermeiros que participaram do telemonitoramento 1 foi afastado por
problemas de saúde e 2 manifestaram desejo de não responder ao questionário de avaliação.
O telemonitoramento foi realizado pelo período de 02 de junho de 2020 até 20 de janeiro de 2021,
correspondente ao acompanhamento por 6 meses, período este de maior necessidade de isolamento social
durante a pandemia. A pesquisadora foi responsável por todos os atendimentos on-line, durante todo o
período da pesquisa. Foi realizado o telemonitoramento semanal, sempre que possível, com cada paciente
individualmente, com duração média de 20 minutos. No total foram realizadas 280 entrevistas durante o
período do estudo. Não foi possível realizar todas as entrevistas programadas. As principais dificuldades foram
a baixa velocidade de transmissão de dados da internet e a recusa do paciente no dia por motivos adversos. A
plataforma Zoom foi utilizada para comunicação por ter fácil utilização e capacidade de gravar as entrevistas.

Aplicação do questionário de Avaliação


Optou-se por um método qualitativo e quantitativo a fim de permitir um trabalho exploratório, uma vez
que o conhecimento no tema é limitado. Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas para aprofundar a
compreensão das vivências individuais dos pacientes e enfermeiros.
Utilizamos para a avaliação quantitativa 2 instrumentos para mensuração da experiência dos pacientes
e enfermeiros com o programa de telemonitoramento, por serem complementares um ao outro, buscando
explorar de forma ampla do conceito de experiência: o estudo publicado por Written e colaboradores,6 pela
sua maior proximidade com o perfil populacional do estudo e a escala de aceitabilidade E-Scale7 pela sua

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

validação como instrumento para aferição da experiência com a tecnologia. Após seleção dos instrumentos,
realizamos a adaptação e tradução livre (Figura 1).
Para a avaliação qualitativa foi utilizado um roteiro de entrevista, no qual a questão principal foi: “Como
você contaria a um amigo a sua experiência com o telemonitoramento?”
A análise dos resultados do componente quantitativo foi realizada através de estatística descritiva de
variáveis sócio demográficas, clínicos e resultado da aplicação de questionário de avaliação composto por
perguntas fechadas e respostas no formato Likert. A avaliação do componente qualitativo incluiu a verificação
de uma pergunta aberta, através da análise do corpo textual e conteúdo do texto, por meio de da técnica de
grupos focais e do método de análise de conteúdo temático-categorial, segundo Bardim, 19778.
Para análise dos dados com maior abrangência dividimos as respostas em três pontos distintos: facilidade
no uso tecnologia, qualidade da visita por telemonitoramento síncrono e comparação com a vista presencial.

Figura 1: Questionário aplicado a pacientes e enfermeiros para avalição da experiência do uso do telemonitoramento.
Fonte: O próprio de autor.

Análise dos Dados


Os pacientes estudados tinham em média 80 anos, sexo masculino, cor branca, com nível superior. A
média de tempo no HHD foi de 39 meses. As principais causas de perda da função renal foram a hipertensão
(41%), seguida por diabetes (23%). O número de sessões por semana são: 41% realizam 3 vezes por semana,
23% realizam 6 vezes por semana, 18% realizam 4 vezes por semana, 12% realiza 2 vezes por semana e 6%
realiza 5 vezes por semana. Os pacientes em diálise domiciliar desta amostra possuem grande número de
comorbidades, sendo 82% com mais de três comorbidades. Quando aplicado o índice de doenças coexistentes
e idade avançada9, 82% possui classificação severo, 6% moderado e 12% leve. Em média cada paciente utiliza
9 medicações de forma contínua. Os dados sócio demográficos dos enfermeiros evidenciaram média da idade
43,5 anos, sendo 76% mulheres e 67% da cor branca, com tempo médio de experiência de 5,5 anos.

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Avaliação pelo Paciente


Apesar dos pacientes dessa amostra serem idosos, observamos facilidade em adaptar-se ao uso da tecnologia
para o telemonitoramento. Quando aplicado a afirmativa “Não tenho dificuldade em utilizar a tecnologia para
o telemonitoramento”, 64% concordaram totalmente, 24% concordaram parcialmente e 12% discordaram
parcialmente, assim como evidenciado na figura 2. As respostas dos pacientes à pergunta aberta também
corroboram com a ideia de facilidade (Quadro 1). A maior dificuldade sobre seu uso da tecnologia está
associado à transmissão de dados pela internet, que impossibilitava ou reduzia a qualidade da comunicação.

Quadro 1: Resposta de pacientes sobre a facilidade do uso da tecnologia para comunicação.

P1: “Foi fácil mexer com a tecnologia, a enfermeira não precisou me ajudar. No telemonitoramento o paciente
pode ter contato com o médico todo dia se necessário”

P8: “Ficou mais fácil falar com médico e consegui tirar dúvida e mostrar problemas de forma mais rápida. Além
disso achei interessante lidar com a tecnologia para o tratamento de hemodiálise.”

A maior parte dos pacientes concorda plenamente ou parcialmente que a telemonitorização ajuda no
acompanhamento do seu tratamento, aumenta a comunicação com o médico, permite tirar dúvidas e aumenta
o entendimento das orientações médicas. As respostas à pergunta aberta também trazem a oportunidade de
maior comunicação com o médico (Quadro 2).

Quadro 2: Resposta de pacientes sobre a facilidade sobre o uso da telemonitorização.


P3: “Gostei bastante porque a gente tira dúvida e a gente fica respaldado pela orientação do médico.”

P5: “Nós temos pouco contato com médico. Assim fica mais fácil falar com o médico, nós temos pouco contato
com o médico no dia a dia. Foi importante tirar dúvidas quando necessário.”

Sobre se o tempo despendido para a realização do telemonitoramento foi suficiente, 88% concordaram
com a afirmativa de forma plena. 12% concordaram de forma parcial (Figura 2). Ao avaliarmos as respostas
à pergunta aberta percebemos que as respostas sugerem que a telemedicina deve ser aplicada com maior
frequência e por um período de tempo maior (Quadro 3).

Quadro 3: Resposta de pacientes sobre o tempo despendido para a telemonitorização.


P1: “Acho que deveria continuar com o telemonitoramento mesmo após a pandemia. Eu gostei muito”

P3: “Acho que a vídeo chamada deveria ser feita em toda a sessão de dialise e não apenas uma vez por semana.”

629
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 2: Facilidade dos pacientes sobre o uso da tecnologia para comunicação. Fonte: O próprio de autor.

Apesar da tecnologia ter boa aceitabilidade entre os pacientes em diálise domiciliar, precisamos entender o
quanto esse serviço impacta no tratamento, no seu dia a dia, segundo a sua opinião. A afirmativa “A experiência
com o telemonitoramento foi positiva” recebeu 76% de concordância plena, 18% acharam indiferente, 6%
concordaram parcialmente. Na afirmativa “A telemedicina interfere positivamente no tratamento”, 76%
concordaram totalmente, 12% concordaram parcialmente e em 12% foi indiferente. Sobre satisfação 88%
concordaram plenamente e 18% de forma parcial sobre estavam satisfeitos com a telemonitorizaçao, assim
como evidenciado na figura 3.
Um ponto que recebeu destaque nas entrevistas foi o acolhimento. No período de pandemia e isolamento
social, o contato com o médico foi um ponto de elogios e agradecimentos. A aceitação da afirmativa “Eu me
senti acolhido pelo serviço de telemonitoramento” foi de 88% com respostas concordo plenamente e 12% de
indiferente(figura 3). Encontramos este mesmo perfil de respostas durante a entrevista quando utilizado a
pergunta aberta (Quadro 4).

Quadro 4: Resposta de pacientes a qualidade da assistência médica através da telemonitorização.


P1: “A experiência foi muito boa porque sinto a demonstração de interesse sobre a minha pessoa. Eu acho que
vale a pena porque dá ao paciente uma confiança no trabalho que está sendo feito. Eu senti o interesse nos
profissionais que cuidam da minha saúde eu me sinto mais seguro.”

P2: “Mas eu gostei de ter um médico regularmente querendo saber do meu tratamento, isso foi bom.”

P6: “A experiência foi boa, você se sente mais assistido, as coisas ficam mais sobre controle e acaba suprindo
algumas deficiências. Eu achei uma experiência boa.”

630
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 3: Qualidade da assistência médica por telemonitoramento pelos pacientes. Fonte: O próprio de autor.

O telemonitoramento parece não comprometer de forma significativa a privacidade do paciente. 94% dos pacientes
discordaram plenamente sobre a afirmativa: “A telememonitorização compromete a minha privacidade”. Apenas uma
paciente refutou a alternativa parcialmente.
Apesar do telemonitoramento impactar de forma diferente em cada indivíduo, 88% concordaram plenamente que
a experiência foi positiva e todos os paciente concordaram plenamente com a afirmativa que indicariam o serviço e
telemonitoramento para pacientes em dialise domiciliar.
A visita presencial do médico foi considerada uma forma mais completa de assistência pela possibilidade
do exame físico. A resposta a afirmativa “Prefiro à visita presencial do médico” foi 47% concordo totalmente,
29%, concordo parcialmente, 18% foram indiferentes, 6% discorda parcialmente. Por outro lado, a telemedicina
passou a ser um complemento à assistência médica, com boa aceitabilidade, principalmente no período de
pandemia. A resposta à afirmativa “A telemedicina é uma forma aceitável de receber cuidados de saúde”
recebeu 88% de concordância plena, 12% de concordância parcial, assim como evidenciado na figura 4.

631
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 4: Comparação entre telemonitoramento com visita presencial pelos pacientes. Fonte: O autor.

A avaliação da pergunta aberta evidencia que os pacientes entendem a telemedicina como uma
ferramenta complementar, porém extremamente útil na continuidade da assistência (Quadro 5).

Quadro 5: Resposta dos pacientes sobre a comparação do telemonitoramento com a visita presencial do médico.
P1: “A visita presencial é importante, mas muitas vezes a vídeo chamada pode resolver.”

P6: “O telemonitoramento é algo factível. Ela funciona muito bem para o tratamento de manutenção,
principalmente com o renal crônico que já conhece o médico, que já tem uma terapêutica já estabelecida,
acrescenta muito.”

Avaliação do Teleatendimento pelo Enfermeiro Cuidador


Observamos no início da pesquisa insegurança de alguns enfermeiros na utilização da tecnologia,
principalmente por sentirem-se incapazes de utilizar a plataforma, porém após o treinamento inicial
essa barreira foi vencida e o equipamento utilizado com facilidade. Quando utilizamos a afirmativa “Não
tenho dificuldades em utilizar a tecnologia para o telemonitoramento” 58% concordaram totalmente, 25%
concordaram parcialmente e 17% mostraram indiferentes, , assim como evidenciado na figura 5. A telemedicina
foi considerada, ao final de 6 meses, como uma ferramenta inovadora e de grande utilidade (Quadro 6). A
grande dificuldade tecnológica foi relacionada à transmissão de dados e velocidade da internet. Em algumas
ocasiões a comunicação foi cancelada ou interrompida por este motivo.

632
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 5: Facilidade do uso de tecnologia para o telemonitoramento pelos enfermeiros. Fonte: O próprio de autor

Quadro 6: Resposta dos enfermeiros sobre facilidade do uso da tecnologia para realização do telemonitoramento.
E1: “Foi uma novidade. Fiquei ansioso, nervoso, não sabia como explicar para o doente, não sabia se ele ia gostar.
No meu caso o paciente queria sempre falar com você, mas eu me sentia vigiado... Achei que era um bicho de sete
cabeças, mas era fácil. O atendimento é curto e objetivo, as perguntas feitas (pelos pacientes) eram respondidas.
O paciente precisava disso, trouxe segurança.”

E2:” ...tá vindo um novo. Dá mais segurança para o profissional e ao paciente. Eu gostei muito. Uma sacada
sensacional, simples. Foi a primeira vez que eu fiz e gostei muito. Vai mudar muito a forma de assistência.”

Os enfermeiros durante o estudo demonstram sentimento de distanciamento do médico e falta de


acessibilidade, associando o telemonitoramento à sensação de segurança (Quadro 7). Desta forma, observamos
que os itens do questionário relacionados a comunicação com o médico, mostraram de forma unânime, a
capacidade da telemedicina em facilitar o entendimento das orientações e tirar dúvidas.

Quadro 7: Resposta dos enfermeiros sobre facilidade de comunicação com o médico.


E2: “Com o acompanhamento semanal eu me sentia mais seguro, um complemento, que estava comigo o tempo
todo, dando as orientações, dando assistência.”

A população de enfermeiros evidenciou grande aceitação com o projeto de telemonitorização. As


afirmativas “A experiência com o telemonitoramento foi positiva.”, “O serviço de telemonitoramento atingiu
minhas expectativas.”, “Estou satisfeito com o serviço de telemonitoramento.” e “Eu me senti acolhido pelo
serviço de telemonitoramento” obtiveram 100% de concordância total (figura 6). Esta resposta positiva
pode ser justificada por uma maior interação e disponibilidade do médico para com o paciente e o próprio
enfermeiro, no dia a dia da hemodiálise domiciliar (Quadro 8).

633
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Quadro 8: Resposta dos enfermeiros sobre qualidade do atendimento médico por telemonitoramento
E2: “Eu tive uma experiência positiva como foi no caso do surgimento daquele olho na fistula da paciente, foi
fundamental a orientação da internação porque a fistula poderia romper.”

E4: “O paciente sente acolhido. O paciente consegue falar tudo, fica à vontade. Ele pode falar como tem sido o
trabalho do enfermeiro e tirar suas dúvidas.”

E8: “Achei muito bom porque a médica vê mesmo a distância. O paciente consegue tirar suas dúvidas, orientar
sobre a medição.”

Na afirmativa “A telemedicina compromete a privacidade” 75% discordaram totalmente, 17%, descordaram


parcialmente e 8% concordaram parcialmente, assim como evidenciado na figura 6. No início da telemonitorização,
muitos enfermeiros sentiram-se vigiados, porém com o tempo e o ganho de empatia, eles entenderam a telemedicina
como aliados à sua prática do dia a dia. Quando usamos a afirmativa “Eu indicaria o telemonitoramento a outro
paciente que faz diálise em domicílio.” 92% concordaram totalmente e 8% foi indiferente (Figura 6).

Figura 6: Qualidade da assistência médica por telemonitoramento pelos enfermeiros. Fonte: O próprio de autor

Os enfermeiros aceitaram com facilidade as orientações dadas por vídeo chamada. A afirmativa “a
telemedicina é uma forma aceitável de receber cuidados de saúde” obteve 100% de concordância total.
Apesar da alta aceitabilidade, a telemedicina não é considerada como método substitutivo a visita presencial
do médico. Esta informação foi observada tanto na resposta à pergunta aberta, quanto no questionário em
formato Likert (Quadro 9). À resposta a afirmativa “Prefiro à visita presencial do médico” foi 17% concordo
totalmente; 58%, concordo parcialmente; 25% foram indiferentes; 8% discorda totalmente, , assim como
evidenciado na figura 7.

Quadro 9: Resposta dos enfermeiros sobre comparação da visita presencial do médico com o telemonitoramento.
E2: “O médico uma vez por mês é pouco. A telemedicina veio para complementar, para dar qualidade a assistência.”

634
E6: “Experiência boa, de grande ajuda, gostei, achei bastante válida, mas acho o médico presencial muito
importante.”
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 7: Comparação entre telemonitoramento com visita presencial pelos pacientes. Fonte: O próprio de autor.

Ao comparar a resposta de pacientes e enfermeiros observamos que ambos mostraram-se receptivos a


telemonitorização. Não tivemos dificuldade com o uso da tecnologia nos dois grupos. Quando avaliamos
a qualidade do telemonitoramento, observamos que os principais pontos expostos pelos pacientes foram
empatia e acolhimento. Para os enfermeiros, foram segurança e proximidade com o médico. Ambos os grupos
consideram a consulta presencial fundamental, não podendo ser substituída pelo telemonitoramento.

Reflexões sobre o Teleatendimento para essa população


Este experimento tecnológico foi realizado durante a pandemia pela Covid-19 e apontou que pacientes
idosos com comorbidades e sob hemodiálise domiciliar aprovaram o telemonitoramento apesar de não abrirem
mão do atendimento médico presencial sempre que possível. Os enfermeiros que realizam a hemodiálise
em domicílio, apesar da resistência inicial à supervisão pelo médico remoto também avaliaram de forma
positiva a possibilidade do telemonitoramento. Vários autores descreveram o uso da telemedicina como
forma de intervenção nos cuidados dos pacientes com doença renal crônica, antes do período da pandemia
pela Covid-19, como publicado na revisão sistemática de Shen Hongxia e colaboradores,10 porém apenas 3
publicações referiam-se, especificamente, à diálise domiciliar. Com a pandemia pela Covid-19 a diálise
domiciliar associada a telemedicina foi considerada uma das principais ferramentas de apoio ao isolamento
social, inclusive sendo considerada medida de saúde pública por alguns países, como publicado por Truong
e colaboradores13 em 2020, sobre novas políticas para o tratamento de diálise nos EUA.. No Brasil, a diálise
peritoneal é sub utilizada por falta de incentivos educacionais e financeiros e a hemodiálise domiciliar não é
consolidada como política pública de saúde, pelo seu alto custo, porém parte da população com acesso a rede
privada utiliza este tipo de serviço.

635
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Considerações Finais

A experiência dos pacientes e profissionais de saúde com o uso da telemedicina foi positiva principalmente
por aumentar a sensação de segurança e o acolhimento da população envolvida no tratamento de diálise
domiciliar. Ela é vista como uma forma aceitável de receber cuidados de saúde, porém complementar à visita
presencial do médico. Durante a pandemia por Covid-19, a telemedicina pôde ser considerada uma ferramenta
preciosa para enfrentamento do isolamento social e disseminação da prática da hemodiálise domiciliar, com
maior segurança e aceitabilidade pelos profissionais de saúde.

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637
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Os efeitos da Fisioterapia por telemonitoramento


em pacientes pós-Covid-19
Adalgisa Ieda Maiworm1; Anna Paola Beltrão2; Fabio Rodrigues2; Jorge Barboza2; Patrícia Strassier2; Rozicléa

Estevão do Nascimento4; Solange de Araújo Câmara1; Fabio Gomes de Oliveira4; Rodrigo Roberto Leiraix5; Mariana

Queirozix6.

1
Fisioterapeuta Servidora Universidade Aberta da Terceira Idade UNaTI ERJ; 2 FisIoterapeuta Colaborador Hospital

Universitário Pedro Ernesto HUPE UERJ; 4 Aluno UniGama; 5Aluno FABA; 6Aluno FABA

Descritores em português: Covid-19; qualidade de vida; Fisioterapia; telemonitoramento.

Descritores em inglês: Covid-19; quality of life; Phyisiotherapy; telemonitoring.

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020) os primeiros coronavírus em humanos foram isolados
em 1937. Os primeiros casos de Covid-19 surgiram na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019,
apresentando quadros de pneumonia de causa desconhecida. No dia 11 de março de 2020, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) decretou estado de pandemia.1-2
A alta morbimortalidade do Covid-19, colocou-nos diante de um momento de incertezas, e com isto,
trouxeram alguns estressores psicossociais. A humanidade passou a conviver, com o medo da contaminação
e da morte, com o impacto emocional do distanciamento social e com os efeitos devastadores na economia.
Preocupamos-nos em beneficiar os pacientes que se infectaram com SARS-CoV-2 e desenvolveram a doença
Covid-19, buscando a recuperação da funcionalidade motora, resgate do condicionamento cardiopulmonar,
promoção da qualidade de vida (definimos como critério os padrões de qualidade de vida estabelecido pela
Organização Mundial da Saúde), minimizar os efeitos da fadiga muscular pós internação em UTI, restabelecer
tônus, inclusão e reinserção do paciente na sociedade, com um programa de tratamento fisioterapêutico por
Telemonitoramento.3-4
A motivação pela temática da pesquisa se dá em vista do grande número de sobreviventes da Covid-19
que requerem acompanhamento, incluindo a reabilitação, por sofrerem várias sequelas. Este projeto de
reabilitação para pacientes com sequelas pós Covid-19 foi baseado nos programas da reabilitação pulmonar
e motora domiciliares, que partiram das evidências de que o acesso aos programas de reabilitação é limitado,
e não alcançam toda a população. Foi preciso adaptar a avaliação e assistência a uma realidade virtual diante
da necessidade também do isolamento social, que se fez e ainda se faz necessário em populações de risco. 5-6

Relato

Antes da pandemia, o teleatendimento em saúde, já era assunto de interesse da comunidade científica.

638
A busca por ferramentas que fossem viáveis e que funcionassem, e mais a dificuldade de acesso da população
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

aos centros de reabilitação, já vinham sendo debatidos. O que faltava era uma legislação que permitisse este
modelo. Com a pandemia, inesperadamente, surge a necessidade de tratar e dar suporte aos pacientes com
sequelas motoras e respiratórias, diante da falta de acesso às unidades de reabilitação. Isto acabou acelerando
o processo de aprovação da telemonitorização. 7-8
A resolução COFFITO n. 516/2020 regulamenta a realização de Teleconsulta, Telemonitoramento e
Teleconsultoria para Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Considerando o número expressivo de pacientes
com sequelas da Covid-19, se fez necessário implementar um serviço de atendimento, buscando facilitar o
acesso e cuidado em saúde não presencial dos usuários.9
Quando cogitei a possibilidade do atendimento virtual, ainda não havia a liberação da resolução do
COFITTO. Este era um impeditivo para que se pudesse avançar com o projeto de teleatendimento. A
telessaúde era apenas consultoria.
Trouxemos um pouco da experiência dos fisioterapeutas.
“Não me recordo a data exata da primeira reunião para ajustar o projeto, mas demos início ao projeto: A
partir desse momento me vi à frente de um desafio, reabilitar pacientes por vídeo. Confesso que não acreditava
que conseguiria, pois eu, não era favorável a essa nova prática da profissão do fisioterapeuta”.
O primeiro desafio foi romper a resistência que tinha comigo em relação ao atendimento por vídeo. Várias
perguntas surgiram em minha cabeça para colocar em dúvida a minha permanência no projeto. Foi então
que resolvi fazer o meu primeiro atendimento. Minha primeira paciente foi uma senhora de 63 anos empós
Covid-19 grave, pós hospitalização e traqueostomia. A paciente ainda estava com a cânula da traqueostomia.
No primeiro dia, ainda sem saber bem como abordar a paciente por vídeo, fiquei um pouco apreensivo, mas
quando me deparei com uma senhora frágil, e seu esposo extremamente ávido por um tratamento para ver sua
amada bem. O meu lado profissional foi mais forte do que os desafios que viriam pela frente. Foram 16 sessões
de fisioterapia, e hoje essa paciente já se encontra sem a cânula, e de volta às suas atividades de vida diária.
O local para atendimento também foi um obstáculo a ser vencido. Barulhos, interrupções, como pessoas
passando na frente, ou atrás da câmera distraindo a atenção do paciente.
Todos esses obstáculos foram superados, e buscamos adaptar para que continuasse o tratamento de cada
indivíduo. Fato é que minha experiência como profissional nessa nova jornada, tem sido de um grande aprendizado.
Pessoas que necessitam de reabilitação, muitos sem condições financeiras para pagar um Fisioterapeuta.
Esse projeto nos deu a oportunidade de tratar e recuperar indivíduos que tiveram próximo à “morte”. Além
da sequela motora e respiratória, os pacientes quando acabam o tratamento relatam o quanto estão se sentindo
melhor. Vale ressaltar que o convívio com essas pessoas, pós-Covid-19 19, me fez refletir em vários aspectos.
Talvez o mais importante seja o da coletividade, paciência, Fé, e o quanto a profissão Fisioterapia é importante
na minha vida. Gostaria de reforçar, que antes de resistir é preciso conhecer. Então, dê chance a você de
mudança. Fiz isso comigo e não me arrependo.
A população acometida pelo vírus e que permanecia com sequelas motoras e respiratórias, necessitava
com urgência de acompanhamento. Estávamos apreensivos com desfechos não tão bons diante da falta
de reabilitação precoce. A Covid-19 ainda nos apresenta mais perguntas do que respostas. Além do
comprometimento do aparelho respiratório, a doença afeta a função motora com limitação na mobilidade,
como andar e auto transferências. Cabe reforçar que na Covid-19 a perda de funcionalidade motora em

639
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

pacientes idosos ou com comorbidades que necessitam hospitalização com uso de prótese ventilatória em
períodos acima de 10 dias, são significativas. 10,11,12
São fatores agravantes do processo de perda da funcionalidade motora e do condicionamento cardiovascular
em pacientes contaminados por SARS-CoV-2:
• Doenças cardiorrespiratórias crônicas
• Internação em terapia intensiva prolongada;
• Necessidade de prótese ventilatória;
• Uso de medicações que são inibidores neuromusculares;
• Pacientes com os mecanismos de defesa mucociliar comprometidos, levando a diminuição dos reflexos
protetores das vias aéreas, podendo levar a alta incidência de broncoaspiração.

Com a ausência da tosse efetiva e relacionando-a com a redução da força muscular, e diminuição da
capacidade de limpeza pulmonar, o risco das infecções oportunistas mostraram-se maiores. 13,14
• Buscamos respostas com este projeto para:
• Recuperar a funcionalidade motora;
• Resgatar o condicionamento cardiopulmonar;
• Verificar os efeitos do Telemonitoramento na minimização da fadiga muscular pós internação em
UTI;
• Verificar os efeitos do tratamento no restabelecimento da sociabilização do indivíduo;
• Avaliar os impactos da doença Covid-19 na qualidade de vida do paciente;
• Recuperar a funcionalidade motora;
• Verificar os efeitos do Telemonitoramento no restabelecimento do tônus;

Outros comprometimentos podem surgir com a permanência prolongada, amplitude de movimento


articular diminuída, bem como, déficits de equilíbrio e coordenação motora. Há uma alta incidência de embolia
pulmonar somado a dano do miocárdio e complicações neurológicas, em pacientes gravemente enfermos com
Covid-19.15
Diante do grande número de sobreviventes da Covid-19, buscamos em nosso projeto de reabilitação
um protocolo que contemplasse um programa de reabilitação pulmonar, motora, neurológico domiciliar de
forma virtual. Levou-se em consideração ainda que nas grandes cidades, a distância pode dificultar a ida dos
pacientes ao centro de reabilitação, e isto seria um fator que contribuiria para a falta de aderência do paciente
ao programa. Diante desta pandemia da Covid-19 faz-se necessário ainda o acompanhamento à distância,
evitando-se as aglomerações. 16
Dentre as atividades realizadas pela atuação do Fisioterapeuta se destacam, programas de reabilitação
das perdas funcionais e resgatar as atividades da vida diária, bem como, recuperar capacidades e volumes
respiratórios, em especial neste momento voltado para pacientes pós Covid-19.17
Fomos buscar técnicas, para minimizar o impacto na sociedade, onde estamos oferecendo um atendimento
de fisioterapia por telemonitoramento, a baixo custo e de fácil aplicabilidade e reprodutibilidade, com critérios
de rigor na avaliação e manuseio das técnicas que foram descritas na literatura vigente como eficazes para

640
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

restabelecimento de funcionalidade.
O tratamento por telemonitoramento, proporciona melhorias da saúde. Incentivá-lo evita deslocamentos.
Restabelecer a funcionalidade nos pacientes que foram e estão sendo submetidos ao programa de
reabilitação por telemonitoramento tem sido nosso foco.
Os pacientes são atendidos em 2 sessões semanais, em um total de 16 sessões de fisioterapia, tendo
reavaliação após a 8ª sessão, outra reavaliação após a 16º sessão, e uma 3ª reavaliação após 90 dias de término
do protocolo de 16 sessões.
Operacionalização:
Treinamento dos voluntários: fisioterapeutas;
Captação de pacientes para o Telemonitoramento;
Disponibilidade dos voluntários;
Contato primário para informar ao paciente o que está sendo proposto e solicitar que ele dê seu
consentimento no TCLE.
Avaliação e início do tratamento:
Reavaliação na 8ª sessão e reavaliação após 16 sessões.
Recursos Necessários:
1. Aparelho de celular com linha de WhatsApp;
2. Os profissionais são voluntários, sendo assim, colaboradores sem remuneração.

Aspectos Éticos
Para realização de todos os procedimentos que envolvam seres humanos no presente estudo, estão sendo
seguidas as normas das diretrizes da Resolução1996/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto foi submetido
à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Participam do estudo, pessoas acima de 18 anos que foram acometidos pela Covid-19, e estejam em fase de
recuperação, e que aceitem participar da pesquisa, concordando com todo o disposto no Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE), e manifestando sua anuência através de formulário individualizado do google forms.
Para registro dos dados pessoais, são mantidos o anonimato dos participantes utilizando, números e não nomes
na identificação, além do disposto na Lei Geral de Proteção Dados (LGPD). Todo procedimento da pesquisa está sendo
explicado aos participantes, assim como os possíveis desconfortos e riscos.
Nos documentos solicitamos a ciência e concordância dos sujeitos na pesquisa. Os modelos se encontram
disponíveis na plataforma do Google forms para serem enviados a cada paciente.

Protocolo para Tratamento


A avaliação fisioterapêutica é o primeiro contato entre profissional e paciente, e é de suma importância
para prescrição de um tratamento adequado para o paciente. É necessário que o primeiro contato seja de
confiança. 18
Assim, dentre muitas reuniões virtuais de abril de 2020 até outubro de 2020, com inclusão de pesquisas
sobre testes, questionários e escalas, iniciamos o treinamento, aplicando-o entre nós mesmos, e depois em
parente de um dos voluntários, até termos segurança. Todos foram identificados como apropriados para
quantificarmos perdas funcionais e avaliarmos condicionamento cardiopulmonar. Ao longo das testagens

641
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

foram feitos vários ajustes em relação ao tipo de testes e questionários para a avaliação, bem como, ajustes de
alguns exercícios e suas posturas. Ao término fizemos dois programas de exercícios. Um para paciente com
menor debilidade e que conseguiam estar de pé na execução dos exercícios, e outro para pacientes com maior
comprometimento, que deveriam fazer os mesmos sentados.

Avaliação Fisioterapêutica: testes e questionários utilizados neste projeto


• Timed “Up and Go” Test
• Questionário de avaliação de incapacidades específicas
• Escala de Borg
• Escala analógica de dor
• Escala de avaliação da fadiga
• Escala de Barthel
Todo o conjunto de testes e questionários aplicados na avaliação inicial do programa de reabilitação por
Telemonitoramento, são repetidos nas reavaliações.

Programa de exercício para o projeto de atendimento remoto


Logo após a avaliação, inicia-se a sequência de exercícios específicos para trabalhar o ganho de força
muscular, melhora da função cardiopulmonar e ressociabilização deste paciente junto à comunidade.
(A) São apresentadas propostas com os mesmos exercícios, porém de intensidades diferentes de acordo
com o nível de comprometimento dos pacientes, devido às sequelas de Covid-19. Os pacientes com maior
comprometimento farão exercícios leves inicialmente, e os pacientes menos comprometidos, principalmente
em seus sistemas motor e pulmonar, farão os exercícios de forma moderada. (A)exercício leve. (B) exercício
moderado.
Os voluntários foram divididos em dois grupos: Um de avaliadores e o outro de assistência. Todos
receberam vídeos com a execução de cada exercício, e treinamento para que a sequência e execução fosse
mantido uniformemente, e desta forma, o protocolo seja único.
Buscamos manter a padronização dos exercícios para obter dados que possam ser analisados a posteriori
e gerar dados para trabalhos científicos.
Atualmente o exercício terapêutico é considerado um elemento fundamental na prática da reabilitação
motora e respiratória. Tem papel ativo na recuperação de uma sequela causada por lesão. Pacientes com
Covid-19 desenvolvem processo inflamatório que compromete não só o aparelho cardiorrespiratório, mas
também o sistema vascular, neurológico, levando a déficit motor. Os exercícios terapêuticos aumentam a
amplitude de movimento, a flexibilidade muscular, desenvolve a coordenação motora, aumenta a força e
melhora o funcionamento do sistema cardiovascular e circulatório. 17 ,18,19
Os exercícios a serem ministrados são:
Será pedido para que o paciente realize uma série de cinco repetições em cada exercício abaixo.
Este paciente será orientado para executar a série A ou B, conforme seu quadro geral
(A) exercício leve. (B) exercício moderado.
Todos os exercícios poderão ser adaptados aos pacientes que possuam restrições articulares, permitindo

642
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

que o mesmo realize de forma confortável e não dolorosa, as amplitudes de movimento.


Iniciamos com exercício de respiração diafragmática:
A conscientização diafragmática será executada para ambos os grupos: para exercício leve (A) e para
exercício moderado (B).
Exercícios para membros inferiores (MMII):
Exercício de sentar e levantar.
Exercício para os adutores do quadril.
Exercício para os músculos da panturrilha.
Exercícios de membros superiores (MMSS):
Exercício de flexão e extensão.
Exercício de elevação anterior de ombro em até 90º.
Exercício de flexão de cotovelo (bíceps).
Exercício respiratório
Exercício para o tronco:
Exercício para o abdômen.
Inclinação lateral de tronco
Flexão e extensão de tronco com dissociação de cinturas
Marcha
Relaxamento Muscular progressivo:
MMSS
MMII
Finaliza-se a série com exercício respiratório diafragmático
Busca-se com este programa de reabilitação a recuperação da funcionalidade motora, o resgate do
condicionamento cardiopulmonar, visando a recuperação da qualidade de vida, inclusão e reinserção desses
indivíduos na sociedade e na labuta. 20,21

Desafios e Resultados
Encontramos dificuldades por parte da população em lidar com a tecnologia, a exclusão digital. Esta
mostrou-se ainda ser um problema para uma boa parte dos brasileiros. Nos atendimentos, os idosos são
sempre auxiliados em sua maioria por filhos, netos e até vizinhos.
Aqueles que possuem menor nível socioeconômico e que pertencem a grupos raciais/étnicos minoritários
apresentam maior dificuldade no uso de internet. Durante os grupos, foi identificado que os idosos possuíam
mais limitações para aceitar a vídeo chamada. 14
Evidenciamos ainda limitações com falta de internet, atenção à máquina, para que esta estivesse
funcionante na hora do telemonitoramento, e não perdêssemos o contato na hora da consulta, porque o
celular descarregou. Até mesmo no momento de sobrecarga da rede e intemperes, devemos considerar que
interferiram em algumas videochamadas.
Identificamos ainda por parte do paciente uma certa limitação de compreensão clara das perguntas

643
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

durante a avaliação, e na população de pacientes mais idosos, isto ficou mais evidente. Percebemos também
que alguns acompanhantes também demonstram ter grande dificuldade em aprender os exercícios que estão
sendo ensinados. Observamos ainda falta de paciência por parte do acompanhante com idoso.
Reforçamos que os pacientes sempre são criteriosamente avaliados (supervisionados) à distância pelo
fisioterapeuta com auxílio presencial da pessoa que estiver mais próxima ao paciente, podendo ser um familiar
ou cuidador.
Os testes e questionários mostram-se de fácil aplicabilidade à distância, mesmo porque são feitos sob
a supervisão virtual do fisioterapeuta, assim, a dificuldade de entendimentos não é para todos os idosos e
acompanhantes.
Tem sido identificado em depoimentos e respostas das reavaliações dos pacientes, que as sessões de
reabilitação mesmo de forma remota, permitem o resgate da autoconfiança, mudanças de comportamento
em relação ao corpo, e que estes recuperam qualidade de vida e autonomia funcional. Ao experimentar no
próprio corpo, efeitos de maior condicionamento cardiopulmonar, menor cansaço na execução de tarefas
que não estavam sendo executadas, ou feitas de forma desconfortável, foram identificadas e aprovadas pelos
pacientes, que no início achavam que não teriam os resultados desejados. Estes são enfáticos em repetir que
não acreditavam que poderiam ter as respostas positivas que foram obtidas.
A modalidade de fisioterapia por telemonitoramento não veio para substituir o atendimento presencial,
e sim, para nos mostrar que se apresenta como mais uma ferramenta à disposição para situações como as
relatadas acima. Onde o deslocamento se faça inviável ou o transporte deste paciente esteja comprometendo
a sua aderência a tratamentos presenciais.
Outra vantagem identificada foi ver que para pacientes que moram em outras cidades do Estado do Rio
de Janeiro, e que dependem de viaturas de seus respectivos municípios para vir ao tratamento, poderão se
beneficiar desta modalidade.
Mesmo que virtual e a distância, digo, sem por a mão no paciente, o ganho de mobilidade e funcionalidade
corporal é real. Inserimos ao atendimento, materiais de baixo custo (garrafas cheias de água), em substituição
de halteres, onde o paciente consegue fazer uma adaptação de recursos, que poderiam onerar sua renda familiar,
e desta forma, não ser possível a adesão.

Considerações Finais

Com a necessidade de evitarmos aglomerações, priorizarmos o isolamento social, minimizar número de


pessoas circulando, acreditamos que este foi um dos passos mais assertivos do poder público, em autorizar o
telemonitoramento, mesmo que esteja sendo um desafio a ser vencido, pelos profissionais de saúde e população.
Identificamos um novo instrumento que pode, sim, auxiliar na reabilitação. O uso da internet passou a ser
uma possibilidade viável em oferecer um tratamento, mesmo que à distância, para resgatar funcionalidade,
manter a autonomia pessoal e equilíbrio biopsicossocial. Os depoimentos acrescidos dos resultados de melhora
dos quadros obtidos nas reavaliações comparadas com a avaliação primária, deverão ser corroborados em
evidências científicas. Esclarecemos que não foram poucos os desafios da construção de um programa com

644
avaliação e atendimento para ser aplicado por telemonitoramento.
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Estamos acompanhando os ganhos reais de maior funcionalidade e autonomia através das reavaliações e
depoimentos dos pacientes. Há relatos positivos de resgate da saúde física e emocional. Desta forma, entendemos
que estamos cumprido com o proposto neste novo instrumento, que é a reabilitação por telemonitoria.

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646
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Relato de experiência da Coordenação de Pesquisa


da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ no
biênio 2020-2021: ações e lições aprendidas com a
pandemia da Covid-19

Luciana Silva Rodrigues1,&, Roberta Arnoldi Cobas2,&, Denizar Vianna Araújo3,&, Mariana Soares da Cal4*, Alexandra

Maria Monteiro Grisólia5,&, Mario Fritsch Toros Neves6,&

1
Coordenadora de Pesquisa da Faculdade Ciências Médicas (FCM), Coordenadora do Programa de Iniciação Científica em

Pesquisa Médica (PINC-FCM); 2 Coordenadora Adjunta do PINC-FCM, UERJ; 3Pró-Reitor de Saúde, UERJ; 4Centro

Acadêmico Sir Alexander Fleming (CASAF), FCM/UERJ; 5Vice-diretora da FCM, UERJ; 6Diretor da FCM, UERJ;
&
Docente; *Discente

Descritores em português: pesquisa científica; ciências médicas; iniciação científica; Covid-19.

Descritores em inglês: scientific research; medical sciences; scientific initiation program, Covid-19

Introdução

“No meio da dificuldade, encontra-se a oportunidade”.


(Albert Einstein, 1879-1955)

A pandemia da Covid-19 colocou holofotes sobre a ciência e sua relevância ainda não experimentados por
esta geração. Desde a declaração da pandemia da Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde, em março de
2020, observamos um aumento considerável na busca de conhecimento científico pela comunidade mundial,
com destaque para o acompanhamento de dados epidemiológicos, discussão de desenhos e modelos de estudos
experimentais e clínicos para a pesquisa de novos fármacos ou seu reposicionamento e a interpretação (ou
tentativa de) do desempenho das vacinas contra a Covid-19 em seus variados desfechos. O fato é que nunca se
buscou tanta informação científica e isto trouxe desafios adicionais à prática do médico e demais profissionais
da área de saúde – o que fomenta ou exige uma reavaliação do atual modelo de formação, que se espera mais
integrado, responsável e racional frente às necessidades da sociedade.
Assim, como que inspirados na célebre frase de Einstein citada acima, a Coordenação de Pesquisa
e a Direção da Faculdade de Ciências Médicas, de “mãos dadas” com seus alunos e professores ousaram
implementar ao longo do biênio 2020-2021, em plena pandemia, diversas estratégias para o fortalecimento da
pesquisa científica na graduação em Medicina, em paralelo às variadas atividades extensionistas e de pesquisa
que ocorriam no complexo de saúde da UERJ para o enfrentamento da Covid-19. Assim, este capítulo busca
registrar as ações realizadas até aqui e reflete sobre a relevância do fortalecimento da pesquisa no “tripé
ensino-pesquisa-extensão” de maneira a garantir uma melhor formação do profissional médico.

647
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Relato

A ciência e a formação do médico


As atividades de pesquisa durante os cursos de graduação constituem a melhor forma de introduzir os
estudantes à futura prática científica. Esta prática de “conhecer, entender e fazer ciência” é promovida pelos
programas de Iniciação Científica em associação com os grupos de pesquisa institucionais, os quais cooperam
para aproximar o aluno da graduação aos projetos de pesquisa científica e tecnológica nas mais variadas áreas
temáticas, em especial nas ciências médicas. Espera-se que parte desses alunos possa produzir conhecimento e
tecnologia por meio de pesquisas próprias após o término do curso. A formação de pesquisadores é o objetivo
mais claro dos projetos de Iniciação Científica. Entretanto, outros objetivos como melhora na interpretação e
análise crítica das bases fundamentais do curso médico, também são desejados.
Como complemento à formação profissional, os projetos de pesquisa auxiliam no desenvolvimento
pessoal, por submeter o aluno a um planejamento e organização diferenciados. Isso significa que, ao avaliar
a viabilidade da pesquisa, prever erros e sistematizar sua execução, o estudante aprimora sua capacidade de
exercer com competência atividades referentes à sua profissão. Por essa característica, o Manual do Usuário do
Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC) definiu a Iniciação Científica como "um instrumento
de formação de recursos humanos qualificados" 1. Além disso, a Iniciação Científica coloca o aluno em contato
com diferentes áreas do conhecimento e o leva a se relacionar com profissionais variados, ampliando uma
característica essencial do atual mercado de trabalho: a multidisciplinaridade. Dentre esses profissionais, os
professores são os mais importantes.
O relacionamento com o professor é uma das experiências mais valiosas de um projeto de Iniciação
Científica. O orientador deixa de lecionar para uma classe e reserva atenção especial ao seu aluno (Modelo
Centrado no Estudante), possibilitando uma troca de experiências e conhecimento que constitui um
aprendizado único no currículo do graduando. Os valores de um professor são facilmente transmitidos ao seu
orientando, por constituir uma figura de grande influência e respeito para ele. Na medicina, esse fato ganha
ainda mais importância. Quando o orientador é um médico, o aluno absorve as qualidades morais que deve
cultivar na prática clínica de uma forma tão intensa que nunca seria possível em aulas convencionais. Muitos
dos trabalhos de pesquisa envolvem o contato do aluno com o paciente e têm ainda papel de destaque no
conhecimento de quem é e como se portar diante das mais variadas situações.
As atividades de Iniciação Científica também estimulam os alunos a serem pesquisadores de uma área cujos
conhecimentos são de grande utilidade pública, e, ensinando como são gerados novos conhecimentos, dão ao
estudante senso crítico para avaliar a qualidade das publicações e inferir a validade de novas descobertas. E as
vantagens não se restringem aos alunos. Os professores que ingressam em programas de Iniciação Científica
têm a possibilidade de aumentar sua produtividade, ou seja, seu número de publicações 2 e, ainda, vivenciar
importantes momentos de troca de saberes.
A partir das observações levantadas, destacamos abaixo algumas das principais contribuições da Iniciação
Científica na formação do médico:
- Complemento à formação profissional;

648
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

- Desenvolvimento pessoal;
- Interação professor-aluno;
- Desenvolvimento do pensamento científico, crítico e propositivo;
- Contato com diferentes áreas de conhecimento;
- Produção de novos conhecimentos na área de saúde.
Sendo assim, consideramos que a Iniciação Científica trabalha no aperfeiçoamento profissional do
graduando, constituindo parte fundamental de um curso superior. Na Medicina, isso significa a formação de
um médico melhor, mais completo técnico e moralmente, e o incentivo à produção de novos conhecimentos
na área da saúde.

O caminho percorrido pela FCM/UERJ no biênio 2020-2021 para o


fortalecimento da pesquisa no curso médico
A preocupação com o pilar “pesquisa” sempre esteve presente no currículo do curso médico. No entanto,
a teoria precisa se alicerçar na prática para que seja melhor compreendida e exercida com maior propriedade
pelo profissional. Neste sentido, foram desenvolvidas em 2017/2018 algumas ações junto aos alunos do curso
médico, tais como um inquérito de interesse na Iniciação Científica, levantamento dos Grupos de Pesquisa
da FCM e a organização de oficinas com temas relacionados à metodologia científica lideradas pelo Prof.
Denizar Vianna Araújo, então Coordenador de Pesquisa da FCM. Em paralelo, Direção e Coordenação de
Pesquisa já planejavam a criação de um Programa de Iniciação de Científica que atendesse às especificidades
da FCM e, que cooperasse com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica
(PIBIC e PIBIT) /UERJ de maneira a promover uma maior inserção dos alunos do curso médico aos projetos
de pesquisa desenvolvidos pelos docentes pesquisadores. No entanto, a implementação e concretização destas
iniciativas foi bastante prejudicada por momentos de grande tensão institucional durante a importante crise
financeira vivida no Estado do Rio de Janeiro e que impactou a comunidade UERJ neste período. Em 2019
e início de 2020 os projetos foram retomados e as ações direcionadas à pesquisa novamente revistas pela
Direção da FCM, sendo convidada a Profa Luciana Rodrigues, disciplina de Patologia Geral, para auxiliar o
Prof. Denizar Vianna.
A declaração da pandemia da Covid-19 pela OMS e, concomitante paralisação das atividades acadêmicas
presenciais pela AEDA do Magnífico Reitor da UERJ, ambas em março de 2020, trouxeram muitas
incertezas, angústia e desânimo em toda a comunidade UERJ. Todo planejamento de ações voltadas para a
Iniciação Científica teria de ser “freado” novamente até que pudéssemos prever retorno à normalidade. Em
paralelo, o espírito de bravura e persistência associado ao legítimo desejo de servir à comunidade interna e
externa – características marcantes da UERJ – mais uma vez se erguia e vimos alunos de diferentes cursos
do centro biomédico (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Odontologia, Ciências Biológicas) se colocando na
linha de frente juntamente com docentes e profissionais assistenciais do complexo de saúde HUPE-PPC-
FCM no enfrentamento da Covid-19. Um grandioso e complexo movimento de treinamento de equipes
multiprofissionais, mobilização de grupos de pesquisa e seus laboratórios, organização de logística para
redistribuição/adequação de ambientes e tarefas ocorriam em tempo e espaço completamente impensados

649
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

para o que chamávamos de “normal”. A necessidade fazia a oportunidade. E a oportunidade de ser útil salva
vidas. Para nosso imenso orgulho, a UERJ teve e tem representado papel de destaque como referência no
enfrentamento da Covid-19, ocupando merecido lugar de destaque entre instituições de ensino e pesquisa
nacionais e internacionais.
Seguindo este movimento, o Departamento Científico do Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming
(CASAF), representado à época pelas alunas Mariana da Cal e Tábata Almeida, procurou a Coordenação
de Pesquisa da FCM para buscar estratégias integradas para aproximar os alunos do curso de medicina aos
projetos de Iniciação Científica oferecidos pelos docentes pesquisadores. Foram realizadas algumas reuniões
virtuais iniciais para que pudéssemos conhecer as demandas dos alunos e foram discutidas possibilidades
frente ao momento que vivenciávamos de paralisação das atividades acadêmicas para reduzir a disseminação
da Covid-19. A Coordenação de Pesquisa e a Direção enxergaram uma oportunidade de manter o vínculo dos
alunos com a faculdade e ao mesmo tempo estimular a todos num momento crítico da pandemia e isolamento
social. A partir daí, estreitou-se um importante laço da gestão do Centro Acadêmico com a gestão da Pesquisa
na FCM numa parceria que se consolidou a cada dia e propiciou todas as ações que estavam por vir. Segue
uma breve descrição de atividades e ações realizadas no período:

a. Roda de Conversa “Iniciação Científica no Curso de Medicina”


A ideia de iniciar ações para aumentar o contato dos alunos com a Iniciação Científica se deu a partir de
questionamentos dos estudantes acerca da lacuna de informações sobre o tema e da ausência de um fluxo a
ser seguido diante do interesse em ingressar nas áreas de pesquisa. A partir disso, compreendemos que eram
indispensáveis o diálogo e a construção conjunta do CASAF com a FCM.
Inicialmente, foi realizada uma roda de conversa com o tema “Iniciação Científica no curso de Medicina”
com o objetivo de sanar dúvidas pertinentes ao assunto. Foram apresentados os relatos do professor Denizar
Vianna, sobre a visão do médico, e da professora Luciana Rodrigues, a respeito dos aspectos gerais da pesquisa
e Iniciação Científica. Além disso, contamos com a participação de Guilherme Brito, discente da turma
2020, e do Dr. Fábio Santiago, cirurgião plástico, formado pela FCM, Mestre e Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciências Médicas (PGCM/FCM-UERJ), ambos com experiências de sucesso em seus
projetos de pesquisa. Para divulgar o encontro foram utilizadas artes visuais feitas pelo Departamento de
Comunicação do CASAF e a promoção se deu através dos grupos de turma em redes sociais do Centro
Acadêmico e do convite aos professores dos departamentos (Figura 1). O encontro ocorreu em 6 de agosto de
2020, em modelo virtual utilizando a plataforma Microsoft Teams e contou com a participação significativa
de alunos do curso de Medicina da FCM, os quais puderam interagir com os expositores. Aquele momento
demonstrava e ratificava a necessidade de ações mais integradas e direcionadas a este respeito.

650
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Figura 1: Roda de Conversa: “Iniciação Científica no Curso de Medicina” promovida pela parceria entre o CASAF e a

Coordenação de Pesquisa da FCM em 06/08/2020 utilizando a plataforma Microsoft Teams. A) material digital para

divulgação. B e C) gráficos com parte dos resultados sobre o levantamento de interesse pela Iniciação Científica entre os

alunos de Medicina.

Após a roda de conversa, o CASAF produziu, sob orientação da Coordenação de Pesquisa da FCM, um
formulário eletrônico (Google Forms) para realizar o levantamento de interesse na Iniciação Científica entre
os alunos de Medicina do 1º ao 6º ano. Naquele momento, agosto de 2020, foram obtidas 133 respostas.
Destes, 65% dos participantes disseram não ter experiência em Iniciação Científica, 84% responderam que
participariam de um projeto mesmo sem bolsa e a preferência entre as disciplinas que desempenhavam
projetos de pesquisa foi bem distribuída. Observamos predomínio de alunos do primeiro ao quarto ano entre
os partícipes (Figura 1). Mais tarde, a FCM iniciou a mobilização na contrapartida dos professores para o
levantamento dos grupos de pesquisa interessados em receber alunos de Medicina para projetos de iniciação
científica, conforme será descrito a seguir.

b. Jornada Acadêmica Digital em homenagem aos 85 anos da FCM


Com o início do ensino remoto, utilizando uma plataforma virtual de aprendizagem já organizada,
foi possível vislumbrar mais um degrau de integração entre a comunidade Medicina-UERJ: a proposta de
realização da primeira Jornada Acadêmica da FCM e de maneira completamente digital com o principal
objetivo de divulgar os projetos realizados por nossos alunos e professores. Seria esta, ainda, a oportunidade
de comemorar os 85 anos da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.
Em tempo recorde, reunimos docentes e alunos em um Comissão Organizadora denominada “Comissão
Cocriação JAFCM 85 anos” e com a união de todos conseguimos realizar um evento de elevada qualidade
e bastante representativa entre os dias 15 a 18 de dezembro de 2021. A JAFCM 85 anos foi estruturada,
prioritariamente, nos trabalhos apresentados por alunos regularmente matriculados na graduação em Medicina
e pós-graduação da FCM, além de recém-egressos (2019-2020). Em paralelo, foram realizadas um total de
oito oficinas, duas arenas de debate “Ponto e Contraponto”, uma gincana on-line chamada “Desafio Alumni”
promovida pela Associação de ex-alunos da FCM e encerramos com a premiação dos trabalhos de maior

651
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

destaque em cada categoria de Painéis de Temas Livres: Graduação, Extensão, Pós-Graduação Stricto Sensu
e Lato Sensu, conforme pode ser observado em algumas artes de divulgação na Figura 2.
Todas as atividades, exceto as oficinas, foram transmitidas ao vivo pelo canal do YouTube da FCM e os
resumos apresentados foram publicados nos Anais da JAFCM 85 anos3.

Figura 2: Artes de divulgação da Jornada Acadêmica Digital em comemoração aos 85 anos da Faculdade de Ciências

Médicas da UERJ, representativas das diferentes atividades realizadas.

c. Programa de Iniciação Científica em Pesquisa Médica - PINC-FCM


Tendo reconhecida a aceitação e vontade legítima dos alunos de Medicina em atuarem em projetos
de iniciação científica, numa próxima etapa fomos ouvir nosso corpo docente e levar a proposta de criação
do programa de Iniciação Científica voltado para a FCM. Propomos reunião virtual entre os docentes e
apresentamos a importância do tema para a todos. O momento foi de grande relevância para uma construção
reflexiva, madura e conjunta. Tivemos a participação de uma parcela significativa dos professores da FCM
e estes puderam expor questionamentos e perspectivas, assim como sugestões na implementação de um
programa organizado e estruturado com características que atendessem ao curso médico.
Em março de 2021, já tendo realizado algumas reuniões virtuais com os professores e alunos, criamos o
Programa de Iniciação Científica em Pesquisa Médica da FCM (PINC-FCM), tendo como principais objetivos:
i) incentivar a participação de estudantes de graduação em projetos de pesquisa; ii) estimular os estudantes
do curso de graduação em Medicina, e de áreas afins, nas atividades, metodologias, conhecimentos e práticas
próprias aos projetos científicos; iii) desenvolver o pensamento científico, crítico e propositivo em atividades
relacionadas à pesquisa, sob orientação de um docente-pesquisador; iv) contribuir para a formação e inserção
de estudantes em atividades de pesquisa médica; e, finalmente, v) viabilizar o acesso dos nossos alunos aos
projetos técnico-científicos desenvolvidos pelos Grupos de Pesquisa da FCM-UERJ, de maneira mais
organizada e democrática.

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

O estrutura criada para o PINC-FCM, subordinada à Coordenação de Pesquisa e Direção da Faculdade


de Ciências Médicas, é composta por: i) Coordenação Geral (Profa Luciana Rodrigues, Disciplina de
Patologia Geral); ii) Coordenação Adjunta (Profa Roberta Arnoldi Cobas, Disciplina de Diabetes), iii)
Comissão Científica formada pelos professores Carlos Barcaui (Dermatologia), Rômulo Souza (Metodologia
Científica), Thiago Thomaz Mafort (Pneumologia), Roberto Mogami (Radiologia; período março-julho
de 2021) e a pela aluna Mariana Soares da Cal (representante discente); iv) apoio administrativo, Rafaela
Rodrigues (servidora lotada na Patologia Geral). Todas as informações pertinentes ao Programa PINC-FCM
encontram-se disponíveis no AVA (https://ead.fcm.uerj.br/course/view.php?id=114 )
Seguem abaixo, brevemente descritas, algumas etapas e avanços:

• Cadastro do Grupos de Pesquisa FCM-UERJ: A Coordenação de Pesquisa em conjunto com a


Direção da FCM elaborou um formulário que contemplasse informações descritivas dos Grupos
de Pesquisa da Unidade, tais como: nome dos grupos de pesquisa, coordenadores, colaboradores
internos e externos, principais linhas de pesquisa, se eram cadastrados ou não no Diretório de Grupos
de Pesquisa do CNPq, assim como levantamento do quantitativo de vagas de Iniciação Científica
disponíveis. Estes grupos deveriam ser compostos por até dois professores coordenadores (pelo menos
um docente FCM) apresentando os seguintes requisitos: i) Docente Adjunto, Associado ou Titular;
ii) carga horária de 40h semanais ou Dedicação Exclusiva; iii) carga de pesquisa de no mínimo 10
horas no Banco de Produção Científica (BPC-UERJ), além de reconhecida atuação em projetos de
pesquisa e produção científica. O formulário foi enviado por e-mail a todos os docentes FCM e estes
retornaram com o preenchimento dentro de período previamente estipulado. Neste período, foram
cadastrados, ao todo, 55 Grupos de Pesquisa que atuam em diferentes áreas da saúde e biomédicas,
contemplando Departamentos e Disciplinas do ciclo básico e clínico do curso médico, tendo, ainda,
a participação de docentes do Instituto de Biologia Roberto de Alcântara Gomes (IBRAG/UERJ).
Todas as informações foram reunidas e disponibilizadas no site da FCM para consulta pública (http://
www.fcm.uerj.br/index.php/pesquisa/grupos-de-pesquisa/).

• Busca de parcerias internas e externas ao PINC-FCM: Toda a ideia de criação do Programa de


Iniciação Científica em Pesquisa Médica da FCM-UERJ foi compartilhada e discutida com os
Diretores do Departamento de Apoio à Produção Científica e Tecnológica (DEPESQ), Departamento
de Capacitação e Apoio à Formação de Recursos Humanos (DCARH) e Coordenadora do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC/PIBIT) da UERJ – os quais
foram receptivos, contribuíram com sugestões e apoiaram a ideia, tendo participação no evento de
abertura do Programa PINC-FCM em agosto de 2021, realizado em formato virtual. Além disso,
buscamos parcerias externas à UERJ e conseguimos apoio do Instituto Unimed-Rio para o provimento
de 20 bolsas de Iniciação Científica aos alunos do curso de Medicina UERJ cadastrados no PINC-
FCM. Para isto foi elaborado um projeto apontando os objetivos gerais do programa, assim como
suas características e estrutura, com a participação do Professor Liszt Palmeira (FCM). Após reuniões
de apresentação da proposta e período de seleção pela Diretoria do referido Instituto, recebemos a

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aprovação deste apoio financeiro, o qual encontra-se vigente desde 1º agosto de 2021. Finalmente,
— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

cabe destacar a participação de professores e pesquisadores da FCM e de outras instituições de ensino


e pesquisa (inclusive do exterior) como convidados no Ciclo de Iniciação em Pesquisa, colaborando
com Oficinas e Palestras em temas de relevância para o desenvolvimento científico, conforme será
descrito a seguir.

• 1º Processo seletivo PINC-FCM (01/2021): Tendo em mãos os cadastros dos alunos interessados
e as vagas ofertadas, organizamos o primeiro processo seletivo do PINC-FCM. Assim, no período
de 28/03 a 10/07 de 2021 foram, então, encaminhados aos Grupos de Pesquisa um total de 126
candidatos cursando do 3º ao 10º período de Medicina. O processo seletivo foi realizado sob a
responsabilidade dos respectivos Grupos de Pesquisa, os quais adotaram as seguintes estratégias:
avaliação de documentos de inscrição (formulário de inscrição de CV Lattes) e entrevistas por meio
remoto e/ou presencial. Os principais critérios de seleção adotados foram: i) motivação para a iniciação
científica; ii) disponibilidade de tempo para dedicação ao projeto; iii) cursar período/ano compatível
à realização das atividades pertinentes ao projeto; iv) desempenho acadêmico. O resultado final foi
divulgado em 20/07/2021 e contemplou um total de 87 alunos, os quais foram encaminhados aos
respectivos Grupos de Pesquisa. Os demais inscritos foram cadastrados em lista de reserva.
• 2º Processo seletivo PINC-FCM (02/2021): Em setembro de 2021 foi iniciado um novo processo
seletivo, agora para provimento de bolsas de Iniciação Científica obtidas através de um plano de
cooperação estabelecido com o Instituto Unimed-Rio. Este processo seletivo ocorreu sob a
responsabilidade da Coordenação do PINC-FCM, e teve a participação de uma banca composta por
professores da FCM e um membro discente não participantes como candidatos. Desta vez, foram
considerados critérios relacionados aos projetos submetidos: exequibilidade, originalidade e inovação,
aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa e relevância na área temática. Também foi considerada
a produção científica dos orientadores obtida por meio de acesso ao CV Lattes. Ao todo foram
preenchidas 20 vagas por meio deste convênio entre os alunos da Medicina-FCM.
• Ciclo de Iniciação à Pesquisa – PINC-FCM: Com o objetivo de instituir o caráter formativo ao
PINC-FCM criamos o “Ciclo de Iniciação à Pesquisa”, uma atividade voltada aos alunos de Iniciação
Científica cadastrados, e que contou com uma programação de oficinas e palestras trazendo ferramentas
e debates relevantes relacionados ao desenvolvimento da pesquisa científica (Quadro 1). As atividades
ocorreram quinzenalmente às sextas-feiras no horário de 12:00 – 13:15h pelo Microsoft Teams em
canal específico do PINC-FCM. Todas as atividades foram gravadas e depositadas no Ambiente
Virtual de Aprendizagem da FCM, onde podem ser acessadas livremente por todos. Foi montada
uma equipe de monitores composta pelos alunos: Beatriz Garcia Lucio da Silva, Gabriela Seigneur
Barroso, João Pedro de Oliveira Fernandes, Marina Biar, Rodrigo Alves e Yara Bacha Castro para
dar suporte ao Ciclo de Iniciação à Pesquisa. Estes discentes contribuíram significativamente para a
comunicação entre os alunos do PINC-FCM, criação de artes para divulgação dos temas, auxílio ao
vivo com o chat e perguntas durante a transmissão das oficinas e palestras. O Quadro 1 mostra os
temas abordados no segundo semestre de 2021 e os respectivos professores e convidados externos que
ministraram as oficinas ou palestras.

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

Quadro 1: Temas e professores convidados para o Ciclo de Iniciação à Pesquisa PINC-FCM no segundo

semestre/2021.
ATIVIDADE TEMA CONVIDADO(A)
Passos para escrever o projeto de pesquisa Profa Luciana Rodrigues, FCM/UERJ
(13/08/2021)

Conhecendo a Plataforma Brasil Marcus Vinícius Alcoforado, CEP/HUPE


OFICINAS (10/09/2021)
Construção de bases de dados usando Prof. Rômulo Souza, FCM/UERJ
Excel (08/10/2021)
Organização de referências bibliográficas Prof. Alexandre Bello, FCM/UERJ
usando o Mendeley (12/11/2021)
Como montar sua apresentação oral Prof. Márcio Babinski, HUPE/UERJ, UFF
(10/12/2021)
Fatos, percepção e verdade na decisão Prof. Otavio Clark, Kantar Health
clínica baseada em evidências Institute, E.U.A.
(27/08/2021)
PALESTRAS Ética na Pesquisa Científica (24/09/2021) Prof. Wille Oigman
“Com que roupa eu vou?” Qual o modelo Prof. Marcelo Ribeiro Alves, Instituto
estatístico mais adequado para as suas Nacional de Infectologia, FIOCRUZ
análises estatísticas? (29/10/2021)
Revisão Sistemática: etapas na condução Prof. Rodolfo Castro, Escola Nacional de
e contribuições (26/11/2021) Saúde Pública, FIOCRUZ; Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO).

Considerações Finais

As dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19 nos desafiaram a crescer, vencer o medo, improvisar
e arriscar. Em meio a limitações nunca antes vividas, conseguimos evoluir do ponto de vista institucional e
também pessoal. A mobilização para o fortalecimento da pesquisa na FCM e, em particular, a criação do PINC-
FCM permitiu aproximar professores e alunos e, ainda, divulgar atividades e projetos em desenvolvimento até,
então, desconhecidos por seus pares.
Diante de um momento onde vivíamos o isolamento social e o ensino remoto emergencial para evitar
a dispersão da infecção pelo SARS-CoV-2, ações ousadas e ao mesmo tempo cautelosas foram sendo
executadas para a construção de um curso médico cada vez melhor, tendo o desenvolvimento do nosso aluno
como uma das principais metas para avançar. Atividades presenciais e pontuais com pequenos grupos foram
sendo retomadas pelos Grupos de Pesquisa ao longo do segundo semestre do ano de 2021. Outras atividades
foram construídas por meio virtual, grupos de redes sociais foram implementados para facilitar a comunicação
e manutenção do vínculo. Ao longo deste biênio, vimos nossos alunos atuando em pesquisas de altíssima
qualidade, produzindo ciência de relevância e impacto para a saúde pública e levando seu conhecimento e

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— PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO

força de trabalho à comunidade externa. Muitos destes se destacaram em eventos científicos, o que para nós
é motivo de grande orgulho.
Para todos nós, fica a importante lição de que apenas juntos construiremos o futuro que tanto almejamos.
E, principalmente, que a vontade em realizar é um dínamo poderoso e essencial em nossas vidas.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos a todos que colaboraram direta ou indiretamente para a realização de cada
uma das etapas e atividades descritas neste capítulo. Em especial: à Comunidade Medicina-UERJ formada
por nossos alunos, professores, técnico-administrativos e demais colaboradores que sempre atenderam
prontamente todas as demandas do PINC-FCM; a todas as mensagens de apoio e sugestões recebidas pelo
e-mail institucional do programa; a todos que torceram e nos motivaram a seguir em frente; às Coordenações
de Graduação, Extensão, Pesquisa, Pós-Graduação e Residência Médica – grandes parceiros nesta caminhada
e, finalmente, ao apoio incessante e atento da Direção da FCM.

Bibliografia

4. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Manual do Usuário (Baseado na


Resolução Normativa 019/2001). Disponível em: https://www.prp.unicamp.br/pibic/congressos/
xicongresso/cdrom/html/MANUAL%20USUARIO%20PIBIC%20CNPq.pdf
5. Cyrillo RJT, Setúbal S, Silva Júnior CT, Velarde LGC, Mattos ACMT, Touça AS, et al. Influência de um
programa de iniciação científica na produção científica de professores em curso de Medicina no Brasil.
Rev Port Pneumol. 2008;14(5):635-45.
6. Anais da Jornada Acadêmica Digital da Faculdade de Ciências Médicas, JAFCM 85 anos. 2021. Editora
FCM UERJ.

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