Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos
Gestores
Claudio Gurgel
Universidade Federal Fluminense
Agatha Justen
Escola Brasileira de Administrao Pblica e de Empresas (Ebape-FGV)
Este trabalho analisa o exerccio do controle social no Brasil, a partir do debate geral que o estimulou e
do contexto interno que culminou na criao de espaos institucionalizados para sua aplicao. Tem-se
como objetivo avaliar o exerccio do controle social, atravs dos Conselhos Gestores. Por meio de estu-
dos realizados por outros pesquisadores, em Conselhos Gestores de Polticas Pblicas, nos trs nveis
governamentais, e de estudo emprico, constatou-se que a forma como tem acontecido o exerccio do
controle social, nesses fruns, distancia-se daquilo que se prev em lei. Com este quadro de anlise,
procuramos contribuir para o melhor entendimento dos fatos e para o avano do prprio controle social,
entendido como um patamar elevado e necessrio de democratizao da gesto pblica brasileira.
P a l av r a s - c h av e : democracia; controle social; Conselhos Gestores.
Control social de polticas pblicas: la experiencia de los consejos de gestin
Este artculo examina el ejercicio del control social en Brasil, desde el debate general que lo solicite, as
como el contexto interno que condujo a la creacin de espacios institucionalizados para su aplicacin.
El objectivo es evaluar el ejercicio del control social a travs de los Consejos de Politicas Pblicas. Con
estudios realizados por otros investigadores en los Consejos de Polticas Pblicas de gestin, en los
tres niveles de gobierno, y el estudio emprico, se encontr que la forma en que ha ocurrido con el
ejercicio del control social en estos foros mucho se aleja de lo que se espera por la ley. A partir de esta
mesa, nos referiremos a contribuciones a la comprensin de este hecho y para el avance del control
social en s mismo, entendido como una condicin necesaria y un alto nivel de democratizacin de la
gestin pblica en Brasil.
Palabras c l av e : democrcia; control social; Consejos de Gestin.
Artigo recebido em 20 maio 2012 e aceito em 9 nov. 2012.
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Social control and public policies: the experience of the management councils
This paper examines the exercise of social control in Brazil, from the general debate that prompted him,
as well as the internal context that led to the creation of institutionalized spaces for your application. The
objective is to evaluate the exercise of social control through the Public Policy Management Councils.
Through studies conducted by other researchers in Public Policy Management Councils, in the three
levels of government, and empirical study, we found that the way it has happened to the exercise of
social control in these forums, much moves away from what is expected by law. From this table, we
bring contributions to the understanding of this fact and to the advancement of social control itself,
understood as a necessary and a high level of democratization of public management in Brazil.
Key words: democracy; social control; Management Councils.
1. Introduo
H dois sculos, Stuart Mill, ainda que tratando com simpatia o governo representativo, j
apontava para insuficincias da democracia representativa e reivindicava a presena do indi-
vduo desempenhando atividades pblicas, ao lado e dentro do aparelho pblico. Falando do
governo, diz Mill (2003:220) que a forma ideal aquela em que todo cidado no apenas
tem uma voz no exerccio daquele poder supremo, mas tambm chamado, pelo menos oca-
sionalmente, a tomar parte ativa no governo.
Vrios outros pensadores sucederam Mill na crtica democracia representativa, entre
eles Schumpeter (1961), Offe (1984), Hirst (1992), Habermas (2002), para no falar dos
autores marxistas clssicos.
As crticas aos limites da democracia representativa, usando a expresso de Hirst (1992),
esto associadas desconfiana nas autoridades governamentais, consideradas a influncia
do grande capital, a burocratizao e tecnicizao do processo decisrio, as negociaes e
presses dos grupos de interesse e lobbies com e sobre aquelas autoridades e outros aspectos
que tornam duvidosa a formulao das polticas pblicas e seus desdobramentos. Tudo isso
concorre para um corrosivo descrdito do aparelho pblico, que fez emergir com expressivi-
dade a ideia da participao popular e do controle social, na acepo de controle do aparelho
pblico pela sociedade civil, atravs de variados meios.1
O conceito de cidado, a partir da caracterizao de Marshall (1950), tambm contri-
buiu para a suposio de que h uma ao imediata a ser desenvolvida, pelo exerccio dos di-
reitos polticos, que reconstitui alguns traos da democracia direta perdida para a democracia
representativa.
Nesse sentido, dizer que temos uma Constituio cidad significa dizer que temos
uma lei maior estimulante dessa ao imediata do cidado, ainda que os Conselhos criados
1
O termo controle social utilizado por estudiosos de segurana pblica, com o sentido de o Estado controlando a
sociedade. O conceito utilizado neste trabalho refere-se sociedade controlando o Estado, acepo que ganhou fora
contemporaneamente nas cincias sociais e aplicadas.
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pela Constituio de 1988 sejam formas indiretas de participao da sociedade civil (Brasil,
2004). A ideia de presena do cidado nos conselhos da criana e do adolescente, da sa-
de, da educao, da assistncia social e em outros fruns de polticas pblicas empresta um
carter diferenciado ao processo decisrio pblico que se assemelha democracia direta e
assume-se como controle social.
H, portanto, na Constituio Federal do Brasil, incentivo, ainda que pontual e difuso,
a que a sociedade civil se organize e possa influenciar as decises pblicas:
Art. 198. As aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada e hierarquizada
e constituem um sistema nico, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: ()
III. participao da comunidade.
Art. 204. As aes governamentais na rea da assistncia social sero realizadas com recursos do
oramento da seguridade social, previstos no art. 195, alm de outras fontes, e organizadas com
base nas seguintes diretrizes: ()
II. participao da populao, por meio de organizaes representativas, na formulao das po-
lticas e no controle das aes em todos os nveis. (Brasil, 2004:138-143)
Os conselhos gestores de polticas pblicas, em carter deliberativo ou consultivo, fo-
ram inspirados na Constituio, embora tenham sido criados no por leis especficas no incio
dos anos 1990.
Por ocasio da implementao da reforma do Estado brasileiro, especialmente no pero
do de 1995 a 1998, o ento ministro Bresser-Pereira (1997:37) escreveria, comentando as
formas de controle disponveis, que o princpio geral o de que ser prefervel o mecanismo
de controle que for mais geral, mais difuso e mais automtico. Concluiria que o mercado
cumpre melhor esse papel, porque atravs da concorrncia obtm-se, em princpio, os melho-
res resultados com os menores custos (Bresser-Pereira, 1997:37). Entretanto, dir tambm
o ministro que a democracia direta ou controle social , em seguida, o mecanismo de con-
trole mais democrtico e difuso (Bresser-Pereira, 1997:37). Por isso mesmo, dir ainda que
atravs do controle social a sociedade se organiza formal e informalmente para controlar no
apenas os comportamentos individuais, mas e isto que importa neste contexto para
controlar as organizaes pblicas (Bresser-Pereira, 1997:37).
Autores contemporneos mundialmente influentes, como Habermas, tambm sugerem
que a sociedade civil inverta a relao do contrato hobbesiano e tome seu destino nas mos.
portanto importante repercutir este tema, analis-lo e debat-lo, no sentido de ajudar
a construir a soberania republicana. Em especial, fazer isto no Brasil, onde a experincia dos
Conselhos Gestores e a afirmao da cidadania so mais que programas partidrios ou polti-
cas de governo, so vontades de Estado, gravadas na Constituio Federal.
O objetivo deste trabalho, por conseguinte, avaliar o exerccio do controle social,
como ampliao da democracia na gesto pblica, tomando como referncia a prtica dos
Conselhos Gestores.
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2. Pacto corporativo, cidadania em recesso e Constituio Cidad
O Estado brasileiro do sculo XX passou por diversas transformaes que mudaram significati-
vamente seu sentido perante a sociedade. Se o incio do sculo marcado por um Estado libe-
ral, patrimonialista, excludente, quase completamente descompromissado com as demandas
sociais, a partir dos anos 1930 como soluo para um quadro de conflitos e mobilizaes
sociais crescentes (Santos, 1979) o Estado brasileiro torna-se fortemente interventor e
provedor. Por meio de aliana conservadora, mas politizando as questes sociais e traba-
lhistas, assume e promove o desenvolvimento econmico e social.2 Isso, que ficou conhecido
como pacto corporativo e criou uma ideologia de consenso, deixou marcas profundas. Fleu-
ry (2006:81), a respeito desse perodo, explica que
as elites econmicas sempre mantiveram, paralelamente estrutura corporativa, outras moda-
lidades de organizao no controladas pelo Estado, que passaram a ter assento privilegiado
no planejamento da poltica industrial. J a poltica em relao classe trabalhadora combinou
represso, excluso e incorporao controlada da participao e das demandas sociais.
O regime instalado em 1964 fecha o Estado influncia dos trabalhadores na delibe-
rao de polticas sociais, apesar de prosseguir com a caminhada desenvolvimentista (Fleury,
2006:81). Mas, em termos de investimento na rea social, os governos militares aprovaram
elevados oramentos. Segundo Santos (1979), essa massa de investimento no foi capaz de
diminuir os problemas que se propunha a resolver. Isso porque a poltica social brasileira
desenvolveu-se em contexto de cidadania em recesso, no qual no h a participao dos
beneficirios, no h controle pblico e os programas so administrados de modo burocrtico,
no sentido de sem dilogo (ou audincia) com os interessados (Santos, 1979).
A partir dos anos 1970 combinam-se, de um lado, o esgotamento do chamado mila-
gre brasileiro, e, de outro, o aumento de complexidade da estrutura social. Surgem novos
atores (movimentos sociais e organizaes no governamentais) trazendo outras demandas,
estimulados pela nova dinmica mundial globalizada, e tornando insustentvel o sistema de
representao vigente at ento.
A Constituio de 1988, conhecida como a Constituio Cidad, foi a expresso das
demandas por democracia, cidadania e justia reprimidas em grande parte do sculo XX, de-
terminando assim formas mais amplas e democrticas de conduo das polticas pblicas.
A despeito da tradio latino-americana baseada na civil law, a instituio de mecanis-
mos democrticos na Constituio federal, ainda que seja um significativo avano e a eleva-
2
Em termos sociais, Santos (1979) observa que o governo Vargas inaugura o conceito de cidadania que no
existia at ento no Brasil. Entretanto, essa cidadania uma cidadania regulada, medida que se restringe aos
trabalhadores formalizados e reconhecidos pela lei. Todos aqueles indivduos cuja ocupao a lei desconhece ficam
margem da cidadania, assim como os desempregados e subempregados.
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o do patamar de civilidade construdo por amplos setores da sociedade, por si s no foi,
nem , capaz de mudar a estrutura de relaes sociais. A prpria eleio de Luiz Incio Lula
da Silva, em 2002 fruto de associao entre partidos de esquerda, setores populares e do
empresariado a manifestao da demanda por uma alternativa ao projeto social-liberal,
representado pelo PSDB.
Simbolicamente, o novo governo criou um conselho amplo sob o ttulo de Conselho de
Desenvolvimento Econmico e Social (CDES), com uma composio tpica da colaborao de
classes e de segmentos.
Paula observa, no entanto, que, apesar das expectativas e das novas possibilidades de
democracia que se manifestavam no Brasil, o governo Lula teria permanecido reproduzindo
as prticas gerencialistas da gesto anterior, no investindo no controle social, como se es-
perava (Paula, 2005:158). Obviamente, a gesto societal no depende exclusivamente das
aes do governo, mas este parece ter, na histria brasileira, um peso significativo para que
no acontecesse o pleno desenvolvimento da participao ativa dos cidados na construo
de polticas pblicas. Pode-se, com toda a razo, supor que o oposto um determinado em-
penho do governo teria efeitos positivos na ampliao da democracia para alm da demo-
cracia representativa.
importante salientar que, via de regra, a literatura pesquisada no prope que a de-
mocracia representativa seja inteiramente substituda pela democracia direta. Hirst (1992),
em A democracia representativa e seus limites, faz a crtica no democracia representativa em
si, mas quela existente na sociedade atual, que, em nome de valores democrticos, exclui os
cidados das decises pblicas. Conforme diz, hoje no seria vivel a democracia direta nos
termos classicamente definidos. Mas necessrio, afirma, criar mecanismos de representao
no excludentes, que estimulem a mobilizao social.
Paula (2005:159) observa igualmente que preciso distinguir as aes polticas perten-
centes esfera de cidadania e direitos humanos e as que dizem respeito burocracia pblica.
Estas, ao envolverem questes tcnicas, fogem ao alcance da opinio pblica, mas como o
processo de polticas pblicas tcnico e poltico, cabe assegurar condies de ambas as di-
menses acontecerem.
Outros estudiosos de polticas pblicas (Saravia, 2006; Kingdon, 1984; Lobato, 2006;
Secchi, 2010) concordam com Paula (2005) no sentido de que o ciclo da poltica pblica
poltico, com uma vertente tcnica.
Tratando do contexto atual brasileiro, Lobato considera que o fim do socialismo real e
o avano do neoliberalismo reabilitaram o princpio liberal de que o Estado deve ser mnimo,
deixando assim o resto (sic) para o mercado (Lobato, 2006:308). Contudo, se os direitos
civis e polticos so compatveis com os princpios liberais, os direitos sociais, por sua vez,
requerem um outro grau de arranjo social, que parta do coletivo e a ele se dirija (Lobato,
2006:309). Para ela, a cidadania conceito estritamente ligado democracia o canal
que faz o Estado interagir com a sociedade, viabilizando polticas e direitos sociais. Mas nos
pases de democracia tardia, como o Brasil, as demandas sociais incorporadas pelo Estado no
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contaram com a participao dos cidados. Nas palavras de Lobato (2006:309), a universali-
zao de bens sociais no passou pela cidadania, mas pela extenso de privilgios.
Localizando no tempo a evoluo mais recente da democracia no Brasil, do ponto de
vista oficial e institucional, h trs momentos expressivos no contexto brasileiro em que a
participao e a cidadania ganham destaque. O primeiro pode ser identificado, com clareza e
fartura de referncias, na Constituio de 1988, cujos traos gerais de certo modo correspon-
dem ao conceito de cidadania de Marshall (1950), aquele em que se exigem os chamados trs
direitos o civil, o poltico e o social. Na Constituio, como dito anteriormente, encontram-
se, entre outros apelos cidadania, os chamados Conselhos setoriais.
O segundo momento expressivo foi representado pelo advento do oramento-partici-
pativo, iniciativa que objeto de disputa entre o PT gacho e o PSDB paulista, mas que por
vrios motivos se inscreveu na imagem e na prtica mais forte e mais frequente do Partido
dos Trabalhadores. A experincia das prefeituras de Porto Alegre, Mau, Ribeiro Pires, Santo
Andr e outras prefeituras brasileiras trouxe ao ambiente poltico um exemplo concreto de
participao popular, ainda que com inmeras limitaes que vo do pequeno percentual do
oramento posto sob a deciso participativa at outras vicissitudes da poltica partidria (Car-
valho e Felgueiras, 2000).
O terceiro momento diz respeito reforma do Estado, empreendida pelo governo FHC,
entre os anos 1995 e 1999, a que j se fez referncia. Ali tambm existe a valorizao do
controle social, verificando-se porm uma frustrante prtica de quase desconhecimento dessa
dimenso da reforma e prevalecendo, como j comentado, o vis gerencial da New Public
Management (NPM)
Talvez por fora do carter legal, dado que decorre de um dispositivo constitucional,
podemos dizer que institucionalmente restaram os conselhos setoriais como instrumentos
reais de controle social. por isto mesmo que sobre eles queremos colocar o foco de nossas
atenes.
3. Participao nos conselhos gestores de polticas pblicas
Os conselhos como forma de organizao no so recentes. Como mostram Gohn (2000)
e Teixeira (2005), h exemplos de conselho na Revoluo Francesa e na Comuna de Paris
(1871), so conselhos os Soviets de Petrogrado (1905) e seus semelhantes na Revoluo
Russa (1917), houve os Conselhos dos Operrios de Turim, os conselhos alemes, os conse-
lhos iugoslavos (anos 1950), que ofereceram os melhores exemplos de moderna autogesto,
dentre outras experincias semelhantes.
Sua origem possui trs fontes distintas. A primeira resultante de movimentos insurre-
cionais, como meio de organizao revolucionria que , ao mesmo tempo, aparato de poder e
sistema alternativo de representao (Teixeira, 2005:99). Nesse grupo esto as experincias
da Revoluo Francesa, da Comuna de Paris e dos Soviets. A segunda vertente compreende
os conselhos de locais de trabalho, que se organizam em assembleias operrias e representa-
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o por meio de delegados de seo de fbrica (Teixeira, 2005:99). Nesta vertente esto os
conselhos operrios, os conselhos de fbrica e os conselhos populares, experimentados
na Itlia, Espanha, Iugoslvia, Polnia e Alemanha. A terceira vertente engloba os conselhos
estudados neste trabalho. Segundo Teixeira, estes surgem nos pases de capitalismo avana-
do como arranjos neocorporativistas com objetivo de negociar demandas de trabalhadores,
usurios e outros grupos de interesse e reduzir conflitos distributivos (Teixeira, 2005:100).
O autor lembra ainda que os Conselhos emergem em circunstncias de crise institucio-
nal e revolucionria, de insuficincia de legitimidade dos sindicatos e de crise do Estado.
No Brasil, houve experincias a partir dos anos 1960, como os conselhos comunitrios e
os conselhos de notveis que, no perodo ditatorial, atuavam nas instncias governamentais.
Nos anos 1980 surgem os conselhos populares inaugurando uma nova forma de organizao
de movimentos sociais (Gohn, 2000:35). O que recente em nosso pas so os Conselhos Ges-
tores de Polticas Pblicas, institudos legalmente, com carter consultivo e/ou deliberativo,
que se incluem na terceira vertente descrita por Teixeira (2005). A Constituio de 1988
referenciada como o marco impulsionador da criao dos mesmos.
Dando consequncia Constituio Cidad, os Conselhos Gestores de Polticas Pblicas
foram criados por leis especficas, como referido anteriormente, atendendo s reivindicaes
dos movimentos sociais. Como exemplo, possvel citar a Lei no 8.142, de 1990, que institui
a Conferncia e o Conselho Nacional de Sade; a Lei no 8.742, de 1993, que cria o Conselho
Nacional de Assistncia Social; a Lei no 9.131, de 1995, que institui o Conselho Nacional de
Educao.
3.1 As experincias dos Conselhos Gestores: uma leitura emprica
Aqui sero descritas e analisadas as observaes empricas realizadas nos Conselhos Muni-
cipal de Sade de Niteri, Municipal de Assistncia Social do Rio de Janeiro e Estadual de
Sade do Rio de Janeiro. Tais anlises sero complementadas por bibliografia de estudos de
caso em Conselhos Gestores de Polticas Pblicas no Brasil.
A metodologia utilizada nesta pesquisa, alm das pesquisas bibliogrficas e documen-
tais, foi a observao estruturada e no participante (Vergara, 2009),3 realizada entre
junho e dezembro de 2011.
O mtodo da observao estruturada, ainda que no participante, uma vez que para isto
seria necessria a condio de conselheiro, permitiu um ponto de observao menos sujeito ao
envolvimento nos temas e debates. As muitas horas passadas na observao da instalao das
3
Segundo Vergara, observao estruturada uma observao planejada, uma vez que o pesquisador a faz com cri-
trios e objetivos previamente definidos. Observao no participante, por sua vez, aquela em que o pesquisador
permanece como espectador, no interferindo na realidade observada.
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reunies, da relao entre os conselheiros e de sua atuao formal e informal enriqueceram a
pesquisa e deram sentido a certas informaes obtidas nas entrevistas.
Esta observao aqui descrita, em certos momentos, pormenorizadamente, com a fi-
nalidade de oferecer ao leitor uma exposio onde se possam perceber aspectos significativos,
ainda que pequenos. Estes e outros aspectos, combinados com as entrevistas, vo adquirir
consistncia como elementos de anlise emprica.
Ao todo foram feitas oito entrevistas com conselheiros do CMAS/RJ e CES/RJ. As en-
trevistas tiveram, em mdia, durao de uma hora cada. No CMS/Niteri apenas a secretria
do Conselho foi entrevistada, e essa entrevista durou 40 minutos. Na reunio do Conselho
Estadual de Sade do Rio de Janeiro foram feitas tambm entrevistas com seis conselheiros. O
primeiro contato estabelecido foi via pesquisa pela internet. Dos trs Conselhos (Municipal de
Sade do Rio de Janeiro e Municipal de Sade de Niteri e Estadual de Sade), apenas o es-
tadual possui uma pgina eletrnica, na qual disponibiliza o regimento interno, o calendrio
das reunies, os nomes dos conselheiros, dentre outras informaes. H um link para as atas,
entretanto a mais recente datava de janeiro de 2011. O Conselho Municipal do Rio de Janeiro
possui um link no site da Secretaria Municipal de Sade, contudo no disponibiliza nenhuma
informao a respeito do funcionamento do Conselho, de sua estrutura ou qualquer meio de
contato (telefone, e-mail etc.). J o Conselho de Niteri no possui link em qualquer pgina
eletrnica. O contato obtido atravs de um telefone da Fundao de Sade do Municpio de
Niteri informou o nmero do telefone do Conselho e a data da reunio. Ao ser questionada
sobre a existncia de um meio de divulgao do Conselho, a funcionria da prefeitura, res-
ponsvel pela secretaria do Conselho, negou a no existncia de um site, mas no soube dizer
o endereo eletrnico.
A tentativa de participar do Conselho Municipal de Niteri foi frustrada duas vezes.
Na primeira, ao ligar para confirmar, a secretaria informou que no haveria a reunio. Na
segunda ocasio, ao chegar no auditrio onde elas ocorrem, informaram que a reunio tinha
sido cancelada. As informaes levantadas foram adquiridas apenas a partir de entrevista com
a secretria do Conselho na Secretaria de Sade do municpio, uma vez que o Conselho no
disponibiliza os documentos internos (tais como atas e regimentos), nem os nomes e contatos
dos conselheiros.4 Nesta mesma entrevista, a funcionria disse que no h um sistema de re-
posio das reunies. Uma vez cancelada, s haver outra no ms seguinte.
O Conselho Estadual, por seu turno, inicialmente tentou condicionar a participao
dos pesquisadores, como ouvintes, na reunio do Conselho ao encaminhamento de uma per-
misso da autoridade municipal para realizar-se a pesquisa. Ao serem questionados sobre a
publicidade das reunies, a secretria executiva e o secretrio de Sade, presidente do Con-
4
Esta mesma secretria argumentou que, para ter acesso aos documentos, que so pblicos, a pesquisadora deveria
encaminhar um pedido formal, emitido pela instituio da qual faz parte, porque os conselheiros querem que sejam
dadas satisfaes sobre o que se pesquisa nesse Conselho. O pedido foi encaminhado, mas at o momento da redao
deste trabalho no houve resposta, passados seis meses.
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selho, corrigiram a informao afirmando que a participao livre, mas os pesquisadores
no poderiam entrevistar os Conselheiros. No entanto, no espao da reunio, os conselheiros
representantes dos sindicatos, dos usurios e das associaes dispuseram-se no s a
responder entrevista, como manifestaram o desejo de que os pesquisadores retornassem s
reunies seguintes. Havia, por parte dos representantes dos profissionais da rea, a demanda
por ampliar o nmero de participantes, ainda que no conselheiros, para, segundo suas pala-
vras, constranger o poder pblico, e os conselheiros por ele cooptados, a serem mais demo-
crticos. Esta reunio, composta por 42 membros, entre os quais conselheiros e observadores,5
foi a terceira seguida em que no houve quorum. Ainda assim, foi marcada por protestos de
representantes dos usurios e dos sindicatos dos mdicos, dos psiclogos e dos enfermeiros.
Reclamavam da falta de transparncia nas decises, da omisso do Conselho em discutir os
problemas dos hospitais e da privatizao da sade pblica, nas palavras do representante
sindical dos mdicos. Reclamavam tambm por terem seus pleitos ignorados naquele espao.
Sustentavam que h um processo de cooptao clientelista de vrios conselheiros, por parte
do secretrio de Sade. Nas palavras do representante dos mdicos:
Este Conselho nunca se dignou a sequer pautar este tema [da privatizao da sade pblica]. O
que vem acontecendo crime. O Conselho no pode se omitir disso. Exijo que hoje seja marcada
a data para este Conselho debater a crise da sade pblica. J fiz esta solicitao no sei quantas
vezes. Estou h dois anos neste Conselho pleiteando que acontea uma reunio para discutir a
Rede Prpria. Temos que fazer uma reflexo sobre o funcionamento e estrutura de sade. No se
discute atendimento de sade aqui. No se discute atividades-fim do SUS.6
5
Pelo regimento (Disponvel em: <www.conselhodesaude.rj.gov.br/regimento-interno.html>. Acesso em: 28 jan.
2012.), o CES possui 28 conselheiros, distribudos paritariamente entre representantes dos prestadores de servios
pblicos e privados (25%), representantes dos trabalhadores da rea da sade (25%) e representantes dos usurios
(50%). Os prestadores de servios so distribudos em: a) secretrio de Estado de Sade (membro nato e presidente
do Colegiado); b) 1 representante das Universidades Pblicas; c) 1 representante do Conselho de Secretrios Muni-
cipais; d) 1 representante da Secretaria de Estado de Segurana Pblica Corpo de Bombeiros Militar do Estado do
Rio de Janeiro; e) 1 representante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher; f) 1 representante dos Hospitais
Privados, conveniados com o Sistema nico de Sade (SUS); g) 1 representante dos Hospitais exclusivamente Fi-
lantrpicos, conveniados com o SUS.
Representantes dos profissionais da rea de Sade: a) 4 representantes dos Sindicatos da rea de sade; b) 3 repre-
sentantes dos Conselhos de Profissionais da rea de sade.
Representantes dos usurios: a) 2 representantes de entidades de moradores, de mbito estadual; b) 2 moradores
em favelas, de mbito estadual; c) 1 representante de movimentos no governamentais de Defesa do interesse da
Mulher, de mbito estadual; d) 3 representantes dos usurios nos Conselhos Municipais de Sade; e) 1 representante
de trabalhadores na rea rural, no mbito estadual; f) 2 representantes de centrais sindicais, no pertencentes
rea de Sade; g) 1 representante de entidade de defesa dos interesses dos aposentados, de mbito estadual; h) 2
representantes de entidades de portadores de deficincias.
6
Esta declarao foi dada no dia 3 de junho de 2011. Nas duas plenrias subsequentes tal questo no foi discutida
nem agendada para reunies posteriores.
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Outros conselheiros demonstraram relativa alienao daquele processo. Afirmaram
desconhecer o regimento interno e a pauta daquela reunio, ficaram apticos em face dos
protestos dos colegas e diziam estar contentes com suas atuaes e com o Conselho em si.
Alguns deles no se tornaram representantes por meio de eleio. Tornaram-se conselheiros
a partir de convites feitos pela presidncia do Conselho. O representante da Federao das
Associaes de Moradores de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), que ocupa a vaga
de usurios, afirma ter cadeira cativa no Conselho. Demonstra indignao com o fato de que
h algum tempo esto, nas Conferncias de Sade espao onde ocorrem as eleies para
conselheiros , tentando acabar com essas cadeiras cativas. Este mesmo conselheiro tam-
bm afirma desconhecer a pauta da reunio que teria sido realizada naquele dia, bem como
desconhecia o regimento interno. Quando perguntado se tem obtido bons resultados para o
grupo que representa (Faferj), a resposta deste conselheiro foi no sei.
O representante dos usurios com doenas patolgicas denunciou que a forma de elei-
o na Conferncia maracutaia e acrescentou que isso uma mfia. Vrios conselheiros
surgem pelas mos do secretrio, que lhes d posto em troca de favores.
Em todas as reunies acompanhadas, a postura do secretrio estadual de Sade, pre-
sidente do Conselho, foi centralizadora. Na reunio ocorrida no dia 3 de junho de 2011, ele
suspendeu a plenria por falta de quorum. Aproximadamente 15 minutos aps a suspenso,
chegou o conselheiro que completaria o quorum, mas o secretrio no voltou atrs em sua
deciso. Houve protestos por parte de alguns conselheiros, o que acabou em exaltao das
duas partes. Alguns conselheiros pediram questo de ordem. O presidente repeliu os pedi-
dos, repetindo que no tem questo de ordem, conselheiro! No tem questo de ordem e
encerrou a plenria. Em argumento conclusivo afirmou que no tem questo de ordem se
no tem plenria.
Nas experincias destes dois conselhos chamou a ateno o fato de que, pelo carter
deliberativo dos mesmos, as reunies ordinrias, como espaos legtimos e institudos por lei
para que se tomem as decises do setor, ao no ocorrerem, prejudicam o prprio andamento
das questes na rea de sade. Nesse sentido, pode-se concluir que, se as decises no so
tomadas nesses espaos, elas necessariamente sero tomadas, por outros mecanismos, em
espaos paralelos.
Um dado interessante que apareceu tanto no Conselho Municipal de Niteri quanto
no Conselho Estadual do Rio de Janeiro foi que no h representantes dos planos de sade
privados na composio do Conselho. Nos dois casos, a no participao partiu da iniciativa
dos prprios prestadores de servio nas Conferncias (instncia que elege os conselheiros).
Isso corrobora a informao dada por Labra de que os prestadores privados praticamente
no participam porque resolvem seus pleitos diretamente com o gestor ou seus funcionrios
e, quando presentes, cobem a livre expresso dos demais conselheiros, em particular os do
segmento dos usurios (Labra, 2006:15).
O Conselho Municipal de Assistncia Social-RJ possui uma dinmica um tanto diferen-
te. As plenrias ocorrem em um auditrio no prdio da Prefeitura. Nas trs reunies obser-
vadas, este auditrio estava repleto de pessoas. Significa que h muitos no conselheiros que
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Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos Gestores 367
comparecem s reunies periodicamente. Nos dias de plenrias, diferentemente do que ocorre
nos Conselhos de Sade, o auditrio fica aberto. Qualquer pessoa pode entrar sem ter que se
identificar. A ata das reunies disponibilizada a todos no incio da sesso. O regimento do
CMAS-RJ no estabelece quorum. Portanto, independentemente do nmero de conselheiros
presentes, a plenria acontece. Neste Conselho h um sistema de rodzio entre poder pblico
e sociedade civil para a mesa diretora, inclusive para o cargo de presidente.
Segundo a conselheira representante da sociedade civil que foi presidente do CMAS-
RJ e do Conselho Municipal da Criana e do Adolescente do Rio de Janeiro, h grande difi-
culdade em dar andamento s atividades do Conselho aquelas que no se restringem s
plenrias mensais, mas a uma rotina ao longo do ms porque o nmero de conselheiros
pequeno (20) e grande parte ausente. Essa conselheira reclama tambm da falta de apoio
tcnico. Em suas palavras:
comparando, por exemplo, o Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente de So
Paulo (CMDCA-SP) e o do Rio de Janeiro: aqui a gente s tem uma salinha precria. precria
mesmo, muito ruim. Se voc observar, as piores salas da prefeitura so as salas dos Conselhos,
sempre. aquela que o carpete est soltando, que tem infestao de barata. A gente tira os pro-
cessos e as baratas saem... E a infraestrutura praticamente nenhuma. Em So Paulo, o CMDCA
ocupa dois andares de um prdio da Prefeitura, tem nove funcionrios da prefeitura disponveis,
dois carros disposio para os conselheiros fazerem as visitas. Aqui no Rio, para fazer as visitas,
temos que ir em uma Kombi velha, sacudindo e que temos que pedir com muita antecedncia,
correndo o risco dela no aparecer no dia agendado. Ento, os Conselhos do Rio so muito pre-
carizados, embora eles sejam considerados os mais combativos do pas. Acho que por isso mesmo
so sucateados.
Chama a ateno, nesta fala, que a vinculao do Conselho com a Prefeitura no
questionada. O Conselho depende do apoio da Prefeitura para funcionar em todas as esferas.
A autonomia do Conselho, neste aspecto, apesar de no se definir como problema, algo a
ser destacado.
Contando como se tornou conselheira, ela relata que frequentava periodicamente o
CMAS-RJ como representante de uma instituio beneficente fundada por ela. At que uma
amiga, na poca j conselheira, convidou-a para se candidatar ao cargo. Na primeira tentati-
va, conseguiu se eleger e logo depois se tornou presidente do mesmo. Para se tornar elegvel
ao cargo de conselheiro, basta que representantes de entidades beneficentes ou ONGs cadas-
trem suas organizaes na prefeitura. Foi o que ela fez.
Observa-se, neste caso, que a despeito de se tratar de um Conselho com maior presena
da sociedade, os cargos de conselheiros no so gerados a partir da mobilizao de movimen-
tos sociais. A conselheira representa ou seja, deve satisfaes a instituio cuja porta-voz
e proprietria ela prpria.
Em consulta ao Regimento Interno do Conselho Estadual de Assistncia Social do Rio
de Janeiro (Ceas/RJ), bem como Resoluo Ceas/RJ no 005/10, de 29 de junho de 2010,
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368 Claudio Gurgel Agatha Justen
que estabelece o edital de convocao do processo eleitoral de representantes da sociedade
civil para a gesto 2010-12, a lgica de representao a mesma do CMAS/RJ. O art. 4o deste
ltimo documento estabelece que Podero habilitar-se ao processo eleitoral na condio de
eleitores e/ou candidatos, os representantes ou organizao de usurios, as entidades e orga-
nizaes de assistncia social e dos trabalhadores do setor (Conselho Estadual de Assistncia
Social, 2010). Para o processo eleitoral, formado um colgio eleitoral e todos os candidatos
so escolhidos nesse pleito geral. Em outras palavras, os representantes da sociedade civil
no so escolhidos por sua base de origem, mas pelo conjunto de pessoas aptas a votar, que
se inscrevem de acordo com as normas estabelecidas pelo regimento interno e pelo edital
supracitado.
3.2 O concreto pensado: anlises sobre os Conselhos Gestores
Nossa observao direta sobre os conselhos gestores foi um contato delimitado com o con-
creto. Proporcionou uma forte impresso sobre variados aspectos do funcionamento daqueles
conselhos materializando e personificando problemas que se haviam colocado, at ento,
apenas em plano terico. Esse concreto observado, os Conselhos Gestores, desde a sua cria-
o, tem sido objeto de estudos, cuja cobertura nacional razoavelmente expressiva.
Esta Revista de Administrao Pblica, em nmeros passados, j ofereceu aos seus leito-
res artigos analisando a participao da sociedade civil na gesto pblica. Mais diretamente
relacionados, cabe citar o trabalho de Milani (2008), reunindo avaliaes realizadas por ana-
listas da Europa e da Amrica Latina acerca do oramento-participativo e do planejamento
urbano, e o texto de Saliba e colaboradores (2009), tratando de Conselhos de Sade do noro-
este de So Paulo, luz de documentos oficiais e entrevistas com autoridades pblicas, para
orientar um programa de capacitao de conselheiros, em 2007.
Aqui estamos trazendo a observao direta e recente, realizada entre junho e dezembro
de 2011, que julgamos oportuno cotejar com outras contribuies que seguiram semelhante
via emprica de investigao.
De modo sistematizado, agora sob a memria e o registro do que pudemos ver, refazemos
a leitura de alguns autores que se dedicaram a estudar o que tm sido os conselhos na prtica.
Reunimos aqui, ainda que de forma sinttica, os estudos de Abers, Serafim e Tatagiba,
sobre a participao da sociedade sob o governo Lula; Bulla e Leal, acerca dos Conselhos Mu-
nicipais de Assistncia Social; Castro, Ferreira, Jnior e Cardoso sobre o Conselho Nacional
das Cidades de onde provm diretrizes que tocam os conselhos gestores municipais; Labra e
Crtes, em relao aos conselhos e as conferncias de sade; alm de outros pesquisadores
que a partir de observaes diretas de situaes de controle social nos trazem anlises per-
tinentes sobre os espaos de deciso de polticas pblicas, como o caso de Lobato, Neves e
Teixeira.
Comecemos com Labra, em seu trabalho intitulado Conselhos de Sade: vises macro
e micro (2006), que nos traz algumas questes importantes, de certo modo confirmando
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Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos Gestores 369
nossas pessoais observaes: (1) de modo geral, os Conselhos no utilizam meios de divulga-
o de suas atividades (revistas, pginas eletrnicas etc.), o que faz a populao, via de regra,
desconhec-los; (2) a adeso pela comunidade baixa, devido ao desconhecimento da estru-
tura dos Conselhos, de seus objetivos e de sua utilidade. Isso se reflete no baixo envolvimento
nas eleies para conselheiros representantes dos usurios; (3) por outro lado, os Conselhos
so muito valorizados por quem os frequenta. So vistos, porm, como espaos de reivindica-
es especficas e denncias pontuais. A maior parte do tempo de cada reunio mensal gas-
ta na discusso de assuntos internos, sendo raros os debates de temas substantivos (Labra,
2006:13); (4) h muitas reclamaes quanto postura do secretrio de Sade, caracterizada
como autoritria, desrespeitosa e irresponsvel. Nas palavras da autora:
Reclama-se que no discutem o oramento nem prestam contas da sua execuo; no acatam as
resolues do colegiado; definem de antemo ou manipulam a pauta de discusso e as delibera-
es; impem decises mediante um discurso tecnocrtico; esquivam discusses de teor poltico;
cooptam conselheiros ou lideranas comunitrias com artifcios clientelistas. (Labra, 2006:13)
Alm disto, Labra identifica problemas quanto composio, representao e repre-
sentatividade. Os critrios de escolha dos conselheiros no so bem conhecidos, o princpio
da paridade nem sempre respeitado, por vezes um mesmo conselheiro representa segmen-
tos opostos (exemplos: um prestador de servio e um membro do governo representando os
usurios).
As avaliaes sobre esses fruns apontam para uma srie de obstculos vivenciados em
seu cotidiano, o que os impede de atingir os objetivos definidos pela legislao que fundamen-
tou sua implementao. Em outras palavras, se do ponto de vista mais geral a institucionali-
zao da representao de interesses na construo de polticas pblicas significa um grande
avano na construo de uma sociedade democrtica, por outro lado observa-se considervel
distncia entre o que dispe a norma jurdica e o que acontece na realidade concreta.
A autora ainda observa que o surgimento dos Conselhos Gestores de Polticas Pblicas
deve-se a amplas mobilizaes populares que foram incorporadas na Constituinte e se torna-
ram referncia no continente latino-americano (Labra, 2006:199). No entanto, a populao
brasileira aparece em pesquisas de opinio como entre as que possuem os mais baixos valores
democrticos na Amrica Latina. o que revelam, segundo a autora, pesquisas da Pnud de
2004, o Latinobarmetro de 2002 e Abramo, em levantamento publicado em 2000. A pouca
disposio dos brasileiros em exercer cidadania um dado presente no senso comum dos pr-
prios brasileiros e do povo latino-americano. Isso, provavelmente, tem um significado nesses
espaos de gesto democrtica.
Ao analisar as novas formas de participao da sociedade civil, institudas a partir do
governo Lula,7 Teixeira, Souza e Lima (2011:4) mostram que, a despeito de terem aparecido
7
Os autores afirmam que foram separadas as funes de: coordenao poltica do governo competncia da
Secretaria de Relaes Institucionais cujas aes voltaram-se s interaes com o Congresso Nacional e com os
entes federados; coordenao e integrao das aes do governo competncia da Casa Civil; e relacionamento e
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370 Claudio Gurgel Agatha Justen
novos elementos da arquitetura da participao, na prtica, novos atores sociais no foram
reconhecidos como participantes legtimos. Em suas palavras:
pode ser percebido o limite do reconhecimento de novos sujeitos polticos, pois houve uma cen-
tralidade da relao capital-trabalho quando, na escolha dos representantes sociais no rgo
colegiado, foram privilegiados empresrios e sindicalistas. (Teixeira, Souza e Lima, 2011:6)
Os autores observam ainda, tratando dos conselhos gestores de polticas pblicas em
geral, que, mesmo com esses espaos abertos ao pblico, cidados que no so conselheiros
dificilmente tm direito voz. At os suplentes so impedidos de participar livremente das
reunies. Por outro lado, esses chamam a ateno para o recorrente problema da informao.
Na maioria dos casos, os atos das plenrias so publicados apenas no Dirio Oficial.
As Conferncias Nacionais so instncias superiores aos Conselhos, que ocorrem a cada
dois anos e tm como objetivo definir rumos, bem como escolher os representantes que sero
conselheiros no mandato seguinte. Os autores observam que a escolha daqueles que tm voz e
voto nessas conferncias no ocorre apenas por meio de eleio. Alm dos representantes elei-
tos, h os natos e os indicados. Segundo eles, apenas sete das 52 conferncias analisadas
no contaram com a representao nata, ou seja, 87% dos processos permitiram esse tipo de
participao (Teixeira, Souza e Lima, 2011:19). Adiante, os autores dizem que em 42% das
conferncias foi constatada uma modalidade de participao por indicao (Teixeira, Souza
e Lima, 2011:19).
Nesses casos, organizaes de abrangncia nacional participam com direito a voz e voto
sem necessariamente ter vinculao com a base que dizem representar. Essa distoro, por
sua vez, s ocorre porque encontra legitimao por parte do governo e das organizaes que
coordenam e compem esses espaos.
Castro e colaboradores (2011), ao analisarem o Conselho Nacional das Cidades (Con-
Cidades), destacam que este desempenhou um papel de considervel relevncia, desde sua
criao em 2003, medida que viabilizou o dilogo contnuo entre os representantes da
sociedade civil e os governos. Ademais, o Conselho participou ativamente da formulao de
diversas polticas nacionais urbanas. Entretanto, os autores observam que o ConCidades foi
excludo da definio dos critrios e escolhas dos projetos aprovados, da discusso do ora-
mento do Ministrio das Cidades e mesmo do monitoramento e controle social sobre as aes
e programas em curso (Castro et al., 2011:24). Como exemplo, os principais programas
urbanos do governo federal, PAC e Minha Casa Minha Vida, foram formulados externamente
articulao com as entidades da sociedade civil funo da Secretaria-Geral, cujas atribuies previam criao e
implementao de instrumentos de consulta e participao popular (Teixeira, Souza e Lima, 2011:5). No mbito da
Secretaria-Geral, foi criada a Secretaria Nacional de Articulao Social, a qual coube I coordenar e articular as
relaes polticas do Governo com os diferentes segmentos da sociedade civil; e II propor a criao, promover e
acompanhar a implementao de instrumentos de consulta e participao popular de interesse do Poder Executivo
(Decreto no 5.364/2005).
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Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos Gestores 371
ao ConCidades. Isto, segundo os autores, deve-se ao fato de que prevalece uma cultura urba-
nstica tecnocrtica ou disputa em torno de interesses especficos e fragmentados que, de fato,
impede inovaes na perspectiva da incorporao do planejamento politizado e dos pactos
socioterritoriais (Castro et al., 2011:13).
Abers, Serafim e Tatagiba (2011) mostram que a partir do governo Lula houve significati-
vas mudanas no que concerne forma de concepo desses espaos de deciso, tanto por parte
do poder pblico quanto por parte da sociedade civil. Os resultados da Constituio de 1988
devem-se, em grande parte, ampla mobilizao dos movimentos sociais e sindicatos, entre
outros. Nisto se incluem os fruns de gesto de polticas pblicas mais democrticos e descentra-
lizados. Nos anos 1990, quando os Conselhos e Conferncias comearam a ser construdos nos
trs nveis federativos, desenvolvia-se no Brasil contraditoriamente o projeto neoliberal.8
Por isto mesmo, a despeito de a formao de tais instncias representar conquistas, realizaes
de demandas e reivindicaes histricas, elas foram vistas com desconfiana pela sociedade
civil organizada. Como consequncia, ainda que adquirindo novos espaos institucionais, a so-
ciedade civil continuou atuando tambm por fora desses espaos, por meio do trabalho de base,
cotidiano, das mobilizaes populares e protestos, entre outras formas de expresso.
A partir de 2003, novos espaos institucionais para gesto de polticas pblicas foram
criados. Houve esforos, ao menos formalmente, para ampliar os fruns de participao e
controle social. No entanto, como vimos anteriormente, a operacionalizao desses conselhos,
na prtica, manteve diversas limitaes.
No caso, por exemplo, do Ministrio das Cidades, os autores afirmam que, quando um
novo ministro adepto a prticas [personalistas] entrou em cena, os movimentos sociais se
adaptaram nova situao, buscando combinar a prtica institucionalizada em conselhos e
conferncias com negociaes pessoais com autoridades pblicas (Abers, Serafim e Tatagiba,
2011:26).
Observa-se um comportamento, por parte do governo, de cooptao dos movimentos
sociais e suas representaes. Muitos deles trazendo um histrico de relaes, quando no
militncia, com o Partido dos Trabalhadores e outras representaes polticas que comparti-
lham o poder.
difcil, em face disto, no relembrar o jogo de palavras feito por Andrade e outros,
em Cidadania ou estadania na gesto pblica brasileira (2012), quando acusam a predo-
minncia do Estado nos ambientes do controle social, como tivemos tambm ocasio de pre-
senciar.
Constata-se que, ironicamente, as mudanas realizadas no perodo Lula, que caminha-
ram no sentido de institucionalizar novas formas de participao cidad, em vez de promo-
8
Esta contradio comprometedora da participao popular percebida por Tenrio e Monje-Reyes (2010:67) quando
observam que en Brasil y Chile, desde la dcada del 90, el rediseo de polticas pblicas ancladas en el neolibera-
lismo (...) inpone fuertes condicionantes para el establecimiento de estrategias de desarollo local. Es en este marco
que propuestas de descentralizacin y participacin de la comunidad han sido efectuadas [...] en paralelo a las cada
vez mayores restricciones en los gastos pblicos, caractersticas de programas de ajuste fiscal.
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372 Claudio Gurgel Agatha Justen
verem maior mobilizao social, acomodaram os atores da sociedade civil participao no
interior do Estado, por meio da construo de relaes de confiana e de negociao discreta
entre esses atores e os governantes (Abers, Serafim, Tatagiba, 2011).
Em estudo realizado no Conselho Municipal de Assistncia Social da cidade de Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, Bulla e Leal (2004) igualmente observam que h diversas con-
tradies entre os avanos sociais e democrticos promovidos pela Constituio de 1988 e o
que se verifica na prtica.
As autoras mostram que entre os principais problemas est o fato de que a forma fre-
quente de escolha dos 28 conselheiros a indicao todos os representantes do poder
pblico, os 14 membros, so indicados e, dos 14 representantes da sociedade civil, 71,4% so
igualmente indicaes (Bulla e Leal, 2004:9). Portanto, os representantes da sociedade civil
no so escolhidos democraticamente e, ao no serem eleitos pela base que supostamente
representam, no tm necessariamente o compromisso de levar para o Conselho interesses
e demandas comunitrios. Ademais, entre os trs segmentos que compem a sociedade civil
(usurios, prestadores de servio e profissionais da rea), as entidades prestadoras de servio
so as mais organizadas. Mais: das cinco vagas pertencentes aos usurios, trs so reservadas
a conselheiros de outros conselhos municipais (Conselho Municipal dos Direitos da Criana e
do Adolescente, Conselho Municipal de Sade e Conselho Municipal do Idoso). Os usurios
ficam, dessa forma, restritos a duas vagas. Como se v, o princpio da paridade , no CMAS
de Santa Maria, seriamente afetado. Por fim, as autoras dizem que os representantes da so-
ciedade civil no tm pleno conhecimento das atribuies de um conselheiro, bem como da
legislao que rege esse conselho.
Tomando como exemplo a experincia de implementao do Oramento Participativo
(OP) no municpio de Barra Mansa, interior do Rio de Janeiro, Neves, recuperando uma ques-
to j destacada, chama a ateno para o fato de que h incompatibilidade entre o projeto de-
mocrtico que emerge com a Constituio de 1988 e o projeto neoliberal. O dois projetos so
implementados no mesmo perodo, anos 1990. Nesse sentido, a autora afirma que devemos
tratar com cuidado a euforia democrtica em torno das experincias participativas que emer-
giram no contexto da dcada de 1990 no auge da hegemonia neoliberal (Neves, 2007:219).
Ela observa que esses fruns constituem uma aposta democrtica fundamental para a
construo e a afirmao de direitos na contramo ao projeto neoliberal. Por outro lado, h
que se ter cuidado ao analisarmos o significado da participao e do poder de deciso desses
novos atores nesse processo (Neves, 2007:219). Ou seja, no basta que os conselhos gestores
e o OP existam, necessrio que haja uma base efetiva que garanta seu funcionamento. A
autora adverte que, da forma como est estabelecido, h o risco de que essa participao e
esse poder de deciso possam ser despolitizados no enfrentamento da poltica local, com uma
forte prtica clientelista, e perder seu contedo crtico voltado para o campo dos direitos e da
democracia radical (Neves, 2007:219).
Embora as vrias constataes sejam relativamente semelhantes entre estes autores,
h percepes distintas sobre seu significado. Crtes (2009) concorda com as crticas que
apontam limitaes e distores, entretanto defende que a dicotomia entre a normatizao
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Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos Gestores 373
jurdica e a experincia emprica necessariamente existir. A autora chama ateno para o
fato de que tal tipo de abordagem acaba sendo uma armadilha. Se usarmos como parmetro
a necessidade do carter deliberativo desses fruns e de que o jogo de foras seja igualitrio,
sempre chegaremos concluso de que essas experincias so negativas.
O que se deve fazer, na opinio de Crtes, analisar como ocorre o jogo de foras entre
os atores, de que maneira se formam as redes polticas, qual o significado real dos diferentes
atores deixando de lado o que chama de significado romntico do projeto societrio.9
A posio defendida por Crtes (2009) mostra que h, subjacente aos fatos relatados,
um debate ideolgico presente.
Este debate antecede os acontecimentos e prevalece nas decises e na organizao dos
fruns de deciso, expressando o jogo de foras que, antes de se realizar nos espaos institu-
cionalizados, realiza-se na sociedade civil.
4. Consideraes finais
A Constituio Cidad, que institui diversos direitos sociais e cria rgos democrticos e
descentralizados, nos quais os cidados disputam o exerccio desses direitos, deu-se a partir,
e em paralelo, de grande mobilizao popular fortemente politizada e organizada. Sindica-
tos, movimentos sociais, partidos polticos, entre outras formas de representao, vinham de
muita atividade no curso das campanhas democratizantes e deram continuidade a isto, no
desdobramento da Assembleia Nacional Constituinte.
O quadro que se verifica hoje a rigor, de h algum tempo bastante diferente.
J no se vive este passado dos anos 1980, das grandes passeatas, greves e comcios, do
movimento sanitarista, da campanha pelas eleies diretas, da grande mobilizao pela e na
Constituinte.
O passado mais recente e o presente do Brasil expem uma sociedade desmobilizada,
pouco disposta atuao coletiva, inclinada a resolver seus problemas e alcanar seus obje-
tivos no mbito privado e, por isso, despolitizada ou despolitizando-se. uma situao que
parece reencontrar a descrio das instituies polticas feitas por Oliveira Vianna ou a carac-
terizao da sociedade brasileira realizada por Srgio Buarque de Holanda, com nuances de
Faoro, em seu Os donos do poder.
Estado e sociedade parecem cumprir com um programa de insulamento, de uma parte,
e, de outro, quando no a apatia, a opo individualista de recorrer ao relacional que a troca
de favores permite.
9
Como exemplo, Crtes cita o conceito de usurio. Segundo ela, um conceito muito vago. Serve bem s pesqui-
sas de opinio e satisfao na prestao de servios, mas no para atores inseridos no jogo de foras caracterstico
desses espaos.
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Ademais, necessrio observar a diferena dos movimentos sociais at os anos 1980 e
esses que ainda podem ser observados na atualidade. Os anos 1980 traziam lutas por direitos
universais. Hoje os movimentos esto centrados em interesses de grupos e categorias sociais
ou nas iniciativas pelo reconhecimento identitrio. As bandeiras polticas que eram comuns
aos movimentos sociais no passado, hoje so fragmentadas. Segundo Gohn (2000), a partir
dos anos 1990, aquele sujeito poltico autnomo, independente, foi capturado pelo Estado.
A sociedade civil agora est parcialmente mobilizada por polticas pblicas conduzidas pelo
Estado em parceria com Organizaes No Governamentais (ONGs), que desempenham o
papel de mediadoras entre a sociedade civil e o Estado. Essa mudana se verifica na produo
terica sobre os movimentos sociais nos anos 1990. Como enfatiza Gohn (2000), o foco dos
estudos passa a organizaes do terceiro setor, suas relaes com o Estado e seu papel de
prestador de servios pblicos. Essas organizaes em grande medida foram se distanciando
de suas origens e hoje so agentes de pesquisas, projetos e atividades de cunho assistencialista
e/ou cultural, perdendo de vista o carter reivindicatrio de seu surgimento.
Em face desta relao de parceria, expresso prdiga de sentidos, com o Estado, a au-
tonomia e combatividade das ONGs reduziram-se consideravelmente. Como mostra Fernan-
des (1994), se nos anos 1980 as ONGs no Brasil caracterizavam-se pela oposio ao Estado,
a partir dos anos 1990 o Estado brasileiro assume as ONGs como parceiras. Estas passam a
depender financeiramente do Estado e a serem orientadas por editais que determinam as
escolhas dos projetos inspirados por uma poltica pblica de governo ou pela ao social de
uma empresa. Significa dizer que os movimentos sociais que representariam a sociedade civil
nos conselhos gestores de polticas pblicas, nas audincias pblicas e nas sesses de OP dei-
xaram de ser provenientes de mobilizaes sociais, estimulados por valores gerais do projeto
democrtico, recolhendo-se, quando muito, condio de instrumentos polticos de grupos
de interesses.
evidente que continuam a existir excees, quando algumas organizaes da socie-
dade civil, mesmo em continuada relao com o Estado, mantm posies histricas empe-
nhadas na construo de novos padres de sociedade e de democracia. Mas no se encontra
a densidade que os anos 1980 e parte dos anos 1990 registravam.
Este fenmeno no pode ser desassociado do contexto mais amplo no qual se encontra.
Os anos 1990 so marcados por reformas que promovem desregulamentao, flexibilizao
de leis trabalhistas e previdencirias, diminuio da atuao do Estado na esfera social, entre
outras medidas semelhantes. Os valores ideolgicos que acompanhavam os movimentos so-
ciais at os anos 1980, relacionados a direitos universais e transformao social, foram, com a
emergncia da nova ordem, suplantados. Mais que isto, o resgate de valores tpicos do indivi-
dualismo liberal parece ter sido a semente mais fecunda de todo este contexto.
A experincia dos conselhos gestores, objeto de observao e anlise neste artigo, no
pode escapar destas circunstncias. Inscritos na Constituio e na contemporaneidade da so-
ciedade brasileira como resposta a um perodo rico em esperanas, valores ticos e sociais e
intensa mobilizao, eles parecem depender desse ambiente para funcionar com plenitude,
ainda que se desfaam do que se podem considerar exageros do romantismo poltico.
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Controle social e polticas pblicas: a experincia dos Conselhos Gestores 375
Nas atuais condies, seu funcionamento essencialmente burocrtico. No apenas no
sentido negativo que se d comumente a esta palavra, mas tambm na acepo que Michels
(1982) lhe empresta, quando analisa o distanciamento entre as elites e as bases das organi-
zaes polticas.
A observao realizada, em que se baseia este artigo, se deu no decorrer de 2011. Ela
portanto atualiza as apreciaes que se deram por outros autores, muitos aqui citados, todas
convergindo no sentido de revelar muitas limitaes e algumas distores nessas experincias
institucionais de democratizao da gesto pblica.
Neste sentido, o que se percebe que os Conselhos, ao se institucionalizarem, conver-
tem-se em aparelhos do Estado, com as mesmas vicissitudes das demais instituies do poder
poltico.
Assim como o controle social, lato sensu, nasce, como visto na introduo deste tex-
to, do questionamento efetividade da democracia representativa, tambm os instrumentos
criados para esse controle precisam da vigilncia da sociedade para bem funcionar. uma
aparente ironia, mas uma verdade dialtica, que estejamos dizendo que o controle social
institucionalizado pelos conselhos gestores, pelos conselhos gerais, pelos OPs e por todas as
possveis formas de representao de interesses necessitam igualmente de um controle social.
Referimo-nos ao mais efetivo e construtivo dos controles, aquele que se realiza pela sociedade
civil organizada, independente, autnoma e mobilizada. De certo modo, estamos reafirmando
o que disse Kliksberg (2007:569), ao comentar os aspectos comuns das experincias participa-
tivas exitosas na Amrica Latina: lo ms importante es el proceso democratizador en si.
No bastar, portanto, que os construtores da nova democracia e da nova administra-
o pblica criem os fruns de deciso sobre polticas pblicas ou sobre oramento. preciso
que recriemos esta sociedade civil, para que ambas, democracia e administrao pblica,
finalmente se encontrem.
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