SER+ 16
A Tia Miséria
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Era uma velhinha muito
encarquilhada1, andrajosa2 e na
mais angustiosa indigência3.
Parecia que tinha nascido com o
5mundo. Vivia numa cabana de pedra
seca e coberta de colmo e
ramalhiça, e por únicos haveres,
tinha diante da porta uma pereira
sempre assaltada pelos rapazes do lugarejo. De uma vez parou-lhe à
10porta um peregrino, que lhe pediu pousada; a Tia Miséria deu-lhe a manta
com que se cobria, e a única migalha de pão duro que tinha para passar o
dia. Quando luziu a aurora, o peregrino despediu-se da Tia Miséria e
disse-lhe que pedisse quanto quisesse que tudo lhe seria concedido. Ela
pediu bem pouco.
15– Uma cousa peço e mais nada.
– Pedi à vontade, tiazinha.
– Peço que quem subir à minha pereira não possa descer sem minha
ordem.
– Será cumprido o teu desejo.
20Como os garotos não sabiam do caso, cedo experimentaram o efeito do
dom maravilhoso; e choravam, pedindo à Tia Miséria que os deixasse
descer da pereira. E a dura lição serviu-lhes, porque as peras ficaram na
pereira, sem serem furtadas4.
Estava-se nisto, quando à porta da Tia Miséria para outro viajante, mas
25com ar sinistro5, e agitado.
Pergunta-lhe a Tia Miséria:
– O que quereis?
– Sou a Morte, e venho buscar-vos.
– Assim tão de repente? Concedei-me mais um anito.
30– Não pode ser...
Linguagem e Comunicação Formadora: Sónia Tavares
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10 A Tia Miséria
– Pelo menos deixai-me comer aquela última pera, que está ali
esquecida...
– Isso concedo.
– Fazei-me a esmolinha de subir à pereira para eu a colher.
35A Morte subiu, mas a velha, pelo dom que recebera, disse logo:
– Fica-te aí, enquanto te não mandar descer.
E é certo que durante algum tempo não se davam óbitos6; e padres,
médicos e boticários7 andavam descontentes das suas profissões. A
Morte teve de entrar em combinação com a Tia Miséria: que a deixasse
40descer, que lhe poupava a vida.
E assim aconteceu; porque a Miséria, enquanto o mundo for mundo, há de
existir sempre.
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, vol. I, 4.ª ed., Publ. Dom
Quixote, 1998
Vocabulário:
1
encarquilhada– curvada.
2
andrajosa – esfarrapada.
3
indigência – pobreza extrema.
4
furtadas – roubadas.3
5
sinistro – que tem mau aspeto.
6
óbitos – mortes.
7
boticários – farmacêuticos.
Linguagem e Comunicação Formadora: Sónia Tavares
Responda aos itens que se seguem, de acordo com as orientações que te
45são dadas.
1. Releia os três primeiros períodos do primeiro parágrafo.
1.1. Assinale com um X a(s) opção(ões) que completa(m) corretamente a
50frase:
As informações aí fornecidas dizem respeito à
a. localização da ação no tempo (quando ocorreu a história).
b. caracterização do espaço (onde se passou a história).
c. caracterização da personagem.
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1.2. Caracterize a Tia Miséria com dados do texto.
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1.3. Explique o sentido da frase “Parecia que tinha nascido com o mundo.”
(linha 4).
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2. Certo dia, um peregrino apareceu em casa da Tia Miséria.
2.1. Qual foi a atitude da velhinha? Justifique a sua resposta.
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2.2. Qual foi o pedido da velha senhora?
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3. Mais tarde, apareceu outro viajante – a Morte – à porta da Tia Miséria,
para levá-la consigo.
Conte, por palavras suas, como é que a Tia Miséria conseguiu escapar à
Morte.
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4. Por que razão, durante algum tempo, “padres, médicos e boticários
andavam descontentes das suas profissões” (linhas 37-38)?
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5. “(…) a Miséria, enquanto o mundo for mundo, há de existir sempre.”
(linhas 41-42). Explique o sentido da frase, dando a sua opinião.
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