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Maldita Guerra PDF

Este documento resume um artigo da Revista Crítica Histórica que analisa o livro "Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai", escrito por Francisco Doratioto. O artigo argumenta que, embora Doratioto tenha contribuído para a historiografia sobre a Guerra do Paraguai, sua perspectiva é neo-nacionalista e desconsidera as intervenções imperialistas do Brasil que levaram ao conflito. O artigo também critica a visão de Doratioto de que o Paraguai foi totalmente o agressor na guerra.

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Este documento resume um artigo da Revista Crítica Histórica que analisa o livro "Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai", escrito por Francisco Doratioto. O artigo argumenta que, embora Doratioto tenha contribuído para a historiografia sobre a Guerra do Paraguai, sua perspectiva é neo-nacionalista e desconsidera as intervenções imperialistas do Brasil que levaram ao conflito. O artigo também critica a visão de Doratioto de que o Paraguai foi totalmente o agressor na guerra.

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Revista Crtica Histrica

Ano III, n 6, dezembro/2012 ISSN 2177-9961

Historiografia da Guerra do Paraguai


DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova Histria da Guerra do Paraguai. So Paulo: Companhia das Letras, 2002.

Andr Mendes Salles1 Como j mencionamos em oportunidade anterior2, a Guerra do Paraguai uma temtica que tem gerado celeumas na historiografia brasileira (e no somente nesta). O professor Francisco Doratioto, que atua no Departamento de Histria da Universidade de Braslia, conhecido nacional e internacionalmente por pesquisar sobre a Guerra do Paraguai e as relaes internacionais entre o Brasil e os pases da Amrica Meridional. Maldita Guerra: Nova Histria da Guerra do Paraguai , livro publicado pela Companhia das Letras, fruto de anos de pesquisa do autor e considerado um referencial para o pesquisador que deseje se aventurar nas tumultuosas guas das Histrias referentes Guerra do Paraguai. Alguns pesquisadores, contudo, chegam a utilizar irrefletidamente o texto do professor Doratioto como um porto seguro, quase que como um ponto final nas altercaes produzidas sobre a historiografia do conflito. Destacamos aqui a contribuio que o professor Doratioto prestou a historiografia da Guerra do Paraguai, mas no podemos, sob o risco de incorrermos na mais pura ingenuidade, consider-la como a interpretao mestra que desvendou/iluminou a verdade (Como se algo desta natureza fosse possvel) sobre a Guerra do Paraguai. O prprio professor Doratioto, em momento anterior 3, chegou a afirmar, inadvertidamente, que a dcada de 1990 trouxe uma nova luz sobre a Guerra do Paraguai, como se fosse possvel que a verdade tivesse finalmente chegado para iluminar os fatos obscuros relacionados a esta temtica. Doratioto considerado por alguns como o historiador responsvel por desmantelar a arraigada verso marxista4 sobre a Guerra do Paraguai, por desmenti-la, como se a

Mestre em Histria pela Universidade Federal da Paraba (UFPB) e professor do Departamento de Educao da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). E-mail: [email protected] 2 SALLES, Andr Mendes. A Guerra Grande no ensino de Histria. In: SOARES Jr., Azemar dos Santos (org.). Retalhos de Histria: Culturas polticas e educao no Nordeste do Brasil. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2011, p. 131-146.
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DORATIOTO, Francisco. Nova luz sobre a guerra do Paraguai. Revista Nossa Histria, Rio de Janeiro, n.13 Nov. de 2004, p.18-23.

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historiografia Revisionista de Pomer e Chiavenato5 fosse um engodo, como se no passasse de uma historiografia apaixonada, tendenciosa e mesmo falaciosa. O prprio Doratioto no poupou esforos para assim apresentar a historiografia revisionista. Doratioto, no intuito de desqualificar a historiografia revisionista, argumenta que esta segue uma perspectiva ideolgica e militante. Desta forma, fazemos alguns questionamentos: ser que somente a historiografia marxista possui essas caractersticas? Ser que somente essa corrente historiogrfica que engajada, apaixonada e tendenciosa? H perspectiva historiogrfica que no seja ela mesma ideolgica? A historiografia nacionalista de direita no militante e ideolgica? No seria a historiografia positivista, quela anterior a revisionista, engajada, preocupada em criar mitos e grandes personagens, em criar heris e viles? No seria a historiografia dita neo-revisionista, uma volta perspectiva nacionalista (um neonacionalismo?) e, portanto, tambm ela mesma engajada? Acreditamos que Francisco Doratioto restaura/revigora, em certo sentido, a historiografia nacionalista anterior ao revisionismo histrico de Pmer e Chiavenatto. Desta forma, o epteto de neo-nacionalista ou mesmo restauracionista, como denominou Maestri6, talvez se enquadre melhor para caracteriz-lo do que neo-revisionista. Em sua Maldita Guerra, Doratioto, j no primeiro pargrafo da introduo, diz:

Entre 1740 e 1974, o planeta teve 13 bilhes de habitantes e assistiu a 366 guerras de grande dimenso, ao custo de 85 milhes de mortos. O resultado dessas guerras parece ter sido um premio agresso, pois em dois teros delas o agressor saiu-se vencedor e, quanto a durao, 67% terminaram em prazo inferior a quatro anos. A Guerra do Paraguai faz parte, portanto, da minoria, pois o agressor, o lado paraguaio, foi derrotado, e a luta se estendeu por cinco anos (p. 17) (Grifo nosso).

Desta forma, Doratioto j deixa bem clara, desde o primeiro pargrafo de sua obra, a sua concepo acerca do conflito. O agressor, quer dizer, o causador da guerra, foi o governo do Paraguai, que invadiu o Brasil, tendo este, inevitavelmente, que retaliar. Portanto, assim entendido o conflito, o governo brasileiro, aquele atingido pela agresso da Repblica
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Marthe, Marcelo. A Guerra das verses: Um historiador diz que a Guerra do Paraguai no foi bem do jeito que se tem ensinado na escola. Disponvel em: http://veja.abril.com.br/030402/p_122.html. Acessado em 01 de fev. de 2012.
5

POMER, Len. A Guerra do Paraguai: a grande tragdia rio-platense. Traduo Yara Peres. So Paulo: Global, 1980; CHIAVENATTO, Jlio Jos. Genocdio Americano: a Guerra do Paraguai. 18 ed. So Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
6

MAESTRI, Mrio. A guerra contra o Paraguai: Histria e historiografia: da instaurao restaurao historiogrfica [1871-2002]. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [en lnea], colquios, 2009, puesto en lnea el 27 mars 2009. Disponvel em: http://nuevomundo.org/index55579.html. Acessado em 20 jul. 2009.

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paraguaia, apenas defendeu-se do tirano megalmano que presidia aquele pas. Assim, o autor continua advogando em defesa brasileira:

A gerao daqueles que lutaram na guerra, quer nos pases aliados, quer no Paraguai, no registrava de forma positiva o papel histrico de Solano Lpez. Havia certeza da sua responsabilidade, quer no desencadear da guerra , ao invadir o Mato Grosso, quer na destruio de seu pas, pelos erros na conduo das operaes militares e na deciso de sacrificar os paraguaios, mesmo quando caracterizada a derrota, em lugar de pr fim ao conflito (p. 19) (Grifos nossos).

Alm de o autor assegurar a unanimidade em relao a percepo do papel histrico exercido por Solano Lpez entre aqueles que participaram da guerra, algo que, com toda certeza se constitui como improvvel e de difcil comprovao histrica, isenta o Imprio brasileiro de toda a responsabilidade de guerra. Sob uma perspectiva nacionalista, Doratioto aponta Lpez como o responsvel, no apenas pelo conflito, mas tambm, e talvez sobretudo, pela prpria destruio do Estado paraguaio e pela dizimao de sua populao. Na viso deste autor, os mortos em combate se constituram em uma minoria se comparados queles que pereceram devido fome, doenas ou exausto decorrente da marcha forada de civis para o interior, ordenada por Solano Lpez (p. 456). Para Doratioto, a apresentao deste governante como ambicioso, tirnico e quase desequilibrado pela historiografia tradicional no estava longe da realidade e pode at explicar certos momentos da guerra, mas no sua origem e dinmica. (p. 19). preciso ressaltar que Doratioto, apesar de pr em relevo os conflitos regionais relacionados ao processo de construo dos Estados platinos como principal motor da Guerra do Paraguai, retoma muitas das explicaes e argumentaes da historiografia tradicional, mormente quelas relacionadas figura de Solano Lpez. Outro fator a ser destacado que Doratioto, assim como fizeram os militares da historiografia tradicional, estabelece o evento do aprisionamento do navio Marqus de Olinda e a invaso Mato Grosso por foras paraguaias como o marco inicial do conflito. Ao assim proceder, Doratioto, automtica e contraditoriamente, desconsidera todos os conflitos anteriores relacionados Regio Platina como possveis geradores/provocadores da Guerra do Paraguai (como, por exemplo, as intervenes do Estado imperial brasileiro na Argentina e Uruguai). Torna-se importante destacar, contudo, que Doratioto trata em sua obra das intervenes brasileiras no Uruguai e na Argentina. Contudo, ao estabelecer as investidas

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paraguaias ao Imprio brasileiro como incio do conflito, desconsidera, contraditoriamente, todos os acontecimentos anteriores relacionados/contextualizados Guerra do Paraguai. Em relao s intervenes do Imprio brasileiro nos Estados platinos, Doratioto afirma:

Para viabilizar a interveno no Uruguai, a diplomacia imperial obteve o beneplcito do governo argentino. Ao promover a entrada de tropas brasileiras no Estado oriental em setembro de 1864, o governo imperial no esperava que o ato gerasse reao contrria significativa. Contudo, Solano Lpez reagiu invadindo o Mato Grosso, em dezembro de 1984, e Corrientes, na Argentina, em abril de 1985 (p. 474) (Grifos nossos).

Na afirmao feita, percebemos que o professor Doratioto entra em contradio com a perspectiva inicialmente exposta por ele: A de que o Paraguai teria sido o pas agressor. Na citao em destaque, a ideia apresentada a de que o pas guarani apenas reagiu s atitudes imperialistas do governo imperial brasileiro. A partir de ento, entendemos que assinalar como o marco inicial do conflito o evento do aprisionamento do navio brasileiro Marqus de Olinda e a invaso ao Mato Grosso por foras paraguaias uma arbitrariedade, isso porque desconsidera toda a poltica imperialista do Estado imperial brasileiro da segunda metade do sculo XIX. Em outro momento, Doratioto diz que a oposio conservadora apontou como desaconselhvel o aumento da extenso das fronteiras brasileiro-argentinas [no que se refere ao Tratado da Trplice Aliana]. Diz ainda que a mesma oposio conservadora [...] indicou que a independncia paraguaia estaria ameaada, pois o pas guarani ficaria cercado a leste e a oeste por territrio argentino, numa espcie de abrao apertado (p. 474-475) (Grifos nossos). Questionamos o seguinte: Estando a independncia paraguaia ameaada pelo Tratado da Trplice Aliana, que fora negociado antes do conflito propriamente dito, como poderia, por exemplo, ser este o pas agressor? Doratioto, ao comentar sobre os eventos que implicaram no aprisionamento do navio Marqus de Olinda e na invaso do Mato Grosso por foras armadas paraguaias, diz [...] o Imprio [brasileiro] no declarara guerra ao Paraguai, mas Solano Lpez interpretava ou fingia crer que sim. Esse autor afirma ainda que Solano Lpez deu a entender em evidente falsificao, que houvera um ataque brasileiro a alvo paraguaio. E completa: O governo

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imperial e a opinio pblica brasileira consideraram a captura [do navio Marqus de Olinda] um ato traioeiro de Pirataria (p. 66) (Grifos nossos). No obstante Doratioto assinalar que o governo paraguaio entendia como um insulto, ou mesmo um perigo iminente a visita do Marqus de Olinda em guas paraguaias, devido invaso ao Uruguai, o mesmo considera que Lpez teria fingido tal interpretao, em evidente falsificao. Isso porque, segundo este autor, o governo imperial brasileiro no teria declarado guerra ao Paraguai apenas por invadir o Uruguai. Entendemos, contudo, que a aliana entre o Uruguai e o Paraguai se constitua como uma forma de equilbrio de foras na Regio do Prata. O imprio brasileiro, ao realizar a invaso ao Uruguai, rompeu com esse equilbrio, deixando o Estado paraguaio em situao de vulnerabilidade. Desta forma, diferentemente de Doratioto, no entendemos que a interpretao de Lpez ao considerar que o Estado brasileiro havia-lhe declarado guerra seja um falseamento. A geopoltica da Regio platina era muito mais complexa do que a simplificao apresentada por Doratioto. Enfim, passados exatamente dez anos da publicao de Maldita Guerra, podemos ponderar melhor as suas concluses/resultados e perceber que existem outras possibilidades para se refletir/pesquisar sobre a Guerra do Paraguai, quer dizer, existem outros caminhos possveis a serem trilhados que no somente aquele relacionado ao chamado neorevisionismo.

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